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Apontamentos sobre as relações familiares dos homens e mulheres escravos nas terras sergipanas (1816-1835) Joceneide Cunha UFBA /UNEB jocunha@uneb.com.br; jocunha@infonet.com.br Nos anos oitenta do século XX, surgiu a chamada nova historiografia da escravidão. Entre os pesquisadores destacam-se João José Reis, Maria Odila Leite Dias, Silvia Lara, Robert W. Slenes, Flávio Gomes, Hebe de Castro e Sidney Chalhoub. Alguns dessa corrente tiveram como influência teórica, entre outros, Eugene Genovese e Edward P. Thompson. Esses intelectuais buscaram ver o escravo como agente histórico e possibilitaram a emergência de estudos sobre, mulher, família escrava, os significados da liberdade e as estratégias para consegui-la, os africanos e suas identidades, e sinalizaram a importância das irmandades para compreendê-las, além de outras temáticas. Para estudar essas temáticas se fez necessário uma ampliação no leque de fontes, os documentos cartorários, eclesiásticos dentre outros que passaram a ser considerados fontes históricas e foram incorporados nas pesquisas, além dos já utilizados anteriormente, como os relatos de viajantes 1. ( CHALHOUB, 1986; SLENES, 1999; LARA,1999; REIS,2003) Dentro dessa perspectiva um dos temas que tem surgido é o estudo das relações de compadrio que envolvia os escravos. Alguns autores têm se debruçado sobre essa temática dentre eles temos: Stuart Schwartz e Cristiany Miranda. Schwartz possivelmente foi o pioneiro, pois no livro Segredos Internos, ele já menciona a temática. O mesmo autor estuda o compadrio na Bahia e em Curitiba e pontua que a escolha dos compadres possivelmente variou de região para região. Portanto, ele não descarta que em alguns casos a escolha dos padrinhos era dos escravos e em outros uma imposição dos senhores. Em outro artigo, Schwartz e Gudeman pontua que os meninos 1 Ressalto que acerca desse tema houve, durante algum tempo, a idéia de não existirem documentos para pesquisar sobre a escravidão, por conta das ordens de Rui Barbosa que mandou queimar boa parte do acervo. Vide: SLENES, Robert. O que Rui Barbosa não queimou: novas fontes para o estudo da escravidão no século XIX. Estudos Econômicos 13, N 1, 1983, pp. 117-150. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 1

escravos tinham maiores oportunidades de possuírem padrinhos livres, pois eles precisavam de maior proteção de pessoas livres que as meninas, por serem mais caros. E, a Cristiany Miranda afirma que as relações ritualísticas eram escolhidas pelos escravos, para a autora estudar o compadrio é analisar as possibilidades de escolhas dos mesmos e as estratégias que utilizaram. ( ROCHA, 2004; GUDEMAN& SCHWARTZ, 1988; FALCI, 1995; FARIA, 1987; SCHWARTZ, 1988; SCHWARTZ, 2001; METCALF, 1987) Este trabalho tem como intuito apontar alguns elementos das relações de compadrio em Santo Amaro que envolviam escravos no interstício de 1816-1835, ou seja, da ampliação da família. O marco temporal foi delimitado através de dois elementos, a documentação e bibliografia. Ressalto que houve um crescimento no número de engenhos nas terras sergipanas nesse período. Em 1756, havia 46 engenhos, no ano de 1798, 140 unidades e em 1852, 680 (MOTT, 1986). Lembrando que nesse período houve um declínio na produção mineradora, e aumento da produção açucareira, sobretudo baiana, até aproximadamente 1822 ( OLIVEIRA, 1997), portanto, provavelmente o aumento da produção baiana tinha a participação do açúcar produzido nas terras sergipanas. Meu interesse é analisar a vivência dos escravos, nesse momento de efervescência econômica. Enfatizo que a pesquisa ainda está em andamento. Poucos são os trabalhos em Sergipe que versam sobre a escravidão na primeira metade dos Oitocentos. Na historiografia sergipana, provavelmente o primeiro a comentar sobre os escravos e noticiar a existência de suas famílias foi Marcos Souza, classificado pelos historiadores como cronista. Marcos Souza foi vigário no inicio dos Oitocentos da Freguesia de Pé do Banco 2, localizada nas terras sergipanas. Segundo o Vigário, Santo Amaro era a Vila mais afamada e rica da capitania, possuía 2000 brancos, 1500 pretos e vários mestiços. E, os africanos, crioulos e mulatos estariam envolvidos no trabalho da lavoura. (SOUZA, 2005) Ele defende que a escravidão em Sergipe era mais branda que no Recôncavo Baiano e utiliza três elementos para sustentar a sua idéia, a alimentação, as vestimentas e a existência de famílias escravas. Não entrarei na discussão sobre a docilidade das relações senhor e escravo em Sergipe, pois a mesma já foi alvo de contestações em 2 Atual cidade de Siriri Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 2

alguns trabalhos( MOTT, 1986). No entanto, o vigário nos dá indícios sobre a existência das famílias escravas no período estudado, chegando a afirmar que era possível o casamento entre escravos de senhores diferentes. Todavia, o vigário não comenta sobre os batizados dos escravos que possivelmente realizou inúmeros, bem como os casamentos. Talvez fosse algo tão corriqueiro no seu cotidiano e por isso ele não julgou ser digno de nota no seu livro. Entretanto, especulo que se os casamentos eram permitidos entre escravos de senhores distintos, a relação de compadrio também pode ter sido. Em uma pesquisa que realizei anteriormente percebi que os escravos batizavam seus filhos com escravos de outros senhores (SANTOS, 2004). Todavia, saliento que o compadrio em Sergipe é pouco estudado. As fontes utilizadas nesse primeiro momento foram os registros de batismo. Os mesmos foram quantificados e analisados. Há na paróquia dois livros no interstício mencionado. Esses registros permitem termos noção dos padrões de batismo, bem como ter alguns elementos sobre a vivência dos escravos. Nos registros de batismo possui o nome da criança batizada, os nomes dos pais e a condição de ambos, a cor, a nacionalidade, o nome do proprietário ou dos proprietários, pois os pais poderiam pertencer a pais diferentes. O(s) nome(s) dos padrinho e/ou madrinha e dos seus senhores no caso dos mesmos serem escravos. Por fim, a idade da criança, o local que foi batizado, a data e o nome do pároco. Ressalto que os registros de batismo não são padronizados, havia alguns párocos que colocavam mais informações nos registros de batismo como o estado civil dos padrinhos. E no caso do livro pesquisado, como houve vários párocos batizando e provavelmente coletando as informações, nem todos coletavam as mesmas informações, por isso há registros diferenciados no interior do mesmo livro. Entre o meses de setembro de 1816 e setembro de 1817 foram catalogados 150 batizados de africanos e seus descendentes, incluindo os pardos. Desses, 131 eram escravos, incluindo e 18 livres, crianças filhas ex-escravos, ou ainda de mãe escrava e pai liberto. Este artigo está divido em três partes, na primeira mencionarei sobre os locais que os escravos e seus descendentes foram batizados, e citar alguns elementos desse Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 3

ritual, na segunda parte, pontuarei quem foram os batizados, na última parte mencionarei alguns dados de quem eram os padrinhos e madrinhas. 1 Os locais que se realizavam o ritual No Brasil, o compadrio foi um ritual bastante praticado tanto por livres como por escravos e trata-se de uma herança da cultura ibérica. Através do ritual do batismo, a família era ampliada pelos laços espirituais. Em Santo Amaro, as crianças, filhas de homens e mulheres escravos, ou escravos adultos foram batizados em diversos lugares. Dentre eles as capelas de Nossa Senhora do Rosário, De Maruim de Baixo, Nossa Senhora da Conceição, Santa Ana no Oratório do Capitão-mor, na Missão de Japaratuba e na Igreja Matriz. A população de cor batizou seus filhos majoritariamente na Capela de Nossa Senhora do Rosário, 60,66% dos batizados foram nesse local. Havia uma Irmandade do Rosário dos Homens Pretos em Santo Amaro desde o século XVIII (MOTT, 1986); que estava abrigada na referida capela. Ou seja, essa capela possivelmente era um espaço que os africanos e seus descendentes cultuavam seus santos católicos, construíam as suas relações ritualísticas através do batismo e do casamento. Em suma, era um espaço de sociabilidade dos mesmos. Além da capela já mencionada, o segundo lugar mais procurado pelos homens e mulheres escravos batizarem seus filhos foi a Igreja Matriz de Santo Amaro, templo esse que Marcos Souza classifica como majestoso(souza,2005). Vinte e um escravos ou filhos de escravos foram batizados na Matriz. Incluindo um escravo do pároco da Igreja, o reverendo Gonçalo Pereira Coelho que batizou o escravinho Florêncio, filho da sua escrava Felizarda que era casada com Antônio, também escravo 3. Quatro escravos foram batizados na Capela de Nossa Senhora da Conceição que ficava em uma propriedade particular, o engenho Caieira 4. Os escravos dos proprietários do engenho, bem como os dos parentes, dos vizinhos ou agregados da 3 Livro de Batismo de Santo Amaro nº 2, pág. 13v 4 A capela existe na atualidade e é tombada pelo IPHAN desde 1944. Vê em: LOUREIRO, Kátia Afonso Silva. Arquitetura Sergipana do Açúcar. FUNCAJU/UNIT, 1999. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 4

propriedade deveriam batizar seus filhos nessa capela. Pois, os escravos batizados encontrados até o momento não pertenciam aos senhores do engenho 5. Oito escravos foram batizados no oratório do capitão-mor, o Capitão Felipe Luís de Faro. Ambrosio e Brígida pertenciam ao mencionado capitão, e Margarida e Romão a Gregório Luis das Virgens. O mesmo número de pessoas entrou para o mundo dos cristãos na Capela de Santa Ana. Por fim, também oito buscaram o sacramento do batismo na capela de Maruim de Baixo. O batismo era um ato coletivo e por isso várias crianças livres e escravas recebiam o sacramento numa mesma cerimônia. Essa regra servia principalmente para os africanos que eram batizados coletivamente, eles chegavam nas terras sergipanas em grupo e assim faziam o seu batismo. Escravos de um mesmo senhor e de senhores distintos apadrinhavam seus filhos no mesmo dia. A data do batizado era marcada num dia em que todos pudessem ir à Vila: padrinhos, escravos e em alguns casos os senhores também. Em alguns dos batizados os proprietários de escravos se fizeram presentes. Acredito que nos batizados ocorridos nas propriedades havia uma probabilidade maior dos senhores estarem presentes nos batizados dos filhos dos seus escravos. Possivelmente alguns dias festivos foram preferidos para realizar a tal cerimônia, por como o dia que as irmandades sergipanas na época comemoravam Nossa Senhora do Rosário, 6 de janeiro 6. Em seis de janeiro de 1817, dia que se comemorava São Benedito em Sergipe; quatro pessoas foram batizadas dentre elas, três escravos gêges, Joaquim, Mathias e Bento e a menina Joaquina que era livre. 5 Segundo Loureiro a família que era proprietária desse engenho era A Diniz Sobral e os escravos batizados nessa capela pertenciam a João Pereira, Francisco Xavier do Bomfim e Manoel José de Souza. 6 O culto a São Benedito foi muito difundido entre os escravos, a idéia era difundir a idéia de um escravo submisso. Vê em: PINTO, Tânia Maria de Jesus. Os negros cristãos católicos e o culto aos santos na Bahia Colonial. Salvador, 2000. Dissertação (Mestrado em História Social) Programa de Pós- Graduação em História, Universidade Federal da Bahia. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 5

2 - Os batizados e batizadas Os escravinhos eram batizados logo após o seu nascimento, com até três meses de idade, 63,23% dos batizados estavam nessa categoria. Os demais batizados e batizadas eram molecotes ou adultos. Alguns dos africanos e africanas batizadas foram tinham entre 14 e 20 anos. Ressalto que há alguns registros sem a referência da idade, e sem a menção de quem são os pais, assim podemos especular que possivelmente não eram crianças. O sacramento batismal marca a entrada no mundo cristão e o registro de batismo era o documento que oficializava a existência das pessoas, por esses motivos era necessário que o ritual acontecesse enquanto a criança estivesse nova. Todavia, o registro de batismo ia além de um documento eclesiástico, ele também era um documento social, pois trazia várias informações sobre o indivíduo, a sua família e os padrinhos. No período em estudo não havia os registros civis. Por conta desses dados, percebemos que os senhores provavelmente se preocupavam que seus escravos fossem convertidos à Fé Católica, pois assim oficializavam a sua posse sobre a criança nascida. Sobre a legitimidade houve um equilíbrio nas relações dos escravos e escravas. Um pouco mais da metade das crianças batizadas eram fruto de relações legítimas 60%, e as demais eram provenientes de relações não sancionadas pela igreja, as chamadas ilegítimas, possivelmente algumas delas eram consensuais. A existência de casamentos entre escravos do mesmo senhor, indicia a existência de médias e grandes posses, assim, os escravos teriam como escolher seus cônjuges na posse do seu senhor. Dos batizados 28 eram africanos, ou seja, 18,6% dos batizados; esses eram geges em sua maioria seguidos de congos, angolas, Costa da Mina e um Uça ou ainda chamados genericamente de gentios de nação. Além dos 28 africanos e africanas, 18 escravos adultos foram batizados que especulo serem africanos. Todavia, apenas com o cruzamento de fontes, poderei concluir sobre a nacionalidade deles. Ainda sobre os africanos, o vigário Marcos Souza, em 1808, menciona a existência dos africanos da Guiné e os Angola em Santo Amaro. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 6

Além de serem batizados os africanos também levavam seus filhos para serem batizados, 1/3 das pessoas batizadas eram crioulas, ou seja, possivelmente filhos ou netos de africanos. Os crioulinhos e crioulinhas foram maioria entre os batizados e batizadas. Além da categoria crioula, nos registros tem a categoria preto entre crianças escravas e livres. Entre os adultos, os homens foram maioria entre os batizados, incluindo os africanos, já entre as crianças houve um equilíbrio. 3 - Os compadres e comadres A larga maioria das crianças e adultos foram batizados por pessoas livres e/ou forras. Essas pessoas livres podiam ser agregadas das propriedades que os escravos trabalhavam, vizinhos ou parentes dos senhores. Pretendo saber mais elementos sobre essas pessoas. No entanto, possivelmente eram pessoas próximas desses escravos. Em Lagarto encontrei o tesoureiro da irmandade de Nossa Senhora do Rosário batizando uma criança escrava. Ou seja, ele era uma pessoa próxima dos pais da criança, já que a irmandade também admitia escravos (SANTOS, 2004). Apenas doze escravos foram batizados por escravos, e quatro eram africanos. Sete desses padrinhos eram parceiros 7 de trabalho dos pais dos seus afilhados ou dos próprios afilhados como o caso dos africanos. Como Delfina e Pedro que batizaram Leandro, filho de Ana; todos eram escravos de Antônio Dias de Vidal Melo 8. Possivelmente algumas posses de escravos eram médias e grandes, o que possibilitava aos escravos possibilidades de escolher um padrinho no interior da propriedade do seu senhor. Sheyla Faria chegou a conclusão que as crianças ilegítimas e que estavam em pequenas e médias posses foram batizadas por pessoas livres que eram pequenos 7 Segundo Mattos, a denominação parceiros foi utilizada pelos escravos, em algumas ocasiões. no sentido de que eram escravos do mesmo senhor, as exceções eram os amásias(os) ou cônjuges, irmãos, pais/mães e comadres/compadres; em outros momentos a idéia implícita é a de companheiro de sofrimento ou de jornada. Em Lagarto, foi possível perceber as duas utilizações do termo, escravos depoentes chamaram de parceiros, escravos que os acompanhavam no eito ou escravos do mesmo senhor e companheiros de sofrimento. Vide: MATTOS, Hebe Maria. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no sudeste escravista, Brasil século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. pp.130-131 8 Livro de Batismo de Santo Amaro nº 2, pág.9v Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 7

proprietários de escravos, enquanto que as crianças legítimas tiveram como padrinhos escravos que pertenciam ao mesmo senhor do batizado, eles faziam parte de grandes posses (FARIA, 1998). Ou seja, os escravos das grandes propriedades tinham um leque mais diversificado para escolher um compadre entre os seus parceiros de trabalho. Na Bahia, os escravos buscavam alianças: (i) horizontais, quando os pais escravos buscavam outros escravos para serem padrinhos, integrando ainda mais a criança à comunidade escrava; (ii) verticais, quando os pais entregavam os seus filhos a padrinhos livres, nesta situação os escravos buscavam ascensão social para os seus filhos 9. (GUDEMAN & SCHWARTZ, 1988) Em Santo Amaro, os escravos preferiam construir alianças verticais que as horizontais. Futuramente esperamos responder as razões dessa escolha. No entanto, ressalto que o batismo não significava apenas a entrada para o mundo cristão, mais também era uma possibilidade de construir laços de solidariedade. E, padrinho ou madrinha seria responsável pelos elementos espirituais e materiais do afilhado. A maioria das crianças e adultos batizados tiveram um casal como padrinhos 63,80%. No entanto, nem todas as crianças e adultos puderam usufruir desse privilégio, alguns tiveram apenas um padrinho ou madrinha. Dentre esses, os homens foram preferidos para apadrinharem as crianças e adultos, 33 crianças e adultos foram batizados apenas por homens e quatro crianças escravas tiveram somente a madrinha. Novamente, a possibilidade de contar com ajudas materiais fizeram que os homens fossem escolhidos e não as mulheres. Analisando os batismos dos escravos e seus descendentes percebemos que há alguns personagens que se repetem, ou seja, houve escravos, pessoas livres e libertas que batizaram várias crianças e/ou adultos. Jacinto e Josefa que eram escravos e possivelmente casados, batizaram Joaquim e Paulo e Rosa. Todos eram escravos do Capitão Manoel Rollemberg de Andrade, os dois primeiros eram africanos e foram batizados no mesmo dia, já Rosa era brasileira e foi batizada em outro dia 10. Outro 9 Metcalf chegou a esta conclusão pesquisando São Paulo Setencentista, acredito que ocorreu algo muito próximo em Lagarto nos Oitocentos. Ver em: METCALF, Alida. Vida familiar dos Escravos em São Paulo no Século Dezoito: O caso de Santana de Parnaíba. In: Estudos Econômicos, vol.17, n 2, 1987.pp.229-243 10 Livro de Batismo de Santo Amaro nº 2, pág.13 v, e 14 Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 8

exemplo era Vicente José Barreto que batizou em dias distintos; duas crianças Pascacia e Geronimo e Antônio Angola 11. Cristiany Miranda Rocha estudando o compadrio percebeu que alguns escravos batizaram várias crianças, posteriormente ela observou que esses escravos preferidos para serem padrinhos conseguiram a alforria. Por conta, desse elemento ela deduziu que os escravos preteridos para serem padrinhos eram próximos aos senhores ou exerciam uma função de destaque; por esses motivos os demais escravos escolhiam os mesmos para apadrinharem seus filhos (ROCHA, 2004). Era uma possibilidade de aproximação com o senhor e assim barganhar alguns dos seus interesses. Assim podemos especular que Jacinto e Josefa, já citados, podiam exercer uma espécie de liderança na posse do ser senhor, que possivelmente tinha inúmeros escravos, pois nos registros até o momento foram encontrados onze escravos, seja na posição de padrinho ou de afilhado. Algumas considerações finais Primeiramente quero ratificar que este texto é fruto de uma pesquisa inacabada, portanto ao término da mesma os dados poderão ser alterados. Segundo, que pretendo utilizar outras fontes e assim fazer o cruzamento de informações. A Capela do Rosário de Santo Amaro foi o espaço preferido pelos escravos e seus descendentes se batizarem. Havia uma identificação dos escravos incluindo os africanos com esse espaço, já que no mencionado templo funcionava uma Irmandade de Homens pretos. Enfatizo que o batizado era um ritual coletivo, no mesmo dia crianças e adultos, livre e escravos eram batizados. Os escravos batizavam seus filhos logo após o nascimento. O batizar era algo que interessava o senhor, pois era criado um documento que oficializava a criança como sua propriedade, e era importante para os escravos, pois através do compadrio construíam laços de solidariedade e/ou alianças. Os homens e mulheres escravos de Santo Amaro optaram em construir essa rede de alianças com pessoas livres e/ou libertas; ou as possibilidades de construção dessas redes eram escassas no cativeiro. 11 Livro de Batismo de Santo Amaro nº 2, pág. 3,7, 9v Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 9

Em suma, através do batismo podemos conhecer um pouco a vivência dos escravos, suas opções e estratégias cotidianas. FONTES e REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FONTE PRIMÁRIA Impressa SOUZA, Marcos Antônio. Memória sobre a capitania de Sergipe. Sergipe/Aracaju. 2005. Manuscrita Livro de Batismo de Santo Amaro nº 2 REFERÊNCIAS FALCI, Miridan Knox. Escravos do Sertão. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1995. pp.96-110 GUDEMAN, Stephen & SCHWARTZ, Stuart. Purgando o pecado original: compadrio e batismo de escravos na Bahia do século XVIII. In: REIS, João. Escravidão e Invenção da Liberdade: estudos sobre o negro no Brasil. São Paulo: Brasiliense; CNPq, 1988. pp.33-59.; FARIA, Sheyla de Castro. A Colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. LOUREIRO, Kátia Afonso Silva. Arquitetura Sergipana do Açúcar. FUNCAJU/UNIT, 1999. MATTOS, Hebe Maria. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no sudeste escravista, Brasil século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. pp.130-131 METCALF, Alida. Vida familiar dos Escravos em São Paulo no Século Dezoito: O caso de Santana de Parnaíba. In: Estudos Econômicos, vol.17, n 2, 1987. pp.229-243. MOTT, Luis. Sergipe Del Rey: população, economia e sociedade. Aracaju: Fundesc, 1986. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 10

OLIVEIRA, Maria Inês Côrtez. Quem eram os negros da Guiné? A origem dos africanos na Bahia. Afro-Ásia, 19/20. (1997) PINTO, Tânia Maria de Jesus. Os negros cristãos católicos e o culto aos santos na Bahia Colonial. Salvador, 2000. Dissertação (Mestrado em História Social) Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal da Bahia. ROCHA, Cristiany Miranda. Histórias de famílias escravas. Campinas: Editora da UNICAMP, 2004. SANTOS, Joceneide Cunha dos. Entre farinhadas, procissões e famílias: a vida de homens e mulheres escravos em Lagarto, Província de Sergipe (1850-1888). Salvador, 2004. Dissertação (Mestrado em História). Pós-graduação em História Social Universidade Federal da Bahia. SCHWARTZ, Stuart. Segredos Internos: Engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Companhia das Letras. 1988; SCHWARTZ, Stuart. Abrindo a roda da família: compadrio e escravidão em Curitiba e na Bahia. In: Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2001. SLENES, Robert W. Na Senzala, uma Flor: esperanças e recordações na formação da família escrava, Brasil sudeste, século XIX. RIO DE JANEIRO: Nova Fronteira, 1999. SLENES, Robert. O que Rui Barbosa não queimou: novas fontes para o estudo da escravidão no século XIX. Estudos Econômicos 13, N 1, 1983, pp. 117-150. SOUZA, Marcos Antônio. Memória sobre a capitania de Sergipe. Sergipe/Aracaju. 2005. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 11