USO DE FILTROS BIOLÓGICOS ANAERÓBIOS NO TRATAMENTO DO EFLUENTE DE UMA LAGOA DE MATURAÇÃO PRIMÁRIA Rui de Oliveira (1) Graduado em Engenharia Civil pela Escola de Engenharia do Maranhão (1974). Mestre em Engenharia Civil pela Universidade Federal da Paraíba (1983). PhD pela Universidade de Leeds, Leeds, Inglaterra (1990). Professor Adjunto do Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal da Paraíba. Pesquisador da EXTRABES- UFPB. Salomão Anselmo Silva Graduado em Engenharia Civil pela Escola Politécnica da Univ. Federal da Paraíba (1963). Mestre em Eng. Civil pela Escola Politécnica da Univ. Federal da Paraíba (1975). PHD pela Univ. de Dundee, Dundee, Escócia (1982). Prof. Titular do Depto. de Eng. Civil da Univ. Federal da Paraíba. Chefe de Pesquisas da EXTRABES-UFPB. Gilson Barbosa Athayde Júnior Graduado em Engenharia Civil pela Universidade Federal da Paraíba (1995). Aluno de doutorado em Engenharia Civil na Universidade de Leeds, Inglaterra. Bolsista do CNPQ. David Duncan Mara Graduado em Engenharia Civil pela Universidade de St. Andrews, Escócia. PHD. - Universidade de Dundee, Dundee, Escócia. Prof. do Depto. de Engenharia Civil, Univ. de Leeds, Leeds, Inglaterra. Chefe da Área de Eng. de Saúde Pública do Depto. de Engenharia Civil, Univ. de Leeds, Inglaterra. Salena Tatiana Anselmo Silva Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual da Paraíba (1994). Aluna de doutorado em Microbiologia na Universidade de Liverpool, Inglaterra. Bolsista do CNPQ. André Luis Calado Araujo Graduado em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Pará (1990). Mestre em Engenharia Civil pela Universidade Federal da Paraíba (1993). Professor da Área de Tecnologia Ambiental da Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte.Aluno de doutorado em Engenharia Civil da Universidade de Leeds, Inglaterra. Endereço (1) : Estação Experimental de Tratamentos Biológicos de Esgotos Sanitários - EXTRABES - Catolé - Campina Grande - PB - CP 306 - CEP: 58100-970 - Brasil - Tel: (083) 310-1267. RESUMO Este trabalho descreve o desempenho de três filtros biológicos anaeróbios de fluxo horizontal, em escala-piloto, operando em paralelo, tratando o efluente de uma lagoa de maturação primária ao longo de dois períodos experimentais definidos por características operacionais distintas. O leito de percolação de cada unidade era constituído por pedra britada de um diâmetro médio particular. Nos dois períodos experimentais foi observada melhoria da qualidade do efluente da lagoa pela sensível redução de DBO 5 e SS. No primeiro período, no entanto, as menores cargas hidráulicas e orgânicas aplicadas favoreceram a obtenção de efluentes cujas concentrações médias dos referidos parâmetros se situaram abaixo dos limites recomendados para descarga em corpos receptores enquanto que no segundo experimento os teores médios tenderam a superar tais limites. 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 486
PALAVRAS-CHAVE: Filtro Anaeróbio, Leito de Pedra, Remoção de DBO5, Remoção de SS, Lagoa de Estabilização. 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 487
INTRODUÇÃO Lagoas de estabilização têm sido consideradas, por suas inúmeras vantagens, uma das principais opções para o tratamento de uma grande variedade de águas residuárias, particularmente as de origem doméstica. A principal desvantagem atribuída a esses reatores é a exigência de grandes áreas de terreno mas um segundo aspecto, a concentração de sólidos no efluente, tem sido considerado, na literatura, como desvantajoso. A remoção de sólidos em suspensão em lagoas de estabilização pode ser considerada somente razoável sendo que uma concentração de SS equivalente ao teor do efluente de um tratamento secundário não é geralmente encontrada devido à presença de fitoplâncton. De fato, concentrações relativamente altas de sólidos suspensos têm sido observadas mesmo em efluentes de lagoas de maturação em escala-piloto na EXTRABES. Silva (1982), observou a faixa 45-78 mg/l em lagoas de maturação em três experimentos numa série de lagoas rasas (1m). De Oliveira (1993; 1995), observou em lagoas de maturação, com 1,5 m de profundidade, numa série longa de 10 lagoas, concentrações de SS entre 28 e 60 mg/l ao longo de dois períodos experimentais. A faixa de concentrações mais baixas (21-33 mg/l) foi encontrada (de Oliveira, 1990) em lagoas de maturação mais profundas (2,2 m). Deve ser observado que a utilização de múltiplos estágios de maturação, embora conduza a uma maior redução de indicadores fecais e outras espécies, nem sempre é a alternativa mais adequada para a obtenção de concentrações de SS menores pois, algumas vezes, devido ao crescimento de algas e cianobactérias, pode ocorrer um aumento desses no efluente final de uma série (de Oliveira, 1993; 1995). Embora seja reconhecido que SS devidos a algas vivas em efluentes de lagoas tenham características diferentes de sólidos de águas residuárias brutas ou tratadas através de outros processos, lagoas raramente obedecem ao limite mínimo de 30 mg/l comumente exigido, em países como Reino Unido e Estados Unidos (Bartone, 1986) e Brasil (SEMA/MHU,1988), para descarga em corpos receptores. Só recentemente (CEC, 1991), a Comunidade Européia, reconhecendo o caráter particular dos SS devidos a algas em efluentes de lagoas de estabilização, admitiu uma concentração limite máxima de 150 mg/l. Alguns autores (Middlebrooks, 1995; Saidam et al., 1995), têm proposto a utilização de leitos de agregado (filtros biológicos) anaeróbios para melhorar a qualidade de efluentes de lagoas. O principal mecanismo de remoção de SS e também de DBO5 e DQO nesses dispositivos é a deposição de algas nos espaços vazios e na superfície do agregado no interior dos leitos(santos, 1995). Entre outubro de 1992 e setembro de 1994, a EXTRABES operou três unidades, em escalapiloto, tratando o efluente de uma lagoa de maturação primária, monitorando-as ao longo de dois períodos experimentais distintos cujos resultados são apresentados neste trabalho. 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 488
MATERIAIS E MÉTODOS Três filtros biológicos anaeróbios (FB2, FB3 e FB4) em escala-piloto, foram construídos, em paralelo, nas dependências da Estação de Tratamento de Esgotos ( Estação da Catingueira ) de Campina Grande (7º 13 11 Sul, 35º 52 31 Oeste, 550 m acima do nível médio do mar), PB. Conforme detalhado na Figura 1 cada filtro era constituído por uma camada (1,15 m de espessura) de pedra britada de um diâmetro médio particular, contida por uma câmara com paredes de alvenaria de tijolos revestidas com argamassa de cimento e areia. Cada unidade foi alimentada (Figura 2) com uma fração do efluente da lagoa de maturação primária (M15) do complexo experimental de lagoas (Sistema 16), em escala-piloto, operado pela EXTRABES, sendo o fluxo horizontal e estando a lâmina líquida 0,15 m abaixo do topo do leito de pedra caracterizando-o como do tipo emerso (Santos, 1995). A Tabela 1 mostra as características físicas e operacionais dos filtros biológicos no primeiro período experimental (I), de outubro de 1992 a outubro de 1993 e no segundo experimento (II) entre outubro de 1993 e setembro de 1994. A monitoração do funcionamento do sistema foi baseada na análise de amostras de efluente de M15, FB2, FB3 e FB4 coletadas semanalmente, às 8 h da manhã, sendo determinados os parâmetros clorofila a (Cla) (Jones, 1979), DBO5, sólidos suspensos (SS), amônia (N - NH 3 ), sulfeto (S = ), ph, oxigênio dissolvido (OD), temperatura (T) e coliformes fecais (CF), sendo estes analisados de acordo com APHA et al. (1989). RESULTADOS Na Tabela 2 são apresentados os resultados médios dos parâmetros analíticos determinados nos dois períodos experimentais estando os tamanhos amostrais para cada um deles situados entre 30 e 40. Os valores médios de DBO5, SS, Cla, N - NH3 e CF determinados no efluente da lagoa M15 são típicos das faixas encontradas em lagoas de maturação primárias especialmente nos experimentos 1 e 3 de Silva (1982). Nas condições operacionais do primeiro experimento os filtros biológicos reduziram drasticamente a biomassa fitoplanctônica em cerca de 90 % como conseqüência da deposição nos interstícios do leito de pedras e digestão anaeróbia, ocorrendo, concomitantemente, uma redução de SS (64 %) os quais diminuíram de 65 para cerca de mg/l que é um valor menor que o limite comumente exigido para o lançamento de efluentes em corpos receptores. A DBO5 foi reduzida de para a faixa 12-13 mg/l o que também está de acordo com os limites impostos pelas regulamentações para descarga de efluentes. Coliformes fecais foram removidos na faixa de 49-61 % e, como conseqüência da respiração bioquímica, o oxigênio foi praticamente anulado. Nessas condições de anaerobiose o ph foi reduzido de 7,9 para 7,7, amônia aumentou levemente mas sulfeto cresceu significativamente, ficando situado na faixa 5, 35-5,88 mgs = /l.. 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 489
Características dos reatores (RE2 = RE3 = RE4). Comprimento - 0m Largura - 0m Profundidade - 1,40m Espessura do leito - 1,15m Altura da coluna líquida - 0m Diâmetro da brita - 38mm (RE2) 25mm (RE3) 19mm (RE4) Legenda: Te - Tubo de entrada (50mm) Td - Tubo de distribuição (100mm) Ta - Tubo de amostragem (100mm) Tm - Tubo de medição de OD e ph (50mm) NA - Nível d água Ts - Tubo de saída B A Te Td Ta Ta Ta Ts Tm Tm Tm A CORTE - AA B 0m 1,15m 1,15m 1,15m 1,15m 0m Efl. Te Td 5cm 30cm 30cm 30cm 5cm I II III IV NA Ta Ta Ts Afluente CORTE - BB Tm 0,50m I Ta II III 5m 0,15m 0m Calha IV Figura 1 - Planta e corte de um filtro biológico. 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 490
M15 Caixa de distribuição M16 M17 M18 M19 M20 (Lagoas de maturação secundárias) FB2 FB3 FB4 calha p/ coleta dos efluentes efluente p/ ETE da Catingueira Figura 2 - Detalhe de alimentação dos filtros biológicos. 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 491
Tabela 1 - Características físicas e operacionais dos filtros biológicos. PARÂMETROS REATORES FB2 FB3 FB4 Comprimento (m) Largura (m) Profundidade (m) Espessura (m) Coluna de água (m) Diâmetro médio do agregado (mm) Volume do leito (m 3 ) Volume imerso do leito (m 3 ) Volume percentual de vazios (%) * Vazão (m 3 /d) Carga hidráulica (m 3 /m 3. d) (leito) Carga hidráulica (m 3 /m 3. d) (vazios) Carga orgânica (g DBO5/ m 3. d) (leito) Carga orgânica (g DBO5/ m 3. d) (vazios) Tempo de detenção hidráulica (h) * no início de operação 1,4 1,15 38 5,75 41 1,4 1,15 25 5,75 39 1,4 1,15 19 5,75 32 I II I II I II O desempenho das unidades de filtração biológica anaeróbia aqui estudadas, foi, no primeiro período experimental, comparável aos de outros filtros anaeróbios operando em outras partes do mundo entre os quais os estudados por Saidam et al (1995) em Amam Jordânia, e por Oran et al. (1993) em Ankara, na Turquia. As concentrações efluentes de DBO 5 e SS tenderam a ser mais baixas que aquelas relatadas por Middlebrooks (1998) para filtros desse tipo monitorados nos Estados Unidos com diâmetros médios de agregado entre 12 e 150 mm e cargas hidráulicas volumétricas entre 5 e 1,2 m 3 /m 3.d. No segundo experimento, a qualidade dos efluentes dos filtros diminuiu em conseqüência das maiores cargas hidráulicas e orgânicas aplicadas sendo a DBO 5 reduzida de 28 para mg/l e SS de 64 para cerca de 30 mg/l. A deterioração da qualidade dos efluentes também ficou demonstrada pelas ainda altas concentrações de clorofila a (115-140?g/l)correspondendo a remoções bem mais baixas (57-62 %). Os números médios altos de CF foram também conseqüência da elevação da concentração afluente. 2,44 59 9,84 10,0 2,0 4,88 56 137 4,92 2,56 62 9,50 10,0 2,0 5,13 56 144 4,75 3,12 75 7,70 Tabela 2 - Resultados médios dos parâmetros medidos nos experimentos I e II. AMOSTRA M15 FB2 FB3 FB4 PARÂMET RO I II I II I II I II DBO5 (mg/l) SS (mg/l) Cla (ug/l) N - NH 3 (mg N/l) S = (mg S/l) ph OD (mg/l) T (ºC) CF (ufc/100 ml) 65 383 17,5 0,03 7,9 5,9 4,82E3 28 64 327,1 0,75 7,6 1,5 7,72E5 13 42 18,4 5,35 7,7 2,51E3 32 140,1 8,41 7,7 2,70E5 12 37 18,8 5,88 7,7 1,99E3 31 115,0 8,36 7,6 2,7E5 12 39 19,1 5,54 7,7 1,86E3 29 125 25,2 8,65 7,6 2,32E5 10,0 2,0 6,25 56 175 3,85 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 492
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CONCLUSÕES Sob as condições operacionais do primeiro experimento os filtros biológicos diminuíram eficientemente as concentrações de clorofila a, DBO5 e SS sendo as duas últimas reduzidas a níveis inferiores aos limites exigidos para descargas em corpos receptores. Assim, nessas condições, o filtro biológico anaeróbio pode ser considerado como alternativa compacta para a redução desses parâmetros dos efluentes de lagoas de maturação especialmente quando efeitos adversos como diminuição de OD e aumento de sulfeto não forem considerados críticos. Não foram demonstrados efeitos significativos do diâmetro do agregado, na faixa observada (19-38 mm), sobre o desempenho das unidades. As condições de operação do segundo experimento contribuíram para uma deterioração do desempenho dos filtros biológicos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. APHA, AWWA, WPCF. Standard methods for the examination of water and wastewater, 17 th edition. Washington D.C. : American Public Health Association. 1989. 2. BARTONE, C. R. Waste stabilization ponds and reuse of effluents. Anales del Seminario Regional de Investigacion sobre Lagunas de Estabilizacion. Lima: CEPIS, 1986. 3. COUNCIL OF EUROPEAN COMMUNITIES. Council Directive of 21 May 1991 concerning urban wastewater treatment (91/271/EEC). Official Journal of the European Communities, L135/40-52 (30 May), 1991. 4. de OLIVEIRA, R. The performance of deep waste stabilization ponds in northeast Brazil. PhD Thesis. The University of Leeds, UK, 1990. 5. de OLIVEIRA, R.. Avaliação do desempenho de uma série longa de lagoas de estabilização tratando esgoto doméstico. Relatório para o CNPq - 1ª etapa, 1993. 6. de OLIVEIRA, R. Avaliação do desempenho de uma série longa de lagoas de estabilização tratando esgoto doméstico. Relatório para o CNPq - 2ª etapa, 1995. 7. JONES, J. G. A guide to methods for estimating microbial numbers and biomass in freshwater. Ambleside: FBA - Scientific publication (39), 1979. 8. MIDDLEBROOKS, E. J. Review of rock filters for the upgrade of lagoon effluents. Journal of Water Pollution Control Federation, v.60, p.1657-1662, 1988. 9. MIDDLEBROOKS, E. J. Upgrading effluents: an overview. Water Science and Technology, v.31, n.12, p.353-368, 1995. 10. ORAN, B., SÜRÜCÜ, G. & SOYUPAK, S. A study on quality improvements for oxidation pond effluents by rock filters. 2nd IAWQ International Specialist Conference on Waste Stabilization Ponds and the Reuse of Pond Effluents, Berkeley, USA (Preprint Volume), 1993. 11. SAIDAM, M. Y., RAMADAN, S. A. & BUTLER, D. Upgrading waste stabilization pond effluent by rock filters. Water Science and Technology, v31, n.12, p.369-378, 1995. 12. SANTOS, J. A. A. Avaliação do desempenho de filtros anaeróbios, com leito de pedras, tratando efluentes de lagoas de maturação primária. Dissertação de Mestrado, UFPB, Campina Grande, PB, 1995. 13. SEMA/MHU. Legislação Básica do Conama. Brasília -DF, Brasil, 1988. 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 494
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