ASPECTOS ANATÔMICOS E TECNOLÓGICOS DE PAINÉIS CONFECCIONADOS BELINI, U. L. et al. COM FIBRAS DE EUCALIPTO E CANA-DE-AÇÚCAR

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Transcrição:

48 ASPECTOS ANATÔMICOS E TECNOLÓGICOS DE PAINÉIS CONFECCIONADOS BELINI, U. L. et al. COM FIBRAS DE EUCALIPTO E CANA-DE-AÇÚCAR Ugo Leandro Belini 1, Mario Tomazello Filho 2, José Luís Penetra Cerveira Louzada 3, José Carlos Rodrigues 4 RESUMO: O crescente aumento do consumo de madeira de rápido crescimento, o expressivo crescimento na demanda de painéis de madeira e a necessidade de tecnologias para a utilização de insumos considerados como resíduos constituem desafios no desenvolvimento de novos produtos. Neste estudo, partículas de bagacilho de cana-de-açúcar (Saccharum spp) foram misturadas, em percentual até 100%, com fibra de Eucalyptus grandis para a produção de painéis, tendo como agente aglutinante resina ureia formaldeído. Os módulos de elasticidade (MOE) e de ruptura (MOR) dos painéis confeccionados com 75% de bagacilho de cana-de-açúcar não foram afetados significativamente, porém, com 100% dessa matéria-prima, não se enquadraram na NBR 15316 (2006). O estudo indica a viabilidade de utilização de partículas de bagacilho de cana-de-açúcar com fibras de Eucalyptus grandis na manufatura de painéis. Palavras-chave: Bagacilho de cana-de-açúcar, eucalipto, painéis de madeira, anatomia, propriedades tecnológicas. ANATOMICAL AND TECHNOLOGICAL ASPECTS OF PANELS MADE WITH EUCALYPT AND SUGARCANE BAGASSE FIBERS ABSTRACT: The increasing consumption of fast growing wood, the expressive rise in the demand for wood panels and the need for technologies that make use of materials considered as waste constitute challenges in the development of new products. In this study particles of sugarcane (Saccharum spp) were mixed with different percentages of Eucalyptus grandis fibers, up to 100 %, and urea formaldehyde, a binding agent for the panels production. Modulus of elasticity (MOE) and rupture (MOR) of the panels built with 75% percent of bagasse of sugarcane were not significantly affected, but when containing 100% of this raw material they did not comply with regulations. This study proves the feasibility of using sugarcane bagasse particles, with Eucalyptus grandis fibers, for panels manufacture. Key words: Sugarcane bagasse, eucalypts, wood panels, anatomy, technological properties. 1 INTRODUÇÃO Como resultado da extração do caldo dos colmos de cana-de-açúcar no processo industrial, obtém-se o bagacilho, constituído por fibras (46%), água (50%) e sólidos dissolvidos (4%), em valores de 240-280 kg por tonelada de colmos de cana-de-açúcar (COPERSUCAR, 2009). Devido ao excedente de produção desse insumo nas usinas de açúcar e de álcool (SANCHOTENE, 2007), pode-se recomendar, como destinação alternativa, sua utilização na confecção de painéis de madeira, notadamente o MDF (ROSSEL, 2006). O bagaço de cana-de-açúcar apresenta disponibilidade sazonal no período abril-dezembro, com preço indicado de venda de R$ 10,00-35,00/t. Apenas como exemplo ilustrativo, considerando uma espécie florestal com madeira de densidade de 500 kg/m³ e custo de R$ 70,00/m³, obtém-se que 1 t representa 2,0 m³, com custo final de R$ 140,00. Verifica-se, dessa forma, que há viabilidade comercial da utilização do bagaço de cana-deaçúcar na substituição parcial da madeira na confecção de painéis. Neste contexto, o presente trabalho foi realizado com o objetivo de avaliar aspectos anatômicos e tecnológicos de painéis confeccionados com partículas de bagacilho de cana-de-açúcar e fibras de eucalipto, em diferentes percentagens. 2 MATERIAL E MÉTODOS 2.1 Coleta das amostras de cana-de-açúcar e eucalipto As amostras de partículas de cana-de-açúcar após moagem (bagacilho) foram coletadas na Usina Açucareira São Manoel S.A, na cidade de São Manuel, SP e as amostras de fibras de eucalipto (e demais componentes 1 Engenheiro Florestal Departamento de Ciências Florestais ESALQ/USP Av. Pádua Dias 11 Cx. P. 09 13418-900 Piracicaba, SP ulbelini@esalq.usp.br 2 Professor Titular Departamento de Ciências Florestais ESALQ/USP Av. Pádua Dias 11 Cx. P. 09 13418-900 Piracicaba, SP mtomazel@esalq.usp.br 3 Pesquisador Departamento Florestal da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) Quinta dos Prados Apartado 1013 Vila Real, Portugal jlousada@utad.pt 4 Pesquisador Instituto Superior de Agronomia (ISA) Tapada da Ajuda 1349-17 Lisboa, Portugal jose.rodrigues@iict.pt

Aspectos anatômicos e tecnológicos de painéis... 49 celulares) foram coletadas, após o desfibramento dos cavacos, em equipamento industrial na empresa Duratex S.A. As amostras de bagacilho foram classificadas morfologicamente em peneira vibratória Produtest, através de malhas com aberturas 12,0 mm; 6,3 mm; 3,15 mm, 2,0 mm e <2,0 mm (coletor). Todo o material retido na peneira <2,0 mm (coletor), que representou cerca de 60% do total, foi utilizado para a confecção dos painéis, em conjunto com fibras de eucalipto. 2.2 Confecção dos painéis com de partículas de cana-deaçúcar e fibras de eucalipto As fibras de eucalipto e de cana-de-açúcar foram secas em estufa, a 70 C, até umidade entre 2% e 3%. Foram propostos 5 tratamentos, com confecção de 2 painéis em cada um, que consideram os percentuais de fibras em 0%, 25%, 50%, 75% e 100% para cana-de-açúcar, em complemento às fibras de eucalipto. Como aditivos utilizouse resina ureia formaldeído, em percentual de 14%/fibra seca e emulsão de parafina comercial, na dosagem de 0,8%/ fibra seca. Os painéis foram confeccionados em prensa laboratorial com ciclo de prensagem programado (BELINI; TOMAZELLO FILHO; CHAGAS, 2009) e composto por patamares de pressão e manutenção de um tempo em cada estágio, mantido inalterado durante. Após prensagem, os painéis foram climatizados à temperatura ambiente e apresentaram dimensões finais nominais de 15,0 x 370 x 370 mm e densidade de 750 kg/m³. 2.3 Determinação das propriedades físico-mecânicas dos painéis As propriedades físico-mecânicas das amostras dos painéis (módulos de elasticidade e de ruptura, resistência e tração perpendicular e inchamento) foram determinadas em equipamento de ensaios universal marca IMAL, na unidade de Botucatu da empresa Duratex S.A. e de acordo com os preceitos da ABNT NBR 15316-3 (ABNT, 2006). 2.4 Caracterização anatômica através de microscopia eletrônica de varredura (MEV) A obtenção de imagens por microscopia eletrônica de varredura (MEV) dos painéis, para a caracterização anatômica, foi realizada nas duas regiões que apresentam maior contraste entre a presença e a distribuição dos componentes celulares, que são o centro e a face dos painéis. No centro, as imagens foram obtidas dos corposde-prova submetidos aos ensaios de resistência à tração perpendicular, também no intuito de realizar verificações sobre a dinâmica de rompimento. Na face, as imagens foram obtidas diretamente na região submetida ao ciclo de prensagem. As análises foram realizadas na Unidade de Microscopia Eletrônica da Universidade de Trás-os- Montes e Alto Douro (UTAD, Portugal), utilizando o equipamento FEI Quanta 400. Para cada tratamento foram realizadas duas preparações, tornando-se as amostras condutoras por deposição de ouro/paládio pelo método de metalização (sputtering) que utilizou o equipamento Polaron Range SC7620 Sputter Coater. Durante as análises, foi utilizado o modo alto vácuo, tendo sido utilizada pressão parcial, no interior da câmara, de 1,33 mbar e tensão de aceleração de 2 Kv para a aquisição de imagem 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1 Propriedades físico-mecânicas dos painéis Os resultados da avaliação das propriedades tecnológicas são apresentados na Tabela 1. Analisandose comparativamente as variáveis, podem-se discutir os aspectos descritos a seguir. Na determinação dos módulos de ruptura e elasticidade, apesar da similaridade estatística entre as médias dos tratamentos contendo percentual de cana-deaçúcar entre 0% e 50 %, é verificada redução nos valores médios como o aumento do percentual de cana-de-açúcar no painel. Os painéis confeccionados com 100% de fibras de cana-de-açúcar não apresentaram valores médios mínimos para enquadramento na normatização vigente que são, respectivamente, de 20 N/mm² e 2.200 N/mm². Ye et al. (2007), ao confeccionarem de painéis MDF com talos de trigo e soja, na proporção de 50% de cada componente e utilização de resina ureia formaldeído em 12%/fibra seca, determinaram módulo de ruptura em 28,0 N/mm² e módulo de elasticidade em 3.200 N/mm², similares à presente avaliação, para percentuais de cana-de-açúcar entre 0% e 50%. Os resultados médios obtidos para a variável resistência à tração perpendicular indicaram relativa proximidade entre os tratamentos com 0%, 50% e 75% de cana-de-açúcar e, em patamar inferior de valores e estatisticamente similares em média, os tratamentos com 25% e 100% de cana-de-açúcar para esta variável, que constitui um dos principais ensaios para controle de qualidade de painéis de fibra e de partículas, durante e

50 BELINI, U. L. et al. Tabela 1 Propriedades físico-mecânicas dos painéis confeccionados com partículas de cana-de-açúcar e eucalipto. Table 1 Properties of panels make with sugarcane bagasse and eucalypt fibers. Valores médios seguidos de (máxima; mínima) (desvio padrão) e (coeficiente de variação); letras diferentes em uma mesma coluna diferem entre si, a 5% de probabilidade (teste Tukey). após suas confecções. Todos os tratamentos estão enquadrados no mínimo exigido em norma vigente, que é de 0,55 N/mm². Lee, Shupe e Hse (2006) verificaram, em painéis MDF confeccionados com 75% de fibras de bagacilho e 25% de fibras de bambu, valor médio de resistência à tração perpendicular de 0,44 N/mm², inferior ao verificado no presente trabalho para os tratamentos avaliados. A variável física inchamento não apresentou influência do aumento do percentual de fibras de canade-açúcar nos painéis, indicando similaridade estatística para os tratamentos contendo 0%, 75% e 100% de partículas de cana-de-açúcar. O tratamento com 25% de can a-de-a çúcar apresen tou i n ch amen to médio estatisticamente diferente aos dos demais e superior ao máximo permitido. Hoereau et al. (2006) indicam que o tempo de prensagem é variável importante nos valores de inchamento de painéis confeccionados com fibras e partículas de cana-de-açúcar, quesito este que pode ser avaliado em pesquisas futuras. 3.2 Caracterização anatômica por meio da microscopia eletrônica de varredura (MEV) A análise dos corpos-de-prova da região interna dos painéis submetidos à ruptura nos ensaios de resistência a tração perpendicular, por meio de imagens obtidas por microscopia eletrônica de varredura (MEV), indica a ruptura na camada da lamela média recoberta pelo adesivo aplicado na confecção dos painéis (Figura 1 AB). O rompimento dos painéis ao longo da parede das fibras não foi observado, conforme descrito para painéis MDF de madeira de Pinus radiata, com fraturas nas camadas S1-S2 da parede secundária das traqueídes (CHAPMAN; JORDAN, 2002). Nos painéis com componentes celulares dos colmos de can a-de-açúcar foi constatada a presen ça de aglomerados de parênquima e de feixes da bainha de fibras que envolvem os vasos do metaxilema. Essa menor área específica aparente dos elementos pode propiciar presença de maiores espaços de vazios entre os elementos celulares no interior dos painéis, formando regiões de menor densidade. A an álise dos corpos-de-prova da região superficial dos painéis, que ficou em contato com o prato de aquecimento da prensa, indica, por meio das imagens obtidas por MEV, um característico adensamento/ densificação das fibras e demais elementos celulares, durante a fase de prensagem, em comparação com a região

Aspectos anatômicos e tecnológicos de painéis... 51 Figura 1 Região central dos painéis. (a) fibras rompidas na lamela média (800 x); (b) parênquima da cana-de-açúcar (400 x); (c) fibras de eucalipto, parênquima e epiderme de cana-de-açúcar (150 x) e (d) células de parênquima da cana-de-açúcar, fibras e vaso de eucalipto (200 x). Figure 1 Panels core. (a) fibers broken in middle lamella (800 x); (b) sugar cane bagasse parenchyma (400 x); (c) eucalypt fibers, parenchyma and sugar cane bagasse epidermis (150 X) and (d) parenchyma cells of sugar cana bagasse, fibers and eucalypt vessels (200 x). interna dos painéis (Figura 1 CD). Os componentes celulares do colmo da cana-de-açúcar, notadamente o tecido agrupado de parênquima e os fragmentos de epiderme na região da superfície dos painéis, mostramse aderidos às fibras e, dessa forma, não são facilmente destacáveis, indicando a possibilidade de obtenção de painéis com bom acabamento superficial após o processo de lixamento para a regularização da sua espessura, sendo este outro quesito passível de avaliação nessa linha de pesquisa.

52 BELINI, U. L. et al. 4 CONSIDERAÇÕES Os resultados sugerem que há viabilidade de utilização de partículas de bagacilho de cana-de-açúcar (Saccharum spp) para confecção de painéis, até um percentual de 50%, em composição com fibras de Eucalyptus grandis. A avaliação e a caracterização dos elementos celulares dos colmos de cana-de-açúcar e da madeira de eucaliptos, presentes nas regiões centrais e superficiais dos painéis, podem ser realizadas com apoio de microscopia eletrônica de varredura (MEV). Ainda há possibilidade de grande avanço nesta linha de pesquisa avaliando-se, por exemplo: (i) menor flutuação nos percentuais de cana-de-açúcar utilizado, (ii) diferentes curvas e tempos de prensagem e (iii) aspectos de qualidade aparente dos painéis obtidos. 5 AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à Coordenação de Apoio ao Pessoal de Nível Superior (Capes), à Duratex S.A, ao Laboratório de Anatomia e Identificação de Madeiras da ESALQ/USP, ao Departamento Florestal da UTAD-Portugal e à Usina Açucareira São Manoel S.A. 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TECNICAS. NBR 15316: painéis de fibra de média densidade. Rio de Janeiro, 2006. 48 p. BELINI, U. L.; TOMAZELLO FILHO, M.; CHAGAS, M. P. Densitometria de raios X aplicada na avaliação tecnológica de painéis MDF de eucalipto. Scientia Forestalis, Piracicaba, v. 37, n. 84, p. 343-350, dez. 2009. CHAPMAN, K. M.; JORDAN, P. J. Optimising blowline resin blending in MDF manufacture. Christchurch: MDF Tech and University of Canterbury, 2002. COPERSUCAR. Cana-de-açúcar. São Paulo, 2010. Disponível em: <http://www.copersucar.com.br/institucional/ por/academia/cana_acucar.asp>. Acesso em 21 dez. 2009. HOAREAU, W. et al. Fiberboards based sugarcane bagasse lignin and fibers. Macromolecular Materials and Engineering, Weinheim, v. 291, n. 7, p. 829-839, Abr. 2006. LEE, S.; SHUPE, T. S.; HSE, C. Y. Mechanical and physical properties of agro based fiberboard. Holz als Roh-Und Werkstoff, Berlin, v. 64, n. 1, p. 74-79, Feb. 2006. ROSSEL, C. E. V. O setor sucroalcooleiro e a produção de etanol: transformações após o Protocolo de Kioto. Campinas: Unicamp, 2006. (Grupo Energia-Projeto Etanol, MCT/NIPE). SANCHOTENE, M. É bagacilho, mas tem energia. Gazeta do Povo, Curitiba, 6 nov. 2007. Disponível em: <http:// www.gazetadopovo.com.br/caminhosdocampo/ conteudo.phtml?tl= 1&id=710526&tit=-bagaco-mas-temenergia>. Acesso em: 3 mar. 2010. YE, P.X. et al. Properties of medium density fiberboards made from renewable biomass. Bioresource Technology, Essex, v. 98, n. 5, p. 1077-1084, Mar. 2007.