festa d o divino A festa popular do Divino Espírito Santo, que celebra a descida do Espírito Santo sobre os discípulos de Jesus no dia de Pentecostes, foi instituída pela rainha Santa Isabel de Portugal, no ano de 1296, quando convidou, na então vila de Alenquer, o clero, a nobreza e o povo para assistirem à Missa de Pentecostes
A CORTE DO IMPERADOR A escolha do Imperador (que é uma criança ou um adolescente), recai sobre um parente do Festeiro, normalmente filho ou sobrinho. A sua corte é constituída por dois vassalos e quatro guardas de honra (também crianças ou adolescentes)
eentre os que estavam presentes na cerimónia, a rainha convidou o mais pobre para ocupar, sobre o dossel instalado na capela-mor, o lugar do rei. Ali, o pobre, antes de se sentar, ajoelhou-se e o bispo colocou-lhe sobre a cabeça a coroa real, enquanto o povo cantava Veni Creator Spiritus (Vinde Espírito Criador). Depois das solenidades, foi oferecido a todos um banquete no paço real, servido pela rainha e pelos nobres. No ano seguinte, com autorização do rei D. Diniz, mandaram-se fazer coroas iguais à coroa real e, no dia de Pentecostes, em todo o reino de Portugal fizeram-se cerimónias iguais à realizada em Alenquer. Estava assim instituída a Festa do Divino, espalhando-se por todo o país, instalando-se principalmente e com raízes profundas no arquipélago dos Açores desde o início do seu povoamento. Da celebração festiva faziam parte os imperadores e a sua corte formada por mordomos, vassalos, guarda real e bandeireiros. A pouco e pouco os impérios foram-se renovando, cada vez com mais arte e luxo. Era em frente desses impérios que se dava o chamado bodo, ou seja, a distribuição de alimentos aos pobres A Festa do Divino foi levada pelos primeiros colonizadores portugueses, e a devoção ao Divino Espírito Santo tornou-se numa das fortes tradições populares brasileiras no dia da festa. Esta era uma das partes essenciais da festa e acontecia após a missa. À tarde realizava-se a procissão. No século XVI o programa das festas foi ampliado, sendo introduzidas as cerimónias para o peditório e para a guarda da coroa. Foi nesta época que o simples peditório para o bodo passou a denominar-se folia. Também nesse século, a festa religiosa coleta, missa, bodo e procissão passou a ter partes profanas, como os bailes públicos, realizados no adro da igreja ou nas ruas. Com o avançar dos tempos começaram a surgir oposições e algumas restrições às festividades, por se estarem a tornar demasiado mundanas. A primeira proibição da festa do Divino, nos Açores, data de 1523. A razão dessa proibição: o povo, cuidando excessivamente dos luxos nessas festas, fazia com elas e nelas gastos que, em muitos dos casos, levavam os senhores da folia (festeiros) à ruína. O luxo e a ostentação nos jantares em honra do Divino e a riqueza do bodo resultou na proibição decretada por Dom Manuel que, mais tarde, em 1559, nas constituições do bispado insulano dizia, reforçando, em parte, a proibição anterior: Que se não fizessem impérios, imperadores e imperatrizes em muitas domingas porque gastavam em comidas e festas o que não têm; e em algumas partes fazem diversos imperadores, e o que é pior com diversas superstições se encomendam ao Espírito Santo. Mais adiante proíbe-se a figura da imperatriz: Que haja um só imperador!. Em 1774, o bispo dom Frei Valério do Sacramento, tentou terminar com as festas proibindo as folias e bailes, mas sem êxito, pois o povo opôs-se às suas ordens. Houve ainda outras tentativas idênticas por parte de alguns membros do clero, querendo evitar abusos mundanos, como os luxos, bailes e exibições cómicas, achando demasiado paganismo para um culto católico, mas todas sem resultado. Mais tarde, proibidos finalmente os bailes, tiveram início as representações ou autos. Em Portugal continental, com raras exceções, as festas do Divino Espírito Santo acabaram por desaparecer, há quem diga devido à secularização. Em Tomar ainda é realizada, mas é chamada, actualmente, de Festa dos Tabuleiros, e acontece somente
as procissões Sucedem-se, durante os dias da Festa, as Procissões pela cidade. Mas é a do Resplendor do Divino a mais importante sem dúvida. A caminhada dura uma hora e, pelo percurso, alguns crentes pedem aos homens do andor que lhes dêem uma rosa ou algumas pétalas, que vão junto ao Divino. o bando precatório Percorrendo as ruas da cidade, até ao porto e bairros de periferia, o Bando Precatório, as Bandeiras, Banda de Música de Santa Cecília e a Folia do Divino, pedem esmola, dinheiro para a ajuda da festa
Divino de 4 em 4 anos e já não é celebrada na data de Pentecostes. Nas ilhas açoreanas, ao contrário do Continente, de ano para ano incrementaram-se mais, onde as Irmandades do Divino Espírito Santo preservaram o Culto ao Espírito Santo, até aos dias de hoje. A Festa do Divino no Brasil A Festa do Divino chegou ao Brasil trazida pelos primeiros colonizadores portugueses, e a devoção ao Divino Espírito Santo tornou-se numa das fortes tradições populares brasileiras. Há descrições de Festas do Divino que aconteciam, ainda em alto mar, a bordo das naus que partiam em viagem para África, Índia e Brasil. O povo já levava o ceptro, coroa, manto, e tudo o que fosse necessário para a realização da mesma. Há um relato de um jesuíta, datado de 1561, cuja descrição é elucidativa: No Dia de Espírito Santo se fez muito solene festa em nossa nau, porque costumam, como honra de tal dia, eleger um Imperador na nau, ao qual servem todos os capitães e os demais por todo aquele dia. Estava a nau toda enfeitada, embandeirada, toldada de guardamessins muito frescos com um dossel de tafetá azul, onde o Imperador tinha a cadeira. À hora da véspera, vésperas de canto de órgão, porque na nossa nau havia quem o sabia fazer e bem, assim também, cumprindo meu ofício, tive de coroar o Imperador. O capitão dizia que aquilo se fazia para engrandecer a Festa do Espírito Santo e por devoção. E assim não havia por que recusar. Depois de dizer missa cantada, fiz prédica ao Imperador, empossado com toda a sua corte, a gente, ao que parece, ficou contente. Deu-se mesa franca a toda a nau, a qual estava vestida como na corte de sua majestade. Ou noutra, em que que o jesuíta Fúlvio de Gregori, em carta enviada para Roma, refere: Costumam os portugueses eleger um imperador pela festa de Pentecostes e assim aconteceu também nesta nau S. Francisco. Com efeito, elegeram um menino para imperador, na vigília de Pentecostes, no meio de grande aparato. Vestiram-no depois muito ricamente e puseram-lhe na cabeça a coroa imperial. Escolheram também fidalgos para seus criados e oficiais às ordens, de modo que o capitão foi nomeado mordomo da Durante esta época festiva, a cidade de paraty parece vestir-se de vermelho e enfeitar-se com a pomba branca, símbolo do Divino sua casa, outro fidalgo foi nomeado copeiro, enfim, cada um com o seu oficio, à disposição do imperador. Entraram nisto até os oficiais da nau, o mestre, o piloto, trajando todos a primor, fez-se um altar na proa da nau, por ali haver mais espaço, com belos panos e prataria. Levaram, então, o imperador à missa, ao som de música, tambores e festa e ali ficou sentado numa cadeira de veludo com almofadas, de coroa na cabeça e ceptro na mão, cercado pela respectiva corte, ouvindo-se entretanto as salvas de artilharia. Comeram depois os cortesãos do imperador e, por fim, serviram toda a gente ali embarcada, à volta de trezentas pessoas. No Brasil, esta festa ganha maior força exactamente nos séculos XVIII e XIX, ou seja, com a presença da Família Real portuguesa e posteriormente durante o Império. Actualmente, ao longo do litoral brasileiro podemos encontrar o culto ao Divino desde o Maranhão até ao Rio Grande do Sul, e no centro-oeste do país podendo citar-se o interior de São Paulo, Minas Gerais e Goiás entre outros. Em Alcântara (Maranhão), esta festa guarda características do Brasil dos tempos coloniais. Em Pirenópolis (Goiás), a festa tem como maior atracção a chamada Cavalhada, que representa as lutas entre cristãos e mouros durante a invasão árabe da Península Ibérica. É comum, como em todas as festas populares brasileiras, que se misture a devoção católica com folclore popular. É o caso de São Luiz do Paraitinga, a menos de duas horas para o interior de São Paulo, onde a festa não se descaracterizou. Como o município não se desenvolveu muito após o término do ciclo do café, época de prosperidade de São Luís, a tradição manteve-se, segundo o historiador Marcelo Toledo. Segundo ele, as danças, como a congada e o jongo, são elementos da cultura negra que foram incorporados à Festa do Divino, para atrair um número maior de fiéis. Na época do café, por exemplo, os negros representavam 30% da população da cidade. Encontra-se também a Festa do Divino entre os índios Karipuna no interior do Estado de Amapá, praticamente já na fronteira com a Guiana Francesa. A Festa dos Karipunas,
com nove dias de duração, preserva vários símbolos da festa do Divino Espírito Santo, segundo Joi Cletison, Historiador e Director do Núcleo de Estudos Açorianos da UFSC. No sul do Brasil esta tradição começou a ser praticada no século XVIII, com a chegada dos primeiros açoreanos que povoaram esta parte do país, em especial o Estado de Santa Catarina. A monarquia caiu com D. Pedro II, após a proclamação da República, mas o imperador da festa do Divino continua a organizar-se todos os anos por várias cidades brasileiras. O Divino em Paraty Declarada Património Histórico em 1937 e Monumento Nacional em 1966 pela Unesco, Paraty, que foi esquecida por mais de um século e redescoberta no final dos anos 30 do século passado, conservou nas suas ruas prédios de plantas regulares, com pequenos saguões, cuidadosos detalhes de madeira e beirais coloridos, onde a presença das águas, o porto e os seus piratas, e a maçonaria determinaram o desenho do seu Centro Histórico. O facto de ter ficado isolada geográfica e economicamente do resto do país no período de 1870 a 1950 fez com que se preservasse a sua arquitectura. Na realidade, é uma cidade que parece ter parado no tempo, à beira de àguas tranquilas parecendo querer embalá-la numa espécie de mágico adormecimento de contos de fadas. Em Paraty, a maior festa é sem dúvida a do Divino, tradição na cidade desde o século XVII, e uma verdadeira manifestação de fé e cultura da população local. Durante esta época festiva, a cidade parece vestir-se de vermelho e enfeitar-se com a pomba branca, símbolo do Divino. Nas ruas flutuam bandeirinhas brancas e vermelhas ao sabor da brisa, as janelas das casas são decoradas com vasos de flores e delas pendem toalhas ou colchas adamascadas vermelhas com a imagem da pomba branca. As igrejas são ornamentadas com f lores, panos e imagens que normalmente estão longe dos olhares públicos. A praça da Matriz é o palco principal das comemorações, que apresenta sempre uma intensa programação. A Bela Adormecida parece acordar do seu sono encantado e enfeitar-se para festejar, num cenário irreal e inesquecível... A festa começa a ser organizada um ano antes, envolvendo praticamente toda a comunidade. Quem coordena e administra toda esta organização é o chamado Festeiro, que é escolhido e anunciado no último dia em que termina a Festa do Divino. Ele tem, assim, um ano para administrar dezenas de voluntários para cada actividade, sejam elas religiosas ou profanas: como angariar dinheiro para que tudo possa funcionar; preocupar-se com a decoração da Igreja Matriz; na contratação da Folia e da banda de música; organizar a feitura do almoço; ou escolher e vestir o imperador e a sua corte. Actualmente, a escolha do Imperador (que é uma criança ou um adolescente), recai sobre um parente do Festeiro, normalmente filho ou sobrinho. A sua corte é constituída por dois vassalos e quatro guardas de honra (também crianças ou adolescentes). Este ciclo do Divino inicia-se no domingo de Páscoa com o levantamento do Mastro, que anuncia as celebrações para dali a 50 dias. Quarenta dias depois, elas têm início e são dez dias de grande devoção religiosa e alegria profana até ao Domingo de Pentecostes. A programação religiosa repete-se durante os dias de festa com missas, ladainhas, novenas e procissões. Todas as noites, após a celebração da novena, acontecem na praça da Matriz eventos populares como danças típicas, jogos, gincanas, leilões, rifas, quermesses, fogos de artifício e shows musicais. Acompanhados por Miriam Cutz, Relações Internacionais da TurisRio, chegámos a Paraty na sexta-feira de manhã, no último fim-de-semana antes dos dias mais importantes da festa. Depois de nos instalarmos na Pousada Porto Imperial, dirigimo-nos à casa do festeiro, que neste ano era uma Festeira, Sueli Magalhães. Os fiéis acotevelavam-se na porta de sua casa (num dos bairros novos de Paraty), alguns com bandeiras vermelhas, outros com pequenas pombas de madeira, outros ainda com velas. Todos para ali se encaminham para ver as Insígnias do Divino: a coroa, o ceptro e uma salva, tudo em prata lavrada portuguesa do século XVIII, feita especialmente para o imperador do Divino na opulenta época do ciclo do café e que, durante o ano, se encontram no Museu de Arte Sacra de Paraty. Estas preciosidades, ladeadas pelos candelabros também em prata antiga portuguesa e pelos cavaletes com as bandeiras do Divino, estão expostas em cima de uma mesa coberta por um pano vermelho adamascado num altar improvisado do
alvará de soltura O imperador, no alto do seu palanque liberta, simbolicamente, um preso, lendo um seu vassalo o "Alvará de Soltura". Até 1988 soltava-se realmente um preso a última ladainha Após uma aparatosa entrada do Imperador e da sua corte, seguem-se as crianças e raparigas adolescentes vestidas de branco, levando velas e incensórios
Divino Divino numa sala, que foi despida de tudo só para receber os objectos religiosos e transformar-se provisoriamente no Império da Casa do Festeiro. O chão está coberto por folhas de canela, como se fazia no Portugal do século XVIII. Explicam-nos que as folhas de canela, além de tradição, são muito cheirosas e, ao serem pisadas perfumam o ambiente, tomando o lugar do incenso. Ao lado, um altar com frutos da terra (banana, aipim, mandioca, tangerina) e peixe, ou não estivéssemos nós no Brasil, onde o sincretismo religioso impera. Os crentes, durante esse período, vêm visitar os símbolos do Divino pedindo graças ou agradecendo as mesmas. É gente do povo que se junta por ali, devotos fiéis que todos os anos acompanham estes rituais. Veêm-se crianças aprumadas para a ocasião que, seguramente, e de ano para ano, irão acompanhar todas as festividades, seguindo a tradição de seus pais e avós. Vem também gente de fora, brasileiros devotos do Espírito Santo, e alguns turistas curiosos (alguns um tanto desajustados do ambiente, como o caso de um americano, atestado de cerveja ou cachaça, e embrulhado numa bandeira do Brasil, arranhando algumas palavras de português, quem sabe aprendidas na véspera, e demonstrando a sua euforia, num espírito bem mais propício ao Carnaval que para a festa do Divino). Diuner Mello, pesquisador e historiador de Paraty, e uma referência sobre a História da sua cidade, estava presente lançando um livro Festa do Divino Espírito Santo em Paraty - Manual do Festeiro. Diuner é paratiense e desde sempre conviveu com a Festa do Divino aliás o seu pai foi Festeiro por 5 vezes, assim como outras tantas o seu avô. A festa sempre o fascinou pela sua imensa abrangência na vida de toda a comunidade, além de todos os aspectos religiosos, populares e culturais. Chamado de Garimpeiro da Memória, pela sua vida de dedicação à História de Paraty, Diuner resolveu escrever este livro, por achar que alguns dos festeiros encontram alguma dificuldade em saber os seus encargos e obrigações, deixando muitas das vezes de realizar actos tradicionais, e descurando por vezes a parte litúrgica e tradicional. Ao entardecer, depois de termos deambulado pelas ruelas de Paraty e feito um passeio de barco pelas ilhas, regressámos à casa do Festeiro para nos juntarmos às dezenas de pessoas que, portando bandeiras vermelhas com o símbolo do Divino Espírito Santo ou velas, preparados para sair em procissão percorrendo as ruas do centro histórico e os bairros da cidade nova, acompanhados pela banda de música e a Folia do Divino. A Folia é uma trupe de cantadores que levam de casa em casa a Bandeira da Promessa, pedindo donativos e recebendo pedidos ao Espírito Santo e agradecimento por graças alcançadas. Os instrumentos musicais dos componentes da Folia são a viola, o pandeiro e a caixa. O canto e os versos cabem ao mestre e ao contramestre, porém os outros participantes também podem entoar louvações. Há a crença de que, quando a Folia passa, o toque da caixa cura as doenças e traz a fartura. Há também a ideia de que as pessoas que recusem a visita da bandeira na sua casa ou que nada lhe ofereçam atrairão maus acontecimentos, assim como os foliões serão castigados se desviarem dinheiro do peditório. Pára-se em casas particulares, entra-se em lares de idosos e casas de saúde; as pessoas aparecem às janelas e nas portas para assistirem à passagem da procissão. Dirigimo-nos por fim até à Igreja Matriz, toda enfeitada de branco e vermelho, nas alfaias que alcatifam os altares e sacadas e nos demais elementos decorativos. É então rezada uma missa. No dia seguinte, após a alvorada anunciada com o repicar dos sinos, pelas 7 da manhã dá-se a distribuição da carne e das cestas básicas. Desde 2003, conforme nos informam, para além da refeição comunitária oferece-se a chamada cesta básica brasileira, com arroz, fubá, farinha, óleo e açucar. Estas cestas são entregues aos Vicentinos que, depois, fazem a distribuição pelos pobres e carenciados. Às 9 horas sai o Bando Precatório percorrendo as ruas da cidade, dirigindo-se até ao porto e bairros de periferia com as Bandeiras acompanhadas da Banda de Música de Santa Cecília, a Folia do Divino, e o Bando Precatório. Este Bando esmola dinheiro para a ajuda da festa. Muitas das pessoas que pedem esmola para o Divino fizeram a promessa de esmolar durante a festa. E, sempre que recebem algum dinheiro, agradecem dizendo: o Divino agradece. A caminhada é longa. O povo demonstra a sua fé. Até os mais idosos andam quilómetros, para lá e para cá. Ao meio- dia dá-se o grande almoço comunitário, onde comida e bebida é distribuída à população, exactamente como Dona Isabel fez há sete séculos atrás em Portugal. Em cada ano o menú do almoço pode sofrer pequenas va-
O RESPLENDOR O resplendor, com o símbolo do Divino Espírito Santo, percorre a cidade no Domingo de Pentecostes, numa procissão liderada pelo Imperador e os seus vassalos
O Divino pede esmolas Mas não é por carecer, Pede para experimentar Quem seu devoto quer ser. Meu Divino Espírito Santo Divino celestial Vós na terra sois pombinha No céu pessoa real riações, mas inclui quase sempre carne ensopada com batata, frango assado, arroz com farofa de feijão, cerveja e refrigerantes. Neste almoço comunitário chegam a ser servidas 5 mil refeições, preparadas por um equipa de 60 mulheres que recebem a visita do padre na imensa cozinha do colégio público, que ali se dirige para benzer os alimentos e rezar algumas preces. Este banquete consome cerca de 120 kg de feijão e farinha, 120 kg de arroz, 100 kg de batatas, 40 kg de tomate, 100 kg de cebola, 20kg de sal, 100 kg de massa, 20 kg de alho, além de 5 bois e mais de 200 frangos. Depois do almoço, dirigimo-nos com a Festeira para o seu cabeleireiro onde, numa pequena sala afastada do bulício da festa, ela e os seus ajudantes mais próximos contam o dinheiro arrecadado pelo Bando Precatório. Ao final da tarde sai da casa do Festeiro uma nova procissão pelas ruas da cidade até à Matriz onde é realizada uma missa por volta das 19h30. Aqui, espera-se a chegada do imperador e da sua corte,composta por uma guarda de honra e por um séquito de vassalos, que transportam as insígnias do Divino. O imperador (um adolescente de 16 anos, sobrinho da Festeira) e a sua corte chegam vestidos a rigor. O imperador do Divino, trajado com botas pretas de cano alto, calças brancas justas, camisa com peitilho rendado, chapéu de dois bicos, luvas brancas de cetim e espada (mais tarde, depois da coroação, ser-lhe-á colocado um imenso manto com 3 metros de comprimento, de veludo cor de vinho, bordado com lantejoulas e pedrarias douradas, uma pele de arminho (uma cópia do manto de D. Pedro I do Brasil) e uma sobrecapa. É seguido pelos seus vassalos, que trazem nas mãos os símbolos do Divino, até então expostos na casa do Festeiro a coroa, o ceptro, e a bandeira do Divino, e pela sua guarda de honra (vestida com cópias das fardas da Milícia de Paraty do século XVIII). Depois de uma aparatosa entrada, seguem-se as crianças e raparigas adolescentes vestidas de branco, transportando velas e incensórios, precedendo o sacerdote. A Corte e os Festeiros dirigem-se então para os seus assentos na capela- -mor, ao lado do altar onde é celebrada a última ladainha encerrando a novena e rezada uma missa. Findos os actos religiosos tem então início a cerimónia da coroação do Imperador do Divino. O imperador, ao centro, ajoelha-se no degrau superior do altar, tendo ao seu lado um vassalo e dois guardas de honra, postados nos degraus inferiores. O Festeiro, acompanhado pelo Mestre de Cerimónias, coloca então sobre os ombros do imperador a imensa capa. Em seguida é-lhe entregue o ceptro e colocada na cabeça a enorme coroa de prata. Cá fora os sinos começam a repicar, e são dadas salvas de morteiros, lançados foguetes e o povo aplaude com entusiasmo. A coroa é entregue a um dos vassalos, que a carrega durante todas as procissões, enquanto o imperador mantém consigo o ceptro. Encerrada a cerimónia, o imperador e a sua corte descem solenemente os degraus e atravessam a igreja até à porta. Aqui, já na parte de fora, o mestre de cerimónias arma o quadro, que os guardas de honra seguram e onde o imperador e os vassalos se deslocarão a partir de agora em qualquer das saídas. O quadro é uma armação com quatro varas finas e roliças pintadas de vermelho, aproximadamente com 2,30 m de comprimento, e atadas umas às outras pelas pontas por uma fita encarnada. O seu significado perdeu-se no tempo,mas aparece em quase todas as festas do Divino do Brasil e dos Açores. Dirigem-se então para o Império, um palanque colocado na praça onde, sentado no seu trono, o imperador recebe homenagens populares e assiste à apresentação das danças típicas da região. Entre estas tradições folclóricas destacam- -se as das Fitas, dos Arcos, da Jardineira e dos Velhos, todas elas trazidas pelos portugueses no tempo colonial, e algumas relacionadas com a Primavera e o tempo das colheitas (há historiadores que remontam estes ritos aos cultos pagãos). Também são apresentadas danças de inf luência negra e indígena dos índios da região, como a congada ou marrapaiá. Pelas ruelas e esquinas dos sobrados surgem mascarados, como o Boi, o Cavalinho, a Peneirinha e a Miota (originária do Minho, em Portugal, ainda hoje em voga para brincar ou assustar as crianças). Aqui, em Paraty o passado e o presente, a realidade e a fantasia, misturam-se como em nenhum outro lugar. Após a missa da coroação do imperador, vamos visitar e conhecer Sua Alteza Real e Imperial Dom João Henrique Maria Gabriel Gonzaga de Orleães e Bragança, trineto do Imperador D. Pedro II do Brasil. O seu refúgio preferido é o seu sobrado, aqui em Paraty, onde é carinhosamente tratado por D. Joãozinho.
Divino D. Joãozinho negoceia imóveis no Rio de Janeiro, onde tem uma casa. Mas o que gosta mesmo é de fotografia e surf. Seu pai, D. João, também está em Paraty, mas passa a maior parte do tempo na sua casa da Andaluzia, em Espanha. É tarde, e vamos finalmente jantar no Refúgio, um dos restaurantes mais famosos de Paraty, instalado junto ao porto, onde já se encontrava Fáfá de Belém que, mais tarde, iria actuar num show organizado pelas festas. Não foi fácil chegar até lá. Na lua cheia, e principalmente no Inverno Austral e no mês de Maio durante três noites as águas entram de mansinho, cidade adentro, transformando-se em verdadeiros canais que chegam até à igreja da Matriz. Paraty toma então ares de uma Veneza tropical, colonial, encantadora, com os sobrados e a luz dos lampiões reflectindo nas águas a sua beleza serena. No ar flutua um aroma inebriante de uma flor chamada Dama da Noite. Cenário irreal e inesquecível... enquanto ao longe se ouve a animação da festa que entra madrugada adentro, com muita música e dança, entre shows musicais, apresentação de danças folclóricas e uma feira que se estende repleta de barracas servindo bebidas e comidas típicas. Às 6 da manhã do dia seguinte, os sinos das igrejas repicam para a grande alvorada e os foguetes estalam no ar, acordando toda a cidade para o grande dia. É o último dia da Festa, Domingo e o dia de Pentecostes. Às 9 horas dá-se uma procissão saída da casa do Festeiro, encabeçada pelo Imperador, os seus Vassalos e Guarda de Honra, transportando pelas ruas da cidade um andor e um resplendor com o símbolo do Divino Espírito Santo. A caminhada dura uma hora e, pelo percurso, alguns crentes pedem aos homens do andor que lhes dêem uma rosa ou algumas pétalas que vão dispostas junto ao Divino acreditam que o seu chá, feito das pétala, cura doenças. Mais alguma tradição ligada à Rainha Santa e o seu Milagre das Rosas? Quem sabe! Na Igreja Matriz é celebrada a Missa comemorativa do Dia de Pentecostes, presidida pelo bispo da região. Durante a cerimónia, jovens recebem o Sacramento da Confirmação. No final da missa, já cá fora, distribui-se pelo povo pequenos sacos com sal, com um significado simbólico: o sal da Terra, que preserva os alimentos e que se deve guardar em casa, pois traz fartura e boa sorte. São também distribuidas medalhinhas benzidas com a pomba do Divino. Foram oferecidas cerca de 5 mil. São uma ténue lembrança do passado, do tempo em que o imperador mandava cunhar moedas de ouro, prata ou chumbo, dependendo das suas posses, e as distribuía pelo povo. Às 12h00, o imperador, no alto do seu palanque, liberta, simbolicamente, um preso. Até ao ano de 1988, soltava- -se um preso que estivesse realmente preso. Alguém que tivesse cometido uma infração pequena, algum preso bebum, que se tenha excedido na bebida na noite anterior, como nos conta Diuner Mello. Hoje, são libertadas pessoas que se oferecem, muitas vezes como pagamento de alguma promessa. Diuner lembra um homem que fez uma promessa de ser preso para ser depois libertado na festa do Divino. Teria que aparecer na hora da festa e ser solto. Mas fez questão de ir para a cadeia na noite anterior, dormir lá para ser solto no dia seguinte, por ser uma promessa, pois tinha recebido uma graça do Espírito Santo e tinha que pagar o compromisso que assumiu. As pessoas curiosas acotevelavam-se para ver o preso chegar ao palanque do imperador. Uma senhora de idade, entusiasmada, de máquina em punho, ansiosa para ver o preso aparecer, agitava-se e procurava um melhor lugar. Alguém de fora pergunta: Mas é preso de verdade? Não, aqui já nem há cadeia responde alguém de Paraty há uma Delegacia! Passe por lá e vê a polícia descansada a jogar cartas. Finalmente chegou a tão esperada personagem escoltada pela guarda do imperador. Tinha um aspecto entre o surfista desgrenhado e o arrumador de carros. É este o preso!? exclama um homem ao meu lado. Estava hoje de manhã guardando o meu carro ali perto da praça! (não nos enganámos na radiografia do homem). Sem dúvida estamos no Brasil! E aí está a graça. Um dos vassalos do imperador desenrola um pergaminho e lê o Alvará de soltura: Sua Alteza Imperial, o Imperador da festa do Divino Espírito Santo da Cidade de Paraty, considerando o tradicional costume cristão de se libertar um preso por ocasião das festividades de Pentecostes, faz saber aos que esta carta virem e dela tiverem conhecimento, atendendo às súplicas, razões e justificações apresentadas pelo cidadão aqui presente, preso nesta cadeia pública, conceder liberdade plena ao referido, passando o mesmo a gozar e usufruir de todos os privilégios de cidadão comum, podendo o mesmo, de imediato, regressar ao seio de sua família e a seu trabalho, livre de toda a pena e culpa que lhe eram imputadas. Dado e passado no Império da Festa do Glorioso Divino Espírito
Santo da Cidade de Paraty,no Estado do Rio de Janeiro. Sua Alteza Imperial. Estou livre! exclama o preso com pouco entusiasmo para o meio da multidão que assistia em baixo do palanque. São soltados mais foguetes. Aliás, os foguetes são uma constante na festa, e utilizados nos mais diversos actos, como nas procissões, no repicar dos sinos, ladainhas, actos litúrgicos, leilão das prendas e, principalmente, na grande queima de fogos, que acontece no encerramento dos festejos. João Carlos é o fogueteiro da festa há 12 anos. Diz-me que este ano já deitou 200 caixas de foguetes. Também é nesta altura que tira do bolso um saquinho de plástico atado com uma fita vermelha do Divino, contendo o sal do Divino e me oferece. Acabei também por receber uma pequena graça do Divino. Mais tarde, o imperador distribui doces às crianças na casa do Festeiro. Estes doces são de figo cristalizado, abóbora, batata doce, cocada, doce de leite, bananada e rebuçados, entre outros. Ao entardecer dá-se a adoração e procissão solene de encerramento da Festa, levando em triunfo o Resplendor do Divino. Um dos últimos momentos da festa, cerimónia que conta com a presença do Imperador, da Corte e dos Foliões do Divino, é quando é anunciado o festeiro do próximo ano, e a sua investidura feita pelos foliões. Para o ano será Edinho, filho do Miragaia! O seu primeiro acto é descer ou, na tradicional expressão paratiense, arriar o mastro, fincado junto à Praça da Matriz. O actual mastro é feito de eucalipto e tem aproximadamente 12 metros. Uma grande queima de fogos de artifício põe um ponto final nas comemorações da Festa do Divino Espírito Santo de Paraty. E assim, passando os séculos, com um imenso Atlântico de permeio, Açores e Paraty unem-se para celebrar o mesmo culto implantado pela Rainha Santa Isabel numa festa de devoção do povo, uma expressão de fé e religiosidade, esperando que chegue a Páscoa do ano seguinte, para que o ciclo se reinicie. Como chegar: A TAP têm voos diários para o Rio de Janeiro. Paraty fica a 248 quilómetros do Rio. Deve seguir até Barra Mansa pela Dutra (BR 116) e descer até Angra dos Reis, seguindo então a BR 101 até Paraty. Também pode optar por um aero-táxi.