NOVOS POEMAS VINICIUS DE MORAES. coordenação editorial



Documentos relacionados
Portuguese Poetry / lines HS 5-6

a d o n i s Poemas Organização e tradução Michel Sleiman Apresentação Milton Hatoum

PERTO DE TI AUTOR: SILAS SOUZA MAGALHÃES. Tu és meu salvador. Minha rocha eterna. Tu és minha justiça, ó Deus. Tu és Jesus, amado da Minh alma.

LIVRO DE CIFRAS Página 1 colodedeus.com.br

ROBERTO SCHWARZ CHANCHADA POLÍTICA. a lata de Lixo Da Historia. 2 a_ EDIÇÃO REVISTA & AMPLIADA

Arte dos poemas em Sol-te, seção de Caprichos e relaxos retamozo, mirandinha, solda, swain, bellenda, fui vai, tiko

Figuras de Linguagem

Vinho Novo Viver de Verdade

MULHER SOLTEIRA. Marcos O BILAU

Pela luz dos olhos teus

Areias 19 de Janeiro de Querida Mãezita

MELHORES MOMENTOS. Expressão de Louvor Paulo Cezar

Valeska Cabral. Hipnose. Poesias. 1ª Edição. Rio de Janeiro - Brasil

Consternação. Beija-me mais uma vez. Tudo e nada Eu quero Um dilema Em que vivo!

Uma história de amor. Elisa Tiegs Gnewuch

Luciano Paris Armistício

Antonio Carlos Secchin Davi Arrigucci Jr. Eucanaã Ferraz Luis Mauricio Graña Drummond Pedro Augusto Graña Drummond Samuel Titan Jr.

POEMAS DE JOVITA NÓBREGA

o coração ruge como um leão diante do que nos fizeram.

eunice arruda - poesias alguns (poemas selecionados de eunice arruda)

Sete Trombetas (Lauriete)

SUMÁRIO Páginas A alegria 10 (A alegria está no coração De quem já conhece a Jesus...) Abra o meu coração 61 (Abra o meu coração Deus!...

Três Marias Teatro. Noite (Peça Curta) Autor: Harold Pinter

A arte e a maneira de abordar seu chefe para pedir um aumento


Era uma vez, numa cidade muito distante, um plantador chamado Pedro. Ele

O bom Jesus e o infame Cristo

ALEGRIA ALEGRIA:... TATY:...

O PASTOR AMOROSO. Alberto Caeiro. Fernando Pessoa

E alegre se fez triste

Toda bíblia é comunicação

Álbum: O caminho é o Céu

MAIS DE TI JESUS (JULIANO SOCIO) SENHOR DESCOBRI QUE NAO VIVO SEM TI TENS ME SUSTENTADO EM TUAS MAOS

Arte em Movimento...

MÚSICAS. Hino da Praznik Sempre Quando vens p ras colónias Sei de alguém Menino de Bronze Tenho Vontade VuVu & ZéZé

JOE SACCO NOTAS SOBRE GAZA. Tradução Alexandre Boide

ANTES DE OUVIR A VERDADE. Plano fechado em uma mão masculina segurando um revólver.

leonardo brasiliense Três dúvidas Novelas

Aluno(a): Nº. Disciplina: Português Data da prova: 03/10/2014. P1-4 BIMESTRE. Análise de textos poéticos. Texto 1. Um homem também chora

PESCADOR. Introdução: A E D E (2x) Mais qual é o meu caminho, qual a direção. E qual é o meu destino, minha vocação

Usa As Minhas Mãos. Intro: C9 G/B Bb/Eb D. Sei que queres tocar cada um que se abrir D/F# C/E D G Sei que queres agir com poder neste lugar

HINÁRIO. Glauco O CHAVEIRÃO. Glauco Villas Boas 1 01 HÓSPEDE

MIGUEL GONÇALVES MENDES. José e Pilar Conversas inéditas

Eu sempre ouço dizer. Que as cores da pele são diferentes. Outros negros e amarelos. Há outras cores na pele dessa gente

DESENGANO CENA 01 - CASA DA GAROTA - INT. QUARTO DIA

Vamos adorar a Deus. Jesus salva (Aleluia)

De Luiz Carlos Cardoso e Narda Inêz Cardoso

Furor suave. O Ar. À beira mar Está um homem a pescar Peixe está a apanhar E sem nunca parar. (Pedro Ernesto, 10 anos)

Amar Dói. Livro De Poesia

CANTOS DO FOLHETO O DOMINGO

O que procuramos está sempre à nossa espera, à porta do acreditar. Não compreendemos muitos aspectos fundamentais do amor.

COLÉGIO AGOSTINIANO SÃO JOSÉ PASTORAL EDUCATIVA São José do Rio Preto MÚSICAS PARA A MISSA DO DIA DOS PAIS 07 DE AGOSTO DE 2008

CAMINHOS. Caminhos (Prov. 14:12) Paulo Cezar e Jayro T. Gonçalves

Respirar das Sombras. Xavier Zarco

Rezar, cantar e crescer

LETRAS CD "AQUI VOU EU" GABRIEL DUARTE

1 - VERBO - João 1:1-3, 14. Intro - (F, Bb, F, Bb) 2x (F, Bb, Dm7, Bb9) 2x

TESTE DE ELENCO COM UMA CENA. Por VINICIUS MOURA

PREGAÇÃO DO DIA 08 DE MARÇO DE 2014 TEMA: JESUS LANÇA SEU OLHAR SOBRE NÓS PASSAGEM BASE: LUCAS 22:61-62

«Tesouro Escondido» Já sei que estás para chegar Espero por ti na ponta do cais O teu navio vem devagar A espera é longa demais

9º Plano de aula. 1-Citação as semana: Não aponte um defeito,aponte uma solução. 2-Meditação da semana:

Conheça mais esta inovação da MK Music Uma empresa que pensa no futuro

Em C Bm Me alegrarei em ti Senhor Em C B Em Me alegrarei em ti Jesus

Tenho Sede - Gilberto Gil

E quando Deus diz não?

HINÁRIO. Glauco O CHAVEIRÃO. Glauco Villas Boas. Tema 2012: Flora Brasileira Allamanda blanchetii

MALDITO. de Kelly Furlanetto Soares. Peça escritadurante a Oficina Regular do Núcleo de Dramaturgia SESI PR.Teatro Guaíra, no ano de 2012.

MERGULHO de Betina Toledo e Thuany Motta

PEDRO, TIAGO E JOÃO NO BARQUINHO ISRC BR MKP Domínio Público

Convite. Poesia é brincar com palavras como se brinca com bola, papagaio, pião. Só que bola, papagaio, pião de tanto brincar se gastam.

ROL DO BERÇO I trimestre- ano B

Portuguese Poetry / lines HS 5-6

INTERTÍTULO: DIANA + 1 FADE IN EXT. PRAIA/BEIRA MAR DIA

Como criar um Utilizador no Windows

IN EXTREMIS. * Nota do organizador. É de notar que o poema foi escrito com o autor ainda moço.

Encarte e letras disponíveis em Conheça mais esta inovação da MK Music Uma empresa que pensa no futuro

Lição 3. O Chicote. Coleção ABCD - Lição 3. Uma Atividade Para Cada Dia: 365 Dias do Ano. São Paulo: Vergara Brasil, p. 86.

HINÁRIO. Chico Corrente O SIGNO DO TEU ESTUDO. Tema 2012: Flora Brasileira Esponjinha (Stifftia fruticosa)

CD UM NOVO DIA. Um Novo Dia Autor: Paulo Cezar

Carlos Neves. Antologia. Raízes. Da Poesia

1º VESTIBULAR BÍBLICO DA UMADUP. Livro de João

LIÇÕES DE VIDA. Minha mãe Uma mulher fascinante Guerreira incessante Gerou sete filhos Em tentativa pujante De vencer as dificuldades com amor!

COM AQUARELAS DO AUTOR. Tradução e posfácios MÔNICA CRISTINA CORRÊA

Luís Norberto Pascoal

E lá,já cogitava os poemas que viriam a ter forma: Se eu fosse rendilheira Meu lar seria um barco

Aquecimento inespecífico: Os participantes devem andar pela sala não deixando nenhum espaço vazio, andando cada um no seu ritmo.

Lucas Liberato Coaching Coach de Inteligência Emocional lucasliberato.com.br

Epígrafe. "O tempo é algo que não volta atrás. Por isso plante seu jardim e decore sua alma, ao invés de esperar que alguém lhe traga flores.

s, José Paulo Paes, Francisco Alvim, Eucanaã Ferraz, Carlos lvim, Eucanaã Ferraz, Carlos Drummond de Andrade,

1. Porque eu te amo nunca será suficiente 2. Porque a cada dia você me conquista mais e de um jeito novo 3. Porque a ciência não tem como explicar

Coaching para pessoas disponíveis, ambos

coleção carlos drummond de andrade conselho editorial Antonio Carlos Secchin Davi Arrigucci Jr. Eucanaã Ferraz Samuel Titan Jr.

TÉRMINUS. AVCTORIS DIREITO AUTORAL & COPYRIGHT - Rafael Martins de Oliveira. CAPA Diego de Oliveira Castro. EDITORAÇÃO Diego de Oliveira Castro

Sobre esta obra, você tem a liberdade de:

José da Fonte Santa. Magia Alentejana. Poesia e desenhos. Pesquisa e recolha de Isabel Fonte Santa. Edições Colibri

Nossa Senhora Chitãozinho & Xororó Cubra-me com seu manto de amor Guarda-me na paz desse olhar Cura-me as feridas e a dor me faz suportar

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO

MOISÉS NO MONTE SINAI Lição 37

Oração 1. Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz!

Transcrição:

NOVOS POEMAS (ii) 1959 VINICIUS DE MORAES coleção VINICIUS de moraes coordenação editorial eucanaã ferraz

Copyright 2012 by V. M. Empreendimentos Artísticos e Culturais Ltda. Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009. Capa e projeto gráfico warrakloureiro Foto de capa Cena de rua e praia de Copacabana, Rio de Janeiro, 1949. José Medeiros/ Instituto Moreira Salles Pesquisa Daniel Sil Vitor Rosa Preparação Márcia Copola Revisão Huendel Viana Luciane Helena Gomide Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) (Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil) Moraes, Vinicius de, 1913-1980. Novos poemas (ii), 1959 / Vinicius de Moraes. 1 a ed. São Paulo : Companhia das Letras, 2012. (Coleção Vinicius de Moraes / coordenação editorial Eucanaã Ferraz) isbn 978-85-359-2185-4 1. Poesia brasileira i. Ferraz, Eucanaã. ii. Título. iii. Série. 12-12690 cdd-869.91 Índice para catálogo sistemático: 1. Poesia: Literatura brasileira 869.91 [2012] Todos os direitos desta edição reservados à editora schwarcz s.a. Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 32 04532-002 São Paulo sp Telefone: [11] 3707 3500 Fax: [11] 3707 3501 www.companhiadasletras.com.br www.blogdacompanhia.com.br

sumário A hora íntima 9 Menino morto pelas ladeiras de Ouro Preto 12 Poema dos olhos da amada 13 O poeta Hart Crane suicida-se no mar 15 A brusca poesia da mulher amada (ii) 18 Copacabana 20 A que vem de longe 23 Receita de mulher 25 Balada negra 28 Soneto do amor total 32 Balada das duas mocinhas de Botafogo 33 Máscara mortuária de Graciliano Ramos 39 O mergulhador 40 Pôr do sol em Itatiaia 43 Poema de Auteil 44 Genebra em dezembro 46 O operário em construção 48 posfácio Um claro na treva, por Ivan Marques 59 arquivo Do verso solitário ao canto coletivo, por Eduardo Portella 73 Entrevista concedida por Vinicius de Moraes a Clarice Lispector 79 cronologia 85 créditos das imagens 93

A HORA ÍNTIMA Quem pagará o enterro e as flores Se eu me morrer de amores? Quem, dentre amigos, tão amigo Para estar no caixão comigo? Quem, em meio ao funeral Dirá de mim: Nunca fez mal Quem, bêbedo, chorará em voz alta De não me ter trazido nada? Quem virá despetalar pétalas No meu túmulo de poeta? Quem jogará timidamente Na terra um grão de semente? Quem elevará o olhar covarde Até a estrela da tarde? Quem me dirá palavras mágicas Capazes de empalidecer o mármore? Quem, oculta em véus escuros Se crucificará nos muros? Quem, macerada de desgosto Sorrirá: Rei morto, rei posto Quantas, debruçadas sobre o báratro Sentirão as dores do parto? Qual a que, branca de receio Tocará o botão do seio? Quem, louca, se jogará de bruços A soluçar tantos soluços Que há de despertar receios? Quantos, os maxilares contraídos O sangue a pulsar nas cicatrizes Dirão: Foi um doido amigo 9

Quem, criança, olhando a terra Ao ver movimentar-se um verme Observará um ar de critério? Quem, em circunstância oficial Há de propor meu pedestal? Quais os que, vindos da montanha Terão circunspecção tamanha Que eu hei de rir branco de cal? Qual a que, o rosto sulcado de vento Lançará um punhado de sal Na minha cova de cimento? Quem cantará canções de amigo No dia do meu funeral? Qual a que não estará presente Por motivo circunstancial? Quem cravará no seio duro Uma lâmina enferrujada? Quem, em seu verbo inconsútil Há de orar: Deus o tenha em sua guarda. Qual o amigo que a sós consigo Pensará: Não há de ser nada Quem será a estranha figura A um tronco de árvore encostada Com um olhar frio e um ar de dúvida? Quem se abraçará comigo Que terá de ser arrancada? 10

Quem vai pagar o enterro e as flores Se eu me morrer de amores? Rio, 1950 11

MENINO MORTO PELAS LADEIRAS DE OURO PRETO Hoje a pátina do tempo cobre também o céu de outono Para o teu enterro de anjinho, menino morto Menino morto pelas ladeiras de Ouro Preto. Berçam-te o sono essas velhas pedras por onde se esforça Teu caixãozinho trêmulo, aberto em branco e rosa. Nem rosas para o teu sono, menino morto Menino morto pelas ladeiras de Ouro Preto. Nem rosas para colorir teu rosto de cera Tuas mãozinhas em prece, teu cabelo louro cortado rente Abre bem teus olhos opacos, menino morto Menino morto pelas ladeiras de Ouro Preto. Acima de ti o céu é antigo, não te compreende. Mas logo terás, no Cemitério das Mercês de Cima Caramujos e gongolos da terra para brincar como gostavas Nos baldios do velho córrego, menino morto Menino morto pelas ladeiras de Ouro Preto. Ah, pequenino cadáver a mirar o tempo Que doçura a tua; como saíste do meu peito Para esta negra tarde a chover cinzas Que miséria a tua, menino morto Que pobrinhos os garotos que te acompanham Empunhando flores do mato pelas ladeiras de Ouro Preto Que vazio restou o mundo com a tua ausência Que silentes as casas que desesperado o crepúsculo A desfolhar as primeiras pétalas de treva 1952 12

POEMA DOS OLHOS DA AMADA Ó minha amada Que olhos os teus São cais noturnos Cheios de adeus São docas mansas Trilhando luzes Que brilham longe Longe nos breus Ó minha amada Que olhos os teus Quanto mistério Nos olhos teus Quantos saveiros Quantos navios Quantos naufrágios Nos olhos teus Ó minha amada Que olhos os teus Se Deus houvera Fizera-os Deus Pois não os fizera Quem não soubera Que há muitas eras Nos olhos teus. Ah, minha amada De olhos ateus Cria a esperança 13

Nos olhos meus De verem um dia O olhar mendigo Da poesia Nos olhos teus. Rio, 1950 14