Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

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1 Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação Coordenação de Biblioteca

2 108 Solenidade de Entrega do 7a Prémio dos Direitos Humanos PALÁCIO DA ALVORADA, BRASÍLIA, DF, S DE DEZEMBRO DE 1995 Senhor Ministro da Justiça, Dr. Nelson Jobim; Senhores Ministros de Estado que aqui estão; Senhores Senadores; Senhores Deputados; Senhores Presidentes das Comissões de Direitos Humanos; Senhor Cardeal-Arcebispo de São Paulo e meu amigo, Dom Paulo Evaristo Arns; Senhores agraciados com 01 Prémio de Direitos Humanos; Senhores patrocinadores do Prémio, que aqui estão; Senhoras e Senhores, Disse o Ministro Jobim que nós, no dia 7 de setembro deste ano, iniciamos uma campanha para celebrar a Proclamação Universal dos Direitos do Homem. É verdade. Foi uma reunião simples, aqui ao lado, em que nós nos propúnhamos a ter uma agenda para chamar a atenção do País para a questão dos direitos humanos e para mostrar que nós precisamos não apenas falar, mas dar continuidade em ações que levem ao respeito aos direitos humanos. Nesse sentido, ainda em outubro deste ano, logo em seguida àquela proclamação, nós nos reunimos com os juizes e todos os Secretários de Segurança Pública e promotores, de todos os Estados, para discutirmos, juntamente com as ONGs, com muitas ONGs, a questão dramática da

3 722 PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO prostituição infantil. E nós, então, lançamos, ali, um alerta contra a questão da exploração sexual das crianças e mostramos o muito que há a ser feito nessa matéria. Em novembro, nós buscamos expressar esse mesmo sentimento, no que diz respeito a resgatar a memória daqueles que lutaram contra a escravidão e que eram, eles próprios, ex-escravos. Fui a União dos Palmares, em Alagoas, para simbolizar o fato de que o Brasil inteiro rendia uma homenagem a um lutador, o Zumbi. E, também, recebi, em seguida, aqui, depois de uma marcha que houve, uma comissão composta por vários representantes do movimento negro organizado. E, com eles, estive no Palácio do Planalto, discutindo de que maneira, de forma concreta, nós poderíamos dar combate ao racismo, à discriminação que ainda existe no Brasil. E a isso demos sequência através de ações do Ministério da Educação, fazendo a revisão de livros didáticos, porque, de repente, ali, sem que ninguém perceba, aparecem formas preconceituosas. E nós precisamos lutar contra essas formas preconceituosas, assim como o Ministério do Trabalho tem tido uma ação bastante enérgica nessa matéria, para evitar que haja discriminação, não só de raça, mas também de género e no que diz respeito àquilo que mais confrange, que é a existência de formas de trabalho forçado, que são ditas trabalho escravo. Nós constituímos, também aí, um grupo executivo. E há ações concretas do Ministério do Trabalho para colocarmos nos devidos termos, inclusive na cadeia, se for o caso, aqueles que levam pessoas a situações de trabalho forçado. De modo que nós estamos seguindo nessa mesma direção. Ontem, tive um dia de grande emoção, porque foi possível, graças à cooperação do Congresso Nacional, assinar a Lei dos Desaparecidos Políticos, fazer a sanção dessa lei, que corresponde a um novo momento da vida brasileira, muito bem descrito, aqui, pelo Ministro da Justiça; que é um momento em que nós estamos pensando no futuro, em que nós estamos nos unindo e não estamos querendo fazer marcas para separar, em função do passado. Queremos, isso sim, mostrar que o Brasil vai caminhar, caminhar integrado, numa só nação, e que não

4 PALAVRA DO PRESIDENTE 2- SEMESTRE aceita a existência de formas de violência e, muito menos, de violência organizada pelo Estado: a tortura. Quero aproveitar esta oportunidade para agradecer, não só ao Ministro Jobim, mas, muito especialmente, ao Dr. José Gregóri, que conduziu com grande competência e generosidade essa matéria. Hoje, posso lhes dizer que o Ministro da Justiça está com um plano de ação sobre direitos humanos sendo preparado para dentro de muito poucos dias. Nossa intenção inicial - e creio que se manterá - seria de, no dia 10 de dezembro, dar conhecimento desse projeto. Devo estar viajando. Eu vou para a China. Não sei, portanto, se isso vai atrasar ou não. Mas o projeto já está em elaboração. É uma iniciativa pioneira, difícil. Não se sabe muito bem no que consiste esse tipo de plano. Planos económicos, nós sabemos. Aprendemos, até errando; mas, finalmente, como água mole em pedra dura, acabamos acertando. Espero que mais depressa acertemos um plano de defesa dos direitos humanos. É uma tentativa importante. Acho que nenhum outro país deu sequência aos acordos internacionais que exigiam a elaboração desse plano. E nós o estamos fazendo. Agora, no dia 28, recebo a Missão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA. No passado, cada vez que uma dessas missões de direitos humanos aparecia no Brasil, era uma coisa complicadíssima. Isso foi mudando, aos poucos. Já no tempo em que fui Ministro do Exterior não era assim. Nós já tínhamos tomado a decisão de que o Brasil não vai corrigir as dificuldades que tem escondendo-as: vai corrigir dizendo que é certo, que elas existem, mas que é errado existirem. E vamos combater juntos. Nós não temos o que esconder. E, se alguém apontar alguma coisa errada, se for errado mesmo, nós temos é que nos juntar para corrigir o que estiver errado. Então, nós vamos receber essa Comissão. Eu a recebo, como Presidente da República, tranquilamente, porque, se houver observações a serem feitas, o Presidente não se sente diminuído quando alguém aponta um erro. Pelo contrário, acha que é dever seu ouvir. E o cidadão que saiba do engano deve apontá-lo, a partir do pressuposto da boa-fé

5 724 PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO recíproca. Tanto uns quanto outros deverão estar movidos pela boa-fé - Governo e os que criticam. Enfim, acredito que, efetivamente, nós estamos, pouco a pouco, mudando a nossa mentalidade nesse tema, que não pode ser resolvido por decreto. É um problema cultural, é um problema político, é um problema de concentração de esforços ao redor desses temas sensíveis. Isso, hoje, está visível aqui, quando nós temos a satisfação de passar à mão dos que foram agraciados não só o Prémio como, com a ajuda efetiva dos setores empresariais brasileiros, um encorajamento concreto para que eles possam continuar nessa luta, que já está garantida para o ano que vem. Então, vê-se que, realmente, é um Brasil que sacudiu a poeira do passado e que é um Brasil que está de mãos dadas para construir na generosidade e no amor. Quero aproveitar esta oportunidade e agradecer ao Luís Furlan, da Sadia, ao Max Schrappe, da Abigraf, ao Horácio Láfer Piva, da Klabin, ao José Mindlin, que aqui está representado pelo Faldini, ao Enrico Misasi, da Olivetti - cadê ele? -, agradecer o apoio que nos têm dado; e agradecer, também, ao Eduardo Moreira Ferreira, da Companhia Paulista de Energia, que também nos tem ajudado, e dizer que é importante que haja um estímulo dessa natureza. Tenho certeza de que os que receberam, hoje, esse prémio são apenas um começo de um caudal de outros que serão premiados, no correr dos anos, para nós criarmos uma corrente positiva no Brasil, nesse sentido de gente que tem consciência da importância do tema dos direitos humanos. Mas, ao agradecer a todos vocês, patrocinadores, e sobretudo aos premiados, quero fazer uma referência muito especial a Dom Paulo, que aqui fez a sua oração de agradecimento, em nome de todos os demais. Dom Paulo recordava, há pouco, a primeira vez em que nos encontramos. Não foi uma época de facilidades. Foi uma época de muita dificuldade, muitíssima dificuldade, que eu não quero recordar no dia de hoje, porque o dia de hoje é de mudança da história. Mas eu só posso dizer que, como no passado, hoje, também, aqueles que sentem alguma aflição sempre encontram no Dom Paulo o coração

6 PALAVRA DO PRESIDENTE 2 9 SEMESTRE generoso, a mão disposta a ajudar. E não só o coração e a mão, mas a razão também. Dom Paulo é um homem que sabe, é um homem que tem consciência das situações e que dá o conselho adequado. Eu, pessoalmente, sou devedor a Dom Paulo em inúmeras ocasiões. Houve épocas em que estivemos juntos, em momentos muito difíceis, do Brasil mesmo, muito, muito difíceis. E, naquela época, não era fácil encontrar quem prestasse atenção ao grito dos que estavam no sofrimento. Poucos. E Dom Paulo era para, nós, um farol. Continua sendo, Dom Paulo. E suas palavras me tocaram profundamente. Tenha certeza, Dom Paulo, de que os que estamos aqui, hoje, aprendemos muito com suas ações. Tenho certeza de que os que foram agraciados aqui, hoje, participam desse mesmo espírito. E, sobretudo, para finalizar estas breves palavras de cerimónia simples, quero dizer que hoje tenho muita confiança no Brasil. Muita confiança em que nós seremos capazes de superar dificuldades imensas e que, no presente, as diferenças que, eventualmente, separem uns e outros não podem nunca toldar o nosso horizonte, que tem que ser de servir ao País e servir ao povo. E ninguém serve ao País e ao povo com um espírito menor, com mesquinharia, com personalismo, com dificuldades que se transformam, às vezes, em grandes obstáculos de papel. Não. Nós só serviremos ao País e ao povo se tivermos, dentro de nós mesmos, a convicção de que estamos no caminho certo. E a humildade. E se não imaginarmos que, sozinhos, podemos fazer qualquer coisa, ou que o ponto de vista exclusivo de um prevalece, no isolamento. Não. Nós só podemos servir ao País e ao povo se mantivermos, como temos mantido, o diálogo. Diálogo não quer dizer supressão de diferenças, mas quer dizer compreensão das diferenças. É preciso que haja essa compreensão e que as diferenças não se transformem em obstáculos e acabem sendo obstáculos contra o País e contra o povo. Mas eu tenho muita confiança em que somos capazes disso. E esta festa, que é ecuménica, como lembrou Dom Paulo, é uma expressão bastante viva daquilo que eu penso que seja a democracia. A democracia requer ecumenismo, requer o respeito à diferença e requer a capaci-

7 726 PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO dade do diálogo, a capacidade de propor objetivos que possam permitir a convergência. Hoje, aqui, nós estamos unidos. Unidos em defesa dos direitos humanos. Eu agradeço muito, em nome do Brasil.