As Interfaces Cérebro-Máquina e o Problema Mente-Corpo. Brain-Machine Interfaces and the Mind-Body Problem

Transcrição

1 As Interfaces Cérebro-Máquina e o Problema Mente-Corpo. Brain-Machine Interfaces and the Mind-Body Problem Profº Drº Jonas Gonçalves Coelho Natalia Cristine de Oliveira, nati.cris.oliveira@gmail.com UNESP-Campus de Bauru, Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação; Faculdade de Ciências de Bauru Palavras-chave: Relação Mente-Corpo, Neurociência, Interfaces Cérebro-Máquina. Keywords: Mind-Body Relation, Neuroscience, Brain-Machine Interfaces. Eixo Temático 2: Cognição, emoções e ação em sistemas artificiais RESUMO: O objetivo deste trabalho é tratar do problema filosófico da relação mente-corpo tal como considerado pelas principais abordagens em Filosofia da Mente a partir de uma interpretação dos experimentos de interface cérebro-máquina descritos pelo neurocientista Miguel Nicolelis em seu livro Muito além do nosso eu. Assumimos que esses experimentos podem ajudar a clarificar a relação que se processa entre mente e corpo a partir do modo como se estrutura a relação entre o cérebro e o corpo, seja o corpo biológico, seja a sua versão artificial. 1.INTRODUÇÃO O desenvolvimento de pesquisa e de tecnologias envolvendo a relação cérebromáquina, além de seus promissores resultados em termos de melhora da qualidade de vida de pessoas que sofrem diversos tipos de paralisias, constitui-se como uma forma contemporânea e desafiadora de compreensão de como se processa a relação mentecorpo, a partir do modo como se estrutura a relação cérebro-corpo. Permite, portanto, uma articulação áreas do conhecimento contemporâneas, as quais têm dialogado a respeito de outros temas, ou seja, a neurociência/neuroengenharia de um lado e a Filosofia/Psicologia de outro. 2. OBJETIVOS

2 O objetivo geral desta pesquisa é interpretar os experimentos e tecnologias de interface cérebro-máquina tendo em vista suas implicações para a compreensão filosófica da relação mente-corpo, temática fundamental e inerente às abordagens em Filosofia da Mente e Psicologia. 3.MATERIAIS E MÉTODOS O presente trabalho consiste em uma investigação de caráter teórico bibliográfico a qual consiste em leitura e interpretação dos textos filosóficos, assim como leitura, discussão e interpretação da literatura referente às abordagens dos experimentos de interface cérebro-máquina. 4. RESULTADOS E DISCUSSÕES As interfaces cérebro-máquina (ICMs) são conjuntos de sistemas que permitem a comunicação entre cérebros e máquinas, sem o intermédio do sistema neuromuscular. Esse tipo de tecnologia mede atividades cerebrais associadas à intenção do usuário e traduz as atividades cerebrais gravadas para sinais controlados correspondentes.(b. Graimann et al.2010). A tradução feita envolve processamento de sinais e reconhecimento de padrões que geralmente que podem ser feitos por um computador. Não sendo necessária interação com o sistema neuromuscular, ela pode ser usada principalmente para possibilitar dispositivos assistidos para pessoas que tem algum tipo de limitação física causada por acidentes ou doenças. Partindo da hipótese de que o caráter da relação que se estabelece entre o cérebro/mente e corpo ainda é desafiadora para as Ciências/Filosofia, pretendemos interpretar os experimentos neurocientíficos de interface cérebro-máquina em conjunto com as diferentes abordagens da Filosofia da Mente na tentativa de contribuir com a discussão filosófica do problema mente-corpo. O problema mente-corpo se insere no contexto da Filosofia da Mente e tem uma longa tradição de investigação filosófica. Este problema investiga as relações entre o mental e o material, e as principais perspectivas teóricas que tratam desse problema se dividem entre concepções fisicalistas e dualistas. Na modernidade quem inaugura as

3 discussões da relação mente-corpo é René Descartes, filósofo que defende uma interpretação dualista da relação entre mental e material. A concepção dualista da mente proposta por Descartes afirma que a mente é uma propriedade distinta das propriedades materiais, já nas diferentes abordagens fisicalistas/materialistas a mente é vista como sendo também propriedade material, e nas abordagens eliminacionistas a mente não existe. Na contemporaneidade a tradição da Filosofia da Mente se inaugura com uma crítica ao dualismo cartesiano proposta por Gilbert Ryle no livro The concept of mind (1949). Neste livro o filósofo afirma que Descartes cometeu aquilo que ele chama de erro categorial ao estabelecer o conceito de uma mente imaterial distinta do corpo/propriedade material. Na concepção de Ryle, toda a tradição intelectualista se baseia num erro de linguagem que gerou aquilo que ele chama de mito do fantasma na máquina, e, portanto, a vida privada da mente consiste em um erro de linguagem, uma violação de regra lógica que pode ser corrigida por meio de um emprego correto de termos linguísticos, após uma cuidadosa revisão do vocabulário psicológico usado para se referir a eventos considerados mentais. Na abordagem considerada dualista de propriedade, defendida por filósofos como Thomas Nagel e Frank Jackson, a mente é vista não como uma propriedade imaterial distinta do mundo físico, como no dualismo cartesiano, mas sua tese central coloca os processos do cérebro físico como contendo propriedades especiais não físicas como dores, sensações, desejos e etc. A tese da teoria da identidade surge como uma alternativa fisicalista em um contexto de crítica a concepção dualista da relação mente-cérebro e ao behaviorismo filosófico. Sendo uma teoria reducionista, ela afirma que tudo que existe na natureza são as propriedades físico-materiais, e sua tese central é a de que os estados mentais são estados físicos do cérebro, ou seja, cada tipo de estado ou processo mental é numéricamente idêntico a (é uma mesma coisa que) algum tipo de estado ou processo mental no interior do cérebro ou no sistema nervoso central. (Churchland, 2004, p.53).

4 A abordagem funcionalista que surgiu no ínicio da década de 1960 é uma teoria materialista da mente que propõe uma abordagem científica do estudo da mente, por meio de métodos empíricos. De acordo com Churchland, para o funcionalismo a característica essencial que define todo tipo de estado mental é o conjunto de relações causais que ele mantém com os efeitos do meio ambiente sobre o corpo, com os estados mentais e com o comportamento corporal (2004, p.67). A concepção funcionalista da mente é herdeira do behaviorismo, desse modo, estados mentais como dor, por exemplo, são vistos de acordo com o papel funcional de input e output que elas exercem, e sendo assim, a dor é um estado funcional correspondente a um determinado estado do organismo. (Teixeira, 2000). O materialismo eliminacionista é uma teoria que ganhou popularidade por volta da década de 1980 com o filósofo Paul Churchland, que diferentemente das teorias reducionistas, afirma que a linguagem que se utiliza para tratar dos termos mentais está equivocada e deve ser totalmente eliminada por se tratar de uma compreensão de senso comum dos comportamentos e estados internos, e ao ser eliminada ela deve ser substituída por uma linguagem científica, como a da neurociência. A abordagem dupla face da relação mente-cérebro se trata de uma abordagem fisicalista e não reducionista, pois, sustenta que mente e cérebro são entidades irredutíveis e distintas, sendo que a segunda depende da primeira (Coelho, 2015). Nessa perspectiva entender mente como cérebro é considerar que ela depende da existência do cérebro, e também, a forma e conteúdo das propriedades mentais dependem em nível macro e microfísico da estrutura e funcionalidade do cérebro. Por outro lado, ver cérebro como mente é considerar a propriedade mente em seus aspectos cognitivos e afetivos, proporciona ao cérebro uma interação de tipo particular com o resto do corpo, ambiente externo, físico e social (Coelho, 2015). Sendo assim, problema mente-corpo se mostra como questão essencial para as abordagens em Psicologia que tratam dos processos e doenças mentais, e clarificar a relação mente/cérebro/corpo pode trazer novas informações para a área.

5 Considerando-se que a pesquisa está em fase inicial, os experimentos de interface cérebro-máquina pesquisados são os descritos pelo neurocientista Miguel Nicolelis em seu livro Muito além do nosso eu que parte de uma perspectiva cognitivista neurocientífica do cérebro/mente/pensamento, no qual o cérebro é visto como escultor da realidade, e populações de neurônios distribuídos vistos como unidades funcionais do cérebro e sendo responsáveis pela predição de movimentos, tanto quanto sua execução. Nos experimentos, os sinais elétricos de atividades cerebrais captados por meio de um sistema de aquisição de dados, aplicando a estratégia da imagética motora (IM), que transforma intenção em ação, e são usados para operar um braço robótico, por exemplo, demonstram que as interfaces cérebro máquina podem contribuir para a elucidação das relações que se processam entre cérebro/mente e corpo, à luz das diferentes abordagens em Filosofia da Mente. 5. CONCLUSÕES A conclusão dos estudos desenvolvidos até o momento é a de que os experimentos realizados na área da neurociência/neuroengenharia podem contribuir de maneira significativa para a discussão filosófica da relação entre mente-corpo. 6. REFERÊNCIAS CHURCHLAND, P. M. Matéria e Consciência: Uma Introdução Contemporânea à Filosofia da Mente. Tradução de M. C. Cescato. São Paulo: Editora UNESP, COELHO, Jonas Gonçalves. Mente como cérebro e cérebro como mente: a dupla face da relação mente-cérebro. In: Filosofia da Mente, ciência cognitiva e pós-humano: para onde vamos? Monica Aiub, Maria Eunice Quilici Gonçalves, Mariana Claudia Broens (organizadoras). - São Paulo, FiloCzar, p. 16 cm. NICOLELIS, Miguel Muito além do nosso eu: a nova neurociência que une cérebros e máquinas e como ela pode mudar nossas vidas Cia. das Letras, 2011, 504 páginas. Learning to Control a Brain Machine Interface for Reaching and Grasping by Primates: Jose M. Carmena1, 4, Mikhail A. Lebedev1,4, Roy E. Crist1, Joseph E. O Doherty2, David M. Santucci1, Dragan F. Dimitrov1,3, Parag G. Patil1,3, Craig S. Henriquez2,4, Miguel A. L. Nicolelis1,2,4,5* PLoS Biology Volume 1 Issue 2 Page 208 TEIXEIRA, J. F. Mente Cérebro e Cognição. 2. Ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2000.

6