Apresentação. Marcus Maia (UFRJ/CNPq) Volume 8 Número 2 Dezembro 2012 Correferência anafórica: Representação, Aquisição e Processamento

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Transcrição:

Apresentação Marcus Maia (UFRJ/CNPq) O presente número da Revista LinguíStica tem como tema a representação, a aquisição e o processamento da correferência anafórica. Já se disse que a anáfora é a questão linguística por excelência, pois diz respeito a relações que se estabelecem, primariamente, no âmbito da estrutura da frase ou do texto, antes de remeter para a referência extralinguística. Assim, pensar a correferência anafórica seria pensar fundamentos centrais da linguagem. Neste sentido, a Revista LinguíStica se orgulha em apresentar ao publico, no ano em que foi indicada para apoio especial da CAPES, consolidando seu novo perfil editorial, 13 artigos de linguistas pertencentes a universidades brasileiras e internacionais, além de uma resenha crítica e de uma entrevista, em que se abordam diferentes questões relacionadas a tema de tamanha importância para o estudo da linguagem humana. Queremos destacar, ainda, que a escolha do tema correferência, neste momento, deveu-se à articulação com os organizadores do primeiro e do segundo workshops em processamento anafórico, realizados, respectivamente, na UFPB (2011) e na UFC (2012). Nesses dois importantes eventos, que contaram não só com a participação de docentes e pós-graduandos representando diversas universidades brasileiras, mas também incluiram trabalhos de pesquisadores de universidades nos Estados Unidos, Portugal e Argentina, decidiu-se que a Revista LinguíStica abriria espaço para a veiculação de uma seleção dos trabalhos ali apresentados. O resultado desta proposta é o presente número, que pretende divulgar para um público ainda mais amplo, as interessantes questões tratadas em João Pessoa e em Fortaleza, contribuindo para incentivar e desenvolver a pesquisa psicolinguística em um momento em que, sem dúvida, a disciplina vem demonstrando com grande vigor, no Brasil e no mundo, o seu potencial na construção de interfaces significativas de colaboração interdisciplinar, na investigação da linguagem e das línguas. A revista abre com o squib de Lyn Frazier, especialmente preparado pela autora para este número sobre correferência da Revista LinguíStica. Frazier revê de modo conciso, mas preciso, além de extremamente didático, estudos importantes, na vasta literatura sobre o tema, que ela avalia como fascinante, destacando o que lhe parece serem conclusões possíveis deste sobrevoo: o papel da Teoria da Ligação (Chomsky, 1981, 1986), na filtragem inicial de antecedentes para pronomes e anáforas, o papel, neste processo, dos traços formais e semânticos, além da importância dos estudos translinguísticos, no estabelecimento de princípios gerais da correferência. Como se verá, pela sua abrangência, o squib fornece um amplo quadro de referências diretamente pertinentes para as questões abordadas em quase todos os artigos que compõem este volume da Revista LinguíStica. I

A entrevista com Manuel Carreiras, ainda que breve, permite ao leitor situar-se diante de um debate central da Linguística e dos estudos sobre a correferência, em particular: modularismo vs. interacionismo. Carreiras avalia que o debate, provavelmente, não tem solução clara à vista, mas aponta para uma saída interessante as línguas variam quanto à sua configuração estrutural e, em línguas como, por exemplo, as românicas, ricas em flexões, as pistas formais seriam acessadas rapidamente por um processador computacionalmente eficiente. Por outro lado, em línguas como o inglês, pistas contextuais se sobressairiam, na ausência das pistas formais. Por outro lado, avaliando rapidamente as pesquisas sobre a chamada anáfora conceitual, Carreiras conclui que o processador seria também oportunista, no sentido de que poderia até ignorar pistas formais, tirando partido da concordância conceitual, em alguns casos. Na seção de resenhas críticas, Marcio Leitão e Gitanna Bezerra discutem a tese de doutorado de Carlos Gelormini Lezama, que estabelece a chamada Overt Pronoun Penalty, na compreensão anafórica em espanhol. O tema é importante e tem sido objeto de debates recentes entre diferentes laboratórios de Psicolinguística, no Brasil, como evidenciado nos workshops de João Pessoa e de Fortaleza. Os autores da resenha apresentam com muita clareza os conteúdos de cada um dos capítulos da tese, resumindo seus principais achados, entre os quais destaca-se a penalidade gerada, no processamento, para o nome repetido e para o pronome pleno com antecedentes salientes, em comparação ao pronome nulo. Tal penalidade seria, no entanto, eliminada quando o contexto fornece a tais formas anafóricas uma função discursiva. No final da resenha, os autores discutem alguns procedimentos metodológicos que, segundo eles, poderiam suscitar questionamentos em relação a alguns dos resultados experimentais encontrados na tese. Em seguida, temos um artigo, justamente do autor da tese resenhada, Carlos Gelormini Lezama, que elabora sobre as ideias defendidas em sua tese, argumentando que a Penalidade do Nome Repetido deve ser entendida como um efeito da interação entre o tipo de anáfora e a saliência do referente discursivo, e não apenas como uma comparação pareada entre sentenças com nomes repetidos e sentenças correspondentes com pronomes. Sua proposta prevê também que, em línguas com sujeito nulo, a anáfora relevante que deve ser contrastada com o nome repetido seria o pronome nulo, porque esse tipo de pronome representa a anáfora menos informativa disponível. Ainda sobre o tema da Penalidade do Nome Repetido, Leitão, Ribeiro e Maia apresentam e discutem resultados de experimento de monitoramento ocular, rastreando a leitura de frases coordenadas que contêm retomadas anafóricas nas posições de sujeito e de objeto direto, com pronome pleno e com nome repetido. Demonstra-se que esta metodologia psicolinguística de ponta corrobora a existência da penalidade, em português brasileiro, como já anteriormente observado, através de outras técnicas experimentais menos diretas. Os próximos quatro artigos debruçam-se sobre diferentes aspectos de uma questão fundamental na literatura, já apontada no squib de Lyn Frazier, que abre a revista: o papel dos Princípios da Ligação na resolução da correferência. O artigo de Elaine Grolla investiga a aquisição da forma anafórica ele mesmo em Português Brasileiro, concluindo, através de experimento, que a aquisição desta expressão seria tardia em PB, em contraste com a forma se, em que o desempenho das crianças no teste com imagens revelaria maiores índices de semelhança com o comportamento adulto. A autora atribui tal diferença ao fato de que se, sendo regido pelo princípio A da Teoria da Ligação, um princípio sintático, seria adquirido mais cedo. Por outro lado, ele mesmo é uma expressão enfática, sendo regida, portanto, por princípios semântico/pragmáticos, que teriam aquisição mais tardia. II

O artigo de Oliveira, Leitão e Henrique, intitulado A influência dos antecedentes vinculados e não vinculados no processamento da anáfora a si mesmo(a) também toma como referência o Princípio A, da Teoria da Ligação. Os autores usam a técnica de leitura automonitorada, para examinar os tempos médios de leitura da anáfora a si mesmo(a) precedida por antecedente gramatical ou agramatical, em termos do Princípio A da Teoria da Ligação. Os resultados obtidos no experimento levam-nos a concluir que apenas os antecedentes disponíveis estruturalmente, segundo o Princípio A, são, de fato, considerados no processamento adulto da correferência da anáfora a si mesmo(a), corroborando a Hipótese do Filtro de Ligação, proposta por Nicol & Swinney (1989), em contraste com estudos como, por exemplo, Badecker & Straub (2002) ou Sturt (2003), que postulam que tanto os antecedentes disponíveis quanto os não disponíveis estruturalmente influenciariam a resolução da correferência. O artigo O pronome ele está sujeito ao princípio B? Uma discussão sobre resultados experimentais, de Bertolino e Grolla utiliza dois experimentos de julgamento de valor de verdade, um deles aplicado em crianças e adultos, para verificar a aceitabilidade da ligação local do pronome ele, testando, portanto, o Princípio B, da Teoria da Ligação. As autoras discutem diferenças entre os materiais dos dois experimentos, para concluir que tanto as crianças quanto os adultos apresentam resultados semelhantes no segundo experimento, que controlava mais rigorosamente a saliência do referente exofórico, permitindo capturar a ocorrência de índices significativos de rejeição do ele local, o que sustenta a conclusão das autoras de que tal forma é, de fato, um pronome regulado pelo Princípio B e não uma UBE - unspecified bindable expression (ZRIBI-HERTZ, 1995). Encerrando o bloco dos quatro artigos em que se tomam como quadro de referência os princípios da Ligação, apresentamos o estudo de Filomena Sândalo, Condição C em Kadiwew. Este trabalho não foi apresentado nos workshops de processamento anafórico, mas traz contribuições originais para o estudo da correferência, tanto pela análise proposta, quanto pelo fato de explorar, pioneiramente, campo interdisciplinar que relaciona as áreas do conhecimento Línguas Indígenas Brasileiras, Análise e Teoria Linguística e Aquisição da Linguagem. Reportam-se, no artigo, resultados de testes de interpretação de histórias, realizados anteriormente pela autora e por outro pesquisador (Sandalo & Gordon, 1999), junto a falantes monolíngues e bilíngues de Kadiwew e Português, além de em um grupo de monolíngues em português, em que se tomavam como variáveis independentes expressões referenciais na posição de sujeito e de objeto, na interpretação de sujeitos nulos, em contextos relevantes para o Princípio C da Teoria da Ligação. Com base nos resultados desses testes, a autora conclui que o que, de fato, ocorre em Kadiwew seria apenas uma aparente violação do Princípio C, mas discute, nesse percurso, questões diretamente relevantes para a teoria sintática, e para modelos de aquisição da linguagem. O artigo que se segue, Resolução de Correferência Pronominal no Português do Brasil, de Fonseca & Guerreiro, explora, na compreensão de frases em português brasileiro, uma questão baseada na tese de Carminati (2002) sobre o italiano, que já é resenhada no squib de Frazier: as diferenças entre pronomes nulos e plenos que, segundo Carminati, estariam submetidos a restrições de processamento distintas. Os resultados preliminares obtidos em uma tarefa de produção escrita indicariam, segundo os autores, que o PB apoia a estratégia da posição do antecedente (PAS), apresentando basicamente as mesmas restrições de processamento que o italiano. O próximo artigo traz dados relevantes para uma questão também já apontada tanto no squib de Frazier, quanto na entrevista de Carreiras: o acesso ao traço formal de gênero no processamento de III

frases. Em Resolução pronominal com antecedentes sobrecomuns e comuns de dois gêneros em Português Brasileiro como língua materna, língua de herança e como segunda língua, Lawall, Maia e Amaral investigam construções em que um pronome masculino ou feminino retoma um antecedente sobrecomum masculino ou feminino através de um experimento de leitura automonitorada, com pergunta interpretativa final, a fim de observar efeitos da marcação de gênero. As propriedades formais destas construções são analisadas de modo preciso, usando a teoria Head-driven Phrase Structure Grammar (Pollard and Sag, 1994; Sag et al., 2003). Os resultados sugerem que os participantes dos três grupos apresentam diferenças significativas em relação ao processamento da informação de gênero nos níveis sintático e semântico, em medidas on-line e off-line. O artigo de Kenedy e Mota, Orientação de anáforas nulas e pronominais para sujeitos e tópicos no PB aborda outra questão que também é objeto de revisão preliminar no squib introdutório de Frazier: diferenças entre antecedentes em posição de tópico e de sujeito. Em experimento de julgamento imediato de gramaticalidade, aplicado com 60 participantes, falantes nativos do português brasileiro, os autores testam a hipótese de que a língua-i desses sujeitos possa ser caracterizada como uma língua orientada para o discurso, com proeminência de tópicos. Embora tendo o cuidado de modalizar o experimento como preliminar, no âmbito de um programa de pesquisa que se começa a desenvolver no GEPEX, seu laboratório na Universidade Federal Fluminense, os autores especulam, com base nos resultados obtidos, que confirmam estudo anterior de Maia (1997), se as chamadas topicalizações tipicamente brasileiras não seriam, de fato, uma ilusão de ótica. Conforme Corrêa, Augusto, Longchamps e Forster indicam em nota, o artigo Referência anafórica com relativas restritivas de objeto: custo relativizado na interface gramática-pragmática é um desdobramento da palestra feita pela primeira autora durante o II Workshop em Processamento Anafórico (UFC, 2012), integrando-se ao programa de pesquisa do LAPAL Laboratório de Psicolinguística e Aquisição da Linguagem, na PUC-Rio. O estudo recupera resultados obtidos em experimentos de rastreamento ocular levados a efeito no laboratório para propor a incorporação de uma interface gramática/pragmática ao MINC, o Modelo Integrado da Computação on-line (Corrêa & Augusto, 2006; 2007), em desenvolvimento no LAPAL, como parte de um programa de pesquisa que visa a explorar a possibilidade de se caracterizar a computação sintática à luz de uma derivação minimalista, inserida em modelos de processamento (formulação e compreensão) de enunciados linguísticos, como o caracterizam os autores na introdução do artigo. Embora tratando da correferência indiretamente, como um epifenômeno da relativização, o artigo se destaca pela importância da proposta de abordagem integrada entre representação e processamento, que caracteriza o MINC, agora em sintonia com a Teoria da Relevância, através da incorporação do conceito minimalista de fase ao modelo. O artigo de Costa e Matos, intitulado Processamento da correferência e sujeitos anafóricos dados sobre o PE e o PB estuda a produção de sujeitos anafóricos em narrativas escritas em português europeu e brasileiro. A primeira autora do artigo apresentou uma versão preliminar do estudo durante o II Workshop em Processamento Anafórico, em Fortaleza, em maio de 2012. Armanda Costa é pioneira nos estudos de processamento da linguagem em Portugal, sendo parceira, desde 2004, do Laboratório de Psicolinguística Experimental LAPEX/UFRJ, em pesquisas comparativas do processamento linguístico nas variantes europeia e brasileira do português. Gabriela Matos também tem se dedicado a estudos teóricos e descritivos do PE e do PB em uma perspectiva comparativa, há mais de uma década. O presente artigo se destaca neste número da LinguíStica dedicado à correferência, pela IV

perspectiva metodológica singular adotada no estudo, que analisa comparativamente a ocorrência de sujeitos plenos e nulos na produção de textos, nas duas variantes do português, chegando a conclusões interessantes sobre as diferenças entre elas nos domínios do processamento e da gramática. Conclui-se este número da Revista LinguíStica que, pela diversidade metodológica e originalidade dos estudos que o compõem, deverá se tornar referência importante no Brasil e em Portugal, no campo da pesquisa sobre a correferência, com o artigo Modulando o N400 através da incongruência semântica estabelecida pela relação antecedente-pronome de França, Gesualdi e Soto. O trabalho refaz e amplia resultados originalmente obtidos no âmbito da tese de doutorado da primeira autora, pioneira no país no uso da técnica de EEG/ERP para o estudo do processamento linguístico. A pesquisa demonstra que o N400, a onda com amplitude negativa que ocorre cerca de 400 ms após um estímulo incongruente, tal como a concatenação verbo-complemento (comeu sandália), pode também ser modulado por fatores relacionados à correferência, procurando verificar os efeitos desta incongruência quando o acesso aos traços semânticos se dá através de uma relação não local: antecedente-pronome. Foi verificado que esta relação, envolvendo a memória de trabalho, diminui a amplitude, aumenta a latência do efeito e caracteriza a morfologia da onda de forma singular. Por fim, gostaríamos de agradecer a Marcio Leitão (UFPB) e José Ferrari Neto (UFPB), que idealizaram, propuseram e organizaram o I Workshop em Processamento Anafórico e a Maria Elias Soares (UFC) e Elisângela Teixeira (UFC), incansáveis na organização do II Workshop em Processamento Anafórico, iniciativas importantes e reconhecidamente bem sucedidas, sem as quais o presente número da Revista LinguíStica não teria sido possível. Referências Badecker, W.; Straub, K. (2002). The processing role of structural constraints on the interpretation of pronouns and anaphors. Journal of Experimental Psychology: Learning, Memory, and Cognition. Carminati, M.N. (2002). The processing of Italian subject pronouns. Tese de Doutoramento. University of Massachusetts Amherst. Corrêa, L. M. S. & Augusto, M. R. A. (2006). Computação linguística no processamento on-line: em que medida uma derivação minimalista pode ser incorporada em modelos de processamento? In: XXI Encontro Nacional da ANPOLL. 19-21 de julho de 2006. Texto para discussão na sessão Inter-GTs: Psicolinguística e Teoria de Gramática. Corrêa, L. M. S. & Augusto, M. R. A. (2007). Computação linguística no processamento on-line: soluções formais para a incorporação de uma derivação minimalista em modelos de processamento. Cadernos de Estudos Linguísticos, 49, 167 183. Chomsky, N. (1981). Lectures on government and binding. Dordrecht: Foris. Chomsky, N. (1986). Knowledge of language, its nature, origin, and use. New York: Praeger. Maia, M. (1997). A compreensão da anáfora objeto no português do Brasil. Palavra, nº 4, pp. 58-76, PUC-Rio. V

Nicol, J.; Swinney, D. (1989). The role of structure in coreference assignment during sentence comprehension. Journal of Psycholinguistic Research, 1989. p. 5-20. Pollard, Carl and Ivan SAG (1994). Head-Driven Phrase Structure Grammar. Chicago: The University of Chicago Press. Sag, I., Wasow, T., and Bender, E. (2003). Syntactic Theory: a formal introduction. CSLI, Stanford: CA. Sandalo, Filomena & Peter Gordon (1999). Acquisition and Creolization of Condition C violations in Kadiwéu and Portuguese. Cadernos de Estudos Lingüísticos 36 (online). Sturt, P. (2003). The time-course of the application of binding constraints in reference resolution. Journal of Memory and Language. Zribi-Hertz, A. (1995) Emphatic or Reflexive? On the Endophoric Character of French lui-même and Similar Complex Pronouns. Journal of Linguistics, Volume 31, nº 2, p. 333-74. VI