PNV 300 A Oração de Jesus Ildo Bohn Gass São Leopoldo/RS 2012 pnv 300 - segunda edicao.indd 1 02/03/2013 21:32:49
Centro de Estudos Bíblicos Rua João Batista de Freitas, 558 B. Scharlau Caixa Postal 1051 93121-970 São Leopoldo/RS Fone: (51) 3568-2560 Fax: (51) 3568-1113 vendas@cebi.org.br www.cebi.org.br Série: A Palavra na Vida Nº 300 2012 Título: A Oração de Jesus Autor: Ildo Bohn Gass Capa: Artur Nunes Editoração: Rafael Tarcísio Forneck ISBN: 978-85-7733-175-8 Ildo Bohn Gass é secretário do Programa de Formação no CEBI Nacional, além de fazer parte da equipe do CEBI-RS. Estudou Teologia e fez especialização em Bíblia. pnv 300 - segunda edicao.indd 2 02/03/2013 21:32:49
Sumário Introdução... 5 1 Jesus, uma pessoa de muita oração... 7 2 O Pai-nosso... 11 3 A invocação introdutória... 13 3.1 Pai... 13 3.2 Pai nosso... 20 3.3 Pai nosso que estás nos céus... 22 4 Primeiro Pedido: Santificado seja o teu nome... 25 5 Segundo Pedido: Venha o teu reino... 31 6 Terceiro Pedido: Seja feita a tua vontade, como no céu também sobre a terra... 37 7 Quarto Pedido: O pão nosso de cada dia nos dá hoje... 42 8 Quinto Pedido: Perdoa as nossas dívidas, como também nós temos perdoado aos nossos devedores... 50 9 Sexto e Sétimo Pedidos: E não nos conduzas para a tentação, mas livra-nos do mal... 57 pnv 300 - segunda edicao.indd 3 02/03/2013 21:32:49
pnv 300 - segunda edicao.indd 4 02/03/2013 21:32:49
Introdução Estando em certo lugar, orando, ao terminar, um de seus discípulos pediu-lhe: Senhor, ensina-nos a orar... (Lc 11,1). Entre todos os ensinamentos de Jesus, a oração do Pai-nosso é o mais conhecido. É também a maior de todas as orações. O projeto de Deus de gerar, defender e promover a vida está presente como espinha dorsal, do início ao final das escrituras. E a oração do Pai-nosso constitui uma espécie de síntese desse plano de vida, condensando em poucas palavras o sonho do Criador para toda a humanidade. Nesse sentido, esta oração de Jesus elenca os princípios éticos fundamentais do projeto de Deus para toda a sua criação. Meditar o Pai-nosso é entrar em sintonia com Deus, é a vida em oração, colocada nas mãos do Pai com vista à realização de sua vontade em nosso cotidiano. É deixar Deus agir em nós. É identificar o nosso olhar, nosso pensar, todo o nosso ser com o olhar, o pensar e o ser do próprio Deus. O Pai-nosso, como o temos nos evangelhos, é uma fórmula fixa. E, certamente, é uma oração que, tal como os salmos, servia para uso litúrgico nas comunidades. É claro que pode ser refletido de forma pessoal. No entanto, seu sentido é comunitário. Com esta reflexão, queremos meditar sobre o significado de cada pedido da oração de Jesus. Assim, podemos ter maior compreensão sobre os PNV 300 5 pnv 300 - segunda edicao.indd 5 02/03/2013 21:32:49
temas que Jesus propõe para nossas conversas na intimidade com o Pai. Então, quando orarmos com a comunidade, perceberemos melhor o conteúdo profundo do Pai-nosso, sentiremos o sabor de sua essência. Para Jesus, a oração pessoal era algo muito caro em sua vida. Passava horas, orando em silêncio. Era sua abertura ao Pai para que realizasse nele a sua vontade. E o Pai-nosso revela quais eram os assuntos preferidos de Jesus na conversa com seu e nosso Pai. Ao ensinar-nos essa oração, Jesus nos propõe que também estes sejam os temas principais de nossa meditação, na abertura e adesão ao seu projeto do reino de Deus e sua justiça. Como é uma oração muito densa, uma vez que é o resumo da boa-nova de Jesus, não é possível alcançar sua profundidade pela simples declamação, recitada ou cantada. Esta reflexão sobre cada pedido da oração de Jesus quer contribuir para que não fiquemos na superfície do lago, o que certamente já é algo muito bom. Entretanto, como recomenda o próprio Jesus, é preciso buscar águas mais profundas (cf. Lc 5,4). 6 PNV 300 pnv 300 - segunda edicao.indd 6 02/03/2013 21:32:50
1 Jesus, uma pessoa de muita oração De madrugada, estando ainda escuro, ele levantou e retirou-se para um lugar deserto e ali orava (Mc 1,35). Antes de meditarmos sobre o sentido de cada pedido do Pai-nosso, olhemos um pouco para Jesus e sua vida de oração. Jesus foi uma pessoa com experiência profunda na busca de comunhão com o sagrado. Não raras vezes, vemo-lo buscar a intimidade com o Pai, a familiaridade com a fonte amorosa que animou a sua vida. Certamente, recitou algumas vezes os salmos, onde lia: Em ti está a fonte da vida, e em tua luz vemos a luz (Sl 36,10). Foi graças a essa espiritualidade de comunhão com o Pai que Jesus de Nazaré alcançou ser uma pessoa radicalmente livre. Viveu a liberdade em tal profundidade que relativizou tudo, confiando somente no amor do Pai. Foi uma experiência de comunhão, de harmonia total. Amou a Deus com todo o seu ser, ao ponto de se tornar um com ele. Amou a si próprio, vivendo em harmonia total consigo mesmo, ao ponto de doar sua vida livremente por amor. Tanto amou as outras pessoas que sentia com elas, tinha compaixão, identificando-se com elas. Por fim, Jesus tornou-se um com o universo todo, com toda a natureza. Nas aves e nas plantas, por exemplo, sentia a bondade do Pai (Mt 6,26-30). PNV 300 7 pnv 300 - segunda edicao.indd 7 02/03/2013 21:32:50
E por que Jesus alcançou essa liberdade radical? É que se deixou conduzir pelo dinamismo do Espírito do Pai. Mais tarde, de sua experiência de liberdade em Cristo, o apóstolo Paulo escreveria: O Senhor é Espírito. E onde se acha o Espírito do Senhor, aí está a liberdade (2Cor 3,17). De um lado, o Espírito era a força de Jesus no enfrentamento das provações neste mundo que o tentavam para que traísse o projeto do Pai (Lc 4,1-14; cf. vv. 1.14). De outro, o mesmo Espírito, que animou a profecia na tradição de seu povo, agora o impulsiona no anúncio da boa-nova aos pobres (Is 61,1-2; Lc 4,18-19). Aprendemos de Jesus que orar é deixar-se guiar pelo Espírito de Deus. É abrir a ele o nosso coração, todo o nosso ser. Não é obrigar Deus a fazer nossa vontade, mas entrar em sintonia com ele, abrir-se com confiança ao seu projeto, e viver a sua vontade (cf. 1Jo 5,14). E, tal como pedimos no Pai-nosso, é deixar a vontade de Deus se tornar realidade em nossas vidas (Mt 6,10). Porém, sabemos que isso não é tão simples. Exige de nós o cultivo cotidiano de uma espiritualidade profunda. E o maior modelo de oração para nós é Jesus de Nazaré. Cada momento de sua vida era uma oportunidade de abertura ao amor de Deus, à escuta amorosa. Por isso, suas atitudes, seu olhar, suas palavras, todo o seu ser manifestava intensamente a bondade do Pai. Certamente, Jesus recordava muitas vezes a experiência de Isaías e identificava-se com ela: O senhor Yahweh me deu língua de discípulo para que soubesse trazer ao cansado uma palavra de conforto. De manhã em manhã, ele me desperta, sim, desperta o meu ouvido para que eu ouça como os discípulos (Is 50,4). Encontramos Jesus em oração nos momentos-chave de sua vida: aos 12 anos, no templo (Lc 2,46-49), no batismo (Lc 3,21-22), nas tentações (Lc 4,1-14; cf. vv. 1-2 = jejum), na escolha dos doze (Lc 6,12-13), na transfiguração (Lc 9,28-31), na agonia (Lc 22,31-32), na cruz (Lc 23,34) e na morte (Lc 23,46; Mc 15,34; Jo 19,30). 8 PNV 300 pnv 300 - segunda edicao.indd 8 02/03/2013 21:32:50
Contudo, Jesus não orava somente em momentos especiais. A oração era prática cotidiana em sua vida: na alegria (Lc 10,21-22; Mt 11,25-27), na partilha do pão (Mc 6,41; Lc 24,30), na sepultura de Lázaro (Jo 11,41-42), nos sábados, na sinagoga (Lc 4,16-20), nas festas de seu povo (Lc 2,42-52; Jo 2,13-17; 5,1). E, no silêncio, meditava e contemplava (Lc 3,21; 4,42; 5,16; 6,12; 9,18.28; 10,21; 11,1; 22,31-32.39-46; 23,46; Mc 1,35; 6,46). Impressiona a quantidade de vezes em que Jesus se retirava a lugares desertos para, no silêncio, aprofundar sua intimidade com o Pai. Tinha plena consciência de ser um filho amado por seu Pai, que estava com ele e o escutava (Mc 1,11; Jo 8,29; Jo 11,22.41). Essa comunhão de vida era tão profunda, ao ponto de Jesus e o Pai serem um na comunhão (Jo 10,30; 17,11.20-22). Jesus ensina como deve ser a nossa oração De um lado, além de ele mesmo ser uma pessoa de muita oração, ensinava também que tipo de oração não convinha praticar. Disse, por exemplo, que não seria bom seguir o jeito hipócrita e de muito palavreado de boa parte dos fariseus (Lc 18,9-14; Mt 6,7-8) ou dos escribas, os entendidos em Bíblia (Lc 20,45-47). Até mesmo o Pai-nosso não é uma oração para repetir como papagaio, mas para meditar com calma e profundidade. De outro lado, Jesus partilha conosco algumas atitudes básicas que ele sempre procurou viver. Além de orarmos com fé e confiança (Lc 18,1-8), pediu-nos que orássemos regularmente, abrindo-nos ao Espírito Santo (Lc 11,5-13). Ao nos pedir que fôssemos insistentes na oração, Jesus não propõe que tentemos mudar Deus, mas que a intensa vida de oração nos transforme, abra-nos ao acolhimento da bondade do Pai, que é pura graça. A perseverança e a sinceridade são outras marcas da atitude orante (1Ts 5,17; Lc 18,9-14). Uma PNV 300 9 pnv 300 - segunda edicao.indd 9 02/03/2013 21:32:50
das características mais fortes na oração de Jesus foi o silêncio, a escuta, a meditação, a contemplação. Não é por acaso que também nos peça que oremos com poucas palavras na intimidade com o Pai (Mt 6,5-8). Assim como Jesus orou por Pedro (Lc 22,31-32), pelos discípulos que estavam com ele (Jo 17,9) e por nós hoje (Jo 17,20), pediu-nos também que orássemos por outras pessoas, especialmente pelas que nos caluniam e nos difamam (Lc 6,28; Mt 5,44). Jesus de Nazaré foi alguém de profunda experiência com Deus como um Pai que ama a todas as suas filhas e seus filhos. A ele se entregava com toda confiança. Essa experiência causou profunda impressão em seus discípulos que lhe pediram: Ensina-nos a orar... 10 PNV 300 pnv 300 - segunda edicao.indd 10 02/03/2013 21:32:50
2 O Pai-nosso O Pai-nosso resume em poucas palavras o essencial e mais profundo da experiência que Jesus fez na intimidade com o Pai. Revela, portanto, a comunhão que há na relação entre eles. É súplica cheia de confiança que o filho dirige ao Pai bondoso. Os temas que Jesus nos propõe no Pai-nosso certamente foram o conteúdo preferido nas suas conversas com o Pai. Temos duas versões do Pai-nosso nos evangelhos. Em Mateus, Jesus toma a iniciativa e ensina essa oração a seus discípulos (Mt 6,9-13). Em Lucas, a iniciativa é dos discípulos que pedem a Jesus para que lhes ensine a orar (Lc 11,1-4). A versão de Lucas deve ser a mais próxima à oração de Jesus. A de Mateus sofreu acréscimos por parte de sua comunidade, como veremos adiante. O Pai-nosso em Lucas, além da invocação introdutória ( Pai ), tem dois pedidos ou desejos focados em Deus: Santificado seja o teu nome e Venha o teu reino. Além disso, tem três pedidos centrados nas necessidades fundamentais das pessoas: Dá-nos o pão..., Perdoa nossos pecados.... Não nos conduzas para a tentação. O de Mateus, além de agregar à invocação introdutória a expressão nosso que estás nos céus, acrescenta também dois pedidos: Seja feita a tua vontade como no céu também sobre a terra e Livra-nos do mal/maligno. Nesta reflexão, vamos manter a forma de tratamento que Jesus usava em seus diálogos com o Pai, ou seja, o tratamento é de muita proximidade, intimidade e confiança. Por isso, ele não usa pronome de tratamento, tipo senhor ou vós, que sugerem desigualdade, PNV 300 11 pnv 300 - segunda edicao.indd 11 02/03/2013 21:32:50
inferioridade, distância. Pediu-nos, inclusive, que nos relacionássemos com seu e nosso Pai do mesmo jeito que ele. A tradição católico-romana mudou o pronome de tratamento. Embora haja quem proponha que o vós seja uma referência à Trindade, penso que poderíamos acolher o pedido de Jesus de relacionar-nos com o Pai da mesma forma que ele, de um jeito mais íntimo, mais próximo, de maior confiança. Pai A Oração de Jesus Conforme Lucas (11,2-4) Conforme Mateus (6,9-13) Santificado seja o teu nome Venha o teu reino O pão nosso cotidiano nos dá dia a dia E perdoa os nossos pecados, assim como também nós perdoamos a todo o que nos deve E não nos conduzas para a tentação Pai nosso que estás nos céus Santificado seja o teu nome Venha o teu reino Seja feita a tua vontade como no céu também sobre a terra O pão nosso de cada dia nos dá hoje E perdoa as nossas dívidas, assim como também nós temos perdoado aos nossos devedores E não nos conduzas para a tentação Mas livra-nos do mal/maligno Por causa de uma influência litúrgica posterior, ainda se acrescentou: pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém. A partir de agora, vamos refletir um pouco sobre cada um dos temas da oração de Jesus. E ele nos propõe conversarmos com o Pai, em nossa oração, sobre os mesmos temas que ele falava. 12 PNV 300 pnv 300 - segunda edicao.indd 12 02/03/2013 21:32:50