Movimento Negro pós-70: a educação como arma contra o racismo Nádia Cardoso Capítulo II da Dissertação de Mestrado Instituto Steve Biko Juventude Negra Mobilizando-se por Políticas de Afirmação dos Negros no Ensino Superior aprovada pelo Mestrado em Educação e Contemporaneidade -. UNIVERSIDADE ESTADUAL DA BAHIA-, em fevereiro de 2005. A intervenção no campo da educação marca o ativismo negro-brasileiro pós-70. Os Movimentos Negros constatam a falência do projeto da modernidade onde a escola, como espaço democrático de socialização para inclusão social, não tem efetivamente garantido inclusão com dignidade para uma parcela significativa da população brasileira. Diante do baixo desempenho da criança e do jovem negro no sistema público de ensino no Brasil e da responsabilização dos próprios negros na explicação hegemônica para esse crítico desempenho, o Movimento Negro constata ser a educação um campo privilegiado de enfrentamento do racismo. O discurso hegemônico na educação brasileira que explica o fracasso escolar da infância e juventude negra por diferenças étnico-culturais, já que estas são predispostas ao fracasso por sua condição étnico-cultural, é contraposto pelos educadores e ativistas negros, cuja narrativa política afirma que é na própria escola que se constrói o fracasso escolar da infância e juventude negra, já que lá são reproduzidos mecanismos sociais que institui práticas de discriminação racial. O ativismo negro na educação tem, ainda, enfatizado que é necessário a sociedade brasileira repensar sobre a estrutura excludente da educação que gerou, já que diante de todos esses fatores, a escola tem produzido estudantes negros fracassados, repetentes e evadidos. Tal pensamento ativista negro sobre a educação no Brasil se expressa através de formulações militantes, acadêmicas e de ações efetivas. É a educação no Brasil pensada a partir do ponto de vista do ativismo negro. A ausência de indicadores sociais que levassem em conta a variável raça/cor contribuiu para a difusão da idéia de Brasil como nação racialmente democrática durante todo o regime militar. O Censo de 1970, por exemplo, não incorporou a categoria raça no levantamento de indicadores sociais do Brasil. Tradicionalmente, as pesquisas sociológicas sobre educação ignorou fortemente a dimensão racial e suas conseqüências na distribuição de oportunidades educacionais entre os diversos grupos da população. Para pesquisadores e pedagogos, a educação se constituía como um dos eixos básicos para o combate às desigualdades sociais na sociedade brasileira onde a classe era o elemento central. As desigualdades de classe e de status sócio-econômico eram apontados como os grandes elementos que configuravam um acesso diferenciado à educação no Brasil.
Essa ausência de indicadores de desigualdades sócio-econômicas entre negros e brancos na sociedade brasileira, se constituiu como um entrave para o movimento negro de luta contra o racismo. Portanto, a dificuldade de assunção do racismo como estruturante das desigualdades sociais brasileiras contribuiu para a consolidação de um silêncio em torno das desigualdades das nossas relações raciais. O discurso enfático e agressivo do Movimento Negro ao denunciar o preconceito, os estereótipos, o racismo e as discriminações raciais no Brasil, pressiona a academia para a incorporação da dimensão étnico-racial no levantamento de novos indicadores sociais, entre finais da décadas de 80 e durante a década de 90 no Brasil. As críticas dirigidas pelos movimentos negros ao sistema escolar brasileiro davam ênfase ao livro didático e à sedimentação de papéis sociais subalternos e aos estereótipos racistas a que estavam submetidos os personagens negros; ao currículo escolar e ausência de conteúdos ligados à cultura e a história social afrobrasileira ; e às desigualdades de oportunidades educacionais a que estavam submetidos os afrodescendentes no Brasil. Em finais das décadas de 80 e início de 90, surgem alguns estudos articulando a raça/cor com a educação e reafirmando o campo educacional como mais uma esfera onde as desigualdades raciais são sistemáticas: Rosemberg ( 1984), Silva ( 1988), Hasenbalg e Silva(1990), Figueira (1990), Barcelos (1992), etc. Hasenbalg e Silva ( 1990) chamam a atenção para a importância da atuação do ativismo negro para mudança do quadro da pesquisa educacional brasileira. Esses estudos revelaram as profundas desigualdades de oportunidades educacionais a que estavam submetidas a população afro-descendente no Brasil e deram subsídios teórico-acadêmicos às críticas dos movimentos de luta contra a discriminação racial: Ao analisar os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio ( PNAD) de 1982, Hasenbalg e Silva (1990) concluem que níveis crescentes de industrialização e modernização da estrutura social não eliminam os efeitos da raça ou cor como critério de seleção social e critérios de desigualdades sociais" ( Hasenbalg e Silva, 1990, p. 73). Esses pesquisadores apontam duas tendências nos raros estudos sociológicos da década de 80 que cruzam raça e educação: pretos e pardos obtêm níveis de escolaridade consistentemente inferiores aos dos brancos de mesma origem social; e os retornos à escolaridade adquirida em termos de inserção ocupacional e renda tendem a ser proporcionalmente menores para pretos e pardos do que para brancos. As duas tendências apontam para o confinamento dos não brancos na base da hierarquia social possuindo realizações educacionais próximas a dos degraus inferiores do sistema de estratificação. Mas a primeira tendência chama a atenção para o fato de que no decorrer das trajetórias educacionais de pretos e pardos, estes se expõem a desvantagens vinculadas especificadamente a sua adscrição racial. Hasembalg e Silva ( 1990) analisando os dados da PNAD de 1982 levanta o perfil racial do acesso aos patamares mais altos de escolarização, constatando que o grau mais acentuado de desigualdade de oportunidades entre grupos de cor se estabelece no nível de ensino superior : 13,6% de brancos, 1,6 % de
pretos e 2,8% de pardos conseguiram ingressar no ensino superior brasileiro. De acordo com esses dados, Hasenbalg e Silva concluem: Isto significa que ter cor de pele branca no Brasil significa ter 8.5 vezes mais chances com relação aos pretos e quase cinco vezes mais probabilidades relativamente aos pardos de ter acesso às universidades. Nesse aspecto da distribuição entre grupos de cor das oportunidades de ingressar no ensino superior, o Brasil encontra-se mais perto da África do Sul do que dos Estados Unidos, onde, em 1980, os brancos tinham chances 1,4 vezes maiores que os negros de ingressar nesse nível educacional. Em suma, este quadro geral das realizações educacionais dos grupos de cor mostra que pretos e pardos estão expostos a um grau maior de atrito no seu trânsito pelo sistema escolar, o que faz com que iniciem a etapa de vida adulta com uma considerável desvantagem em termos de educação formal ( Hasenbalg ; Silva, 1990, p.76). Tais dados revelaram que na conjuntura dos anos 80 e início dos anos 90, a exclusão racial do negro da universidade se caracterizava racialmente como uma segregação. Barcelos (1992) também traça um diagnóstico da situação de desempenho dos grupos raciais frente ao sistema educacional. Analisando a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD) de 1987, constata que 14,4% da população brasileira tem o segundo grau completo, distribuídos racialmente da seguinte forma: 16,1% dos brancos, 8,4% dos pretos e 11,6% dos pardos. No que diz respeito ao ensino superior, Barcelos (1992) ainda constata o escasso número daqueles que chegam à universidade como contrapartida óbvia da concentração nos níveis mais baixos de ensino. Apenas 6,8 % da população compõem a população com nível superior no país. Contudo a desigualdade racial no ensino superior é escandalosa - 9,2% de brancos possuem curso superior; 23% de amarelos, enquanto os negros - são 1,6% para pretos e 2,8% para pardos. Esses dados são importantes para situarmos o quadro da educação superior no contexto de surgimento do Instituto Steve Biko. A análise dos dados da PNAD de 1988, ano do Centenário da Abolição da Escravidão no Brasil, faz Barcelos concluir serem alarmantes os diferenciais na realização educacional dos grupos raciais, com ênfase nos dados que demonstram a insignificância quantitativa do acesso ao ensino superior pelos grupos negros: apenas 0,5% de pretos e 1% de pardos de 20 a 24 anos; 0,4% de pretos e 2,9% de pardos entre 25 e 29 anos têm curso superior completo: Menos alfabetizados, retidos em patamares educacionais mais baixos, poucos negros conseguem chegar à universidade. E tão poucos que sequer são suficientes para serem registrados no gráfico... Um negro com curso superior completo é um sobrevivente do sistema educacional e, ademais, enfrentará sistemática discriminação no mercado de trabalho...( Barcelos, 1992, p. 55) Portanto, os dados produzidos a partir da articulação raça e educação são reveladores das injustas relações raciais brasileiras. O caráter racialmente democrático das nossas relações raciais que a escola brasileira reproduz se contradiz com as gritantes desigualdades raciais geradas e reproduzidas pelo sistema educacional brasileiro. Em outros termos, a educação é um cenário revelador da falácia da democracia racial
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