A eficácia ou ineficácia da Lei Seca e sua inaplicabilidade.

Documentos relacionados
EMBRIAGUEZ AO VOLANTE

BuscaLegis.ccj.ufsc.br

CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO DA TARDE PENAL E PROCESSO PENAL CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO ASPECTOS CRIMINAIS. Prof. Rodrigo Capobianco

PÓS GRADUAÇÃO PENAL E PROCESSO PENAL Legislação e Prática aula 8. Professor: Rodrigo J. Capobianco

PROJETO DE LEI Nº, DE 2009 (Do Sr. HUGO LEAL)

LEGISLAÇÃO DE TRÂNSITO

Alterações na legislação de trânsito sobre álcool e direção

DICAS E EXERCÍCIOS LEI 9.503/97 - CRIMES DE TRÂNSITO (ART. 291 AO 312 DO CTB) PCGO-2016 PROF: PAULO SÉRGIO

Lei nº , de 19 de Junho de 2008

EMBRIAGUEZ AO VOLANTE: NOTAS À LEI N /2008

CONDUÇÃO SOB INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL EXCLUSÃO DE COBERTURA

08 ANOS DE LEI SECA (LEI Nº /2008) ANÁLISE DO CRIME DE EMBRIAGUEZ NO TRÂNSITO

Comunicação Oficial do Resultado da II Pesquisa Beber ou Dirigir de São Paulo (2009)

EMBRIAGUEZ AO VOLANTE: NOTAS À LEI Nº /2008

BuscaLegis.ccj.ufsc.br

Resolve: Resolução CONTRAN Nº 432 DE 23/01/2013

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º: O art. 291 do Código de Trânsito Brasileiro, Lei 9503/97, passa a vigorar com as seguintes alterações:

POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL

COMPLEMENTAÇÃO DETRAN/RS

A PROVA NA EMBRIAGUEZ AO VOLANTE

ACIDENTALIDADE CAMPINAS MAIO AMARELO 2019 EMDEC - SETRANSP

FATORES QUE MOTIVAMOS ACIDENTES DE TRÂNSITO E AS MUDANÇAS LEGISLATIVAS TRAZIDAS PELA LEI /2012 (LEI SECA)

Lei seca. VEJA.com: Perguntas e respostas.

Direito Penal. Crimes no Código de Trânsito Brasileiro. Professor Joerberth Nunes.

PÓS GRADUAÇÃO PENAL E PROCESSO PENAL Legislação e Prática aula 6. Professor: Rodrigo J. Capobianco

DETRAN. Skanska Brasil Ltda 1

Código de Trânsito Brasileiro completa 18 anos de vigência

Alguns autores afirmam que o direito, enquanto norma, existe para regular as relações humanas. De fato, esse é um de seus escopos, inclusive da

Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos

PRF intensifica a fiscalização de infrações fatais.

Legislação de Trânsito

CONHECIMENTO &imagem. Seguro DPVAT

Sumário. Capítulo I LEGISLAÇÃO DE TRÂNSITO Estudo para concursos Competência legislativa... 15

Alcoolismo. Destruindo vidas. 1. Jorge PEREIRA 2 Laíse PEDROSO 3 Bruno NALON 4 Centro Universitário de Brasília, Brasília, DF

Baixa qualificação profissional Desemprego Uso de droga Alcoolismo Gravidez precoce Baixa escolaridade Desemprego na entre safra Prática de atos

Motorista bêbado que causar acidente com vítima agora tem pena maior

trânsito seguro é um direito de todos e um dever dos órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito.

BuscaLegis.ccj.ufsc.br

TABELA DE MULTAS 2017 VALORES E TIPOS DE INFRAÇÕES ATUALIZADOS 2 fev, 2017

O DETRAN e os Municípios

ESTADO DE ALAGOAS SECRETARIA ESTADUAL DE DEFESA SOCIAL DEPARTAMENTO ESTADUAL DE TRÂNSITO DETRAN/AL

Operação Finados: PRF registra duas prisões por embriaguez em FLO

Capítulo I INTRODUÇÃO Capítulo II O DIREITO PENAL DO TRÂNSITO E A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DE NOSSA LEGISLAÇÃO NESSE TEMA... 31

11. A Carteira Nacional de Habilitação, expedida na vigência do Código anterior, será substituída por ocasião do vencimento do prazo para revalidação

Tema: CRIMES DE TRÂNSITO. Gabarito Comentado

10 ANOS DE LEI SECA E O CRIME DO ART. 306 DO CTB

O que exige o Código de Trânsito Brasileiro para a condução de Escolar e outros!

CIGARRO PERCENTUAL DE ESCOLARES FREQUENTANDO O 9º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL QUE EXPERIMENTARAM CIGARRO ALGUMA VEZ

Capítulo XIX DOS CRIMES DE TRÂNSITO. Seção I Disposições Gerais

Legislação Penal Código de Trânsito Organizações Criminosas

RELATÓRIO ESTATÍSTICO DA OPERAÇÃO LEI SECA, JANEIRO a FEVEREIRO DE 2015

Álcool e violência no trânsito

O sonho de dirigir não pode virar pesadelo.

Capítulo I INTRODUÇÃO Capítulo II O DIREITO PENAL DO TRÂNSITO E A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DE NOSSA LEGISLAÇÃO NESSE TEMA... 25

PROJETO DE LEI Nº, 2008 (Do Sr. Paulo Bornhausen) Art. 1º O 2º do art. 121 do Decreto-lei nº 2848, de 1940 passa a vigorar com a seguinte redação:

1. Acidentes. 2. Veículos envolvidos em acidentes

CURSO DE APERFEIÇOAMENTO EM TÉCNICAS PARA FISCALIZAÇÃO DO USO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS NO TRÂNSITO BRASILEIRO. Instrutor Hellison

PROJETO DE LEI N DE 2009 (Do Sr. José Aníbal)

Por Vias Seguras Revisão de 18/02/2008

ACÓRDÃO. São Paulo, 19 de abril de Jarbas Gomes relator Assinatura Eletrônica

PROJETO DE LEI Nº, DE 2009

CONTEÚDO INFORMATIVO RÁDIO PEDAGÓGICA ALCOOLISMO

Direito Penal. Código de Trânsito

Acidentes de Trânsito com Vítimas Fatais no RS. Fonte de dados: Sistema de Consultas Integradas - SSP

PROJETO DE LEI Nº 5512, DE 2013

MEDIDAS ADMINISTRATIVAS. Instrutor: Sgt: Macedo

LEGISLAÇÃO DE TRÂNSITO

31/08/2014. Curso de Engenharia Civil

CAPIXABAS DESABAFAM: É PRECISO TER MAIS RIGOR NO CUMPRIMENTO DA LEI DE TRANSITO

VIVA A SEGURANÇA NO TRÂNSITO EMDEC CAMPINAS 2018

Conceitos importantes. Droga qualquer entidade química ou mistura de entidades que alteram a função biológica e possivelmente sua estrutura.

10.7 LEI A L T E R A Ç Ã O. Marcelo Dullius Saturnino 10ª edição Alteração

CRIMES DE TRÂNSITO I

Mortes no trânsito da cidade de SP

Transitar em canteiro central, ilhas, refúgios, marcas de canalização, acostamento. Executar retorno R$ em 191,53 local proibido pela sinalização

Acidente de Trânsito em Macapá. Acidentes em Macapá Março/2012

BOLETIM ESTATÍSTICO SEGURADORA LÍDER-DPVAT

1º Levantamento Nacional sobre Padrões de Consumo de Álcool na População Brasileira

Feriado com menos mortes nas rodovias federais.

196 OITAVA CÂMARA CRIMINAL EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº MARCUS QUARESMA FERRAZ

Elaboração do Plano de Mobilidade Urbana Segurança de Trânsito

Raciocínio Lógico- Matemático

LEI SECA. Por Sérgio Sodré 1. 1 Advogado há 17 anos; especializado em Direito do Seguro e pós-graduado em Gestão de Seguros.

Direito Penal. Curso de. Rogério Greco. Parte Geral. Volume I. Atualização. Arts. 1 o a 120 do CP

CONSELHO ESTADUAL DE TRÂNSITO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CETRAN-RJ. Fórum FETRANSPOR de Segurança no Trânsito

Plano de Segurança Viária Município de São Paulo. Subprefeitura de Perus

DELIBERAÇÃO CETRAN/MS/Nº 050/06

Álcool na infância eleva risco de dependência na adolescência

SENADO FEDERAL PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 684, DE 2011

Palavras-chave: Embriaguez ao Volante. Infração Administrativa. Código de Trânsito Brasileiro.

Lei 9.503/97 Mário Luiz Sarrubbo 2016

1. Acidentes. 2. Veículos envolvidos em acidentes

LEGISLAÇÃO DE TRÂNSITO

RECURSOS GARANTEM MAIS QUALIDADE DE VIDA AOS CIDADÃOS DO LITORAL DO PARANÁ INFORMATIVO MENSAL - JANEIRO 2018

BOLETIM ESTATÍSTICO SEGURADORA LÍDER-DPVAT ESPECIAL - 10 ANOS

LEGISLAÇÃO DE TRÂNSITO

Núcleo de Pesquisa e Extensão do Curso de Direito NUPEDIR IX MOSTRA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA (MIC-DIR) 9 de novembro de 2016

Expansão do Programa Direção Segura

Transcrição:

A eficácia ou ineficácia da Lei Seca e sua inaplicabilidade. Por Caroline G. Passetto e Sérgio Henrique Pedrinha Veloso. RESUMO: O presente artigo propõe uma análise bem sucinta das questões referentes ao advento da Lei do Álcool ao volante de 2008, que estabelece tolerância zero para a concentração de álcool no sangue dos motoristas. Essa nova legislação apresenta medidas administrativas e penalidades um tanto mais rigorosas aos motoristas transgressores, com o intuito de amenizar o índice de acidentes e mortes no trânsito. Bem como expor a cronologia das legislações sobre o assunto, o artigo também procura apresentar dados que revelam os pontos positivos da lei, cujos resultados esperados se fazem presentes. Contudo, apesar dos inquestionáveis benefícios sociais da norma em questão, há que se questionar se a população está preparada para mecanismos punitivos tão severos e se a aplicação da norma se faz presente da maneira como deveria. 1. Introdução O trânsito, como espaço de relação e circulação de pessoas e veículos, deveria ser exemplo de igualdade e respeito. Entretanto, essa relação pacífica entre motoristas, pedestres e ciclistas, em sua grande maioria, está longe da realidade. O que pode ser visto nas ruas de hoje é exatamente o contrário. É no trânsito que centenas de pessoas são feridas ou perdem a vida todos os dias, vítimas de acidentes. Uma parte importante a ser considerada entre as causas desses acidentes e que hoje têm sido frequentemente estudada, é a ligação do número de acidentes e mortes ao crescente consumo de álcool na população. O consumo de bebidas alcoólicas, sempre estimulado pela própria cultura da sociedade, tem trazido consequências cada vez mais devastadoras. Além de causa comprovada de várias doenças e complicações de saúde, estudos revelam que o uso do álcool provoca e reforça os comportamentos de transgressão, de agressividade e de risco no trânsito. (CHAGAS; FILHO; MELCOP, 2011, p. 12). Ainda que desde 1997, o Código Brasileiro de Trânsito determinasse certa repressão aos motoristas embriagados, diante dos números crescentes de mortes no trânsito, se fez urgente a potencialização das políticas públicas e formulação de novas legislações que caminhassem com as condutas da sociedade. Sendo assim, em 2008, o Governo Federal propôs mudanças ao presente Código e instituiu tolerância zero ao consumo de álcool por motoristas.

É a partir dessas mudanças que o assunto toma destaque social e começa a ser objeto de discussões políticas, sociais e jurídicas, presentes na mídia e na boca do povo. Discussões sobre liberdade pessoal, constitucionalidade, aceitação da população são alguns exemplos. Com um assunto tão difundido como esse, se faz necessário uma análise cronológica da legislação referente ao assunto e, sobretudo, de como ela se dá na prática. 2. Histórico das legislações acerca da influência do consumo de álcool ao volante No Código de Trânsito Brasileiro, instituído pela Lei nº 9.503/1997, alguns artigos são encontrados relacionados à condução de veículos sob a influência de álcool ou qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica. Em 2008, com o intuito de diminuir os acidentes de trânsito relacionados à utilização de bebidas alcóolicas por motoristas, foi sancionada a Lei nº 11.705, conhecida como Lei do Álcool, que modifica algumas redações originárias. Posteriormente, em 2012, diante da redução dos resultados pretendidos, foi sancionada a Lei nº 12.760, à qual acrescenta nova redação à lei anterior. Na redação de 1997, o art.165 e o art. 276 determinavam como infração de trânsito dirigir sob a influência de uma concentração de mais de seis decigramas de álcool por litro de sangue. Com a implementação da nova legislação, apelidada pela população de Lei Seca, o ato de dirigir sob influência de álcool tornou-se infração gravíssima passível de multa e suspensão do direito de dirigir por doze meses, independente da quantidade ingerida. Essa multa prevista em R$ 957,70, com o advento da lei de 2012, é aumentada para R$1.915,40 e, consequentemente, esse último valor é dobrado em caso de reincidência. Em relação aos crimes em espécie, o art. 306 do Código de Trânsito, previa o ato de Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou qualquer substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem. Esse artigo prescrevia ao transgressor detenção de seis meses a três anos, além de multa e suspenção ou proibição de se obter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Na nova legislação, essa sanção é aplicável a condutores que apresentam concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas, ou igual ou superior a três décimos de miligramas de álcool por litro de ar alveolar.

Pelo Código de Trânsito, exigia-se a utilização de técnicas científicas para a comprovação de alcoolemia. Sendo assim, em caso de recusa, não haveria a certificação da embriaguez. O advento da lei de 2008 modificou essa norma de forma que, além dessas provas citadas, qualquer sinal indicativo de alteração da capacidade psicomotora do condutor, também é válido, bem como vídeos e fotografias, de acordo com o incremento da redação de 2012. 3. Números da Lei do Álcool Os principais motivos para a implementação de uma legislação mais rigorosa quanto à ingestão de bebidas alcoólicas por motoristas são perfeitamente visíveis no dia a dia da população. A mídia constantemente cita um caso ou outro de violência no trânsito, assuntando ainda mais população. O número de vítimas de acidentes no trânsito e casos não fatais cresce a cada dia. Felizmente, pesquisas e coleta de dados referentes ao assunto têm sido ampliadas e podemos compreender melhor as melhorias da nova lei. Em 2007, estudos divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam a responsabilidade dessa mortalidade elevada ao consumo de álcool, sendo que o Brasil apresentava a maior taxa entre os países analisados, ou melhor, aproximadamente 45% dos casos de acidentes fatais apresentam o álcool como fator dos acidentes de trânsito. (CHAGAS; FILHO; MELCOP, 2011). No mesmo ano, a Secretaria Nacional Antidrogas desenvolveu uma análise com pessoas que dirigiam e que afirmaram ter consumido bebida alcoólica em algum momento do ano anterior. O 1º Levantamento Nacional sobre os padrões de consumo de álcool na população brasileira constatou que 30% dessas pessoas já beberam e dirigiram pelo menos duas vezes, sendo que a maioria havia bebido mais do que o limite permitido pelo Código de Trânsito. Além disso, dentre todas as pessoas entrevistadas, 34% afirmaram já ter pego carona com alguém alcoolizado. Um estudo de 2011 que visa relacionar o consumo de álcool e os acidentes de trânsito afirma que, até 2008, o Brasil apresentava uma média anual de 1,5 milhão de acidentes no trânsito, o que significa que cerca de 7,5 milhões de pessoas estariam envolvidas. Decorrente desses acidentes, estima-se que 45 mil pessoas morrem por ano. Entre as vítimas, 41% estão na faixa etária entre quatorze e trinta e quarto anos e 70% são

do sexo masculino. Essa mesma pesquisa traçou um perfil das vítimas de trânsito em grandes cidades brasileiras, Brasília, Curitiba, Fortaleza, Manaus, Recife e São Paulo. Dentre as vítimas que haviam consumido álcool pelo menos duas horas antes dos acidentes, 36% eram motociclistas e 8% motoristas de carros de passeio. Em relação aos tipos de acidentes, o estudo afirma que 29% foram quedas, 24% colisão e 4% capotamento. (CHAGAS; FILHO; MELCOP, 2011). Embora os dados apresentados não sejam generalizados e, ainda que, possam parecem ínfimos, se levarmos em consideração o número concreto, são milhões de pessoas que morrem em média por ano, sem contar com os acidentes que deixam vítimas com sequelas irreversíveis. Esses são apenas alguns exemplos dos inúmeros estudos que procuram relacionar trânsito e álcool. Assim, a partir de dados como esses, podemos estabelecer comparações dos efeitos em decorrência da vigência da nova lei. Pesquisas feitas pelo DETRAN-DF mostram que, do ano de 2007 para 2008, a Lei Seca diminuiu em 17% o número de acidentes com morte no território do Distrito Federal, assim como o número de vítimas caiu de quarenta e duas vítimas por mês, para trinta e cinco por mês. Ademais, as taxas não se limitam apenas a capital do país. O Ministério da Saúde divulgou uma queda de, aproximadamente, 6,2% do número de mortes em acidentes após a Lei Seca ter sido sancionada em relação ao ano anterior, o que significa uma redução de 2.302 mortes no Brasil. 4. Inaplicabilidade prática? Seguindo pelos dados apresentados, pode-se deduzir que a aplicação da lei e a fiscalização oriunda da mesma alcançaram os efeitos desejados e imaginava-se que nos próximos anos essas taxas poderiam ser ainda mais reduzidas. No entanto, nos anos subsequentes, o contrário se fez presente, ou melhor, ocorreu aumento do número de acidentes com mortes e do número de vítimas. Entre os anos de 2008 e 2010, a redução no número de acidentes com morte foi de apenas 4% e o número de vítimas cresceu dos trinta e cinco apresentados anteriormente para quarenta mortes por mês, cujo índice se aproxima ao apresentado antes da vigência da lei. Essa diminuição de resultados pode ser explicada pela queda no foco governamental e, principalmente, da mídia no assunto Lei Seca. Essa saída de cena tem como consequência certa falta de comprometimento dos órgãos responsáveis em

manter, ou ainda aumentar, a fiscalização - geralmente realizada por meio de blitz da Polícia Militar - além de não realizar campanhas educativas eficientes para conscientizar ainda mais a população. Apesar de grande parte da população aprovar a legislação mais rigorosa e que 97% apoiam as multas impostas aos motoristas flagrados e 81% apoiam a perda da habilitação, ainda existe uma parcela da sociedade que ou não aprova a lei ou ainda que aprovem não a seguem e procuram modos de burlar a pouca fiscalização existente. Dentre esses modos destacamos a malandragem e o famoso jeitinho brasileiro de agir. (...) não há no Brasil quem não conheça a malandragem, que não é só um tipo de ação concreta situada entre a lei e a plena desonestidade, mas também, e, sobretudo, é uma possibilidade de proceder socialmente, um modo tipicamente brasileiro de cumprir ordens absurdas, uma forma ou estilo de conciliar ordens impossíveis de serem cumpridas com situações específicas, e também um modo ambíguo de burlar as leis e as normas sociais mais gerais. (DAMATTA, 1986, p. 103) Hoje existem mecanismos diversos utilizados pelos indivíduos, seja através de aplicativos de celular, medicamentos que acelerem a metabolização do álcool, o simples aviso de conhecidos sobre a localização de blitz, ou ainda a apresentação de documentos de identificação de autoridades buscando a liberação da fiscalização. A forma mais discrepante de burlar a Lei Seca de 2008, entretanto, é a brecha apresentada pela lei na forma de se determinar crime. O princípio constitucional da Inexigibilidade de Autoincriminação prevê que nenhum cidadão abordado em qualquer tipo de fiscalização é obrigado a se constranger ao criar provas contra si próprio, ou, nos moldes da Lei Seca, não é obrigado a realizar qualquer teste de alcoolemia (ARRUDA, 2011). Assim, condutores que possuírem consciência de estarem com mais de seis decigramas de álcool por litro de sangue têm a possibilidade de se negarem a realizar os testes referidos e não serem enquadrados no art. 306 da Lei do Álcool, sendo sancionados apenas pelo art. 165, em acordo com o art. 277. Essa redução na eficácia da Lei seca conduziu a norma a um estado apenas simbólico, ou seja, as diversas formas de se burlar a lei, aliadas a falta de comprometimento dos órgãos responsáveis fez com que a norma fosse apenas um fantasma sobre a sociedade, aplicando esporadicamente seus efeitos sobre uma pequena parcela dos infratores, resultando no oposto do que era proposto, tendendo a um estado próximo ao que vigorava antes de sua implementação. (TAFFARELLO, 2009)

Felizmente, a Lei do Álcool passa atualmente por outro momento de alta na mídia e na sociedade. Com a recente vigência da lei nº 12.760 de 2012, alterando rigorosamente alguns fatores como o valor das multas, os dados estatísticos analisados anteriormente, com destaque aos relacionados ao trânsito do Distrito Federal, voltaram a mostrar resultados positivos no número de acidentes com mortes e vítimas. Houve redução para 16,5% e trinta e seis mortes por mês respectivamente, entre os anos de 2010 e 2012, além de um grande crescimento no número de carteiras nacionais de habilitação apreendidas, foram quatro mil e quatrocentas carteiras apenas em 2012. Essa volta da Lei seca ao cenário nacional gerou maior movimentação por parte dos órgãos administrativos, que se organizaram desta vez ao criarem operações conjuntas como, por exemplo, a Operação Lei Seca, e a Operação Funil, grandes responsáveis segundo o DETRAN-DF para os resultados positivos apresentados atualmente pela norma. 5. Conclusão Tércio Sampaio Ferraz Junior, em Introdução ao Estudo do Direito, conceitua eficácia normativa segunda a dogmática como: eficácia é uma qualidade da norma que se refere à possibilidade de produção concreta de efeitos, porque estão presentes as condições fáticas exigíveis para sua observância, espontânea ou imposta, ou para a satisfação dos objetivos visados (efetividade ou eficácia social), ou porque estão presentes as condições técnico-normativas exigíveis para sua aplicação (eficácia técnica) (FERRAZ JUNIOR, 2003, p.203). A partir dessa conceituação, conclui-se que a Lei Seca é extremamente eficaz, principalmente no âmbito da sua eficácia social reduzir o número de vítimas e acidentes de trânsito se, e somente se, a lei obtiver o apoio do governo através da utilização do poder de polícia administrativo do mesmo, seja mantendo a quantidade e principalmente a qualidade da fiscalização, promovendo operações conjuntas de órgãos responsáveis, e mais importante, conscientizando fortemente a população e punindo apropriadamente os infratores. Para que esse último seja melhor garantido, é necessária mais um revisão na legislação atual, de modo a garantir a maior sanção possível aos que se recusarem à serem fiscalizados.

Percebe-se também, principalmente a partir dos dados de 2010 e 2011, que esse apoio governamental não está sempre presente, dessa forma, é necessário maior comprometimento dos órgão responsáveis para influenciar positivamente a população em favor da lei, pois como foi visto, sem esse apoio a tendência é o esquecimento e a banalização da legislação tornando-a simbólica e ineficaz. Referência Bibliográfica ARRUDA, Igor Araújo. Inaplicabilidade prática da Lei Seca, 2011. DireitoNet. <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/6973/inaplicabilidade-pratica-da-lei-seca> BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro: instituído pela Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Brasília: DENATRAN, 2008.. Lei nº 11.705, de 19 de junho de 2008.. Lei nº 12.760, de 20 dezembro de 2012. DAMATTA, Roberto. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1986. FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 4ª edição. Editora Atlas. LARANJEIRA, Ronaldo. [et al]. I Levantamento Nacional sobre os padrões de consumo de álcool na população brasileira. Brasília: Secretaria Nacional Antidrogas, 2007. MELCOP, Ana Glória Toledo; CHAGAS, Denise Maria Maia; FILHO, Djalma Agripino. O consumo de álcool e os acidentes de trânsito: pesquisa sobre a associação entre o consumo de álcool e os acidentados de trânsito nas cinco regiões brasileiras. Recife: CCS Gráfica e Editora, 2011. SIENA, David Pimentel Barbosa. Embriaguez no volante e mortes no trânsito: novas polêmicas, antigas discussões. 2011. DireitoNet. <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/7025/embriaguez-ao-volante-e-mortes-notransito-novas-polemicas-antigas-discussoes> TAFFARELLO, Rogério Fernando. Lei seca: simbolismo penal e ineficácia social. 2009. Última Instância. <http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/artigos/4502/artigos+ultimainstancia.shtml>