Produto interno no espaço vectorial R n
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- Rachel Alencastre Gabeira
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1 ALGA - Eng.Civil e Eng. Topográ ca - ISE - 00/0 - Produto Interno Produto interno no espaço vectorial R n A noção de produto interno (ou escalar) de vectores foi introduzida no ensino secundário, para vectores de R e R : Neste capítulo generaliza-se ao espaço R n esta noção e outras noções associadas. Produto interno euclidiano O produto interno ou escalar de dois vectores u e v em R ou R foi de nido pela expressão: u v kuk kvk cos ] (u:v) : Esta expressão pressupõe que se pode medir o comprimento dos vectores e a amplitude do ângulo por eles formado. Quando a dimensão aumenta e se perde a interpretação geométrica dos vectores, essas medições não são possíveis. Para generalizar a de nição de produto interno aos outros espaços R n utiliza-se a expressão, também já conhecida, do produto escalar usando as coordenadas dos vectores. No caso do espaço R, por exemplo, sendo u (u ; u ) e v (v ; v ) dois vectores o produto interno é: (u ; u ) (v ; v ) u v + u v Assim, se u (u ; u ; : : : ; u n ) e v (v ; v ; : : : ; v n ) são vectores de R n, o produto interno euclidiano (ou usual) u v é de nido por u v u v + u v + + u n v n Como casos particulares desta de nição temos os produtos internos já conhecidos em R e R : A partir da de nição obtêm-se sem di culdade as seguintes propriedades: Propriedades do produto interno: Se u; v; w são vectores de R n e R, então:. u v v u.. u (v + w) u v + u w:. 8 R; (u) v (u v) u (v) : 4. 8u; u u 0 5. u u 0 se e só se u (0; 0; : : : ; 0). Nota: Pode-se de nir produto interno de uma forma mais geral, como sendo qualquer aplicação que a um par de vectores faça corresponder um número real e satisfaça as cinco propriedades enunciadas. Um exemplo é o produto interno euclidiano com pesos que Para o produto interno de dois vectores u e v também se usam a notações ujv e hu; vi :
2 ALGA - Eng.Civil e Eng. Topográ ca - ISE - 00/0 - Produto Interno se de ne, para vectores de R n ; x (x ; : : : ; x n ) e y (y ; : : : ; y n ), e sendo k ; k ; : : : ; k n números reais positivos, pela fórmula: x y k x y + k x y + + k n x n y n : Neste curso só vamos considerar o produto interno euclidiano, a que também se costuma chamar produto interno usual. Norma euclidiana A norma de um vector em R ou R dá-nos o seu comprimento. Embora os vectores em R n não tenham uma visualização geométrica, a de nição seguinte, que generaliza a de nição já conhecida de norma, permite de nir o "comprimento" de um vector em R n : A partir da de nição de norma de ne-se também a noção de distância entre vectores. Sejam u e v vectores de R n : De ne-se:. Norma euclidiana de u : kuk p u u p u + u + + u n.. Distância entre os vectores u e v : d (u; v) ku vk. Exemplo: Em R 5 : k(; ; ; 4; 5)k p p 55 d ((; ; ; 4; 5) ; (5; 4; ; ; )) k(; ; ; 4; 5) (5; 4; ; ; )k k( 4; ; 0; ; 4)k p 40 Propriedades da norma: Sejam u e v vectores de R n e R, então:. kuk 0 e kuk 0 se e só se u (0; 0; : : : ; 0) :. d (u; v) 0 e d (u; v) 0 se e só se u v:. kuk jj kuk : 4. ku + vk kuk + kvk (desigualdade triangular). 5. ju vj kuk kvk (desigualdade de Cauchy-Schwarz ). Estas propriedades da norma podem ser deduzidas, com mais ou menos manipulações algébricas, a partir da de nição de norma e das propriedades do produto interno. A desigualdade triângular traduz a bem conhecida propriedade sobre os comprimentos dos lados de um triângulo: "Num triângulo o comprimento de qualquer lado é menor do que a soma dos comprimentos dos outros dois" e pode ser facilmente visualizada em R como se mostra na seguinte gura: Augustin Louis Cauchy, matemático francês (89-85). Hermann Amandus Schwarz, matemático alemão (84-9)
3 ALGA - Eng.Civil e Eng. Topográ ca - ISE - 00/0 - Produto Interno 8 Ângulo de dois vectores A desigualdade de Cauchy-Schwarz permite generalizar a R n a de nição de ângulo entre dois vectores u e v; mesmo considerando que não é possível, acima da dimensão, visualizar geometricamente esse ângulo: Através da desigualdade de Cauchy-Schwarz, tem-se, para u e v não nulos, ju vj kuk kvk,, ju vj kuk kvk,, u v kuk kvk : () Como é sabido, se é um ângulo cuja medida varia entre 0 e, então cos percorre todos os valores entre e. Este facto e as desigualdades () permitem a seguinte de nição: Ângulo de dois vectores não nulos u e v; ] (u; v) ; é o ângulo ; 0 ; tal que cos u v ; isto é, o ângulo tal que kuk kvk cos ^ (u; v) u v kuk kvk Esta era a de nição já conhecida anteriormente para ângulo entre vectores de R ou de R. De () obtém-se também a fórmula, já conhecida, para o produto interno de dois vectores: u v kuk kvk cos ] (u; v) : () Exemplos:. Em R 5 ; vamos calcular o ângulo dos vectores (; ; ; 0; ) e ; ; ; p ; 0 cos ] (; ; ; 0; ) ; ; ; ; p ; 0 (; ; ; 0; ) ; ; k(; ; ; 0; )k ; ; ; p ; 0 ; p ; 0 p 4 p 9
4 ALGA - Eng.Civil e Eng. Topográ ca - ISE - 00/0 - Produto Interno 9 O ângulo cujo co-seno é e tal que 0 é : Assim, ] (; ; ; 0; ) ; ; ; ; p ; 0 :. Os vectores (; ; ; 0; ) e ( ; ; ; 0; ) são simétricos. Embora sem representação geométrica podemos imaginar que representam vectores com a mesma direcção e sentidos contrários e que, portanto, formam entre si um ângulo de 80 o. De facto, cos ] ((; ; ; 0; ) ; ( ; ; ; 0; )) (; ; ; 0; ) ( ; ; ; 0; ) k(; ; ; 0; )k k( ; ; ; 0; )k p p O ângulo cujo co-seno é e tal que 0 é ( 80 o ). Em R ; vamos calcular o ângulo dos vectores (; 0; ; 0; ) e (0; ; 0; ; 0) : cos ] ((; 0; ; 0; ) ; (0; ; 0; ; 0)) (; 0; ; 0; ) (0; ; 0; ; 0) k(; 0; ; 0; )k k(0; ; 0; ; 0)k 0 p p 0 O ângulo cujo co-seno é 0 e tal que 0 é ( 90o ) Ortogonalidade O cálculo do ângulo de dois vectores permite determinar quais os vectores de R n que são ortogonais, isto é, quais os vectores que formam entre si um ângulo de medida : Da igualdade () veri ca-se que se u e v são dois vectores não nulos então cos ] (u; v) 0 se e só se u v 0: Isto motiva a seguinte de nição: De nição: Dois vectores u e v de R n dizem-se ortogonais se u v 0: Nota: De acordo com a de nição o vector nulo é ortogonal a qualquer vector pois u (0; 0; : : : ; 0) 0; 8u R n : Exemplos:. Em R 4 os vectores u (; ; ; 4) e v (; ; 4; ) são ortogonais pois (; ; ; 4) (; ; 4; ) 0:
5 ALGA - Eng.Civil e Eng. Topográ ca - ISE - 00/0 - Produto Interno 80. Os vectores (; ; ; ) e (; ; ; 0) ; R, são ortogonais para 0 ou pois (; ; ; ) (; ; ; 0) 0, 0, 0 ou A noção de ortogonalidade permite generalizar o teorema de Pitágoras ao espaço R n : Teorema (Pitágoras): Se u e v são vectores ortogonais de R n ; então ku + vk kuk + kvk : Representação geométrica em R Demonstração: Bases ortonormadas ku + vk (u + v) (u + v) (u u) + (u v) + (v u) + (v v) {z } {z } 0 0 kuk + kvk Um conjunto de vectores de R n diz-se ortogonal se os vectores do conjunto forem ortogonais dois a dois. Um conjunto ortogonal diz-se ortonormado se a norma de cada vector do conjunto for. Se nenhum dos vectores de um conjunto ortogonal é o vector nulo, pode-se obter a aprtir dele um conjunto ortonormado efectuando o produto de cada vector pelo inverso da sua norma, dado que, 8v R n n f(0; 0; : : : ; 0)g ; kvk v kvk kvk kvk ; kvk
6 ALGA - Eng.Civil e Eng. Topográ ca - ISE - 00/0 - Produto Interno 8 A este processo de multiplicar um vector pelo inverso da norma chama-se normalização do vector v: Exemplos:. O conjunto de vectores f(0; ; 0) ; (; 0; ) ; (; 0; )g é ortogonal, pois (0; ; 0) (; 0; ) 0; (0; ; 0) (; 0; ) 0 e (; 0; ) (; 0; ) 0:. Para obter um conjunto ortonormado a partir do conjunto do exemplo, basta normalizar os vectores. Como k(0; ; 0)k ; k(; 0; )k p e k(; 0; )k p o conjunto (0; ; 0) ; p (; 0; ) ; p (; 0; ) é ortonormado. De nição: Uma base de R n é ortogonal se é um conjunto ortogonal de vectores e é ortonormada se é um conjunto ortonormado de vectores. Exemplos:. A base canónica de R n é ortonormada.. O conjunto ortonormado de nido no exemplo acima, como é um conjunto linearmente independente com vectores em R ; é uma base ortonormada de R : Método de ortonormalização de Gram-Schmidt No espaço R n existe sempre uma base ortonormada, pois a base canónica é ortonormada para o produto interno euclidiano. No exemplo acima vimos uma outra base ortonormada para R. O que vamos mostrar de seguida é que existem bases ortonormadas para qualquer subespaço vectorial de R n. Isso pode ser feito a partir de qualquer base desse subespaço, utilizando um processo que se chama método de ortonormalização de Gram-Schmidt: A partir de uma base fu ; : : : ; u k g de um subespaço, constrói-se um novo conjunto de vectores fv ; : : : ; v k g da seguinte forma: v u ; v u u v kv k v ; v u u v kv k v u v kv k v ;. Xk v k u k j u k v j kv j k v j:
7 ALGA - Eng.Civil e Eng. Topográ ca - ISE - 00/0 - Produto Interno 8 Normalizando o conjunto obtido fv ; : : : ; v k g ; que é ortogonal, obtém-se a base ortonormada de F Exemplo: v kv k ; : : : ; v k : kv k k Encontrar uma base ortonormada fv ; v ; v g para o subespaço de R 4 gerado pelos vectores u (; ; ; 0) ; u ( ; ; 0; 0) e u (; ; ; ) : Seguindo o processo acima tem-se v u (; ; ; 0) ; v u u v kv k v ( ; ; 0; 0) ( ; ; 0; 0) (; ; ; 0) k(; ; ; 0)k (; ; ; 0) ( ; ; 0; 0) v u u v kv k v u v kv k v (; ; ; ) (; ; ; 0) (; ; ; ) k(; ; ; 0)k (; ; ; 0) ; ; ; O conjunto é ortogonal. Como, kv k k(; ; ; 0)k p ; (; ; ; ) ( ; ; 0; 0) k( ; ; 0; 0)k ( ; ; 0; 0) v (; ; ; 0) ; v ( ; ; 0; 0) ; v ; ; ; kv k k( ; ; 0; 0)k p kv k ; ; ; p p ; normalizando os vectores obtem-se a base ortonormada v kv k ; v kv k ; v kv k ( p ; p ; p ; 0 ; p ; p ; 0; 0 ; p ; 4 p 4 ; p p!) p ; p Nota: O vector v obtido através da aplicação do método de Gram-Schmidt coincide com o vector inicial u ; o que não é surpreendente dado que os vectores u e u são ortogonais.
8 ALGA - Eng.Civil e Eng. Topográ ca - ISE - 00/0 - Produto Interno 8 Produto externo e produto misto Ao contrário do produto interno, que pode ser de nido de forma muito geral em qualquer espaço vectorial de dimensão nita ou não nita, a de nição de produto externo e misto de vectores é limitada a espaços de dimensão três. Vamos apresentar aqui a de nição de produto externo de vectores em R. Ao longo desta secção todos os vectores considerados são vectores do espaço R : De nição de produto externo Se u (u ; u ; u ) e v (v ; v ; v ) são vectores de R então o produto externo de u e v é o vector: u v (u v u v ; u v + u v ; u v u v ) ou, em linguagem de determinantes, " u u u v det v v # ; det " u u v v # ; det " u u v v #! Sendo e (; 0; 0) ; e (0; ; 0) e e (0; 0; ) os vectores da base canónica de R ; para facilitar a memorização desta de nição, podemos encontrar u v fazendo o desenvolvimento ao longo da primeira linha do determinante simbólico: u v \ det " 4 e e e u u u 5 det " v v v # " u u e det v v u u v v # e + det " u u v v # e Exemplo: Se u (; ; ) e v (4; 5; ) u v \ det " 4 e e e " # " # " det (; 0; 0) det (0; ; 0) + det 5 4 (; 0; 0) ( ) (0; ; 0) + ( ) (0; 0; ) ( ; ; ) 4 5 # (0; 0; ) Veri ca-se que ( ; ; ) (; ; ) 0 e ( ; ; ) (4; 5; ) 0; ou seja, o vector u v é ortogonal ao vector u e ao vector v: Esta propriedade é geral, como vamos ver de seguida.
9 ALGA - Eng.Civil e Eng. Topográ ca - ISE - 00/0 - Produto Interno 84 Propriedades do produto externo Sejam u; v; w R e k R.. Se existe R tal que u v ou v u, u v (0; 0; 0) : Em particular, u u (0; 0; 0) e u (0; 0; 0) (0; 0; 0) u (0; 0; 0) :. u v (v u) :. (u v) u 0 (u v é ortogonal a u) e (u v) v 0 (u v é ortogonal a v). 4. ku vk kuk kvksen] (u; v) : 5. Se u (u ; u ; u ), v (v ; v ; v ) não são colineares e u v (z ; z ; z ) então u u u det 4 v v v 5 > 0: z z z. u (v + w) (u v) + (u w) :. (u + v) w (u w) + (v w) : 8. k (u v) (ku) v u (kv) : De nição de produto misto Se u; v; w R ; então o produto misto de u; v e w é u (v w) : O produto misto de três vectores é, portanto, um número real que pode ser calculado, sendo u (u ; u ; u ) ; v (v ; v ; v ) e w (w ; w ; w ), por: Propriedades do produto misto Sendo u; v; w R ; então u u u u (v w) det 4 v v v 5 w w w. u (v w) 0 se e só se o conjunto de vectores fu; v; wg é linearmente dependente.. u(v w) (u v)w (no produto misto as operações podem ser trocadas, mantendo a ordem dos vectores)
10 ALGA - Eng.Civil e Eng. Topográ ca - ISE - 00/0 - Produto Interno 85 De facto, u (v w) det 4 u u u v v v 5 w w w w w w det 4 v v v 5 det 4 u u u w w w u u u 5 v v v w (u v) (u v) w Analogamente se veri ca que:. u (v w) v (w u) 4. u (v w) (u (w v)) (v (u w)) (w (v u)) Aplicações do produto externo e produto misto. O produto externo pode ser utilizado sempre que se pretenda encontrar, em R, um vector que seja simultaneamante ortogonal a dois vectores dados (que sejam linearmente independentes). Exemplo: É sabido que a equação de um plano com a direcção de dois vectores dados u; v e que passe pela origem é da forma ax + by + cz 0 em que (a; b; c) é um vector perpendicular a u e a v: Para encontrar essa equação pode-se considerar para (a; b; c) o vector u v: Como foi visto no exemplo da página 8, o produto externo dos vectores u (; ; ) e v (4; 5; ) é ( ; ; ) : Assim, a equação do plano com a direcção dos vectores u (; ; ) e v (4; 5; ) e que passa na origem pode ser x + y z 0. A área do paralelograma de nido por dois vectores u e v é dada por ku vk :
11 ALGA - Eng.Civil e Eng. Topográ ca - ISE - 00/0 - Produto Interno 8 Consideremos a seguinte gura, que representa o paralelogramo de nido por dois vectores u e v : Como é sabido, a área do paralelogramo da gura acima é dada pelo produto do comprimento da base, que é kvk ; pela altura, que é kuksen ; pois, o seno do ângulo formado por u e v; na gura designado por ; é dado pelo quociente da altura pelo comprimento de v Tem-se então area kuk kvk sen area kuk kvk sen] (u; v) : Da propriedade 4 do produto externo conclui-se que area ku vk Exemplo: A área do paralelogramo de nido por u (; ; ) ; v (; 0; ) é ku vk k(; ; ) (; 0; )k k(; ; )k p. O volume do paralelipípedo de nido por três vectores u; v e w é dado pelo módulo do produto misto dos três vectores. É natural que o resultado envolva o módulo de um número, pois um volume tem de ser sempre um número não negativo. Considerando que dados vectors x e y, se tem x y kxk kyk cos ](x; y); o produto misto entre u v e w pode ser expresso como (u v) w ku vk kwk cos ](u v; w):
12 ALGA - Eng.Civil e Eng. Topográ ca - ISE - 00/0 - Produto Interno 8 Tendo em conta esta igualdade é fácil compreender, na gura abaixo, a relação entre o produto misto e o volume. Exemplo: O volume do paralelipípedo de nido por u (; ; ) ; v (; 0; ) e w (; ; ) é: ju (v w)j det 4 0 j 5j 5: 5
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