ABSTRACT: This paper deals with two syntax-phonology inteiface facts that provide empirical evidence against the Multiple Spell-Out Hypothesis. A assun~ilo basica do Programa Minimalista e que a Forma Fonol6gica (PF) e a Forma L6gica (LF) silo os unicos nfveis de representa~ao da gramatica. Qualquer teoria acerca das lfnguas naturais tem de admitir nfveis de estrutura~ao equivalentes a PF elf, pois estes sao conceptual mente necesslirios. Do ponto de vista minimalista, as lfnguas naturais sao, no mfnimo e no maximo, som & significado. A sintaxe seria um sistema gerativo que combina unidades de som & significado menores (itens lexicais), produzindo unidades de som & significado maiores (PF & LF). Todas as propriedades de Estrutura-P e Estrutura-S passam a ser reconcebidas como principios de economia sobre deriva~oes ou como bare output conditions, i.e. propriedades dos sistemas que fazem interface com a gramatica. Num modelo de gramatica minimalista, nilo ha nenhum nfvel de representa~ao puramente sintatico. Nessa perspectiva, 0 antigo conceito de Estrutura-P foi substitufdo pelo de Numera~ao, que nao e um nfvel de representa~ao e nem mesmo uma estrutura sintatica, mas apenas uma col~ao de palavras ainda desconectadas. Portanto, nenhum principio de boa-forma~ao se aplica a Numera~ao. 0 conceito de Estrutura-S, por sua vez, foi substitufdo pelo de Spell-Out, que tambem nao e um nfvel de representa~ao, mas apenas uma opera~ao que envia objetos sintaticos para 0 componente fonol6gico no curso da deriva~ao. Certamente, 0 output de Spell-Out e uma estrutura sintatica, mas nao deve ser confundido com um nfvel de representa~ao, posta que nenhum principio de boaforma~ao se aplica a ele. o componente sintatico parte de uma cole~ao de palavras niio organizadas entre si e forma constituintes, atraves das opera~oes Merge e Move, ate atingir LF. Num estagio intermedilirio da deriva~ao, entre a Numera~ao elf, aplica-se Spell-Out, enviando a estrutura sintatica parcial para 0 componente fonol6gico, que se encarrega de linearizar a estrutura e converte-la numa representa~ao fonol6gica (i.e. PF), a qual deve conter tudo (e apenas) 0 que e relevante para 0 sistema articulat6rio-perceptual (A-P). Entre Spell-Out elf, hli outras aplica~oes de Merge e Move, mas sem nenhum reflexo empf. Nunes (1997) argumenta que 0 mapeamento da Numera~ao para LF e uniforme, nao havendo uma ordena~ao intrfnseca entre Spell-Out e todas as instancias
de Merge e Move anteriores ou posteriores. Em principio, Spell-Out poderia se aplicar a qualquer momento, mas 0 ponto exato da deriva~iio em que isso ocorre e determinado por princfpios de economia do componente sinmtico. Embora seja predominante a visiio de que a deriva~ao e bifurcada em Spell- Out, ha modelos altemativos dentro do minimalismo. O'Neil & Groat (1995) propoem que todas as opera~oes sintaticas (inclusive as invisiveis em PF) precedem Spell-Out. Assim, LF seria 0 input para 0 componente fonol6gico. 694 Para Chomsky (1995), ha apenas urn Spell-Out na deriva~ao de cada senten~a, obedecendo a single-rootedness condition (i.e. deve existir obrigatoriamente urn constituinte que domine todos os n6dulos terminais a serem representados em PF). Ou seja, 0 output de Spell-Out deve ter apenas urn n6dulo raiz. A single-rootedness condition nao seria urn primitivo da teoria, mas urn conceito derivado a partir do Axioma de Correspondencia Linear (LCA) (Kayne 1994), que tern urn papel central no Programa Minimalista. LCA: X precede Y se e somente se (i) ou (ii): (pas so de base) X c-comanda assimetricamente Y; (passo recursivo) existe urn Z tal que Z domina X e Z precede Y. o componente fonol6gico nao poderia lidar com "mores desconectadas", pois, nao havendo rela~ilo de c-comando entre elas, seria impossivel linearizar a estrutura de acordo com 0 LCA. Isso levaria a deriva~ao a nao convergir em PF ou ate mesmo a ser cancelada, pois a ordena~ao linear das palavras num eixo temporal e conditio sine qua non para que se obtenha urn objeto formallegitimo em PF, dado que a natureza do sistema A-P impoe a restri~ao de que nao se pode pronunciar duas ou mais palavras simultaneamente. Nessa perspectiva, aplica~oes multiplas da opera~ao Spell- Out sobre partes da senten~a constituiriam uma viola~ao de uma bare-output condition dea-p. Uriagereka (1997) considera a single-rootedness condition urn residuo da no~ao de Estrutura-S a ser abandonado, e propoe urn modelo de gramatica cfclico no qual multiplos Spell-Outs sao admitidos quando necessanos. A motiv~ao para isso e conceptual e nao empfrica. Segundo ele, 0 problema esta no estatuto axiomatico do passo recursivo do LeA. Em termos minimalistas, espera-se que haja apenas uma fun~ao de mapeamento da estrutura hierarquica sint4tica numa representa~ao linear de palavras em PF. o autor propoe, enta~, reduzir 0 LeA ao seu passo de base, derivando os efeitos do passo recursivo a partir de multiplas aplica~oes de Spell-Outs. Passo agora a expor 0 modelo de Uriagereka, omitindo uma serie de detalhes e usando uma nota~ao simplificada, devido aos limites de espa~o. Por exemplo, durante a deriva~iio da senten~a "todo homem ama uma mulher", ha urn ponto em que existem dois constituintes previamente construidos em
espa~os derivacionais separados (cf. 02 infra). Posteriormente, ambos devem ser combinados entre si, gerando uma estrutura mais complexa. 695 Para Uriagereka, s6 existe 0 passo de base do LeA. Logo, se os dois constituintes de (02) supra fossem conectados como em (03) infra a deriva~iio seria cancel ada, pois a estrutura obtida niio poderia ser linearizada depois. Portanto, 0 componente sintatico e for~ado a realizar uma aplica~ilo de Spell- Out sobre 0 constituinte [DPtodo[NPhomem]], enviando-o para 0 componente fono16gico antes de concatena-lo ao resto da estrutura. Tendo sido submetido a Spell-Out, esse constituinte e linearizado, e torna-se uma unidade at6mica, perdendo a sua estrutura interna. Com isso, deixa de ser urn constituinte complexo, e passa a ter 0 estatuto de palavra composta (cf. 04 infra).. o pr6ximo passo da deriva~ilo e tomar esse output de Spell-Out ja linearizado todohomem, e: num processo cfclico, concatena-io ao constituinte ainda niio linearizado [v'ama[dpuma[npmulher]]], gerando a estrutura (05) infra. Por tim, a estrutura resultante e submetida a uma opera~iio de Spell-Out e linearizada pelo (passo de base do) LCA. Note-se que, em (05) supra, a palavra todohomem c-comanda as palavras ama, uma e mulher. Em resumo, todo constituinte destinado a ocupar uma posi~iio de especiticador seria primeiramente submetido a aplica~ilo de Spell-Out isoladamente, sendo enviado para 0 componente fonol6gico. 0 output da fonologia e que seria concatenado ao resto da senten~a, num processo cfclico. Assim, derivam-se os efeitos do passo recursivo do LCA, eliminando 0 seu estatuto axiomatico e reconcebendo-o como urn teorema. Em principio, pode-se pensar que uma deriva~iio envolvendo vacias aplica~oes de Spell-Out seria exclufda por razoes de economia, posta que envolveria mais opera~oes. Contudo, convem lembrar que somente deriva~oes convergentes silo comparaveis em termos de economia (Chomsky 1995). Desse modo, multiplas aplica~oes de Spell-Out niio violariam principios de economia, desde que, numa dada deriva~iio, sejam conditio sine qua non para que se obtenha uma estrutura convergente em PF, caso contrario niio seria possfvellineariza-ia pelo (passo de base do) LCA. A deriva~iio s6 seria anti-econ6mica se 0 constituinte [v'ama[dpuma[npmulherj]] tambem fosse submetido a Spell-Out separadamente antes de ser combinado com todohomem, pois isso seria desnecessario.
Alem do trabalho de Uriagereka, outra abordagem em favor de multiplos Spell- Outs e fornecida por Hoffman (1995), que tambem rejeita a single-rootedness condition e trata certos fen6menos de scrambling sem nenhum movimento. Multiplos Spell-Outs enviariam ao componente fono16gico urn input com "arvores desconectadas", as quais niio podem ser linearizadas pelo LCA, mas siio ordenadas entre si num componente paratatico da gramatica. Essas sub-arvores s6 seriam conectadas entre Spell-Out elf. 696 Ie ne connais pas ce marchand de draps Ianglais. Ie ne connais pas ce marchand de drap[z]anglais. o exemplo (07-i) e ambfguo entre duas leituras: (i) "eu niio conhefo este homem ingles que vende tecidos" e (H) "eu niio conhefo este homem que vende tecidos ingleses". 0 exemplo (07-ii) s6 admite a segunda interpreta~iio. Fato analogo pode ser observado em portugues, atraves da regra de stress-shift, que desloca para a sflaba anterior 0 primeiro de uma sequencia de dois acentos adjacentes para evitar urn stress clash (Le. choque de acentos). Aquele professor de bale RUsso e 0 meu melhor amigo. Aquele professor de BAle RUsso e 0 meu melhor amigo. o exemplo (08-i) admite duas interpreta~oes: (i) "0professor de bale e russo", e (H) "0 professor ensina a danfa t(pica dos russos". Em (08-H), somente a segunda leitura e possfvel. Urn fato interessante pode ser observado no par de senten~as (09) infra. Na primeira, a flexiio de genero em professora impossibilita a leitura em que "a professora e russa", e 0 stress-shift e possfvel. Na segunda, a flexiio de genero em professora e em russa impossibilita a leitura em que "a professora ensina a danfa t(pica dos russos", nesse caso 0 stress-shift e impossfvel, e 0 componente fonol6gico deve lan~ar miio de outra estrategia para desfazer 0 stress clash (e.g. inser~iio de pausa, alongamento, etc.). i: ii:* Aquela professora de DAle RUsso e a minha melhor amiga. Aquela professora de BAle RUssa e a minha melhor amiga. Os exemplos em (07-09) supra podem ser elegantemente descritos assumindose que a liason e 0 stress-shift s6 podem ser aplicados em fronteira de palavras se elas estiverem numa rela~iio de c-comando. 0 exemplo (07-i) poderia ser a represent~iio fono16gica tanto de (to-i) como de (IO-H); enquanto (07-ii) s6 pode corresponder a (IOii). Do mesmo modo, (08-i) poderia ser a representa~iio fonol6gica tanto de (tt-i) como de (It-ii); enquanto (08-ii) e (09-i) s6 podem corresponder a (It-ii). 0 exemplo (09-ii) seria uma representa~iio fonol6gica mal-formada de (tt-i).
[ ce [[ marchand [ de [ draps ]]] [ anglais ]]] [ ce [ marchand [ de [ draps [ anglais ]]]]] [ aquele(a) [ [ professor(a) [ de [ bam ]]] [ russo(a) ]]] [ aquele(a) [ professor(a) [ de [ bale [ russo(a) ]]]]] Quero deixar bem claro que 0 c-comando e uma condi~iio necessaria mas niio e uma condi~iio suficiente para a aplica~iio da liason nem do stress-shift. Fatores estritamente fonol6gicos tambem estiio envolvidos. Portanto, nem sempre que duas palavras adjacentes em rela~iio de c-comando apresentarem urn clash, haven! stressshift. Mesmo nos casos em que 0 stress-shift e posfvel (e.g. 08-ii supra), existe a op~iio de desfazer 0 clash de outro modo. Ha outro ponto a ser enfatizado. Por razoes expositivas, trato a liason e 0 stress shift como diretamente sensfveis ao c-comando. Ha urn intenso debate entre os fon610gos acerca das vantagens e desvantagens de se conceber regras fonol6gicas como diretamente sensfveis a sintaxe ou como sensfveis a domfnios pros6dicos que, por sua vez, seriam construfdos com base na sintaxe (cf. Hayes 1990; Vogel & Kenesei 1990). Em Guimariies (1996), abordo os fatos acima em termos de domfnios pros6dicos que, indiretamente, refletem a estrutura sintatica. Contudo, esta questiio e total mente independente do que esta sendo discutido aqui. 0 importante e que a liason e 0 stressshift nunca se aplicam entre palavras que niio estiio em rela~iio de c-comando. Niio vejo como esses fatos possam ser explicados atraves de domfnios pros6dicos sem referencia ao c-comando durante 0 mapeamento que constr6i esses domfnios. Apesar das vantagens conceptuais do modelo de Uriagereka, considero-o insustentavel empiricamente, pois a rela~iio de c-comando e relevante no mapeamento sintaxe-fonologia niio s6 para a lineariza~iio, mas tambem define domfnios de aplica~iio de processos fonol6gicos. Tendo reconhecido que a liason e 0 stress-shift siio, direta ou indiretamente, sensfveis ao c-comando, como podemos descreve-los e explica-los a luz da Hip6tese de Multiplos Spell-Outs? Segundo Uriagereka, a gera~iio das estruturas (to-i) e (II-i) supra envolveria mais de urn ciclo derivacional. Em (to-i) supra, [marhand[de[draps]]] deve ser submetido a Spell-Out e linearizado antes de ser combinado ao resto da estrutura. 0 mesmo ocorreria com [professora[ de[bale]]] em (II-i) supra. [ ce [ marchanddedraps [ anglais ]]] [ aquela [ professoradebale [ ossa ]]] Note-se que, em (12-i), draps niio e mais urn constituinte. Ap6s a aplica~iio de Spell-Out sobre 0 constituinte [marchand[de[draps]]], draps passa a ter 0 estatuto de ultimo morfema (ou ultima sfiaba) da palavra marchanddedraps. 0 mesmo ocorre em (12-ii): bale niio e mais uma palavra; e 0 ultimo morfema (ou as duas ultimas sfiabas) da palavra composta professoradebale. Portanto, esse modelo faz a previsiio errada de que a liason e 0 stress-shift podem ocorrer entre quaisquer palavras adjacentes sempre que houver urn contexto
fonol6gico apropriado. Pode-se contornar 0 problema tomando essas regras fonol6gicas como sensfveis a estrutura morfol6gica das palavras compostas que siio output de Spell- Out. Mas isto seria, mutatis mutandis, admitir que 0 componente fonol6gico reconhece a palavra mais encaixada desse constituinte ja linearizado e verifica que ela niio c- comanda a palavra imediatamente posterior. Desse modo, reintroduz-se disfar~adamente o passo recursivo de LCA. Uma possibilidade inspirada nos fatos de LF que Uriagereka trata seria a seguinte. Onde ~ e urn constituinte num cicio derivacional X, e k precede imediatamente ~, pode haver liason ou stress-shift na fronteira entre k e ~ apenas se k acessa 0 componente fonol6gico no cicio X. Mas isto niio resolve 0 problema, pois k pode ser urn urn sintagmaja linearizado (cuja ultima sflaba e oriunda de outra palavra em outro cicio derivacional) acessa 0 componente fonol6gico no cicio X, podendo ser afetada por regras fonol6gicas juntamente com~. Concluo que 0 passo recursivo do LCA como urn primitivo te6rico e necessario. Caso contrario, fatos fonol6gicos ficam sem explica~iio. Note-se que a no~iio de Dominlincia tambem envolve urn passo recursivo do mesmo tipo: UK domina X se e somente se (i) para qualquer L, tal que L E K, X E L; ou (ii) existe urn M, tal Que X E Me K domina M" (Nunes & Thompson 1997). 698 RESUMO: Este artigo trata de dois fen{jmenos de interface sintaxe10nologia que fomecem evidencias empfricas contra a hipotese de multiplos Spell-Outs. CHOMSKY, N. (1995) The Minimalist Program. Cambridge: The MIT Press. GUIMARAES, M. (1996) A Minimalist Approach to Prosodic Phrasing. Campinas: UNICAMP, ms. HAYES, B. (1990) "Precompiled Phrasal Phonology". in: S. INKELAS & D. ZEC (eds.) The Phonology-Syntax Connection. Chicago: The University of Chicago Press. HOFFMAN, J. (1995) Syntactic and Paratactic Word Order Effects. University of Maryland at College Park. Ph.D. dissertation. NUNES, J. (1997) Some Notes on Procrastinate and Other Economy Matters. Los Angeles: University of Southern California, ms. NUNES, J. & E. THOMPSON (1997) "Formal Appendix". in: J. URIAGEREKA. Rhyme and Reason: a minimalist dialogue on human language. Cambridge: The MITPress. O'NEIL, J. & E. GROAT (1995) "Unifying Spell-Out and LF Interface in the Minimalist Program". GLOW 1995, Newsletter: 44-45. SELKIRK, E. (1974) "French Liason and X' Notation". Linguistic Inquiry (5):573-590.
699 URIAGEREKA, J. (1997) "Multiple Spell-Outs". in: M. BROWNING (ed.): Working Minimalism. Cambridge: The MIT Press. VOGEL, I. & I. KENESEI (1990) "Syntax and Semantics in Phonology". in: S. INKELAS & D. ZEC (eds.) The Phonology-Syntax Connection. Chicago: The University of Chicago Press.