Efeito do nim (Azadirachta indica A. Juss.) no controle da mancha angular do feijoeiro

Transcrição

1 6 Efeito do nim (Azadirachta indica A. Juss.) no controle da mancha angular do feijoeiro CARNEIRO, S.M.T.P.G. * ; PIGNONI, E.; GOMES, J.C. Instituto Agronômico do Paraná, Cx. Postal 481, CEP , Londrina-PR *solange_carneiro@iapar.br. Apoio financeiro: Programa SEAB/Paraná-12 meses RESUMO: Plantas de feijoeiro, cultivadas em casa de vegetação foram pulverizadas com extrato de sementes de nim nas concentrações de 5, 15 ou 25g L -1, 2 ou 48 h antes da inoculação com Phaeoisariopsis griseola. Outras plantas, nas mesmas condições, foram pulverizadas com óleo de nim à 5, 10 ou 15 ml L -1, 48, 24 ou 2 h antes e 5, 7,5 ou 10 ml L -1, 48, 72 ou 96 h depois da inoculação com P. griseola. O crescimento de P. griseola em meio de cultura contendo óleo de nim foi avaliado através do número de esporos e da porcentagem de germinação dos mesmos. O extrato aquoso de sementes foi eficiente no controle da mancha angular nas concentrações de 15 e 25 g L -1. O óleo de nim foi eficiente nas três concentrações testadas quando aplicado antes da inoculação, mas na pulverização após a inoculação apenas a concentração de 10 ml L -1 apresentou eficácia. Palavras-chave: controle alternativo, Phaseolus vulgaris, Phaeoisariopsis griseola ABSTRACT: Effect of neem (Azadirachta indica A. Juss.) on bean angular leaf spot. Bean plants grown in a greenhousewere sprayed with 5, 15 or 25 g L -1 neem seed extract 48 or 2 h before Phaeoisariopsis griseola inoculation, or with 5, 10 or 15 ml L -1 neem oil 48, 24 or 2 h before inoculation and 5, 7.5 or 10 ml L -1 neem oil 48, 72 or 96 h after inoculation. Phaeoisariopsis griseola growth in culture medium containing neem oil was assessed based on spore number and germination percentage. The aqueous seed extract at 15 and 25 g L -1 was effective against angular leaf spot. All three concentrations of neem oil had significant control when applied before inoculation; however, only 10 ml L -1 was effective when neem oil was sprayed after P. griseola inoculation. Key words: alternative control, Phaseolus vulgaris, Phaeoisariopsis griseola INTRODUÇÃO A mancha angular do feijoeiro, causada por Phaeoisariopsis griseola (Sacc.) Ferraris (Anonymous, 1986) é uma importante doença desta cultura em diversas regiões do mundo. Os sintomas da doença manifestam-se no caule, vagens e folhas, ocasionando desfolha e reduzindo drasticamente a produção (Bianchini et al., 1997; Carneiro et al., 2000). O Paraná é o estado brasileiro com maior número de produtores orgânicos certificados. Nos últimos anos a produção de alimentos orgânicos tem crescido mais de 300% no estado (Darolt, 2002) e a área certificada representa mais de 26% da área certificada no Brasil, sendo o feijão uma das culturas produzidas (Hamerschmidt, 2000). Deste modo, tornase necessário estudar métodos alternativos para o manejo de doenças de plantas em sistemas agroecológicos de produção. Extratos de vegetais e seus derivados são uma opção promissora no controle de doenças, já que as plantas produzem vários metabólitos secundários os quais podem ter atividade antimicrobiana. O nim (Azadirachta indica A. Juss.) é árvore originária da Índia, onde é tradicionalmente utilizado como remédio. Muitos compostos ativos já foram isolados da árvore, sendo que a azadiractina, encontrada principalmente nas sementes, é considerada o composto mais potente. A atividade biológica não apenas do óleo extraído das sementes, mas também de extratos de folhas, extrato de sementes e da torta tem sido demonstrada (Martinez, Recebido para publicação em 31/03/2006 Aceito para publicação em 07/04/2008

2 7 2002). Vários estudos estão disponíveis avaliando a eficácia do nim no controle de insetos, bactérias, fungos e nematóides (Koul et al., 1990). O extrato de folhas, extrato de sementes e o óleo de nim têm sido testados para controle de fungos fitopatogênicos, com resultados promissores para várias culturas (Amadioha, 2000; Carneiro, 2002; Carneiro, 2003; Chattopadhyay, 1999; Kishore et al., 2001; Rajappan et al., 2001). O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito do óleo de nim sobre P. griseola in vitro e do extrato de sementes e do óleo de nim sobre a severidade da mancha angular do feijoeiro em casa de vegetação. MATERIAL E MÉTODO Preparo das diluições do óleo e estabelecimento das culturas de P. griseola in vitro Para a execução deste experimento foi utilizado o meio de cultura a base de suco de vegetais (5,1 g de carbonato de cálcio dissolvidos em 15 ml de acetona, 340 ml de suco V8-Campbell, ml de água destilada e 34 g de ágar). O óleo comercial emulsionável de nim foi adicionado em frascos contendo água destilada e esterilizada (a.d.e.) e agitado levemente para ser dissolvido. Ao meio de cultura já estéril foram adicionadas as soluções de óleo emulsionável de nim, obtendo-se assim os tratamentos: 0,1, 0,5, 2,5 ou 12,5 ml L -1, além da testemunha com a.d.e. Depois de feita a mistura, o meio foi vertido em placas de Petri sendo utilizadas cinco repetições (placas) por tratamento. O delineamento experimental foi inteiramente casualizado. Uma cultura de P. griseola com 15 dias de idade foi utilizada para preparar a suspensão de esporos. Em câmara asséptica, seis discos de 8 milímetros foram retirados da colônia, colocados em erlenmeyer com 20 ml de a.d.e., macerados com bastão de vidro e agitado mecanicamente em agitador elétrico, por 20 minutos. Com o auxílio de uma micropipeta, colocou-se 500 µl da suspensão nas placas com os tratamentos sendo a seguir espalhada por toda superfície do meio de cultura com alça de Drigalski estéril. As placas foram incubadas em B.O.D. à 24ºC, com fotoperíodo de 24 h de escuro, por um período de 15 dias. A avaliação foi feita através da contagem dos esporos produzidos nas placas e da capacidade de germinação destes esporos. Para isto, seis discos de 8 mm foram retirados em duas linhas perpendiculares no centro de cada colônia de P. griseola. Estes discos foram colocados em erlenmeyers contendo 5 ml de a.d.e., macerados com bastão de vidro e agitados manualmente, formando assim uma suspensão de esporos que foi quantificada em hemacitômetro. Duas gotas dessa suspensão foram a seguir colocadas separadas em lâmina para microscópio e esta incubada em gerbox com papel de filtro umedecido, mantidos em B.O.D. à 24ºC no escuro. A avaliação foi realizada 24 h após através da contagem do número de esporos germinados numa amostra de 50 esporos por gota. Foram considerados germinados os esporos que apresentavam tubo germinativo maior que o diâmetro do esporo. Inoculação de conídios de P. griseola e aplicação de extrato de sementes de nim em Phaseolus vulgaris Foi utilizada a cultivar Carioca semeada em vasos, contendo uma mistura de solo, areia e esterco de curral na proporção 3:1:1,5. Após a emergência foi realizado desbaste deixando-se uma planta por vaso. Quando as plantas apresentavam a segunda folha trifoliolada, aproximadamente na metade de seu desenvolvimento, iniciaram-se os tratamentos. O extrato aquoso de sementes de nim foi produzido com sementes coletadas na estação experimental do IAPAR em Paranavaí (PR), em março de As sementes foram trituradas em liqüidificador com água destilada esterilizada, a calda produzida foi deixada em repouso por 20 a 24 h, sendo filtrada em gaze após este período. O experimento foi delineado em esquema fatorial 5*2, sendo cinco tratamentos (5, 15 ou 25 g de sementes L -1, água e o fungicida tebuconazole à 2,66 ml L -1 ) combinados em dois diferentes horários de pulverização (48 ou 2 h antes da inoculação do patógeno). O delineamento experimental foi inteiramente casualizado, com 5 repetições para cada tratamento. O inóculo, na concentração de 2x10 4 conídios ml -1 foi pulverizado sobre as plantas, que a seguir foram mantidas em sala climatizada por 48 h, sendo posteriormente transferidas para casa de vegetação. A avaliação do ensaio foi realizada 14 dias após a inoculação pela estimativa visual da severidade, com auxílio de uma escala diagramática (Godoy et al., 1997). Inoculação de conídios de P. griseola e aplicação de óleo de nim em Phaseolus vulgaris Este estudo foi conduzido utilizando-se dois experimentos fatoriais 5*3, com a cultivar Carioca, quando as plantas apresentavam a segunda folha trifoliolada com aproximadamente metade de seu desenvolvimento. No primeiro experimento os tratamentos foram: água, fungicida tebuconazole à 2,66 ml L -1 e óleo de nim à 5, 10 ou 15 ml L -1, combinados em três horários de pulverização, sendo 48, 24 ou 2 h antes da inoculação de P. griseola. O delineamento experimental foi inteiramente casualizado com 5 repetições por tratamento, sendo cada repetição um

3 8 vaso com uma planta. No segundo experimento foram pulverizados os seguintes tratamentos: água; tebuconazole à 2,66 ml L -1 ; óleo de nim à 5, 7,5 ou 10 ml L -1, combinados em três horários de aplicação, sendo 48, 72 ou 96 h depois da inoculação. As plantas foram inoculadas com uma suspensão de conídios na concentração de 2 x 10 4 esporos ml -1 e a seguir foram mantidas em câmara de nevoeiro a 21ºC por 48 h, sendo as primeiras 24 h no escuro e depois em fotoperíodo de 12 h de luz/12 h de escuro. A seguir as plantas foram retiradas da câmara e mantidas em casa de vegetação. Após o desenvolvimento dos sintomas foi feita avaliação da severidade da doença utilizando escala diagramática (Godoy et al., 1997). Para análise estatística os dados dos experimentos foram transformados usando, segundo Demétrio (1978). As médias dos tratamentos foram comparadas utilizando o programa SAS (1989) através do teste Tukey a 5%, conforme Ferreira (1996). RESULTADO E DISCUSSÃO O aumento da concentração do óleo de nim no meio de cultura resultou em redução no número de esporos de P. griseola, indicando que o fungo apresenta sensibilidade ao produto testado (Tabela 1). As concentrações de 2,5 e 12,5 ml L -1 foram as mais eficazes e significativamente diferentes da água. Por outro lado, a capacidade de germinação dos esporos produzidos no meio de cultura com os diferentes tratamentos não foi afetada segundo o teste Tukey à 5%. O extrato de sementes de nim foi eficiente no controle da mancha angular, sendo que pela análise de variância não houve efeito da época de pulverização (48 ou 2 h), nem da interação entre tratamentos e época de pulverização, razão pela qual compararam-se os tratamentos utilizando-se as médias das duas épocas de pulverização (Tabela 2). As concentrações de 15 e 25 g de sementes L -1 diferiram significativamente da água. No primeiro experimento para verificar o efeito do óleo de nim sobre a mancha angular, a interação entre tratamentos e época de pulverização não foi significativa, indicando que a ordem de eficiência dos tratamentos não se altera nas diferentes épocas de pulverização. Deste modo, os tratamentos foram comparados utilizando-se as médias das épocas de pulverização. As três concentrações do óleo de nim foram semelhantes entre si e diferiram da testemunha pelo teste de Tukey à 5% (Tabela 3), apesar de não se igualarem ao fungicida utilizado. A pulverização dos tratamentos 48 h antes da inoculação resultou em maior severidade da doença quando comparada com a pulverização 2 h antes da inoculação. Este fato pode ser devido à degradação dos compostos tóxicos do óleo de nim pela temperatura elevada da casa de vegetação e pelos raios solares. TABELA 1. Efeito do óleo de nim sobre o número de esporos de Phaeoisariopsis griseola e sobre a porcentagem de germinação dos esporos produzidos nos tratamentos. Médias seguidas pela mesma letra na coluna não diferem entre si pelo teste Tukey à 5%. TABELA 2. Severidade da mancha angular em feijoeiros tratados com extrato aquoso de sementes de nim 48 ou 2 h antes da inoculação (H.A.I.) com Phaeoisariopsis griseola. Médias seguidas pela mesma letra, maiúsculas na horizontal e minúsculas na vertical não diferem entre si pelo teste de Tukey à 5%. H.A.I. = horas antes da inoculação. No segundo experimento para verificar o efeito do óleo de nim sobre a severidade da mancha angular, a análise de variância não detectou efeito da época de aplicação dos tratamentos nem da interação época versus tratamentos. As pulverizações apresentaram a mesma eficácia quando realizadas entre 48 e 96 h depois da inoculação (Tabela 4). Os tratamentos óleo de nim à 5 e 7,5 ml L -1 foram semelhantes à testemunha, mas o nim à 10 ml L -1 reduziu significativamente a severidade da doença, sendo que o fungicida controlou totalmente a mancha angular.

4 TABELA 3. Severidade de mancha angular em feijoeiros tratados com óleo de nim 48, 24 ou 2 h antes da inoculação (H.A.I.) com Phaeoisariopsis griseola. 9 Médias seguidas pela mesma letra, maiúsculas na horizontal e minúsculas na vertical não diferem entre si pelo teste de Tukey à 5%. H.A.I. = horas antes da inoculação. TABELA 4. Severidade de mancha angular em feijoeiros tratados com óleo de nim 48, 72 ou 96 horas depois da inoculação (H.D.I.). Médias seguidas pela mesma letra, maiúsculas na horizontal e minúsculas na vertical não diferem entre si pelo teste de Tukey à 5 %. H.D.I. = horas depois da inoculação. O extrato de sementes e o óleo de nim controlaram a mancha angular do feijoeiro nas condições destes experimentos, dependendo da dose e da época de pulverização. Assim, os produtos do nim testados nesse trabalho apresentam potencial para uso em sistemas de manejo da doença necessitando para isto, serem avaliados em condições de campo. AGRADECIMENTO Aos funcionários Euclides D. Romano, Jurandir Bussolo, Cícera Martimiano e Brás da Silva pelo auxílio. REFERÊNCIA BILBIOGRÁFICA AMADIOHA, A.C. Controlling rice blast in vitro and in vivo with extracts of Azadirachta indica. Crop Protection, v.19, n.5, p , ANONYMOUS. Phaeoisariopsis griseola. Descriptions of Pathogenic Fungi and Bacteria, n o 847. Kew: Commonwealth Mycological Institute and Association of Applied Biologists, BIANCHINI, A.; MARINGONI, A.C.; CARNEIRO, S.M.T.P.G. Doenças do feijoeiro. In: KIMATI, H. et al. Manual de fitopatologia: doenças das plantas cultivadas. São Paulo: Ed. Agronômica Ceres Ltda, p CARNEIRO, S.M.T.P.G. Ação do nim sobre fungos fitopatogênicos. In: MARTINEZ, S.S. O Nim - Azadirachta indica: natureza, usos múltiplos, produção. Londrina: Instituto Agronômico do Paraná, p CARNEIRO, S.M.T.P.G. Efeito de extratos de folhas e do óleo de nim sobre o oídio do tomateiro. Summa Phytopathologica, v.29, n.3, p.262-5, CARNEIRO, S.M.T.P.G. et al. Dinâmica de área foliar, desfolha e variáveis de área foliar sadia em feijoeiros com infeções isoladas e conjuntas de Phaeoisariopsis griseola e Colletotrichum lindemuthianum. Summa Phytopathologica, v.26, n.4, p , CHATTOPADHYAY, C. Yield loss attributable to Alternaria blight of sunflower (Helianthus annuus L.) in India and some potentially effective control measures. International Journal of Pest Management, v.45, n.1, p.15-21, DAROLT, M.R. Agricultura orgânica: inventando o futuro. Londrina: IAPAR, p. DEMÉTRIO, C.G.B. Transformação de dados: efeitos sobre a análise da variância p. Dissertação (Mestrado - Área de Concentração em Experimentação e Estatística) - Departamento de Estatística, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de São Paulo, Piracicaba. FERREIRA, P.V. Estatística experimental aplicada à agronomia. 2.ed. ampliada. Alagoas: Editora da Universidade Federal de Alagoas, p. GODOY, C.V. et al. Diagramatic scales for bean diseases: development and validation. Zeitschrift für Pflanzenkrankheiten und Pflanzenschutz, v.104, n.4, p , HAMERSCHMIDT, I.; SILVA, J.C.B.V.; LIZARELLI, P.H. Agricultura orgânica. Curitiba: EMATER-PR, p. (Série Produtor, n.65) KISHORE, G.K.; PANDE, S.; RAO, J.N. Control of late leaf spot of groundnut (Arachis hypogaea) by extracts from non-host plant species. The Plant Pathology Journal, v.17, n.5, p , KOUL, O.; ISMAN, M.B.; KETKAR, C.M. Properties and

5 10 uses of neem, Azadirachta indica. Canadian Journal of Botany, v.68, p.1-11, MARTINEZ, S.S. Composição do nim. In:. O Nim - Azadirachta indica: natureza, usos múltiplos, produção. Londrina: IAPAR, p RAJAPPAN, K. et al. Management of grain discoloration of rice with solvent-free EC formulations of neem and pungam oils. Phytoparasitica, v.29, n.2, p.171-4, SAS Institute Inc. SAS/STAT. User s Guide, version 6. 4.ed. Cary (NC): SAS Institute Inc., v.2, 846p.