IMPLICAÇÕES DO ESTUDO DAS INTERACÇÕES VERBAIS PARA O ESTUDO DA LINGUAGEM E DA COMUNICAÇÃO. Adriano Duarte Rodrigues
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- Beatriz Abreu Fartaria
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1 IMPLICAÇÕES DO ESTUDO DAS INTERACÇÕES VERBAIS PARA O ESTUDO DA LINGUAGEM E DA COMUNICAÇÃO Adriano Duarte Rodrigues Nesta última sessão do nosso curso, vou tentar esboçar algumas das mais importantes implicações que o estudo das interacções verbais do ponto de vista etnometodológico para a abordagem da linguagem e da comunicação. A principal descoberta que o estudo das interacções verbais nos proporciona é o facto de a linguagem não ser apenas um sistema formal nem uma mera utilização da língua por parte dos falantes, mas uma actividade que as pessoas realizam em conjunto quando se encontram. Mostra ainda que não se trata de uma actividade aleatória, mas perfeitamente regulada, faz-nos descobrir que os falantes aplicam regras e obedecem a normas que orientam os seus enunciados num determinado sentido, regras e normas específicas da própria interacção verbal, diferentes das regras gramaticais e, em grande medida, indispensáveis para a sua aquisição. O estudo das interacções verbais mostra-nos, de facto, que são estas regras específicas que habilitam os seres humanos a adoptar os comportamentos apropriados a cada uma das situações de interacção e que estas regras são interiorizadas antes mesmo de saberem utilizar as regras gramaticais específicas da sua língua materna. É por isso que o estudo das interacções verbais é hoje um instrumento indispensável para compreender a aprendizagem da língua materna, a maneira como as crianças aprendem a falar desde a sua mais tenra idade. Ainda mesmo antes de serem capazes de falar, os bebés já sabem interagir com as pessoas que as rodeiam através de comportamentos corporais e da emissão de sons, imitando os comportamentos que observam. É hoje cada vez mais claro que esta aprendizagem é indispensável para poderem aprender a falar a sua língua materna. A partir do estudo das interacções verbais descobrimos que o sentido daquilo que as pessoas dizem não decorre apenas da significação das palavras que utilizam, mas da sua relação com aquilo que está em jogo no momento em que as utilizam. Uma 1
2 mesma palavra pode adquirir uma grande multiplicidade de sentidos diferentes, e até sentidos opostos, em função da relação que estabelece como aquilo a que damos o nome de situação enunciativa. É por isso que preferimos dizer que um enunciado vai num determinado sentido, em vez de dizermos que tem um determinado sentido. Ir num determinado sentido quer dizer que um enunciado pode encadear-se com um determinado conjunto de enunciados e que não pode encadear-se com um conjunto de outros enunciados. Assim, por exemplo, em português «bom dia» pode encadear-se com «bom dia», «como estás», «olá», mas não pode encadear-se, por exemplo, com «muito obrigado». O que se passa com o sentido do enunciado de uma saudação é válido para o sentido de quaisquer outros enunciados. É por isso que dizemos que os enunciados, tal como a circulação rodoviária, têm sentidos obrigatórios, facultativos ou permitidos e sentidos proibidos. O que a AIV nos faz descobrir é que os princípios que regulam o encadeamento dos enunciados são determinantes para a averiguação do seu sentido. O enunciado «são oito horas» tem o sentido de uma resposta se for encadeado com a pergunta «que horas são?», mas adquire sentidos completamente diferentes se ocupar o lugar de uma primeira parte de um par adjacente, tais como o de uma informação, de um aviso, de uma ameaça, entre outros possíveis. Uma das actividades que os falantes realizam quando falam é a actividade de referência. Damos o nome de referência a actividade de designar ou de apontar para objectos, pessoas, estados de objectos e estados de pessoas. Com o estudo das interacções verbais descobrimos que as pessoas não se referem àquilo que lhes passa pela cabeça, mas àquilo que está em jogo ou que pensam que está em jogo no momento em que falam. É cada vez mais evidente que a decisão de se referirem a determinado objecto ou a determinada pessoa decorre de um trabalho permanente de negociação com os seus interlocutores, isto é, a determinação da referência dos enunciados depende em cada momento do ajustamento daquilo que os interlocutores se dizem uns aos outros, da descoberta que cada um faz daquilo que os outros querem dizer, daquilo que acham relevante, de interesse ou habilitados a referir, tendo em conta o seu envolvimento mais ou menos grande num determinado foco de atenção comum. Uma das questões actualmente mais discutidas no domínio das ciências da linguagem e da comunicação tema ver com as relações entre o análid das interacções 2
3 verbais (AIV) e a análise crítica do discurso (ACD). Sem pretender de modo algum esgotar aqui este debate, acho importante não esquecer os pontos de vista que aproximam e que distinguem estas duas abordagens. Antes de mais, é preciso entender o que se entende por crítica na expressão análise crítica do discurso. Os autores desta corrente entendem fazer um estudo crítico dos discursos que circulam, tentando criticar os discursos pelo facto de veicularem e de tornarem indiscutíveis, de maneira explícita ou implícita, as visões do mundo ou as ideologias das classes sociais que detêm o poder. Para tornar claro o sentido da expressão deveria talvez dizer-se crítica ideológica do discurso. Os promotores desta abordagem tentam mostrar que os discursos, sobretudo os discursos públicos em geral e dos media em particular, valorizam e promovem os valores do género masculino, da raça branca e do mundo financeiro em detrimento do género feminino, das outras raças e dos trabalhadores. Comecemos por distinguir o uso da expressão análise crítica pelos autores da ACD e pelos autores da AIV. A ACD considera crítico o olhar que o analista tem para com os discursos produzidos pelos falantes que pretende estudar. Não é este o sentido de análise crítica para os autores da análise das interacções verbais. Para a AIV, crítico é o olhar que o analista para com o seu próprio trabalho de análise e para com o seu próprio discurso de analista. É por isso que é constantemente levado a pôr entre parêntesis as suas visões do mundo, os seus valores e os seus preconceitos quando olha para os discursos que pretende estudar. A AIV é portanto uma fenomenologia da linguagem, uma disciplina que obriga o analista a um constante trabalho de ascese, a um jejum fenomenológico, levando-o inclusivamente a considerar que são os falantes observados os únicos analistas competentes dos seus próprios discursos. Daí que a AIV seja mais uma atitude disciplinadora dos sentidos, em particular do olhar e do ouvir, um constante exercício de abertura descomprometida à experiência da linguagem em situação. O que distingue, por conseguinte, a AIV da ACD é o ponto de vista etnometodológico. Mas isto não significa a recusa de dar conta dos mecanismos discursivos que criam e alimentam o poder, a dominação e a exploração nas nossas sociedades. Aquilo em a AIV está empenhada é em dar conta dos comportamentos verbais dos falantes quando interagem uns com os outros, de maneira a poder 3
4 inclusivamente dar conta da maneira como eles constroem localmente as suas visões do mundo e se apropriam delas apropriadamente, inclusivamente das que sustentam as relações de poder. Daí a opção microssociolócia e etnometodológica desta abordagem que contrasta com as visões macro que têm da actividade discursiva uma mera utilização dos mecanismos discursivos formais impostos pelas estruturas sociais. Entre a análise do discurso e o estudo das interacções verbais existe, no entanto, um ponto comum, o facto de tanto uma como a outra considerarem o acto de linguagem como unidade mínima, o átomo do discurso. Mas a análise do discurso recorta o discurso nas suas componentes textuais, ao passo que o estudo das interacções verbais é multimodal e toma, por isso, em consideração o conjunto das componentes interaccionais, como a prosódia e os comportamentos extra-verbais. Deste modo, a identificação dos actos de linguagem feita pela análise do discurso nem sempre coincide com a que é feita pelos estudiosos da interacção verbal. Existem sobretudos duas diferenças de monta. Por um lado, os estudiosos da interacção verbal são levados a identificar actos de linguagem em comportamentos extra-verbais, como, por exemplo, o toque da campainha do telefone, um aceno, a recusa em responder a uma pergunta ou a abertura da porta a alguém que bateu à porta, ao passo que a análise do discurso não possui instrumentos metodológicos que a habilitem a dar conta destes actos de linguagem. A segunda grande diferença tem a ver com o facto de um mesmo enunciado poder ser visto pela análise das interacções verbais como a realização de mais do que um acto de linguagem, como é o caso do «está» ao telefone que pode realizar ao mesmo tempo um acto de resposta ao apelo do toque da campainha e como um acto de identificação. Mas há ainda uma outra diferença entre estas duas abordagens, a de o valor ilocutório dos enunciados não decorrer, para a análise das interacções verbais, apenas da expressão verbal, mas da verificação do acto que desencadeia por parte dos interlocutores. Esta é uma consequência evidente daquilo que considerámos como o sentido dos enunciados. Foi esta maneira de ver que levou à descoberta dos pares adjacentes. Dedicámos algum tempo do nosso curso a esta problemática porque consideramos que os pares adjacentes constituem um dos recursos centrais da análise 4
5 das interacções verbais e a sua descoberta é sem dúvida um dos contributos mais valiosos desta abordagem, devido ao seu alto valor heurístico. Referências bibliográficas: Hutchby, I. & Wooffitt, R. (2008) Conversation Analysis, Cambridge, Polity Press. Sacks, H. (1992) Lectures in Conversation, Volumes 1 e 2, Oxford, Blackwell. Silverman, D. (1998) Harvey Sacks. Social Science & Conversation Analysis, New York, Oxford University Press. Wooffitt, R. (2005) Conversation Analysis and Discourse Analysis: a Comparative and Critical Introduction, London, Sage. 5
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