AVALIAÇÃO DOS EFEITOS DA PRÉ-HIDROLISE E DA BIODIGESTÃO ANAEROBIA SOBRE O TRATAMENTO DE ÁGUA RESIDUÁRIA DE ABATEDOURO DE AVES: PRODUÇÃO E POTENCIAL DE PRODUÇÃO DE BIOGÁS. Arley Borges de Morais Oliveira 1 ; Ana Carolina Amorim Orrico 2 ; Marco Antonio Previdelli Orrico Jr 3 ; Natália da Silva Sunada 1 ; Stanley Ribeiro Centurion 4 ; Débora Mauricio Manarelli 4 ; André Henrique Nucci de Moura 4 ; Romildo Marques Farias 4 UFGD/FCA caixa postal 533,79.804-970 Dourados MS, E-mail: arleydeoliveira@hotmail.com 1) Aluno do Programa de Pós-Graduação em Zootecnia da UFGD. Bolsista CAPES e discente pesquisador da FUNDECT; 2) Professora da UFGD, Faculdade de Ciências Agrárias e pesquisador da FUNDECT - e- mail: anaorrico@ufgd.edu.br; 3) Aluno do Programa de Pós- Graduação em Zootecnia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - Campos de Jaboticabal. Bolsista CNPq. 4) Aluno (a) do Curso de Zootecnia da UFGD Resumo: Em virtude da necessidade de aumentar sua produção por área ocupada as atividades agroindustriais têm proporcionado sérios problemas ambientais. Diante disso o objetivo desse trabalho foi avaliar as produções de biogás e as reduções dos teores de ST e SV durante a biodigestão anaeróbia da água residuária de abatedouro de aves em biodigestores semi-contínuos manejados com 7, 14 e 21 dias de TRH e com a adição de enzima lipolítica aos substratos nas concentrações de 0; 0,05; 0,10 e 0,15% do volume. Para tanto foi utilizada água residuária de abatedouro avícola (sendo que este opera em escala comercial), para o preparo dos substratos, adicionando-se doses crescentes de enzimas lipolíticas (0, 0, 05, 0,1 e 0,15% do volume) e então efetuado o abastecimento de biodigestores semi-contínuos, que foram manejados por 7, 14 e 21 dias de retenção hidráulica. A influência dos TRH e da adição de enzima lipolítica aos substratos sobre o processo de biodigestão anaeróbia foi avaliada por meio da produção de biogás e dos potenciais de produção (por ST e SV adicionados e reduzidos). Os resultados encontrados no presente experimento demonstraram que houve influência apenas dos TRHs usados sobre as produções de biogás sendo que o TRH 7 obteve melhor performance ao atingir valores médios de 35,7 L -1, porém para os potenciais de produção as diferentes doses de enzimas usadas, demonstraram influencia sobre o potencial de produção de biogás por ST e SV adicionados e ST e SV reduzidos. Dentre os tratamentos avaliados o que mostrou melhor desempenho foi o TRH 14 com 0,10%, que apresentou valores de 1,75 L de biogás g -1 SV. Dessa forma, o uso de lípase pode ser indicado para situações em que o sistema de biodigestão se encontra subdimensionado ou em situações nas quais se pretende aumentar a eficiência do sistema. Palavras chave: Avicultura, Tempo de retenção hidráulica, lipase Introdução A produção brasileira de frangos de corte tem se desenvolvido de maneira satisfatória nos últimos anos e isso pode ser comprovado pelos números positivos apresentados por este setor. De acordo com União Brasileira de Avicultura (2009), a avicultura brasileira representa hoje 1,5% do PIB, gerando 5 milhões de empregos diretos
e indiretos e mais de US$ 7 bilhões apenas em exportação. Do total de carne de frango produzida, 70% são destinados ao mercado interno, que atualmente responde por um consumo médio de 39 kg por habilitante ao ano. Esse aumento na cadeia produtiva pode vir a contribuir de forma marcante para o incremento do impacto ambiental, caso não ocorra o interesse em inibir ou de criar medidas que levem à minimização dos efeitos poluentes da atividade. Para isso, é necessário, portanto, atentar-se ao correto planejamento e crescimento da atividade, para que a mesma se desenvolva de forma ordenada, potencializando seus benefícios e minimizando suas inconveniências. O termo água residuária de abatedouro se aplica à água resultante dos procedimentos realizados no processamento das carcaças dos animais, sendo que a geração de água residuária em uma planta de abate tem inicio já na chegada dos animais durante a aspersão de água sobre as gaiolas de transporte e lavagem das mesmas, sendo que o resíduo resultante deste processo, em geral, é encaminhado direto para a rede de esgoto (Salminen & Rintala, 2002). Durante o abate e o processamento é possível elencar como principais pontos de geração de água residuária o processo de sangria, escaldagem, evisceração, resfriamento das carcaças e preparação de produtos. Além disso, não se deve descartar o uso na lavagem dos equipamentos e das instalações. Esses efluentes são ricos em conteúdo orgânico, ocasionado principalmente pela grande presença de lipídeos e proteínas, sendo os primeiros com maior efetividade. Os lipídeos são compostos que causam grandes danos ao meio ambiente, como a formação de filmes de óleo nas superfícies aquáticas, impedindo a difusão de oxigênio do ar para esse meio, promovendo assim a mortandade da vida aquática, além da liberação de subprodutos da sua degradação em meio anaeróbio como o CO 2, CH 4 e o N 2 O. Desta forma, esse efluente quando submetido ao tratamento em lagoas de estabilização, tende a gerar gases nocivos ao meio ambiente (de efeito estufa), que trazem grande preocupação devido ao seu tempo de vida na atmosfera e seu potencial de aquecimento global com relação ao CO 2 Orrico Júnior et al. (2009). De acordo com a UNFCCC (2006), a vida média desses gases na atmosfera seria de 12 anos para o CH 4 e 120 anos para o N 2 O e os respectivos potenciais de aquecimento global iguais a 21 e 310, ou seja, 21 e 310 vezes mais potentes que o CO 2. Os sistemas anaeróbios são bem adequados ao tratamento de águas residuais provenientes de abatedouros, pois alcançam um alto grau de redução de sólidos diluídos e
com um custo significativamente menor quando comparado aos sistemas aeróbios e químico-físicos. Além disso, substratos que favorecem a formação metano, podem ser direcionados para a geração de combustível Johns (1995), por meio de sistemas anaeróbios. O uso de modelos de reatores anaeróbios para fermentação de vários tipos de resíduos tem sido cada vez mais adotado, sempre visando adaptar alguns modelos anteriores e desenvolver sistemas mais eficientes para a geração de metano e redução de DBO (demanda bioquímica de oxigênio) em seus efluentes Montgomery (2004). Todavia, quando o resíduo se trata de água residuária de abatedouros tem sido relatado a inibição (e/ou o retardamento) dos processos de digestão anaeróbia devido principalmente à presença de óleos e gorduras, que podem ser considerados inibitórios por provocarem mudanças adversas na população microbiana ou causarem a inibição do crescimento bacteriano Chen et al. 2008; (Cammarota & Freire, 2006). Estes efeitos têm levado ao surgimento de entraves para o desenvolvimento da biodigestão anaeróbia da água residuária de abatedouros, como o a predição do adequado TRH, para que o máximo de energia seja recuperado a partir do substrato em fermentação. Dentro deste contexto a utilização de lipases no tratamento de efluentes com alto teor lipídico é uma alternativa para os métodos tradicionais de tratamento. Valladão et al. (2007) promoveram a biodigestão anaeróbia do efluente de abatedouro de aves com crescentes níveis de inclusão de lípase (0; 0,1; 0,5 e 1,0% do volume) na carga inicial e observaram que a eficiência de remoção de DQO (demanda química de oxigênio), aumentou de 53 para 85%, quando se promoveu a adição de enzima no nível de 0,1%, em comparação com a carga sem adição de enzima; nesta mesma condição os autores ainda observaram que a produção de biogás saltou de 37 para 175 ml, em 4 dias de avaliação. No entanto, os autores relatam que existem poucos estudos na literatura que analisaram esta aplicação, especialmente em efluentes de abatedouros Diante disso o objetivo desse trabalho foi avaliar as produções de biogás e as reduções dos teores de ST e SV durante a biodigestão anaeróbia da água residuária de abatedouro de aves em biodigestores semi-contínuos manejados com 7, 14 e 21 dias de TRH e com a adição de enzima lipolítica aos substratos nas concentrações de 0; 0,05; 0,10 e 0,15% do volume. Material e Métodos O experimento foi conduzido no Laboratório de Aproveitamento dos Dejetos Gerados na Produção Animal, na Faculdade de Ciências Agrárias, na Universidade
Federal da Grande Dourados, durante o segundo trimestre de 2010. Para tanto foi utilizada água residuária de abatedouro avícola, situado nas dependências do município de Dourados MS, sendo que este opera em escala comercial. Para o preparo dos substratos utilizou-se a água residuária coletada adicionando-se doses crescentes de enzimas lipolíticas (0, 0, 05, 0,1 e 0,15% do volume) e então efetuado o abastecimento de biodigestores semi-contínuos, que foram manejados por 7, 14 e 21 dias de retenção hidráulica. O abastecimento dos biodigestores semi-contínuos pode ser caracterizado como o resíduo gerado durante o abate das aves nas etapas de: limpeza das carcaças, embalagem e lavagem dos equipamentos. O resíduo será constituído por sangue, gordura, excrementos e substâncias contidas no trato digestivo dos animais, principalmente. Os biodigestores receberam cargas diárias, sendo que os volumes de carga foram determinados segundo o tempo de retenção adotado. Os biodigestores foram monitorados durante 21 dias após ocorrer à estabilização da produção do biogás, considerando-se cada condição de operação (doses de enzima lipolítica e diferentes tempos de retenção). A influência dos TRH (7, 14 e 21) e da adição de enzima lipolítica (nas concentrações de 0, 0,05, 0,10 e 0,15% do volume de carga diária) aos substratos sobre o processo de biodigestão anaeróbia foi avaliada por meio da produção e dos potencial de produção (por ST e SV adicionados e reduzidos). As produções de biogás e a quantidade de ST e SV da entrada foram observadas diariamente, sendo que a avaliação das reduções dos teores de SV e ST foi realizada semanalmente durante todo experimento, no intuito de se verificar o comportamento de degradação dos substratos ao longo do período. Os teores de ST e SV foram determinados segundo metodologia descrita por APHA (1995). Os volumes de biogás produzidos diariamente foram determinados medindo-se o deslocamento vertical dos gasômetros e multiplicando-se pela área da seção transversal interna dos gasômetros. Após cada leitura os gasômetros serão zerados utilizando-se o registro de descarga do biogás. A correção do volume de biogás para as condições de 1 atm e 20 o C foi efetuada com base no trabalho de Caetano (1985). Os potenciais de produção de biogás foram calculados utilizando-se os dados de produção diária e as quantidades de substrato, de ST de SV adicionados nos biodigestores, além das quantidades de ST e SV reduzidas durante o processo de biodigestão anaeróbia. Os valores foram expressos em L de biogás por g de substrato, ou de ST e SV.
Os biodigestores utilizados foram do tipo tubular horizontal e de alimentação semicontínua, pois este é um modelo mais indicado para sistemas onde há a produção diária de resíduos. O substrato utilizado para o abastecimento dos biodigestores será o mesmo para todos os tratamentos, alterando-se o nível de adição de enzima lipolítica e o volume da carga, em função do tempo de retenção, ou seja, considerando-se a capacidade média de 26,06 litros para os biodigestores e período de retenção de 7 dias, efetuar-se-á carga diária de 3,7 litros de substrato. O delineamento utilizado foi o inteiramente casualizado com parcela subdividida no tempo, sendo que cada repetição foi composta pelos dados médios das semanas após a estabilização dos biodigestores, ou seja, a primeira repetição foi os dados médios da primeira semana e assim sucessivamente até a terceira semana. O efeito do período foi corrigido pelo delineamento de forma que possa ser observada a interferência das enzimas e do TRH nos resultados. As médias dos tratamentos serão comparadas entre si através do teste de TUKEY, ao nível de 5% de probabilidade. na Tabela 1. Resultados e Discussão Os potenciais de produção de biogás encontrados no experimento são apresentados TABELA 1. Produções (L) e potenciais de produção de biogás por g de ST e SV adicionados e reduzidos durante a biodigestão da água residuária de abatedouro avícola L/g ST Adicionado L/g SV Adicionado TRH 0 0,05 0,10 0,15 0 0,05 0,10 0,15 7 0,72Cb 0,98Bb 1,11Ab 0,99Ab 0,87Cb 1,20Bb 1,36Ab 1,21Ab 14 0,85Ca 1,04Ba 1,42Aa 1,55Aa 1,05Ca 1,27Ba 1,75Aa 1,90Aa 21 0,52Cb 0,80Bb 1,34Ab 1,63Ab 0,64Cb 1,00Bb 1,65Ab 2,01Ab CV % 20,32 17, 54 TRH L/g ST Reduzido L/g SV Reduzido 0 0,05 0,10 0,15 0 0,05 0,10 0,15 7 1,23Ca 1,81Ba 2,81Aa 2,78Aa 1,39Ba 1,71Ba 2,43Aa 2,12Aa 14 1,41Ca 2,30Ba 2,81Aa 3,22Aa 1,59Ba 1,93Ba 2,50Aa 2,80Aa 21 0,88Ca 1,37Ba 2,55Aa 3,16Aa 0,96Ba 1,29Ba 2,25Aa 2,81Aa CV % 24,73 24,11
TRH Produção de biogás (L) 0 0,05 0,10 0,15 7 36,2Aa 35,2Aa 35,2Aa 36,3Aa 14 25,7Ab 16,3Ab 24,3Ab 28,4Ab 21 11,1Ac 9,3Ac 16,2Ac 18,2Ac CV % 25,8 Os teores de 0; 0,05; 0,10; 0,15 correspondem aos níveis de enzima adicionados aos biodigestores. Na linha, letras maiúsculas comparam resultados níveis de adição de enzima e, na coluna, letras minúsculas comparam os tempos de retenção hidráulica. Médias seguidas de letras distintas diferem entre si, pelo teste de Tukey (P<0,05). Os resultados encontrados no presente experimento demonstraram que houve influência apenas dos TRHs utilizados sobre as produções de biogás, o que possivelmente ocorreu em virtude dos volumes de carga adicionados diariamente, que foram menores conforme se aumentou o TRH, ocasionado assim uma redução proporcional a quantidade de ST adicionada aos biodigestores. Porém os resultados encontrados para das diferentes doses de enzimas usadas, demonstraram influencia sobre o potencial de produção de biogás por ST e SV adicionados e ST e SV reduzidos, esse resultado já era esperado, pois de acordo com Rosa et al. (2009) e Mendes et al, (2005), o tratamento de efluentes de abatedouros com a adição de lipases, auxilia na etapa inicial de degradação, aumentando consideravelmente a eficiência da remoção de matéria orgânica durante o processo de biodigestão. Sendo assim o nível 0,05% foi o que obteve menor valor (P<0,05) de produção de biogás quando comparado com os níveis 0,10 e 0,15 que não diferiram entre si. Estes valores também indicam que a adição de 0,15% de lípase não contribuiu para que houvesse um incremento da produção alcançada pelos níveis anteriores, que foi de 35,7 para o nível 0,05% sobre o nível 0,0% (testemunha) e 39,2 para o nível de 0,10% sobre o anterior. Os resultados encontrados no presente trabalho confirmam sugestões feitas por Dors (2006) que ao avaliar lípases de duas fontes diferentes, sendo elas lipase pancreatina (LKM), produzida pela empreza Kin Master / RS e lipase pancreatina (LNU), produzida pela empresa Nuclear / SP em concentrações de enzimas que foram de 0,10% p/v a 0,35%. Neste trabalho a autora concluiu que não foi possível observar variação consistente da velocidade de biodegradação, indicando que a concentração de enzima não interferiu significativamente na velocidade de remoção da matéria orgânica. Dessa forma, a autora relata que seriam interessantes novas pesquisas com relação às diferentes concentrações,
pois pode-se, seguir os estudos diminuindo a concentração de enzimas, promovendo a redução do custo do processo. Os valores encontrados no presente experimento para o tratamento 0,0% foram semelhantes aos encontrados por (Ogejo & Li, 2010), ao submeterem água residuária de abatedouro de perus ao processo de biodigestão anaeróbia com um TRH de 5 dias, onde verificaram um potencial de produção de 0,8 L g -1 SV. No presente trabalho não houve diferença significativa entre os TRH 7 e 21, sendo que o TRH de 14 dias foi o que proporcionou melhores resultados, o que indica que o uso de um TRH acima de 14 dias seria desnecessário e inviável. Sendo assim os dados obtidos mostraram que os melhores resultados foram obtidos no TRH 14 com a adição de 0,10% da carga diária, onde pode se alcançar maior produção de biogás. Conclusões O uso de pré-tratamento através da adição de lipase foi eficiente para aumentar a produção de biogás dos biodigestores semi-continuos alimentados com água residuária de abatedouro de aves. Dessa forma, o uso de lípase pode ser indicado para situações em que o sistema de biodigestão se encontra subdimensionado ou em situações nas quais se pretende aumentar a eficiência do sistema. Literatura citada AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION - APHA. Standard methods for examination of water and wastewater. American Water Works Association, 19th ed. Washington, DC, 1995. 1134 p. CAETANO, L. Proposição de um sistema modificado para quantificação de biogás. 1985. 75f. Dissertação (Mestrado em Energia na Agricultura) - Faculdade de Ciências Agronômicas, Universidade Estadual Paulista, Botucatu. CAMMAROTA, M.C.; FREIRE, D.M.G. A review on hydrolytic enzymes in the treatment of wastewater with high oil and grease content. Bioresource Technology, v. 97, p. 2195 2210, 2006. CHEN Y.; Cheng, J. J.; Creamer, K. S. Inhibition of anaerobic digestion process: A review. Bioresource Technology, v. 99, p. 4044 4064, 2008. DORS, G. Hidrólise enzimática e biodigestão de efluentes da indústria de produtos avícolas. 2006. 69f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Química) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. JOHNS, M. R. Developments in wastewater treatment in the meat processing industry: a review. Bioresource Technology, v. 54, p. 203-216, 1995.
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