PROJECTO DE LEI N.º 27/IX REGIME JURÍDICO DAS TERAPÊUTICAS NÃO CONVENCIONAIS. Exposição de motivos

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Transcrição:

PROJECTO DE LEI N.º 27/IX REGIME JURÍDICO DAS TERAPÊUTICAS NÃO CONVENCIONAIS Exposição de motivos Nos países europeus para os quais existem estatísticas disponíveis as medicinas não convencionais são utilizadas por 25% a 60% da população. Nos últimos 30 anos aumentou significativamente o recurso às medicinas não convencionais, nomeadamente a naturopatia e homeopatia, a osteopatia e a acupunctura, a quiropraxia e a fitoterapia. Três em cada quatro europeus conhecem este tipo de medicinas e, de entre estes, 29% utilizam-nas nos respectivos cuidados de saúde. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), no seu comunicado de 16 de Maio de 2002, 75% da população de França usou medicinas complementares pelo menos uma vez, enquanto que no Canadá esta percentagem é de 60%, nos Estados Unidos de 42% e na Austrália de 48%, segundo o mesmo relatório da OMS de Maio de 2002 - Policy Perspectives on Medicine - Traditional Medicine, Growing Needs and Potencial, e na Alemanha grande parte da clínicas utiliza acunpunctura. Os medicamentos homeopáticos representam hoje mais de 1% das vendas brutas da indústria farmacêutica europeia. Em Inglaterra a despesas com medicinas alternativas e complementares atinge pelo menos 2300 milhões de libras por ano, segundo o mesmo texto da OMS. Em Portugal existe um interesse crescente das populações por estas medicinas e terapêuticas, pelo que não se pode continuar a ignorar a sua existência. Até porque é importante assegurar aos doentes a maior liberdade possível de escolha de método terapêutico, garantindo-lhes o

mais elevado nível de segurança e a mais correcta informação sobre a qualidade e eficácia das diversas disciplinas e especialidades da naturologia. Começa também a generalizar-se, no seio do corpo médico convencional, a opinião de que diferentes métodos de tratamento, ou mesmo diferentes modos de encarar a saúde e a doença, não se excluem mas podem, pelo contrário, ser utilizados em alguns casos alternativa ou complementarmente. Aliás, segundo afirma a mesma comunicação da OMS, 25% dos produtos da medicina moderna são descendentes de plantas inicialmente utilizadas na medicina tradicional. Existe um vasto leque de disciplinas naturológicas, algumas delas já reconhecidas nalguns países europeus, em especial a homeopatia, a quiropraxia, a naturopatia, a osteopatia, a fitoterapia, a medicina tradicional chinesa (incluindo a acupunctura), a shiatsu, a medicina antroposófica, entre outras. Em França a acupunctura é reconhecida pela Academia de Medicina desde 1950, podendo ser praticada por licenciados em medicina, e os medicamentos homeopáticos são reembolsados pela segurança social. A OMS considera que «a eficácia da acumpunctura no alívio da dor e da náusea está bem estabelecida (OMS, comunicado de 16 de Maio de 2002). Na Alemanha requere-se aos profissionais de medicinas não convencionais um exame de conhecimentos médicos de base, bem como uma inscrição no registo de profissão e todos os medicamentos homeopáticos ou antroposóficos estão incluídos na farmacopeia alemã. Existe uma comissão específica criada em 1978, onde estão representadas as diversas disciplinas desta área da medicina. No Reino Unido e Irlanda existem vários hospitais homeopáticos e os profissionais sem formação médica podem praticar uma terapia, desde que não pretendam fazê-lo enquanto licenciados em medicina. Em 1993 foi instituído o Osteopaths Act que regulamenta a

profissão de osteopata. Em 1994 foi também aprovado o Chiropractors Act que legaliza a quiropraxia. Nos Estados Unidos, Canadá, Noruega, Suécia e Austrália existem leis que regulam a quiropraxia. Nos Países Baixos foi aprovada, em 1993, uma lei relativa às profissões do sector dos cuidados de saúde individual, que autoriza à prática da medicina, reservando, no entanto, alguns actos para profissionais autorizados, e a lei institui também sanções para quem prejudicar a saúde das pessoas. Na Dinamarca e Suécia os não médicos e os paramédicos podem exercer as medicinas não convencionais dentro de certos limites estabelecidos na lei; e a quiropraxia é legalmente reconhecida como «profissão de cuidados». Nos Estados Unidos o Congresso decidiu criar, em 1992, o Office for Alternative Medicine no âmbito do National Institute of Health, e ampliou o seu mandato em 1999, dotando-o de um orçamento de 68 milhões de dólares. Em 2000 a Presidência criou o White House Commission on Alternative Medicine. É neste entendimento que a Organização Mundial de Saúde, no seu relatório de Maio de 2002 - Policy Perspectives on Medicine - Traditional Medicine, Growing Needs and Potential -, fixa quatro objectivos para a estratégia da organização para 2002-2005: 1) Objectivo de política: «integrar as medicinas tradicionais e alternativas nos sistemas nacionais de saúde, como for apropriado, através do desenvolvimento e implementação de políticas e programas sobre medicinas tradicionais e alternativas»; 2) Objectivo de segurança, eficácia e qualidade: «promover a segurança, eficácia e qualidade das medicinas tradicionais e alternativas pela via da expansão da base de conhecimento sobre as medicinas

tradicionais e alternativas, e pela disponibilização de orientações sobre os padrões de regulação e de assistência»; 3) Objectivo de acesso: «melhorar a disponibilidade e acessibilidade às medicinas tradicionais e alternativas, como for apropriado, com ênfase para o acesso das populações pobres»; 4) Objectivo de uso racional: «promover o uso terapeuticamente correcto das medicinas tradicionais e alternativas apropriadas, pelos consumidores e pelos fornecedores». Outro relatório da OMS - Traditional Medicine Strategy 2002-2005 - desenvolve estes mesmos pontos programáticos essenciais. Ao nível da União Europeia, o Conselho adoptou, em 1992, as Directivas n.º 92/73 e n.º 92/74 relativas aos medicamentos homeopáticos, de forma a criar um enquadramento legal que permitisse o acesso dos doentes aos medicamentos por eles escolhidos, desde que fossem tomadas todas as precauções para assegurar a qualidade e segurança dos referidos produtos; a informação muito clara junto dos utilizadores do carácter homeopático dos medicamentos; e a harmonização de regras relativas ao fabrico, controlo e inspecção. No relatório sobre o Estatuto das Medicinas não Convencionais, elaborado, em 1997, pela Comissão do Meio Ambiente, Saúde Pública e da Defesa do Consumidor, do Parlamento Europeu, consta a referência da não aplicação da Directiva n.º 92/74, que se refere a medicamentos homeopáticos veterinários, por parte de países como França, Inglaterra, Bélgica e Portugal. Em relação à Directiva n.º 92/73, registou-se a transposição para Portugal através do Decreto-Lei n.º 94/95, de 8 de Maio. Apesar deste avanço, onde se regulamenta a introdução no mercado de produtos

homeopáticos, continua a existir uma lacuna legislativa sobre medicinas não convencionais, que urge suprimir, integrando-as no sistema de saúde, de harmonia com a lei de bases da saúde. Torna-se indispensável legalizar o estatuto dos profissionais destas medicinas e fixar as condições de formação e certificação. Considera-se ainda de fundamental importância prever a comparticipação dos cuidados e medicamentos por parte do Serviço Nacional de Saúde. Terá alcance limitado legislar sobre o estatuto das medicinas não convencionais se, posteriormente, não for dada a possibilidade aos seus utilizadores de aceder a produtos e cuidados terapêuticos que considerem indispensáveis. E se existir discriminação ao nível da comparticipação essa liberdade de escolha não se concretiza - e tal decisão deve naturalmente ser o passo seguinte da modernização legislativa em Portugal, uma vez estabilizada a regulamentação da prática das medicinas alternativas, tal como prevê este projecto de lei. O presente projecto de lei procura, perante o vazio legislativo existente em Portugal nestas matérias, lançar as primeiras bases de uma regulamentação das medicinas não convencionais. Retoma os termos do texto de substituição aprovado na Comissão de Saúde da Assembleia da República nos finais da legislatura anterior, estabelecido após audições e discussão suscitadas pelo projecto de lei apresentado pelo Bloco de Esquerda e aprovado na generalidade. No entanto, acrescenta à definição das medicinas e terapêuticas não convencionais aquelas que são reconhecidas na restante legislação europeia. Assim, os Deputados do Bloco de Esquerda apresentam o seguinte projecto de lei nos termos constitucionais e regimentais:

Capítulo I Objecto e princípios Artigo 1.º (Objecto) A presente lei estabelece o enquadramento da actividade e do exercício dos profissionais que aplicam as medicinas não convencionais, tal como são definidas pela Organização Mundial de Saúde. Artigo 2.º (Âmbito de aplicação) A presente lei aplica-se a todos os profissionais que se dediquem ao exercício das terapêuticas não convencionais reconhecidas no presente diploma. Artigo 3.º (Conceitos) 1 Consideram-se terapêuticas não convencionais aquelas que partem de uma base filosófica diferente da medicina convencional e aplicam processos específicos de diagnóstico e terapêuticas próprias. 2 Para efeitos de aplicação da presente lei são reconhecidas como terapêuticas não convencionais as praticadas pela acupunctura e medicina tradicional chinesa, a homeopatia, a osteopatia, a naturopatia, a fitoterapia e a quiropraxia.

Artigo 4.º (Princípios) São princípios orientadores das terapêuticas não convencionais: 1 O direito individual de opção pelo método terapêutico, baseado numa escolha informada sobre a inocuidade, qualidade, eficácia e eventuais riscos. 2 A defesa da saúde pública, no respeito do direito individual de protecção de saúde. 3 A defesa dos utentes, que exige que as terapêuticas não convencionais sejam exercidas com um elevado grau de responsabilidade, diligência e competência, assentando na qualificação profissional de quem as exerce e na respectiva certificação. 4 A defesa do bem estar do utente, que inclui a complementaridade com outras profissões de saúde. 5 A promoção da investigação científica nas diferentes áreas das terapêuticas não convencionais, visando alcançar elevados padrões de qualidade, eficácia e efectividade. 6 A autonomia técnica e deontológica com que devem ser exercidas as terapêuticas não convencionais, respeitando a ética e boas práticas da profissão.

Capítulo II Qualificação e estatuto profissional Artigo 5.º (Autonomia técnica e deontológica) É reconhecida autonomia técnica e deontológica no exercício profissional da prática das terapêuticas não convencionais. Artigo 6.º (Tutela e credenciação profissional) A prática de terapêuticas não convencionais será devidamente credenciada e tutelada pelo Ministério da Saúde. Artigo 7.º (Formação e certificação de habilitações) A definição das condições de formação e de certificação de habilitações para o exercício de terapêuticas não convencionais cabe ao Ministério da Educação. Artigo 8.º (Comissão técnica) 1 É criada no âmbito dos Ministérios da Saúde e da Educação uma comissão técnica, órgão consultivo, adiante designada por Comissão,

com o objectivo de estudar e propor os parâmetros gerais de regulamentação das terapêuticas não convencionais. 2 A Comissão poderá reunir em secções especializadas criadas para cada uma das terapêuticas não convencionais com vista à definição dos parâmetros específicos de credenciação, formação e certificação dos respectivos profissionais. 3 A Comissão cessará as suas funções logo que implementado o processo de credenciação, formação e certificação dos profissionais das terapêuticas não convencionais, que deverá estar concluído até ao final do ano de 2003. Artigo 9.º (Funcionamento e composição) 1 Compete ao Governo regulamentar o funcionamento e a composição da Comissão e das secções especializadas, que deverão integrar, designadamente, representantes dos Ministérios da Saúde e da Educação e de cada uma das terapêuticas não convencionais e, caso necessário, peritos de reconhecido mérito na área da saúde. 2 Cada secção especializada deverá integrar representantes dos Ministérios da Saúde e da Educação, da área das terapêuticas não convencionais a regulamentar e, caso necessário, peritos de reconhecido mérito nessas áreas.

Artigo 10.º (Competências) Compete à Comissão: 1 Elaborar o seu regulamento interno; 2 Proceder à recolha de documentação sobre a regulamentação e os conteúdos dos cursos reconhecidos na União Europeia, ou fora dela, caso esse facto seja relevante para a prossecução dos objectivos a atingir; 3 Proceder à recolha de estudos actualizados sobre a evolução da investigação e avaliação da segurança, qualidade e eficácia das terapêuticas não convencionais; 4 Divulgar os dados relevantes junto dos profissionais e do público em geral; 5 Propor os critérios de credenciação, formação e certificação dos profissionais das terapêuticas não convencionais; 6 Acompanhar junto dos Ministérios da Saúde e da Educação o processo de certificação dos profissionais e o processo de legalização das entidades de ensino e formação das terapêuticas não convencionais. Artigo 11.º (Do exercício da actividade) 1 A prática de terapêuticas não convencionais só pode ser exercida, nos termos deste diploma, pelos profissionais detentores das habilitações legalmente exigidas e devidamente credenciados para o seu exercício.

2 Os profissionais que exercem as terapêuticas não convencionais estão obrigados a manter um registo individualizado de cada utente. 3 O registo previsto no número anterior deve ser organizado e mantido de forma a respeitar nos termos da lei as normas relativas à protecção dos dados pessoais dos utentes. 4 Os profissionais das terapêuticas não convencionais devem obedecer ao princípio da responsabilidade no âmbito da sua competência e, considerando a sua autonomia na capacidade de diagnóstico e instituição da respectiva terapêutica, ficam obrigados a informar, sempre que as circunstâncias o justifiquem, acerca do prognóstico e duração do tratamento, sendo por isso responsáveis e passíveis de escrutinação. 5 Será elaborado um código deontológico e de boas práticas pelas associações representativas dos profissionais abrangidos pela presente lei. Artigo 12.º (Locais de prestação de cuidados de saúde) 1 Os consultórios e outros locais onde sejam prestados cuidados de saúde na área das terapêuticas não convencionais só podem funcionar sob a responsabilidade de profissionais devidamente certificados. 2 Nestes locais será afixada a informação onde conste a identificação dos profissionais que neles exerçam actividade. 3 As condições de funcionamento e licenciamento dos locais onde se exercem as terapêuticas não convencionais regem-se de acordo com o estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 13/93, de 15 de Janeiro, que define o licenciamento das unidades privadas de saúde, com as devidas adaptações.

Capítulo III Dos utentes Artigo 13.º (Direito de opção e de informação e consentimento) 1 Os cidadãos, ao beneficiarem dos cuidados de saúde, têm direito a escolher livremente as terapêuticas que entenderem. 2 Os profissionais das terapêuticas não convencionais, no respeito pelo princípio da liberdade de escolha do utente, devem abster-se de praticar actos sem o consentimento informado do utente. Artigo 14.º (Confidencialidade) O processo de cada utente, em posse dos profissionais que exercem terapêuticas não convencionais, é confidencial e só pode ser utilizado ou cedido mediante autorização expressa do próprio utente. Artigo 15.º (Direito de queixa) Os utentes das práticas de terapêuticas não convencionais, para salvaguarda dos seus interesses, podem participar as ofensas resultantes do exercício de terapêuticas não convencionais aos organismos com competências de fiscalização do Ministério da Saúde.

Artigo 16.º (Publicidade) Sem prejuízo das normas especialmente previstas em legislação especial, a publicidade de terapêuticas não convencionais rege-se pelo disposto no Decreto-Lei n.º 330/90, de 23 de Outubro, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 6/95, de 17 de Janeiro. Capítulo IV Fiscalização e infracções Artigo 17.º (Fiscalização e sanções) A fiscalização do disposto na presente lei e a definição do respectivo quadro sancionatório serão objecto de regulamentação por parte do Governo. Artigo 18.º (Infracções) Os profissionais abrangidos por este diploma que lesem a saúde dos utentes ou realizem intervenções sem o consentimento do paciente são abrangidos pelos artigos 150.º, 156.º e 157.º do Código Penal, em igualdade de circunstâncias com os demais profissionais de saúde.

Capítulo V Disposições finais Artigo 19.º (Regulamentação) O presente diploma será regulamentado no prazo de 180 dias após a sua entrada em vigor. Artigo 20.º (Entrada em vigor) publicação. O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua Palácio de São Bento, 23 de Maio de 2002. Os Deputados do BE: João Teixeira Lopes Francisco Louçã.