1 A polêmica musical entre Wilson Batista e Noel Rosa A polêmica entre os dois artistas começou quando Silvio Caldas, em 1933, gravou música de Wilson Batista intitulada Lenço no pescoço exaltando de maneira veemente a prática da malandragem. Posteriormente, a música foi censurada pela Confederação Brasileira de Radiodifusão. Lenço no Pescoço Autoria de Wilson Batista Interpretação de Silvio Caldas Meu chapéu do lado Tamanco arrastando Lenço no pescoço Navalha no bolso Eu passo gingando Provoco e desafio Eu tenho orgulho Em ser tão vadio Sei que eles falam Deste meu proceder Eu vejo quem trabalha Andar no miserê Eu sou vadio Porque tive inclinação Eu me lembro, era criança Tirava samba-canção Comigo não Eu quero ver quem tem razão E eles tocam E você canta E eu não dou. Noel Rosa, possivelmente instigado pelo amigo Orestes Barbosa, demonstrou contrariedade com a exaltação de Wilson Batista à malandragem. Versões também sustentam que na disputa por uma morena em cabaré da Lapa Wilson Batista teria levado a melhor sobre Noel Rosa. Seja com for, Noel Rosa, ainda em 1933, compôs a música Rapaz Folgado. Rapaz Folgado Autoria de Noel Rosa Interpretação de Aracy de Almeida
2 Deixa de arrastar o teu tamanco Pois tamanco nunca foi sandália E tira do pescoço o lenço branco Compra sapato e gravata Joga fora esta navalha que te atrapalha Com chapéu do lado deste rata Da polícia quero que escapes Fazendo um samba-canção Já te dei papel e lápis Arranja um amor e um violão Malandro é palavra derrotista Que só serve pra tirar Todo o valor do sambista Proponho ao povo civilizado Não te chamar de malandro E sim de rapaz folgado. Wilson Batista não gostou da resposta. Além disso, para ele era uma ótima oportunidade de promoção brigar com Noel Rosa. Assim, ele compôs música revidando em 1934. Mocinho da Vila Autoria e interpretação de Wilson Batista Você que é mocinho da Vila Fala muito em violão, barracão e outros fricotes mais Se não quiser perder Cuide do seu microfone e deixe Quem é malandro em paz Injusto é seu comentário Falar de malandro quem é otário Mas malandro não se faz Eu de lenço no pescoço desacato e também tenho o meu cartaz. Mocinho da Vila foi considerada música sem muitas qualidades. Noel Rosa contra-atacou, ainda em 1934, com a música Feitiço da Vila, exaltando o bairro de Vila Isabel. Ao contrário de Mocinho da Vila, Feitiço da Vila alcançou grande sucesso. Feitiço da Vila Autoria de Noel Rosa e Oswaldo Gogliano (Vadico) Interpretação de João Petra de Barros
3 Quem nasce lá na Vila Nem sequer vacila Ao abraçar o samba Que faz dançar os galhos, Do arvoredo e faz a lua, Nascer mais cedo. Lá, em Vila Isabel, Quem é bacharel Não tem medo de bamba. São Paulo dá café, Minas dá leite, E a Vila Isabel dá samba. A vila tem um feitiço sem farofa Sem vela e sem vintém Que nos faz bem Tendo nome de princesa Transformou o samba Num feitiço decente Que prende a gente O sol da Vila é triste Samba não assiste Porque a gente implora: Sol, pelo amor de Deus, não vem agora que as morenas vão logo embora Eu sei tudo o que faço sei por onde passo paixão não me aniquila Mas, tenho que dizer, modéstia à parte, meus senhores, Eu sou da Vila! Posteriormente, na Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, no programa do Casé, Noel Rosa acrescentou alguns versos à música: Quem nasce pra sambar Chora pra mamar Em ritmo de samba. Eu já saí de casa olhando a lua E até hoje estou na rua.
4 A zona mais tranquila É a nossa Vila O berço dos folgados; Não há um cadeado no portão Porque na Vila não há ladrão. Em 1935 Wilson Batista reagiu desqualificando agressivamente o bairro de Vila Isabel como produtor de samba e insinuando a existência de ladrões. Conversa fiada Autoria de Wilson Batista Interpretação de Luiz Barbosa, Mário Moraes e Léo Vilar É conversa fiada dizerem que o samba na Vila tem feitiço Eu fui ver para crer e não vi nada disso A Vila é tranquila porém eu vos digo: cuidado! Antes de irem dormir deem duas voltas no cadeado Eu fui à Vila ver o arvoredo se mexer e conhecer o berço dos folgados A lua essa noite demorou tanto Assassinaram o samba Veio daí o meu pranto Noel Rosa não deixou de responder ao ataque debochado contra seu bairro, mas adotou como estratégia a elegância e a humildade: defendeu a Vila Isabel, mas elogiou outros bairros do Rio de Janeiro. Palpite Infeliz foi um dos mais belos sambas compostos por Noel Rosa, ainda em 1935. Palpite Infeliz Autoria de Noel Rosa Interpretação de Aracy de Almeida Quem é você que não sabe o que diz? Meu Deus do Céu, que palpite infeliz! Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira, Oswaldo Cruz e Matriz Que sempre souberam muito bem Que a Vila não quer abafar ninguém, Só quer mostrar que faz samba também Fazer poema lá na Vila é um brinquedo Ao som do samba dança até o arvoredo Eu já chamei você pra ver Você não viu porque não quis Quem é você que não sabe o que diz?
5 A Vila é uma cidade independente Que tira samba mas não quer tirar patente Pra que ligar a quem não sabe Aonde tem o seu nariz? Quem é você que não sabe o que diz? Muito possivelmente Noel Rosa pensou que a polêmica se encerraria com a resposta elegante, exaltando os outros bairros do Rio. Estava enganado. Wilson Batista, demonstrando irritação, utilizou o recurso de ridicularizar fisicamente Noel Rosa, em particular apontando para o problema de seu maxilar inferior, deformado pelo uso do fórceps durante o parto. A música Frankenstein da Vila não chegou a ser gravado em disco devido ao caráter ofensivo da letra, mas foi cantada nas rádios em 1936. Frankenstein da Vila Autoria de Wilson Batista Interpretação de Os Quatro Diabos Boa impressão nunca se tem Quando se encontra um certo alguém Que até parece um Frankenstein Mas como diz o rifão: por uma cara feia perde-se um bom coração Entre os feios és o primeiro da fila Todos reconhecem lá na Vila Essa indireta é contigo E depois não vá dizer Que eu não sei o que digo Sou teu amigo Sobre a reação de Noel Rosa à referência de Wilson Batista ao seu problema no maxilar, as versões são contraditórias. Algumas afirmam que ele não se importou; outras garantem que ele chorou com mágoa. Mas Wilson Batista, ainda ressentido com Palpite Infeliz, também em 1936 compôs outra música atacando Noel Rosa: Terra de cego. A música não chegou a ser gravada, mas Wilson Batista cantou a música para o próprio Noel Rosa no Café Leitão. Terra de Cego Autoria e interpretação de Wilson Batista Perde a mania de bamba Todos sabem qual é O teu diploma no samba. És o abafa da Vila, eu bem sei, Mas na terra de cego
6 Quem tem um olho é rei. Pra não terminar a discussão Não deves apelar Para um barulho na mão. Em versos podes bem desabafar Pois não fica bonito Um bacharel brigar. Ali mesmo Noel Rosa decidiu dar um basta na polêmica. Pediu a Wilson Batista para escrever, naquele momento, outra letra para a música. A letra era dedicada para uma mulher que namorava Wilson Batista, mas que, anteriormente, vivera paixão com Noel Rosa. Assim, Deixa de ser convencida surgiu em parceria entre os dois artistas, pondo fim a três anos seguidos de embates. Deixa de ser convencida Autoria de Noel Rosa e Wilson Batista Deixa de ser convencida Todos sabem qual é Teu velho modo de vida És uma perfeita artista, eu sei bem, Também fui do trapézio, Até salto mortal No arame eu já dei. E no picadeiro desta vida Serei o domador, Serás a fera abatida Conheço muito bem acrobacia Por isso não faço fé Em amor, em amor de parceria (Muita medalha eu ganhei!) www.brasilrepublicano.com.br