Fundamentação bíblica das celebrações nas casas

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Transcrição:

PNV 347 Fundamentação bíblica das celebrações nas casas Reinventar hoje a missão dos levitas Carlos Mesters São Leopoldo/RS 2016

Centro de Estudos Bíblicos Rua João Batista de Freitas, 558 B. Scharlau Caixa Postal 1051 93121-970 São Leopoldo/RS Fone: (51) 3568-2560 Fax: (51) 3568-1113 vendas@cebi.org.br www.cebi.org.br Série: A Palavra na Vida Nº 347 2016 Título: Fundamentação bíblica das celebrações nas casas: Reinventar hoje a missão dos levitas Autoria: Carlos Mesters Revisão ortográfica: Isaque Gomes Correa Capa: Rodrigo Fagundes. Adaptação sobre ilustração Vida Comunitária, de J. Batista (1992). Editoração: Rafael Tarcísio Forneck ISBN: 978-85-7733-269-4 Carlos Mesters é frade carmelita desde 1951. Estudou a Bíblia em Roma e em Jerusalém, de 1954 a 1963. Foi professor de Bíblia no seminário em São Paulo e Belo Horizonte de 1963 até 1973. A partir de 1973, trabalha com a Bíblia nas Comunidades Eclesiais de Base. Participa do CEBI desde o seu início até hoje.

Sumário 1. O ponto de partida desta reflexão... 5 2. Começando pelo novo testamento... 6 As primeiras comunidades cristãs... 6 Tudo começou nas casas do povo... 7 Saber interpretar as visitas de Deus nas casas do povo... 8 A missão dos 72 discípulos... 9 Áquila e Priscila e as igrejas domésticas... 11 3. Passando pelo antigo testamento... 13 Alguns casais que aparecem no Antigo Testamento... 13 Os levitas: animadores das celebrações no remoto início do AT... 14 Os locais das celebrações no meio do povo... 17 Algumas histórias das celebrações dos levitas: usos e abusos... 19 Os irmãos profetas: levitas animadores da fé das comunidades... 21 A missão dos levitas... 22 A infeliz mudança de animadores da fé para funcionários do sistema... 30 A mistura do culto ao deus Baal com a vivência da fé em YHWH. 32 A reforma de Josias: fecha os santuários e concentra tudo no templo. 33 Os levitas, sem rumo, na fila dos indigentes... 34 A desintegração no cativeiro... 36 Renascer a partir da redescoberta da presença de YHWH na natureza. 38

4. A grande retomada da celebração em casa... 40 O caminho por onde se concretiza a retomada da fé em YHWH... 40 * no ambiente de família... 40 * na maneira de reler o passado e recuperar a identidade... 41 * na maneira de conviver em comunidade e de celebrar em casa... 42 1. Acolher as pessoas com muita ternura... 42 2. Ensinar dialogando em pé de igualdade... 42 3. Reunir o povo para rezar a Deus e falar da vida... 43 5. Retornando ao novo testamento... 45 Jesus ponto de chegada: já chegou e continua chegando... 45 1. Como os profetas... 45 2. Como os discípulos e discípulas de Isaías... 46 3. Como os sábios... 46 Oração e celebração na vida de Jesus... 47 6. A raiz de tudo: celebrar o nome YHWH... 50

1. O ponto de partida desta reflexão Assistimos hoje, em todo canto, a uma retomada das celebrações nas casas. Quando eu era menino, todas as celebrações se faziam na igreja: missa, sacramentos, bênção do Santíssimo, Via Sacra. Nas casas, rezávamos o terço e tínhamos outras devoções, que não eram chamadas de celebrações. Mas desde a década de 1960 está nascendo algo novo: círculos bíblicos nas casas ou nos bairros; celebrações que antes se faziam nas igrejas agora se fazem nas casas ou nas comunidades. Em muitos lugares, padres e pastoras/es tomam a iniciativa de celebrar a eucaristia nas casas. Aqui e acolá, o próprio povo já toma a iniciativa de fazer nas casas aquilo que Jesus mandou: Fazei isto para lembrar-vos de mim. É esta prática nova que levou a perguntar: Qual a fundamentação bíblica das celebrações nas casas? Quando dizemos fundamentação bíblica, não significa que buscamos na Bíblia a licença para poder fazer celebração em casa. Não, a Bíblia não foi escrita para dar resposta a tais perguntas. Mas queremos simplesmente ver de perto como, no tempo da Bíblia, se faziam as celebrações nas casas do povo, nas comunidades locais ou nos pequenos santuários, espalhados pelo país. Queremos ver como nasceu esta prática de celebrar nas casas, como ela se transmitia de geração em geração, quais as normas, qual a sua evolução, quais os pontos positivos e negativos, e como se chegou a proibir as celebrações nos pequenos santuários a ponto de concentrar tudo no Templo de Jerusalém. PNV 347 5

2. Começando pelo novo testamento As primeiras comunidades cristãs Vamos começar pela informação que vem das primeiras comunidades cristãs. O Novo Testamento, quando descreve a prática dos primeiros cristãos, diz: Eles mostra vam-se assíduos ao ensinamento dos apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações (At 2,42). São as quatro colunas daquela primeira comunidade cristã: o ensinamento dos apóstolos (fé na ressurreição), a comunhão fraterna (a partilha), a fração do pão (celebração da memória de Jesus) e as orações (ambiente orante). E diz ainda que a fração do pão era feita nas casas: Dia após dia, unânimes, mostravam-se assíduos no Templo e partiam o pão pelas casas, tomando o alimento com alegria e simplicidade de coração (At 2,46). Nos anos oitenta, nos primórdios da era cristã, época em que foi escrito o livro dos Atos dos Apóstolos, a expressão fração do pão referia-se à celebração da eucaristia, descrita como partir o pão pelas casas ou fração do pão. Mas mesmo fazendo suas celebrações próprias nas casas, eles continuavam participando das celebrações com todo o povo no Templo de Jerusalém. 6 PNV 347

Tudo começou nas casas do povo A Casa! Tudo começou nas casas do povo. Começou na casa de Maria, onde ela recebeu a visita do anjo Gabriel (Lc 1,28). Maria retribuiu a visita do anjo visitando Isabel e entrou na casa de Zacarias (Lc 1,40). Foi na casa de Zacarias que as duas futuras mães experimentaram e celebraram a presença de Deus (Lc 1,39-56). No retorno da visita a Isabel, José recebeu Maria em sua casa (Mt 1,24). Jesus nasceu fora de casa, pois não havia lugar para eles dentro da casa (Lc 2,6-7). Mas pobre se ajeita em qualquer lugar e transforma a estrebaria em casa. Assim, quando os magos chegaram, eles entraram na casa onde Jesus estava (Mt 2,11). Todos estes encontros nas casas eram acompanhados com rezas e celebrações. Durante trinta anos, Jesus viveu no ambiente familiar da casa em Nazaré, onde aprendeu a rezar e onde cresceu em sabedoria, tamanho e graça diante de Deus e dos homens (Lc 2,51-52). Aos 12 anos, na romaria ao templo de Jerusalém, chamou o templo de casa do Pai e disse aos pais: Não sabiam que eu devo estar na casa do meu Pai? (Lc 2,48-49). E dizia aos vendedores no templo: Minha casa será chamada casa de oração. No entanto, vocês fizeram dela uma toca de ladrões (Mt 21,13; cf. Mt 12,4). Durante os três anos que andou pela Galileia, Jesus entrava e vivia nas casas do povo. Era impressionante ver como Jesus gostava de visitar as pessoas nas casas: na casa de Pedro (Mt 8,14), de Mateus (Mt 9,10), de Jairo (Mt 9,23), de Simão, o fariseu (Lc 7,36), de Simão, o leproso (Mc 14,3), de Zaqueu, o publicano (Lc 19,5). Ele ia na casa do oficial romano, mas este dizia: Não sou digno de que entres em minha casa (Mt 8,8). Os amigos do paralítico chegam a tirar o telhado para baixar o doente dentro da casa onde Jesus estava (Mc 2,4). Quando ia a Jerusalém, Jesus parava em Betânia na casa de Marta, Maria e Lázaro. (Lc 10,38-42; Jo 11,17-44). No envio dos 72 discípulos, a missão deles é entrar nas casas do povo e levar a paz (Mt 10,12-14; Mc 6,10; Lc 10,5). Muitas vezes, depois de curar as pessoas, Jesus as mandava para casa: o paralítico PNV 347 7

(Mt 9,6; Mc 2,11); o endemoninhado (Mc 5,19); o cego (Mc 8,26); a mulher cananeia depois que a filha ficou boa (Lc 8,39). Acontecia também o contrário. O povo ia à procura de Jesus na casa dele (Mt 9,28; Mc 1,33; 2,1; 3,20). Estas visitas de Jesus nas casas do povo traziam coisas boas para as pessoas: a visita de Jesus na casa de Jairo devolveu a vida à filha de 12 anos que havia falecido, e todo o povo louvou a bondade de Deus (Mc 5,21-24.35-43). A visita de Jesus na casa de Zaqueu provocou a conversão total do publicano. Zaqueu deu a metade de seus bens aos pobres e devolveu quatro vezes o que tinha roubado (Lc 19,1-10). Depois da ressurreição, chegando em Emaús, Jesus entrou em casa com os dois discípulos e foi reconhecido por eles no gesto tão caseiro da fração do pão (Lc 24,29-30). Os primeiros cristãos imitavam Jesus e recuperavam a dimensão sagrada e festiva da casa. Como já vimos, Lucas diz que eles partiam o pão nas casas, tomando o alimento com alegria e simplicidade de coração (At 2,46). Saber interpretar as visitas de Deus nas casas do povo A visita de Jesus na comunidade de Naím foi tão boa, que o povo comentou o fato dizendo que foi uma visita de Deus (Lc 7,11-17). Souberam discernir a visita de Deus. Hoje acontece a mesma coisa. Tem gente que sabe discernir a visita de Deus nas casas do povo: Irmã, ontem Deus passou aqui em casa e nos fez uma visita. Como assim? Pois é. Meu menino estava passando mal e no posto de saúde me deram a receita de um remédio, mas eu não tinha dinheiro para comprar aquele remédio de 7 reais. À tarde, uma senhora passou em casa, que deixou 7 reais em cima daquela mesa. E eu não tinha falado nada para ela. Foi Deus! Não foi? 8 PNV 347

Esta senhora pobre soube descobrir a presença de Deus na visita que recebeu naquela tarde. Ela fez a mesma coisa que Lucas faz nos Atos dos Apóstolos para ajudar as comunidades a descobrir a presença da ação do Espírito de Deus nas coisas da vida. Para Lucas, o Espírito Santo faz de tudo, desde a redação do documento final do Concílio (At 15,28) até a definição do roteiro de viagem dos missionários (At 16,6.7). Ele faz com que Estevão tenha coragem de ir até o martírio (At 7,55); manda Pedro visitar a casa do Cornélio (At 10,19; 11,12); conversa com Filipe e o leva de um lugar para outro (At 8,29.39); fala na comunidade apontando um novo rumo de ação (At 13,2); envia Paulo e Barnabé em missão (At 13,4); anima Paulo a tomar a decisão de voltar para Jerusalém (At 20,22); coloca pessoas para coordenar a comunidade (At 20,28); pelo Espírito, os discípulos têm o pressentimento do que vai acontecer no futuro (At 20,22-23; 21,4). Realmente, o Espírito Santo faz de tudo! Está em todas! Esta maneira de descrever a ação do Espírito Santo revela uma coisa muito importante, a saber: o extraordinário da presença de Deus está escondido nas ações comuns caseiras da vida de cada dia: falar, rezar, celebrar, visitar, caminhar, viajar, orientar, cantar, criticar, decidir, alegrar-se, chorar, crescer, anunciar, servir, etc. É nestas ações tão comuns que a ação do Espírito de Deus pode ser descoberta pelo olhar da fé. Esta maneira de Lucas descrever a ação do Espírito Santo na vida das comunidades é como um raio-x. O olhar de fé descobre e revela o que a olho nu não se percebe. O extraordinário do Espírito de Deus se esconde e se revela nas coisas comuns do dia a dia da nossa vida. Assim são as visitas de Deus nas casas do povo. Foi assim que aquela senhora pobre soube ler e interpretar a visita que recebeu da irmã: Foi Deus! Não foi? A missão dos 72 discípulos A missão que a comunidade recebe de Jesus é a mesma que Jesus recebeu do Pai: Como o Pai me enviou assim eu envio vocês (Jo 20,21). PNV 347 9

Jesus dá a todos nós a mesma missão que ele deu aos 72 missionários enviando-os na sua frente para os lugares aonde ele próprio devia ir (Lc 10,1-9). Os 72 discípulos somos nós. Jesus pede que seus discípulos visitem o povo nas casas (Lc 10,5). A missão destes 72 discípulos tem quatro características: 1. A hospitalidade Lucas 10,4-6: O missionário não pode levar nada, nem bolsa, nem sandálias. Ele mostra assim que confia na hospitalidade do povo. Hospitalidade significa abrir a casa para receber alguém. Ele deve acreditar que vai ser recebido nas casas do povo, e o povo se sente respeitado e confirmado. A Boa Nova de Deus não está só na ação do missionário. Está também na participação do próprio povo, que recebe o missionário em sua casa. O missionário vai sem levar nada, levando apenas a Paz. Quando entra numa casa deve dizer: A Paz esteja nesta casa! (Lc 10,5). 2. A partilha Lucas 10,7: O missionário não deve andar de casa em casa. Deve sentir-se membro da comunidade, conviver de maneira estável, participar da vida do povo nas casas e viver do que recebe em troca, pois o operário merece o seu salário. Isto significa que deve confiar na partilha, fruto natural da boa convivência. 3. A comunhão de mesa Lucas 10,8: O missionário deve comer o que o povo lhe oferece. Não pode viver separado, comendo sua própria comida, como faziam alguns missionários dos fariseus. Ele deve aceitar a comunhão de mesa. É o início de uma celebração caseira. 10 PNV 347