Jornadas SAM 2000 - IV Coloquio Latinoamericano de Fractura y Fatiga, Agosto de 2000, 703-710 INFLUÊNCIA DA MICROESTRUTURA ANISOTRÓPICA NO COMPORTAMENTO EM FADIGA DA LIGA DE ALUMÍNIO 7010-T74 FORJADA, DE APLICAÇAO AERONÁUTICA A.L.M.Carvalho e H.J.C. Voorwald Departamento de Materiais e Tecnologia, Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá UNESP/FEG. Av. Ariberto Pereira da Cunha, 333 Guaratinguetá, S.P., Brasil CEP.12.500-000 E-mail: carvalho@feg.unesp.sp.br RESUMO O presente trabalho estuda a influência da posição de retirada de amostras de um componente aeronáutico, associada a microestrutura anisotrópica, na resistência à fadiga axial da liga Al 7010-T74. Os resultados mostraram que houve diferenças no comportamento da resistência mecânica estática e à fadiga entre as regiões estudadas, associada a microestrutura anisotrópica e partículas de segunda fase. Palavras chaves Microestrutura Anisotrópica, Fadiga, Liga de Alumínio Al 7010-T74 INTRODUÇÃO As deformações produzidas nos processos de forjamento, geralmente resultam microestruturas com diferentes orientações (fibramento mecânico) e propriedades anisotrópicas. Nos materiais com uma microestrutura anisotrópica, o espaçamento e a direção dos contornos de grão, bem como o arranjo das descontinuidades variam em diferentes orientações, causando diferentes comportamentos mecânicos. Miller [1] mostrou que a resistência à fadiga pode ser definida como sendo a resistência que o material oferece à nucleação e propagação de trinca, através das intensidades e espaçamentos das barreiras microestruturais. Akiniwa e Tanaka [2] mostraram que contornos de grãos e inclusões bloqueiam ou impedem temporariamente as trincas no estágio I ao longo de planos de deslizamento. A influência da microestrutura no número e na localização do início da trinca, bem como na taxa de crescimento e no comportamento das microtrincas, foi demonstrado por Zabutt e Plumtree [3]. Portanto, o fator principal na resistência de um material a propagação da trinca é o efeito da textura microestrutural, ou seja, microestruturas anisotrópicas causam diferentes comportamentos na nucleação, no crescimento ou retardamento de uma trinca dominante que se propagará até a sua falha. O objetivo do presente trabalho é estudar a influência da posição de retirada de amostras associada a microestrutura anisotrópica, nas direções longitudinal e transversal à linha de fluxo de um componente aeronáutico, através de ensaios estáticos e dinâmicos de uma liga de alumínio 7010-T74. 703
Carvalho e Voorwald Procedimento Experimental O material utilizado no desenvolvimento experimental deste trabalho foi um componente (perna) de força esquerda do trem de pouso do avião AMX, de liga de alumínio 7010 forjada na condição T74 ilustrada na figura 1. As amostras para os ensaios de tração e fadiga axial, foram retiradas das posições longitudinal (L) e transversal (T) à linha de fluxo do componente que foi dividido em quatro regiões distintas. Os corpos de prova de fadiga axial foram retirados das regiões I, III e IV, e os de tração retirados das regiões I, II, III e IV, como ilustra a figura 2. Para caracterização das propriedades estáticas, foi utilizado o equipamento servo-hidráulico da série MTS para o ensaios de tração, amostras cilíndricas e polidas com comprimento útil de 20 mm e diâmetro de 6.35 mm. As amostras de fadiga foram polidas até a granulometria 1000 e usinadas com 13mm de comprimento útil e 1.9mm de diâmetro, ensaiadas na freqüência de 40Hz na temperatura ambiente. As imagens da morfologia da liga Al 7010-T74, foram obtidas com o microscópio óptico Nikon Epiphot 200. Nas análises de fratura foi utilizado o equipamento MEV LEO 1450VP, com sistema EDS, Link ISIS 3000 (OXFORD). Figura 1. O componente da perna do trem de pouso (escala de 1m). Figura 2. O corte do trem de pouso por regiões (I, II, III e IV). RESULTADOS E DISCUSSÕES A tabela 1 mostra as propriedades mecânicas entre as regiões I, II, III e IV do componente. A variação das propriedades mecânicas mostradas na tabela 1 pode ser atribuída a diferenças de microestrutura induzidas pelo fibramento mecânico (orientações anisotrópicas). O baixo valor do desvio padrão indica um pequeno espalhamento nos resultados. Especificamente, houve diferenças significativas com relação ao módulo de elasticidade. As regiões II e IV, no sentido longitudinal, tiveram um maior módulo de elasticidade do que as regiões I e III na longitudinal. Na região III a maior diferença ficou para o sentido transversal, que teve maior módulo do que o sentido longitudinal, mas quando comparado com as demais regiões II e IV, teve um valor intermediário. 704
Jornadas SAM 2000 - IV Coloquio Latinoamericano de Fractura y Fatiga Tabela 1 Propriedades mecânicas entre as regiões I, II, III e IV da liga Al 7010-T74. AMOSTRA DUREZA LIMITE LIMITE ALONGAMENTO M.ELASTICIDADE VICKERS HV (62,5kg) Escoamento Resistência (MPa) (%) E (GPa) (MPa) Região I Longitudinal 171 ± 1.19 433,1 ± 18.6 509,3 ± 11.6 14,2 ± 1.5 63,3 ± 3.1 Região II Longitudinal - 488,4 ± 5.3 540,7 ± 3.5 14,1 ± 1.5 76,6 ± 2.5 Região III Longitudinal 169,5 ± 1.41 454,5 ± 23.1 522,1 ± 11.5 14,9 ± 0.6 62,2 ± 7.0 Região III Transversal - 467,5 ± 8.6 516,6 ± 1.5 15,13 ± 1.1 80,3 ± 2.6 Região IV Longitudinal 170 ± 1.17 479,6 ± 3.9 527,7 ± 1.3 11,23 ± 1.0 82,5 ± 6.85 Entretanto a maior diferença nas propriedades mecânicas, quanto à influência da microestrutura anisotrópica de cada região e respectivas retiradas de amostras, ocorreu no alongamento como mostram as figuras 3 e 4, para as regiões III e IV, respectivamente. Figura 3. Superfície de fratura (MEV) da região III, na direção transversal, amostra de tração. Figura 4. Superfície de fratura (MEV) da região IV na direção longitudinal, amostra de tração. É conhecido na literatura, que a deformação verdadeira é inversamente proporcional a fração de volume de partículas de segunda fase [4]. Zabett-Plumtree [5] mostraram, para uma placa de liga Al 2024-T351, que a variação da ductilidade pode estar associada com a área de fração de partículas de segunda fase e que a presença de camadas de partículas de segunda fase perpendiculares a direção de retiradas da amostras foi o fator principal para o controle da ductilidade. Na liga Al 7010-T74, a região IV (figura 4) apresenta um menor alongamento com relação as demais regiões. Este fato pode estar associado a uma maior concentração de partículas de segunda fase nas amostras da região IV. O mesmo ocorreu para o limite de 705
Carvalho e Voorwald escoamento e resistência à tração, onde a região IV foi superior a região I, III na direção transversal e inferior a região II. Morfologia A figura 5 mostra as características típicas de microestrutura de regiões parcialmente recristalizadas da liga Al 7010-T74, na direção longitudinal da região I do componente trem de pouso forjado. As regiões recristalizadas são grandes áreas claras e alongadas de grãos grosseiros cercadas de regiões de grãos finos de cor cinza, que consistem em populações de subgrãos. As regiões recristalizadas tem uma forma alongada que acompanham o sentido da linha de fluxo do processo de forjamento. Esta característica também foi observada por Singh et al [6] e Deshpande et al [7], que relatou que as regiões parcialmente recristalizadas criam contornos de alto ângulo, altamente anisotrópicos. A micrografia também ilustra partículas de constituintes escuras que estão normalmente situadas ao lado das regiões recristalizadas como mostra a figura 5, pois a recristalização ocorre próxima as partículas de constituintes. Figura 5. Microestrutura da região I na direção longitudinal da liga Al 7010-T74. A figura 6 ilustra a microestrutura da liga Al 7010-T74 da região IV na direção longitudinal à linha de fluxo. Diferenças significativas na morfologia da microestrutura são observados quando comparado com a microestrutura da região I na direção longitudinal, figura 5, diferenças estas que podem estar relacionadas a microestruturas anisotrópicas onde o espaçamento e a direção dos contornos de grãos variam. Figura 6. Microestrutura da região IV na direção longitudinal da liga Al 7010-T74. 706
Jornadas SAM 2000 - IV Coloquio Latinoamericano de Fractura y Fatiga Microestrutura anisotrópica e comportamento em fadiga. Microestruturas anisotrópicas causam diferentes comportamentos na nucleação, no crescimento ou retardamento de uma trinca, pois o comportamento das microtrincas varia com a orientação da microestrutura como demonstraram Turnbull e De Los Rios, para o alumínio puro comercial [8]. Geralmente as trincas iniciam-se dentro dos grãos espaçados ou largos (precisamente nas bandas de deslizamento), onde grãos de superfícies largas tem uma menor restrição permitindo que o deslizamento ocorra mais facilmente nas superfícies das amostras e partículas de segunda fase. Com um número grande de trincas próximas a superfície, o coalescimento é facilitado com, consequentemente, o surgimento de trincas maiores. Estas se propagam mais facilmente produzindo uma menor vida em fadiga, como relataram Zabett e Plumtree para a liga de alumínio 2024-T351 [5]. Na fadiga axial para R= 0.1 as curvas σ-n da figura 7 mostram muito bem as diferenças significativas do comportamento a fadiga entre as regiões I (com amostras nas direções L e T), III (com amostras na direção L) e IV (com amostras na direção L) relacionadas com a influência da posição de retirada das amostras. Tensão Máxima (MPa) 440 420 IV I Região III Região IV III Região I 400 R= 0,1 380 360 340 320 300 280 260 240 220 200 10 3 10 4 10 5 10 6 10 7 10 8 Ciclos ( N) Figura 7. Curvas σ-n nas regiões I, III e IV da liga Al 7010-T74 nas direções longitudinal e transversal a linha de fluxo. R= 0,1. Para o regime de baixo ciclo, observa-se uma ligeira superioridade da região I em relação as regiões III e IV que tiveram comportamentos semelhantes. No regime de médio ciclo as regiões I, III e IV apresentam a mesma tendência, enquanto que no regime de alto ciclo a região III foi superior as regiões I e IV, que foram similares entre si. Isto mostra que esta diferença pode estar associada a posição de retirada pela influência de microestrutura anisotrópica resultando no comportamento diferenciado. Este mesmo comportamento foi obtido para amostras ensaiadas em R=-0,1, e representado na figura 8. As diferenças na resistência à fadiga entre as regiões I, III e IV, podem estar associadas, além dos defeitos e irregularidades existentes, ao fato das regiões I e IV terem um efeito menor da textura microestrutural sobre as microtrincas, ou seja, menor barreira microestrutural e consequentemente menor vida em fadiga. 707
Carvalho e Voorwald 400 380 Região III Região IV Região I R = - 0.1 Tensão Máxima (MPa) 360 340 320 300 280 260 10 3 10 4 10 5 10 6 10 7 10 8 Ciclos (N) Figura 8. Gráfico σ-n das regiões I, III e IV liga Al 7010-T74 nas direções longitudinal e transversal a linha de fluxo R= -0,1. Análise fractográfica (MEV) As superfícies de fratura das amostras ensaiadas em fadiga foram analizadas por microscopia eletrônica de varredura (MEV) usando MEV LEO1450VP. As figuras 9 e 10 mostram os aspecto das superfície de fratura das amostras das regiões I e III, ambas solicitadas no mesmo nível de tensão (70 MPa). Observa-se no primeiro caso, a influência de um defeito superficial na nucleação e propagação de trincas predominantes, atuando de forma direta na resistência à fadiga da amostra, que neste caso fraturou com 12.500 ciclos. Figura 9. Micrografia (MEV) região I- direção transversal. Figura 10. Micrografia (MEV) região III-direção transversal. 708
Jornadas SAM 2000 - IV Coloquio Latinoamericano de Fractura y Fatiga No segundo caso, a amostra fraturou com 330.300 ciclos, e a análise da superfície de fratura não indica uma presença marcante de concentrador de tensão superficial. Isto indica a importância dos cuidados com o acabamento superficial em componentes sujeitos à solicitações cíclicas. As figuras 11 e 12, mostram amostras fraturadas, nas quais as trincas originaram-se de partículas de segunda fase e inclusões, respectivamente, que foram locais preferenciais de nucleação e crescimento de trinca. Esta característica foi predominante para as amostras retiradas na direção longitudinal às linhas de fluxo. Figura 11.Micrografia (MEV) da região IV na direcão longitudinal, trincas originárias de partículas de segunda fase. Tensão aplicada σ=70 MPa. Para as amostras na direção transversal isto não foi observado, o que está de acordo com o verificado por Zabett e Plumtree [5]. Figura 12. Micrografia (MEV), da região III na direção longitudinal, trinca originárias da inclusão intermetálica. CONCLUSÕES Os valores de dureza Vickers foram próximos entre as regiões, indicando que a dureza não variou com a microestrutura anisotrópica. A menor ductilidade para a região IV em relação as demais regiões I, II e III pode estar associada a maior concentração de partículas intermetálicas para a região IV. O mesmo pode se dizer com relação a resistência à tração da região IV que foi menor que a região II. 709
Carvalho e Voorwald A influência da posição de retirada das amostras nas regiões, contribuiu para que houvesse diferenças de comportamento na resistência à fadiga entre as mesmas, associado a uma microestrutura anisotrópica, de forma que: Na fadiga axial para a condição R=0,1, no regime de baixo ciclo a resistência à fadiga da região I foi superior as regiões III e IV, para o regime de alto ciclo a região III foi superior as regiões I e IV. Para a condição R= -0,1, no regime de baixo ciclo as regiões I, III e IV apresentaram resistências à fadiga muito próximas; para o regime de alto ciclo a região III foi superior as regiões I e IV. As partículas de segunda fase foram locais preferenciais de nucleação e crescimento de trinca para as amostras da direção longitudinal entre as regiões I, III e IV. AGRADECIMENTOS Ao engenheiro Walter Luis Pigatin EMBRAER/EDE, pelo apoio a pesquisa, ao CNPq pela concessão da bolsa de estudo, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo processo N o 97/06287-5, ao Pesquisador Renato Chaves Sousa DEMAR/FAENQUIL. REFERÊNCIAS 1. K.J.Miller, Materials Science Perspective of Metal Fatigue Resistance, Materials Science and Technology, Vol. 9, pp. 453-462, 1993. 2. Y.Akiniwa, and k.tanaka, Statistical Characteristics of Propagation of Small Cracks in Smooth Specimens of Aluminium Alloy 2024-T3, Materials Science & Engineering, A104, pp. 105-115, 1988. 3. A.Zabett, and A.Plumtree, Fatigue Anisotropy in a Wrought Aluminum Alloy, in Fatigue 93, pp. 421-426, Canadá, 1993. 4. B.I.Edelson, and W.M.Jr.Baldwin, Effects of Second Phases on the Mechanical Properties of Alloys, Trans. ASM, 55, pp. 230-250, IN A.Zabett, and A.Plumtree, Microstrutural Effects on the Small Fatigue Crack Behaviour of an Aluminum Alloy Plate, Fatigue Fract. Engng.Mater. Struct. Vol.18, N o 7/8,pp. 801-809, 1995. 5. A.Zabett, and A.Plumtree, Microstructural Effects on the Small Fatigue Crack Behaviour of an Aluminum Alloy Plate, Engineering Materials & Structures, Vol. 18, No 7/8, pp. 801-809, 1995. 6. R.K.Singh, A.K.singh, and N.Eswara Prasad, Texture and Mechanical Property Anisotropy in an Al-Mg-Si-Cu Alloy, Materials Science & Engineering, A277, pp. 114-122, 2000. 7. N.U.Deshpande, A.M.Gokhale, D.K.Denzer, and J.Liu, Relationship Between Fracture Toughness, Fracture Path, and Microstructure of 7050 Aluminum Alloy: Part I. Quantitative Characterization, Metallurgical and Materials Transactions A, Vol.29 A, pp1191-1201, 1998. 8. A.Turnbull, and E.R.de los Rios, The Effect of Grain Size on the Fatigue of Commercially Pure Aluminium, Engineering Materials & Structures, Vol. 18, No. 12, pp. 1455-1467, 1995. 710