Resenha do livro Filosofia da Caixa Preta, de Vilhem Flusser

Transcrição

1 Resenha do livro Filosofia da Caixa Preta, de Vilhem Flusser

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3 Este trabalho, realizado no âmbito do curso de pós-graduação em Fotografia da Universidade Cândido Mendes, tem como finalidade comentar o livro Filosofia da Caixa Preta Ensaios para uma futura filosofia da fotografia, de autoria de Vilém Flusser (1985). Nessa publicação, que se constitui em um resumo de algumas conferências e aulas realizadas pelo seu autor, termos como imagem, aparelho, programa e informação são definidos e discutidos. Com base neles a fotografia é conceituada como sendo uma imagem reproduzida e distribuída por aparelhos, segundo um programa, a fim de informar receptores. Após discorrer sobre essas e outras questões, Flusser afirma que a tecnologia tem minado a capacidade de pensar do ser humano e que, quanto mais facilidades são disponibilizadas para a realização de tarefas, mais nos acomodamos e nos alienamos, na expectativa de que as inovações tecnológicas solucionem os problemas que afligem a humanidade. Nesse contexto, o filósofo salienta a contribuição dos processos de obtenção e de divulgação de fotografias, em substituição a textos, para manter as massas acomodadas. Assim, ele termina seu livro explicando que uma filosofia da fotografia serviria como agente libertador do homem de um mundo programado, no qual se encontra preso a regras e obrigações.

4 Comentar essas e outras questões abordadas pelo livro seria um trabalho extenso, o que não é escopo desta resenha. Dessa forma, o leitor selecionou os temas que mais chamaram sua atenção, que são objeto de discussão realizada em sequência. Inicialmente, há que se considerar alguns aspectos conjunturais da época em que o livro em questão foi escrito. Assim, por exemplo, a indústria fotográfica havia introduzido, recentemente, inovações tecnológicas, nas quais microprocessadores passaram a permitir a automatização do funcionamento das câmeras fotográficas.além disso, pouco antes, em 1981, ocorria o lançamento comercial do primeiro microcomputador, muito embora somente alguns anos depois, dotado de interface gráfica que facilitou enormemente sua operação, tenha se tornado popular. A televisão, por outro lado, já tinha consolidado seu papel, já que, desde meados do século passado, assumiu importância como o mais poderoso meio de comunicação, atingindo hoje a quase 1 bilhão de residências. Consequentemente, é interessante notar que, ao aparelho, chamado por Flusser de aparelkho, soma-se, no presente, o microcomputador, aliado a poderosos programas de manipulação de imagens, dentre os quais se destaca o Photoshop, tornando ainda mais complexa a chamada caixa preta - termo utilizado pelo autor, mas que não faz parte do título original do livro (Für eine Philosophie der Fotografie) - empregada na produção de imagens técnicas. Além disso, amalgamada a telefones móveis, a

5 câmera miniaturizou-se e popularizou-se excepcionalmente, além de permitir a distribuição imediata da imagem capturada. Mais do que isso, especialmente nas grandes cidades, os aparelhos fotográficos, aí incluídos os chamados digitais, tornaram-se quase onipresentes. Realidade imitando o personagem fictício Big Brother do livro 1984, de George Orwell. Flusser tece considerações a respeito dessa massificação da fotografia, o que confere ao seu trabalho, portanto, características de significativa atualidade. Já no que se refere à sua divulgação, ocorreu um fenômeno, não previsto por ele nem por nenhum futurólogo, que se instalou há cerca de 20 anos: a rede mundial de computadores ou, como é popularmente conhecida, a Internet. Hoje, qualquer pessoa a ela conectada dispõe do poder de disseminar informações rapidamente, utilizando-se dos chamados sites, correio eletrônico etc. Exemplo recente disso são os conflitos no Irã, onde a censura de imprensa não impediu a divulgação de imagens pela Grande Rede, sobre manifestações lideradas pela oposição, que denunciou fraude nas eleições de 12 de junho de 2009, as quais resultaram até mesmo em óbitos. Essas imagens foram, inclusive, utilizadas pelos meios de comunicação tradicionais. Outra questão interessante levantada pelo autor, refere-se à inversão de valores caracterizada pela aceitação de uma imagem técnica, como se fosse uma expressão da realidade. Curiosamente, inclusive, identifica na fotografia em preto e branco, por ele

6 definida como cinzentas imagens de teorias a respeito do mundo, mais realismo que o resultante de fotografias em cores. Não aborda diretamente, contudo, a questão da manipulação de imagens, tão intensamente praticadas atualmente.. Historicamente, a divulgação pela imprensa de informações, frequentemente acompanhadas de fotografias, inclui processos de manipulação. Dessa forma, as idéias de Flusser foram desenvolvidas, quando já ocorriam procedimentos manipuladores das massas. A diferença é que, naquela época, ao menos se tinha uma referência das fontes das informações. Já nos dias que correm, somos bombardeados em tempo real, via computadores pessoais, por notícias sobre as quais os autores não têm responsabilidade legal. Apesar disso, muitos internautas tomam como verdadeiras as mensagens virtuais, especialmente quando acompanhadas de supostas provas fotográficas. Flusser recorre aos fotógrafos para modificar a situação por ele identificada, a partir da conscientização da importância do fruto de sua atividade. Claramente se verifica, porém, que com os recursos de edição de imagens disponíveis na maioria dos mais de 700 milhões de computadores conectados a Internet, os fotógrafos se tornaram, mais do que nunca, reféns da situação. Nem mesmo Flusser imaginou cenário tão Dantesco.

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