185 REATORES UASB MESOFÍLICOS EM SÉRIE PARA PRODUÇÃO DE BIOGÁS UTILIZANDO VINHAÇA COM TORTA DE FILTRO MESOPHILIC UASB REACTORS IN SERIES FOR BIOGAS PRODUCTION FROM VINASSE WITH FILTER CAKE Valciney Gomes de Barros (1) Rose maria Duda1 (2) Roberto Alves de Oliveira2 (3) Resumo Neste trabalho avaliou-se o desempenho de dois reatores UASB em série (R1 e R2) com o aumento gradual da carga orgânica volumétrica sob condições mesofílicas, utilizando como substrato a vinhaça de cana-de-açúcar e torta de filtro. Os reatores foram operados por 350 dias, com tempo de detenção hidráulica (TDH) de 1,0 d no R1 e de 0,5 d no R2. As cargas orgânicas volumétricas (COV) aplicadas foram crescentes de 6,5 a 27,8 g DQOtotal (L d) -. As maiores produção volumétrica de metano foram de 2,9 L CH4 (L d) -1 no R1 e de 2,3 L CH4 (L d) -1 no R2. As maiores percentagens de metano no biogás foram de 69% no R1 e de 77% no R2, com COV de 27,8 g DQOtotal (L d) -1 no R1. A utilização da vinhaça com a torta-de-filtro contribuiu para o ajuste dos macronutrientes N e P recomendados para a digestão anaeróbia. Palavras-chave: Carga orgânica volumétrica. Metano. Tratamento anaeróbio mesofílico. Abstract In this study, we evaluated the performance of two UASB reactors in series (R1 and R2) with the gradual increase in the volumetric organic load under mesophilic conditions, using as substrate the sugarcane vinasse and filter cake. The reactors were operated for 350 days, with hydraulic retention time (HRT) of 1.0 d in R1 and R2 in 0.5 d. The organic loading rate (VOC) applied were increased from 6.5 to 27.8 g total COD (L d) -1. The highest volumetric yield of methane was 2.9 L CH4 (L d) -1 in R 1 and 2.3 L CH4 L d) -1 in R 2. The highest percentages of methane in the biogas was 69% (R1) and 77% (R2) with OLR 27.8 g total COD (L d -1 in R1. The use of vinasse with the filter-cake contributed to the adjustment of the macronutrients N and P recommended for anaerobic digestion. Keywords:. Methane. Mesophilic anaerobic treatment. Organic loading rate 1 Introdução Na safra 2014/2015 foram produzidos aproximadamente 28 bilhões de litros de etanol no Brasil (UNICA, 2016) e a principal matéria-prima utilizada é a cana de açúcar. O processo produtivo do etanol gera subprodutos, como a vinhaça, que podem poluir o meio ambiente, caso 1 Mestre em Microbiologia Agropecuária, UNESP - Jaboticabal - Departamento de Engenharia Rural. E-mail: valcineygb@yahoo.com.br 2 Doutora. Docente da Fatec-Jaboticabal. E-mail: roseduda@zipmail.com.br 3 Doutor. Docente da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, UNESP Jaboticabal.
186 dispostos de maneira inadequada. Uma típica destilaria de etanol produz grandes quantidades de vinhaça, aproximadamente 13 L de vinhaça para cada litro de etanol. A vinhaça é aplicada in natura na agricultura como fertilizante, através do processo chamado de fertirrigação é comum no Brasil. Com a perspectiva de controle ambiental e sustentabilidade, intensificam-se as novas propostas de soluções biotecnológicas para o tratamento da vinhaça visando à produção de bioenergia. Neste cenário, destacam-se os processos anaeróbios, que possibilitam a estabilização da matéria orgânica presente na vinhaça, possibilitando a produção de dois produtos finais de valor econômico, o biogás e a vinhaça biodigerida. A vinhaça de cana-deaçúcar normalmente não possui teores de fósforo e nitrogênio adequados para a digestão anaeróbia, a torta de filtro, outro subproduto da indústria sucroenergética, pode ser uma alternativa interessante para suplementação desses nutrientes. Neste trabalho avaliou-se o desempenho dos reatores anaeróbios em série, UASB R1 e R2, na digestão anaeróbia da vinhaça de cana-de-açúcar com torta de filtro sob condições mesofílicas, para a produção de biogás, remoção da matéria orgânica e qualidade do efluente. 2 Material e Métodos A unidade experimental foi composta por dois reatores UASB em série, R1 e R2, em escala piloto, operados na faixa de temperatura mesofílica, com volumes de 214,2 L (R1) e 115,0 L (R2), tanque para armazenagem do afluente e do efluente, bomba helicoidal, e gasômetros, conforme ilustrado na Figura 1. Figura 1- Foto do sistema de tratamento com os reatores UASB (R1 e R2). 1-tanques de armazenamento do afluente e afluente, 2- abrigo para bombas helicoidais, 3- gasômetros.
187 O afluente utilizado para a alimentação do sistema de tratamento anaeróbio termofílico foi vinhaça de cana-de-açúcar, proveniente da destilação do etanol hidratado, com a torta de filtro, coletada em indústrias sucroenergéticas da região de Ribeirão Preto. Para a partida do sistema de tratamento foi utilizado como inóculo lodo granulado de reator UASB termofílico, coletado em uma usina sucroenergética da região de Ribeirão Preto. A quantidade utilizada de torta de filtro por litro de vinhaça foi de 40 g. Para estabelecer este critério foi utilizado como base a relação de fósforo e nitrogênio recomendada ao processo de digestão anaeróbia (DQO: N: P. = 350 : 5 : 1) (Chernicharo, 2007). 3 Resultados e Discussão Os fatores ambientais ph, alcalinidade total (TA), alcalinidade parcial (AP) e ácidos voláteis totais (AVT) estão intimamente relacionados, e são muito importantes para a operação e controle de processos anaeróbios. Os valores médios do ph do afluente dos reatores R1 e R2 variaram de 6,4 a 7,2 (Tabela 1), foram mantidos nesta faixa em virtude da correção do ph através recirculação do efluente. Os valores médios do ph do efluente do reator R1 e R2 variaram de 6,41 a 7,66. Tabela 1- Valores médios do ph, alcalinidade total (AT), alcalinidade parcial (AP), relação AI/AP, ácidos voláteis totais (AVT), do afluente e efluentes dos reatores UASB em série R1 e R2, com o aumento gradual da COV no R1. COV (R1) (g DQOt (L d) -1 ) 6,5 c.v. 15,5 11,6 c.v. 18,3 18,8 c.v. 26,8 27,8 c.v. 2,6 ph AT AP AI/AP AVT Afluente 6,98 3830 1471 2,24 1902 c.v. 6,8 42,2 47,6 88,5 32,1 Efluente R1 7,20 3907 1576 2,06 1735 c.v. 8,3 40,2 44,2 98,9 33,0 Efluente R2 7,21 3970 1605 2,17 1653 c.v. 8,3 38,5 45,1 105,3 32,2 Afluente 6,64 2561 1220 1,24 1948 c.v. 0,9 24,2 21,5 9,6 19,4 Efluente R1 7,39 3324 2176 0,64 1690 c.v. 4,3 20,9 27,3 24,2 29,8 Efluente R2 7,35 3654 2531 0,56 1555 c.v. 2,3 24,4 25,4 23,7 30,2 Afluente 6,41 3512 1240 1,54 3260 c.v. 3,42 14,5 21,0 147 16,5 Efluente R1 7,59 3710 2933 0,66 2615 c.v. 3,1 11,1 13,8 22,2 15,9 Efluente R2 7,50 5104 3267 0,57 2193 c.v. 2,5 6,8 7,6 15,4 12,7 Afluente 7,16 4342 2252 0,75 2158 c.v. 1,5 3,0 7,8 26,1 11,1 Efluente R1 7,28 2515 1440 0,58 2579 c.v. 6,4 35,3 25,2 0,18 31,0 Efluente R2 7,66 4712 2954 0,64 1731 c.v. 5,3 7,37 19,3 42,5 21,1
188 Os valores médios AT aumentaram do afluente para o efluente do R2, 3830, 2561, 3512 e 4342 mg L -1 e 1471, 1220, 1240 e 2252 mg L -1, respectivamente, com o acréscimo gradual da COV. Os valores médios de AP no R2, aumentaram de 1605 até 3267 mg L -1, contribuindo para manutenção do ph a estabilidade do sistema. As concentrações de AVT no efluente do R1 e no R2 foram similares, de 1735 e 1690 mg L -1, respectivamente, para as faixas de COV aplicadas de 6,5 e 11,6 g DQOtotal (L d) -1. Com o aumento da COV para 18,8 e 27,8 g DQOtotal (L d) -1 ocorreram as maiores concentrações de AVT, de 2615 e 2570 mg L -1 no R1 e de 2193 e 1731 mg L -1 no efluente do R2, porém os reatores se manteve em condições de estabilidade. Estudos recentes têm avaliado o aumento da COV na digestão anaeróbia da vinhaça, como España- Gamboa et al. (2012) que avaliaram um reator UASB em escala laboratorial no tratamento da vinhaça, e observaram colapso do sistema com COV de 22,2 g DQOtotal (L d) -1. Os valores médios de nitrogênio Kjedahl (NK) e P-total no afluente, em virtude da suplementação, foram crescentes, de 147 a 372 mg L -1 e de 26,3 a 69 mg L -1, nos reatores R1 e R2, respectivamente (Tabela 2). As relações DQO:N:P no afluente variaram de 350:4,7:0,8 a 350:8,2:1,5, no R1 e R2. Estes valores estão próximos aos preconizados por Chernicharo (2007) para que sejam atendidas as necessidades dos microrganismos na fermentação metanogênica. Tabela 2 -Valores médios de demanda química de oxigênio total (DQOtotal), Nitrogênio Kjeldal (NK), Fósforo (P) e os valores das relações DQO:N:P no afluente e efluentes dos reatores UASB, em série, R1 e R2. Parâmetros DQO COV R1 (gdqototal (L d) -1 ) 6,5 c.v. 15,5 11,6 c.v. 18,3 18,8 c.v. 26,8 27,8 c.v. 2,6 c.v c.v. c.v. c.v. Afluente 6336 4,8 11620 18,3 18787 6,8 27748 2,6 DQO:N Afluente 350:8,2-350:7,9-350:7,2 350:4,7 - NK Afluente 147,7 13,7 264,8 19,4 383,1 15,4 372,4 1,6 Efluente R1 127,7 21,8 172,7 51,8 311,3 14,8 330,4 10,8 Efluente R2 115,9 21,2 165,4 57,9 312,0 19,8 314,3 15,43 DQO:P Afluente 350:1,5-350:0,9-350:0,8-350:0,8 - P Afluente 26,3 17,0 30,1 6,2 41,7 17,5 62,1 4,7 Efluente R1 11,9 24,8 20,2 29,4 29,6 20,4 32,5 7,6 Efluente R2 12,4 44,0 17,8 25,6 28,4 27,5 20,9 COV: carga orgânica volumétrica, c.v.: coeficiente de variação. Os valores médios da DQOtotal do afluente, com a diluição da vinhaça no efluente, foram crescentes, de 6336 até 27748 mg L -1. As maiores eficiência de remoção de DQOtotal nos reatores UASB, em série, (R1+R2) foram de 51,4%, com as maiores aplicações de COV no R1, de 27,8 g DQOtotal (L d) -1 (Figura 2). A produção volumétrica de metano aumentou
189 com o aumento da COV, com as maiores aplicações de COV de 27,8 g DQOtotal (L d) -1 os valores de produção volumétrica de metano foram de até 2,9 L CH4 (L d) -1 no R1 e 2,3 L CH4 (L d) -1 no R2. Figura 2 - Valores de DQOtotal, carga orgânica volumétrica (COV), produção volumétrica de metano e eficiência de remoção de DQOtotal nos reatores UASB em série, R1 e R2. DQOtotal 30000 25000 20000 15000 10000 5000 0 COV R1 (gdqototal (Ld) -1 ) Afluente R1 Efluente R1 Efluente R2 6,5 11,6 18,8 27,8 Eficiência % (R1+R2) 34,1 38,2 44,9 51,4 Prod. volumétrica (L CH 4 ( Ld) -1 ) 3,6 3,2 2,8 2,4 2 1,6 1,2 0,8 0,4 0 R1 R2 0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200 220 240 260 280 300 320 340 Tempo de operação (dias) 4 Conclusão A utilização dos reatores UASB mesofílicos em série contribuiu para o aumento da eficiência de remoção de DQO, produção de metano e qualidade do efluente. O aumento crescente da COV para valores próximos a 27,8 g DQOtotal (L d) -1 no R1, possibilitou a produção volumétrica de metano de até 2,9 L CH4 (L d) -1 no R1 e de 2,3 L CH4 (L d) -1 no R2. A utilização da torta de filtro contribuiu para o ajuste dos nutrientes necessários para a digestão anaeróbia.
190 5 Agradecimentos/ Apoio financeiro financeiro A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) apoio Referências CHERNICHARO, C.A.L. Reatores anaeróbios: princípios do tratamento biológico em águas residuárias. 2.ed. Belo Horizonte: DESA/UFMG., 2007. 380p. ESPAÑA-GAMBOA, E. I.; MIJANGOS-CORTÉS, J. O.; HERNÁNDEZ-ZÁRATE, G. MALDONADO, J. A. D.; ALZATE-GAVIRIA, L. M. Methane production by treating vinasses from hydrous ethanol using a modified UASB reactor.biotechnology for Biofuels, London, v. 5, n. 1, p. 82, 2012. UNICA (2016). UNIÃO DA INDÚSTRIA DE CANA-DE. AÇÚCAR. Moagem de cana-deaçúcar e produção de açúcar e etanol - safra 2014/2015. Disponível em< http://www.unicadata.com.br/historico-de-producao-e-moagem.>acesso em: 8 Jul. 2016.