UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS CAMPUS V PROGRAMA DE MESTRADO EM HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL

Tamanho: px
Começar a partir da página:

Download "UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS CAMPUS V PROGRAMA DE MESTRADO EM HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL"

Transcrição

1 1 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS CAMPUS V PROGRAMA DE MESTRADO EM HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL ADRIANA DA SILVA OLIVEIRA ENTRE CRUZ E AS ESPADAS: PRÁTICAS CULTURAIS E IDENTIDADES NO SÃO JOÃO EM CRUZ DAS ALMAS BA ( ). SANTO ANTONIO DE JESUS BA 2012

2 2 ADRIANA DA SILVA OLIVEIRA ENTRE CRUZ E AS ESPADAS: PRÁTICAS CULTURAIS E IDENTIDADES NO SÃO JOÃO EM CRUZ DAS ALMAS BA ( ). Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em História ao Programa de Pós-Graduação em História Regional e Local, do Departamento de Ciências Humanas - Campus V da Universidade do Estado da Bahia UNEB. Orientador: Prof. Dr. Gilmário Moreira Brito Santo Antonio de Jesus-BA 03 de dezembro de SANTO ANTONIO DE JESUS BA 2012

3 FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Oliveira, Adriana da Silva Entre a cruz e as espadas: práticas culturais e identidades no São João em Cruz das Almas - BA ( ) / Adriana da Silva Oliveira. Santo Antonio de Jesus, f. Orientador: Prof. Dr. Gilmário Moreira Brito. Dissertação (Mestrado em História Regional e Local) Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Ciências Humanas. Campus V Contém referências. 1. Cultura Local. 2. Festa junina ( ). 3. Cruz das Almas - (BA). I. Brito, Gilmário Moreira. II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas. CDD:

4

5 Dedico essa dissertação à Maria Celia, minha amada mãe e meu pai Cosme (in memoriam). Meus irmãos, Fabiane e Ivan (in memoriam). 5

6 6 AGRADECIMENTOS Acredito que estas sejam as palavras mais prazerosas de serem escritas nesta dissertação, pois agradecer é reconhecer o caminho que traçamos para concluir esta etapa da minha formação acadêmica e profissional. O plural se justifica porque dependemos uns dos outros para alcançar nossos objetivos. Agradeço a UNEB, em especial ao Campus V, por ter sido a minha casa de ensinamentos, lá aprendi a ser professora, conheci amigos, incentivadores, professores de excelência sem igual. Nesta instituição pude ambicionar conhecimento, desejo pela história, em cada livro aberto na biblioteca, cada discussão em sala de aula, nas trocas subjetivas construídas com a minha turma desde 2004 e na minha inesquecível república PIO. O mesmo campus V, também me oportunizou subir mais um degrau, o Programa de Pós-Graduação em História Regional e Local é mais que uma possibilidade, é uma realidade, que a cada ano vem conquistando méritos pelos contínuos esforços de coordenadores, professores, funcionários e alunos. Aqui vale ressaltar a competência sublime e a sensibilidade ímpar de Ane Geildes, tão gentil e atenciosa em todos os momentos que foi solicitada, nos confortando nas angústias que atravessamos, nas necessidades burocráticas do programa, rindo das bobagens risível do dia a dia. Em especial ao meu orientador Gilmário Moreira Brito, a quem terá meu respeito e admiração pelo resto da vida. Durante os dois anos de mestrado soube conduzir uma relação extremamente amistosa e respeitável. Agradeço por ter aceitado a orientação demonstrando interesse e cuidado nos desdobramentos acadêmicos, condução da escrita, correções, conselhos, gentileza singular. Expressos sinceros agradecimentos aos professores do programa, pelo desprendimento em compartilhar seus conhecimentos, pela disponibilidade em tirar dúvidas, nos dando indicações e direcionamentos nestes anos de mestrado. Obrigada à banca examinadora da dissertação, professores Dr. Raphael Rodrigues Vieira Filho e Dr. Antônio Fernando de Araujo Sá pelo cuidado e presteza nas observações, pelas indicações bibliográficas, sugestões, conduções teóricas para que melhor caminho o estudo tomasse. Ao incentivo oferecido pela Capes, através da concessão da bolsa de estudos, que me auxiliou a dinamizar a pesquisa, o que possibilitou a participação em diversos congressos e simpósios, na aquisição de livros e pesquisas de campo.

7 7 Muito especial e gratificante desenvolver um trabalho em que a prática do ofício de historiador não se restringisse apenas aos livros e documentos escritos, neste sentido, a experiência em ouvir depoimentos sublimes me mostrou possibilidades diversas em compreender a festa de São João em Cruz das Almas. Mais do que isso pude ter um aprendizado para a vida, de pessoas sinceras, desprendidas e solícitas, que emprestaram suas memórias, mas, ao mesmo tempo sentiram-se privilegiados por serem entrevistados e por poderem deixar registradas suas vivências e parte de suas vidas. O que seria de nós se não fosse a boa vontade e gentileza de pessoas compreensivas, que mesmo não entendendo objetivamente a razão de estar vasculhando livros, jornais, e fotografias velhas, auxiliavam na garimpagem das fontes. Aqui expresso minha gratidão ao Senhor Hermes Peixoto pela gentileza em abrir a porta de sua casa, especificamente seu arquivo pessoal para a pesquisa, por emprestar livros e exemplares de jornal com toda confiabilidade e sensibilidade para que fosse possível a escrita de uma das possibilidades interpretativas da história da cidade e seus inúmeros sujeitos. Também agradeço aos funcionários da Biblioteca Municipal de Cruz das Almas. Considero-me extremamente privilegiada por ter conhecido inúmeras pessoas que contribuíram para minha trajetória de vida, em especial aos meus amigos, Mara, Verônica, Adriano, Júlio, Reisania, Cinthia, Crisleide, que compreenderam minhas ausências e foram grandes incentivadores, principalmente no momento mais turbulento que passei durante o mestrado com a partida de meu querido irmão. Aos laços de amizades construídos na UNEB que não se findaram em 2008, Ziro, Anne, Manu e família, Alaíze (e nossas necessárias equipes) Andréia e Silvana. Não poderia esquecer as minhas mais recentes e sinceras amizades solidificadas no mestrado, Amélia (pustura), Kelman e Ricardo, obrigada pela parceria e cumplicidade, fomos felizes nesse encontro da vida. Á minha família, que são grandes incentivadores, se orgulham de minhas conquistas, e hoje me tomam como exemplo a ser seguido, aos meus primos a quem dedico minha atuação profissional de professora e meu amor, cobrando e apoiando. Meus tios, primos, minha irmã Neuci, meus sobrinhos Itálo, Tatá e Arthur, que sabem que, com meu exemplo deixaremos de ser estatísticas param nos tornarmos pessoas singulares. Por fim agradeço a minha maravilhosa mãe e minha amada irmã Fabiane, mulheres guerreiras, sofridas, abnegadas, adjetivos infindáveis. Minha mãe que soube mesmo nas adversidades ser exemplo, me dar ensinamentos valorosos, nos ancorando nas muitas adversidades da vida. Ao meu irmão Ivan (in memoriam), eu te amarei para sempre.

8 8 RESUMO Entre cruz e as espadas: práticas culturais e identidades no São João em Cruz das Almas BA ( ), tem por objetivo compreender as relações estabelecidas entre os participantes da festa e as práticas socioculturais construídas neste período. As festividades se tornaram palco das inter-relações onde os sujeitos históricos estabeleceram redes de sociabilidade, tensões e distinções entre grupos na ocupação de espaços. As memórias dos participantes se tornaram um campo fértil para descortinar dimensões de experiências vividas que foram configuradas através das atuações que exerciam na festa como brincantes de ruas, espadeiros, frequentadores de bailes de clube dentre outros. Assumindo estes e outros lugares, tornaramse sujeitos que identificavam na comemoração o pertencimento enquanto agentes mantenedores e responsáveis pela produção, transmissão e avaliação dos elementos constitutivos da festividade. Neste universo a produção pirotécnica do artefato denominado espadas torna-se elemento centralizador da festividade. A partir da perspectiva lançada pelos Estudos Culturais intentamos analisar as experiências sociais e visibilizar sujeitos em seu contexto e local de pertencimento na festa de São João do município, interpretando transformações e experiências através de práticas culturais transmitidas, bem como analisando os sentidos e significados elaborados por moradores de Cruz das Almas, não apenas nos dias de comemoração da festa, mas no processo de organização no qual se encontra as diversas relações estabelecidas nas práticas de viver e festejar. PALAVRAS-CHAVE: Festa. São João. Experiências. Sociabilidade.

9 9 ABSTRACT Between cross and swords: cultural practices and identities in Saint John in Cruz das Almas - BA ( ), aims to understand the relationship between the participants of the festival and the sociocultural practices built in this period. The festivities became the interrelations stage where historical subjects established social networks, tensions and differences between groups in the occupation of spaces. The memories of the participants have become fertile ground for unveiling dimensions of experiences that have been configured through the performances that exercise the party as players Street, espadeiros, club goers dances among others. Assuming these and other places, have become subjects identified as belonging in the commemoration agents and maintainers responsible for the production, transmission and evaluation of the constituent elements of the festival. In this universe the production of pyrotechnic device called swords becomes centralized element of festivity. From the perspective launched by the Cultural Studies intend to analyze and visualize social experiences subjects in their context and place of belonging in the feast of St. John the municipality, performing transformations and experiences transmitted through cultural practices, as well as analyzing the meanings produced by residents of Cruz das Almas, not only in the days of celebration of the feast, but in the process of organization in which it is the various relationships established practices of living and partying. KEYWORDS: Party, St. John, Experiences, Sociability.

10 10 LISTA DE IMAGENS E TABELA Figura 1: Procissão de Nossa Senhora do Bom Sucesso - Cruz das Almas Figura 2: Rabeiam as espadas na praça...69 Figura 3: Fabricação de espadas na Rua da Estação...77 Figura 4: Desenho técnico da espada...95 Figura 5: Pilão elétrico construído por S. Mundinho para pilar a pólvora Figura 6: Máquina de moer feno adaptada para a moagem de carvão e barro...96 Figura 7: Anuncio da Batalha de Espadas Figura 8: Guerra de espadas na Praça Senador Temístocles Figura 9: Acidente com espadas Figura 10: Guerra de Espadas (Charge) Figura 11: Inauguração do Parque da Sumaúma Figura 12: Concurso de Quadrilha na inauguração do Arraiá do Laranjá Figura 13: Parque da Sumaúma onde são realizadas apresentações musicais no São João de Cruz das Almas Tabela 1: Números de queimados anos exploratórios de 1978 a 2003, de acordo periódicos local, regional e nacional

11 11 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO VIVA SÃO JOÃO: A FESTA COMO ELEMENTO DO COTIDIANO ESPAÇOS FESTIVOS, ESPAÇOS SOCIAIS O QUE É QUE SE FAZ: SE REZA OU BRINCA O SANTO? AS ESPADAS DE FOGO IMPERAM PRODUZINDO LUZ E ENCANTO OS CAMINHOS DA FESTA DE SÃO JOÃO EM CRUZ DAS ALMAS EU SEMPRE DIGO: O ANO SÓ COMEÇA DEPOIS DE SÃO JOÃO! O DIA 24 DE JUNHO E A BATALHA DE ESPADAS AS BANDEIRAS DE MARIA MOURA A BATINA DO PADRE NEIVA O MARTELO X A ESPADA: QUANDO A LEI ENFRENTA A TRADIÇÃO NOS LIMITES DA LEI: AS RELAÇÕES DE NEGOCIAÇÃO NA FESTA DE SÃO JOÃO DESVENTURAS DO SÃO JOÃO DE CRUZ DAS ALMAS: VAI IOIÔ DORMIR QUE ISSO É DA VIDA! SÃO JOÃO AINDA VAI PASSAR POR AÍ? SÃO JOÃO AQUI E ACOLÁ PELAS RUAS, PRAÇAS E NO ARRAIÁ CONSIDERAÇÕES FINAIS FONTES REFERÊNCIAS...173

12 12 1 INTRODUÇÃO As festividades de São João em Cruz das Almas BA, no período de 1950 a 1990, foram marcadas por sociabilidades partilhadas entre os diversos sujeitos que identificaram na manifestação festiva os motivos para comemorar, estabelecer relações, laços materiais, afetivos e simbólicos, através de práticas relacionadas à comemoração e à produção de fogos de artifício. Abrangendo um caráter comemorativo em que está presente a alegria, animação e disposição em sociabilizar o festejo, o São João, como espaço festivo, torna-se um elemento atrativo, carregado de múltipla e complexa rede de relações, cuja atuação de sujeitos agrega significativa expressão cultural, constroem seus lugares na história dando sentido a hábitos de vida que imbricam tanto religiosidade quanto festividade. A comemoração da festa, os modos de fazê-la, as relações de poder, os significados materiais e simbólicos estabelecidos, são construções culturais que, transmitidas por várias gerações, pela força dos costumes, tornaram-se tradição festiva. O festejar, modo de fazer, condição de sociabilidade, permitiram a manutenção de práticas socioculturais por décadas na cidade.4 Procuramos fazer uma reflexão mais detida no campo, na perspectiva e projeção historiográficas sobre o festejo, assim, a partir dos estudos iniciados na graduação, foi despertado o desejo de ampliar as análises sobre esta temática com a finalidade de apreender as experiências e as relações sobre os múltiplos elementos culturais encontrados nos festejos juninos, bem como a história de Cruz das Almas. Esta dissertação apresenta como objetivo analisar o processo histórico da festa de São João, em Cruz das Almas, entre as décadas de 1950 a Para tanto, investigamos e sistematizamos as relações construídas em diversos elementos festivos, principalmente os que se referem à produção, comercialização e o uso das espadas; identificando as transformações que os festejos tiveram durante esses anos, dando ênfase às experiências de espadeiros e moradores. Nesse sentido, procuramos compreender as mudanças empreendidas nas técnicas de fabricação dos fogos de artifício, a relevância da dinâmica para espadeiros e brincantes, assim como as tentativas de apropriações da festividade do São João pelos poderes constituídos e avaliar a configuração de consumo e alterações na sua organização.

13 13 A escolha do recorte temporal está relacionada à identificação das mais significativas transformações ocorridas nos festejos juninos durante o período escolhido, o que também se enquadra dentro da perspectiva de desenvolvimento social, cultural e econômico da região. Foi a partir de 1950 que se ampliam as condições de infraestrutura do município, mas ainda se tinham o festejo como prática realizada caracteristicamente em redutos familiares, domésticos, com fabricação de fogos limitada aos antigos fogueteiros profissionais, sujeitos que demarcavam certo monopólio nas artes de fabricação de fogos. Nesse processo, a partir de 1960 foram verificadas mudanças nos padrões de comportamento da festa e, principalmente, da fabricação do artefato pirotécnico, com a introdução de novas mudanças tecnológicas na produção e a transformação dos antigos buscapés nos protótipos que viriam se transformar nas espadas. Tais mudanças possibilitaram a popularização do artefato, bem como a democratização do acesso ao saber sobre os processos de produção. A festa de São João de Cruz das Almas, como espaço múltiplo, abrangia diversos elementos comemorativos. Neste sentido, os costumes de visitas no dia da festa a parentes e amigos, os cortejos pelas ruas da cidade feitos pelos brincantes, fogueiras acesas nas portas das casas, os bailes nos clubes privados da cidade, a motivação dos moradores para arrecadar recursos, reunindo os vizinhos, para ornamentar as ruas, dentre outros, foram elementos que compuseram os festejos de São João. Na década seguinte, 1970, a cidade experimentou significativas transformações econômicas e sociais possibilitadas, sobretudo, pela dinâmica populacional que foi alterada em decorrência do fluxo migratório proporcionado pela facilidade de locomoção entre a capital e o interior do Estado. A partir da melhoria nas condições de infraestrutura da cidade, de modo particular, os festejos de São João começam a ser inseridos em Agenda do Estado 1 como possibilidade de desenvolvimento turístico. As modificações iniciadas da década de 1970 vão compor a perspectiva social de Cruz das Almas para os anos de 1980, até o final dessa década os festejos de São João, não apenas no município, mas em outras cidades da região, passam a ser concebidos como importantes comemorações na agenda das festividades da região. Assim, a festa junina passa a ser identificada não apenas como manifestação cultural para a devoção e o divertimento, torna-se também produto de consumo. 1 Esta Agenda refere-se aos incentivos oferecidos pelo governo do Estado da Bahia, que buscavam explorar o potencial turístico dos municípios baianos, em especial, aqui nos referimos as cidades do Recôncavo.

14 14 A partir de 1990, Cruz das Almas e outras cidades da região foram inseridas em uma perspectiva turística, patrocinada pelo governo do Estado, planejada e posta em prática pelas administrações municipais. Assim, foram redimensionando as relações entre os moradores da cidade e a festa, introduzindo novos elementos como o Arraiá, cujas mudanças alteraram significativamente as relações socioculturais realizadas durante décadas de comemorações, principalmente a participação dos moradores que antes faziam a festa. A festa apresentava características peculiares que estavam presente não apenas pela temporalidade definida no ciclo junino. A produção de fogos apresentava-se como profissionalização e possibilidade de sobrevivência para muitas famílias, a transmissão do conhecimento vinculado a essa pirotecnia tornou-se o elemento central da festa junina, já que a queima de espadas foi se tornando seu grande atrativo. Experiências cotidianas relacionadas às comemorações juninas fizeram parte da história de vida dos moradores da cidade. Os espadeiros se distinguiam entre produtores e consumidores, recorrem às memórias que cultivam e modelam em função do contexto sociocultural que mantém contato 2. Suas identidades foram sendo construídas e reconstruídas através das transformações ou permanências das práticas de feituras, da veiculação de fogos na festa que lhes permitiram socializar e dar visibilidade à cultura material e simbólica das rainhas loucas que iluminam o céu e despertavam incontidas emoções. O São João que, numa perspectiva de comemorações, está vinculado ao ciclo de festas denominadas de ciclo junino, abrangendo a definição temporal realizada especificamente no mês de junho, e que abarca três datas referentes a santos católicos específicos: Santo Antônio, dia 13 de junho, São João, dia 24 e São Pedro, dia 29. São festejos alicerçados em práticas sociais, materiais e simbólicas, cujas realizações permitiram aos participantes vivenciarem a possibilidade de serem, ao mesmo tempo, formadores de elementos constitutivos da festa e espectadores que definiram visões múltiplas sobre essa comemoração. Buscamos investigar a festa junina de Cruz das Almas a partir das abordagens da História Social, que nos oportuniza analisar nossos objetos de estudo através da perspectiva das experiências construídas pelos sujeitos, levando-se em conta seu lugar de pertencimento e de que as práticas do cotidiano são construídas e transformadas através das inter-relações sociais. 2 A esse respeito ver: THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. (Prefácio) Vol I. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

15 15 Os estudos sobre festas então alicerçados por uma necessidade da historiografia de identificar elementos pertencentes às ações dos homens que não se remetem apenas às práticas cotidianas, como as relacionadas ao trabalho e a política, dentre outras temáticas, eleitas preferencialmente pelos historiadores. Por muitos anos os estudos dedicados às festas eram especialmente abordados em trabalhos de folcloristas e etnógrafos, estudando-as como costumes de práticas nacionais sem problematizar as peculiaridades e construções históricas dos festejos, [...] as festas emergem, assim, como lema dos estudos letrados, entre nós articulados aos conceitos de tradição e da cultura popular 3. Nessa direção, Melo Morais Filho 4 foi um dos autores que buscou elencar algumas manifestações que considerava como representativos das festividades no Brasil. Em sua obra Festa e tradições populares no Brasil, publicada em 1901, elegeu uma gama de comemorações que ele aborda em subdivisões, como Festas Populares, Festas religiosas, Tradições e Tipos de Rua, cujas comemorações são realizadas em diversas localidades do Brasil, e apresenta temas variados como Ano Novo, Carnaval, Natal, São João, Reis, etc. Segundo esse autor, as manifestações festivas se vinculam a experiências que denotam o caráter nacional porque expressam hábitos e comemorações das camadas populares da sociedade brasileira. Paulatinamente as festas se tornaram campos de estudo que têm como principal abordagem o lado lúdico associado a uma ruptura de hábitos do cotidiano na vida social dos grupos humanos, pois estes faziam das festividades momentos da quebra da rotina, das labutas diárias. As festas também passaram a ser percebidas como palco de sociabilidades, encontros para o divertimento, devoções e, acima de tudo, redes de proximidades entre diferenciados grupos sociais. No Brasil alguns historiadores elegeram a temática da festa para investigar seus objetos de estudo, concebidos por uma variada gama de celebrações que deram oportunidade a interpretação de muitas experiências, praticadas por diversos grupos sociais que tiveram como palco as comemorações como elemento de vida. Podemos tomar como referências algumas obras que se dedicaram a estudar o Carnaval como palco de relações sociais. De maior visibilidade nos estudos sobre as festas no Brasil, a historiadora Maria Clementina elege o 3 ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. Festas pra que te quero: por uma historiografia do festejar. UNESP FCLAs CEDAP, v.7, n.1, p , jun MORAIS FILHO, Melo. Festas e tradições populares do Brasil. Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1979.

16 16 tema para compor suas interpretações acerca das tensões e conflitos existentes nas folias carnavalescas. Para a autora, as festas [...] longe de construírem ocasiões dotadas de alguma espécie de herança imemorial, elas tem significados mutantes e polissêmicos capazes de expressar a mudanças e o movimento 5. Pautada nas múltiplas relações existentes nas festividades, estas proporcionariam revelar as ações dos sujeitos sociais vinculados aos conflitos e interações sociais. Tomando o tema festa como palco das ações de insatisfações e apresentação de alternativas para o ordenamento social, Mary Del Priore também a elegeu como temática de estudo, através da perspectiva que se alicerçava na noção de mentalidade, propondo, em Festas e utopias do Brasil Colonial 6, que os variados significados que o festejar assumia para distintos grupos que compunham o Brasil na época da colonização. Naquele contexto, a festa está relacionada às utopias, ou seja, os projetos idealizados como alternativa na ordem social vigente. Em outra perspectiva, Martha Abreu concebe a festa como campo de intercâmbios sociais que não se restringem aos festejos como espaços de diferenciação entre cotidianos ordenados e inversão social. Para Abreu, [...] festas religiosas emergiram de um estudo de história cultural como um local privilegiado para se pensar o exercício da religiosidade popular e suas relações dinâmicas, criativas e políticas com os diferentes segmentos da sociedade 7. Assim, a autora traz à luz uma perspectiva de estudo que coloca as relações da coletividade como oportunidade de interpretação que traduza as continuidades e permanências encontradas nestas manifestações. O caminho sugerido por Abreu contribuiu para problematizar a festa como território de relações sociais construídas por sujeitos portadores de diferentes modos de estar e festejar o mundo, considerando suas nuances e pluralidades, estando atento para não tomar o objeto como uma proposta estática, que não apresenta uma múltipla e complexa rede de relações e experiências, mas construídos e partilhados pelos sujeitos que dão vida às festividades. Nas incursões para localizar estudos temáticos e referências, com os quais pudesse estabelecer diálogos com o objeto de estudo apresentado, festa de São João, observamos que a 5 CUNHA, Maria Clementina Pereira. Ecos da folia: uma história social do carnaval carioca entre 1880 e São Paulo: Companhia das Letras, 2001; CUNHA, Maria Clementina Pereira. Carnavais e outras f(r)estas: ensaios de história social da cultura. Campinas-SP: Editora da UNICAMP, CECULT, DEL PRIORE, Mary Lucy. Festas e utopias no Brasil Colonial. São Paulo: Brasiliense, ABREU, Martha. O Império do divino: festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro ( ). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000, p. 37.

17 17 escassa e limitada bibliografia restringiu um diálogo mais próximo com autores que estudassem o tema, o mais recorrente se encontra em áreas próximas a história como a antropologia. No campo da antropologia, identificamos o trabalho de Luciana Chianca 8 que aborda os festejos de São João na cidade de Natal-RN, a partir da ressignificação ao longo do século XX, pelos sujeitos que remodelam suas práticas, por vezes se distanciando das imposições eclesiásticas católicas, reinventando novas formas comemorativas, destacando que, o [...] calendário festivo dedicado aos santos é marcado por momentos alternados de devoção e diversão, com predominância circunstancial de um ou outro aspecto conforme o momento histórico e a experiência pessoal de cada ator/situação 9. Ao se apropriarem das festas e a recriarem, porque são constitutivas das suas experiências de vida, no qual os lugares e as práticas sociais são alterados, as faces do religioso e do lúdico convergem para dar uma nova expressão aos festejos, esta parece ser uma característica peculiar dos festejos de São João em muitos lugares do Brasil. O estudo do historiador João Carlos de Souza sobre as festas de Carnaval e São João, em Corumbá-MS, estabelece essa concepção e aponta para uma posição em que os participantes da festa se distanciam das imposições católicas, afluindo para mudanças estabelecidas na autonomia dos brincantes da festa, o autor aponta que [...] apesar de cristianizada, a festa de São João manteve uma série de simbolismos universais, que, no contexto da região pantaneira, ganharam força, adquirindo elementos autônomos em relação às festas institucionalizadas pela Igreja Católica 10. Esse aspecto nos auxilia a investigar a relação existente com a religiosidade nos festejos juninos de Cruz das Almas, afinal, São João, como santo católico, se insere dentro da perspectiva religiosa. Mesmo alterada a forma de comemoração, se distanciando dos ritos católicos, continua exercendo função de religiosidade. No leque de possibilidades que a historiografia descortina, a memória dos variados sujeitos da festa de Cruz das Almas se destaca como oportunidade de leituras das 8 CHIANCA, Luciana. Devoção e diversão: expressões contemporâneas de festas e santos católicos. Revista Anthropológicas, ano 11, volume 18(2): (2007). 9 Ibid, p SOUZA, João Carlos de. O caráter religioso e profano das festas populares: Corumbá, passagem do século XIX para o XX. Rev. Bras. Hist. V.24, n. 48, São Paulo, 2004.

18 18 comemorações, além de que, demonstram as variadas facetas produzidas no processo de transmissão dos costumes da festa junina na cidade. Os desdobramentos da memória dos participantes da festa de São João em Cruz das Almas formam subsídios importantes para a apreensão das relações estabelecidas na comemoração, bem como sobre a vida desses participantes. Como uma construção psíquica dos indivíduos que selecionam as lembranças do passado, as reminiscências se apresentam como elementos da vida, das práticas sociais e culturais que se estabeleceram entre os indivíduos e seus pares, possibilitando a evidência de acontecimentos, vivências que não podem ser compreendidas isoladamente, mas que compõem as experiências praticadas socialmente. O campo da memória que examinamos para compreender as inter-relações estabelecidas nos festejos se alicerça a partir da integração social, o que possibilitou delimitar as fronteiras das lembranças e rememorações dos participantes da festa, entre eles antigos espadeiros: pessoas que levam no corpo as marcas de acidentes, a população que percebe ao longo de anos as mudanças do saber fazer, as múltiplas maneiras de comemorações. Assim, torna-se pertinente alicerçar a compreensão da festa através dos desdobramentos das lembranças. Estas rememorações, identificadas pela possibilidade que as fontes orais permitiram, sobretudo nas experiências que são conservadas e traduzidas no cotidiano, não distante do tempo e espaço. Segundo Alessandro Portelli, [...] a utilidade específica das fontes orais para o historiador repousa não tanto em suas habilidades de preservar o passado quanto nas muitas mudanças forjadas pela memória 11. Neste desenhar historiográfico, estas memórias, na perspectiva que a dissertação procurou interpretar, contribuíram acentuadamente para o seu desenvolvimento, na medida em que trouxeram informações particularizadas das experiências dos participantes da festa. Aqui a memória está intimamente relacionada com a vivência, não no sentido de recriar, ou reencontrar o objeto de pesquisa, mas sim, demarcar as características inerentes aos acontecimentos, tal como explica Alistair Thomson: Ao narrar uma história, identificamos o que pensamos que éramos no passado, quem pensamos que somos no presente e o que gostaríamos de ser. As histórias que relembramos não são representações exatas de nosso 11 PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho. Algumas reflexões sobre a ética na História Oral. Projeto História (15), abril de 1997, p. 33.

19 19 passado, mas trazem aspectos desse passado e os moldam para que se ajustem às nossas identidades e aspirações atuais 12. As variações de espaço e tempo produziram modificações que se apresentam, sobretudo, nas transformações das práticas cotidianas que os moradores de Cruz das Almas construíram. Assim, as dimensões do festejo junino da cidade também acompanharam as mudanças, alterando-se devido às experiências reconstruídas, o que fizeram com que a dinâmica e visibilidade da festa também se ampliasse. As comemorações asseguraram durante muito tempo sua dinâmica e seu espaço, como lugar de resistência e tensões sociais, a festa resistia; os participantes, ao assumirem um lugar de pertencimento, buscavam uma visibilidade específica para a festa e a cidade: o São João de Cruz era das espadas. Para que isto acontecesse, leis e imposições foram desafiadas, as negociações eram sempre comuns com administração municipal, com a justiça, etc. Os livros de memórias da cidade foram importantes fontes para mostrar registros e impressões, tanto de aspectos sociais quanto da temporalidade estabelecida para compreender a festa, As reminiscências de Mario Pinto da Cunha 13 e Renato Passos da Silva Pinto Filho 14, trouxeram a luz uma cidade diversa, onde se localizam as tradições políticas, as origens do município, as tradições ligadas ao campo das produções agrícolas, tensões, dentre outros elementos. Os registros e opiniões escritos pelos memorialistas somaram-se às entrevistas orais para compor um universo, no qual as lembranças afluíram para revelar as características das histórias vivenciadas pelos sujeitos. Os depoimentos orais revelaram-se um tesouro guardado para ser descoberto, deles emergiram relatos e experiências plurais e também particularizadas, porque, de acordo com Janaina Amado, o [...] uso sistemático do testemunho oral possibilita à história oral esclarecer trajetórias individuais, eventos ou processos que às vezes não tem como ser entendido ou elucidado de outra forma 15. Nesse sentido, conforme afirma Jaques Le Goff [...] a memória, como propriedade de conservar certas informações, graças às quais o homem pode atualizar [...], o que ele 12 THOMSON, Alistair. Recompondo a Memória: Questões sobre a relação entre História Oral e as Memórias. Projeto História. São Paulo (15), abril 1997, p CUNHA, Mario Pinto da. Aquarela de Cruz das Almas, PINTO FILHO, Renato Passos da Silva. Cruz das Almas de meus bons tempos. Salvador: Bureau, AMADO, Janaína &. FERREIRA, Marieta. (Coords.). Usos e abusos de história oral. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getulio Vargas, 1998, p. 14.

20 20 representa como passadas 16. O autor nos aponta caminhos que nos auxiliaram a trabalhar a memória em uma perspectiva histórica, buscando conhecer através das lembranças dos participantes da festa envolvendo a produção e o consumo das espadas no São João, bem como a maneira com que esse conhecimento foi sendo repassado de geração em geração. Os depoimentos realizados com os participantes da festa apresentam leituras de suas experiências, compondo, neste sentido, fontes históricas ricas de informações que foram transmitidas e analisadas como práticas inerentes de suas vivências. Esses testemunhos evidenciam relações construídas e definidas na realização da festa do São João em Cruz das Almas. Inicialmente identificamos pessoas que estavam diretamente relacionadas com a festa de São João, principalmente os espadeiros, relataram suas experiências vivenciadas na produção dos fogos de artifício e nos dias da festa. Ao intensificar a pesquisa de campo descobrimos outros personagens que foram de grande relevância na investigação histórica. Memórias imprescindíveis como as de D. Maria Moura e D. Maria Pereira, enriqueceram a leitura da festa a partir de suas experiências pessoais e socializadas. Ouvimos e gravamos seus depoimentos, transcrevemos, consultamos os depoentes, com a finalidade de evidenciar relações partilhadas e construídas na festa. Consideramos que [...] um dos aspectos mais interessantes do uso de fontes orais é que não apenas se chega a um conhecimento dos fatos, mas também à forma como o grupo os vivenciou e percebeu 17. O cruzamento de variados tipos de fontes: jornais, revistas, livros de memórias, fotografias, depoimentos orais, decretos de lei e documentário, foram de crucial importância no processo de interpretação e apreensão de conhecimentos sobre os festejos juninos de Cruz das Almas. As diversificadas impressões expressas, na forma escrita, oral e imagética, descortinaram minúcias das relações e práticas realizadas pelos sujeitos que fizeram da festividade parte de seus hábitos de vida, essas impressões puderam, ainda, ser interpretadas à luz da prática histórica de análise documental. O trabalho com periódicos de circulação local, regional e nacional, demonstrou o alcance que a imprensa tentava objetivar ao demarcar opiniões e falar sobre a divulgação da festa, dentre eles, destacam-se os jornais e revistas: 16 LE GOFF, Jacques. História e Memória. Tradução Bernardo Leitão et al. 4. ed. Campinas-SP: Editora UNICAMP p JOUTARD, Philippe. História Oral: balanço da metodologia e da produção nos últimos 25 anos. In: AMADO,Janaina e FERREIRA, Madeta de Moraes (Coord.). Usos & abusos da história oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, p. 43.

21 21 Nossa Terra, Jornal do Planalto, Tribuna Popular, jornal A Tarde, Folha de São Paulo e a revista Veja. As imagens utilizadas também servem como linguagens que expressam um recorte, um olhar sobre a realidade vivida. Ao interpretar as imagens iconográficas, na perspectiva apontada por Raymond Williams 18, como linguagens constitutivas dos sujeitos, mais do que informações, elas apontam como seus participantes apreenderam as práticas festivas a partir de suas experiências de vida. Assim, as imagens são fontes imprescindíveis para a captura de aspectos dos modos de vida impressos no tempo, uma vez que retratam as ações da comemoração. Nesse leque de fontes, também passa a análise de decretos de leis, já que estes tecem como objetivo regulamentar a produção, venda e consumo de fogos de artifícios em geral. Nessa dissertação serviram para contrapor as ações dos participantes com o que estava institucionalizado pela lei e a consequente subversão da ordem empreendida na queima das espadas. Na construção textual da dissertação o primeiro item, intitulado Viva São João: a festa como elemento do cotidiano, destaca-se a relação dos sujeitos com a devoção/festejar o São João e as espadas, o aspecto de religiosidade, bem como a distinção com outras manifestações religiosas do município. Em paralelo, procuramos evidenciar as transformações relativas tanto aos aspectos físicos da cidade, como aos aspectos culturais e sociais dos sujeitos históricos. Procuramos estabelecer um diálogo com os memorialistas da cidade, assim como a imprensa local com a análise do Jornal Nossa Terra e alguns depoimentos orais de participantes da festa. O segundo item, As espadas de fogo imperam produzindo luz e encanto, analisa a manifestação da queima das espadas, sua fabricação e como esses processos ganharam suas especificidades, modos de fazer, fabricantes, materiais utilizados na fabricação e comercialização das espadas, traduzidos nas transformações tecnológicas então empreendidas pelos participantes nas festas. Aqui se situam as distinções entre os sujeitos produtores de fogos de artifício, fogueteiros e espadeiros, e suas experiências na festa de São João. As imagens localizadas em livros de memorialistas, jornais e as produzidas em pesquisa de campo, evidenciaram elementos diversos para a compreensão da festa. As memórias dos depoentes foram importante subsídios para compreensão das relações determinadas na 18 WILLIAMS, Raymond. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editores, p. 118.

22 22 organização da festa, as notícias encontradas nos periódicos locais e regionais, algumas falas observadas no documentário sobre o São João de Cruz das Almas também nos auxiliaram a interpretação dos aspectos relacionadas a produção dos fogos de artifício. O terceiro item é denominado O Martelo x A Espada: quando a lei enfrenta a tradição, procurou compreender a relação estabelecida entre a produção e uso desses fogos, destaca, ainda, o perigo a que era submetido o participante dessa brincadeira junina. Por se tratar de uma manifestação que utiliza um artefato pirotécnico como um grau de perigo, tanto à integridade física de quem fabricava e de quem utilizava, uma discussão com as legislações vigentes foi necessário para a identificação das relações de permissividade realizada no uso dos fogos. A legislação interpretada à luz da análise histórica nos apresentou grandes contribuições a respeito das relações de negociação estabelecida entre os participantes da festa as instituições responsáveis pela sua organização. Por fim, São João ainda vai passar por aí?, procura abordar a relação dos organismos públicos e privados com o São João de Cruz das Almas, como estes se atribuem da concepção de tradição para lidar com a utilização das espadas no município, também as transformações empreendidas pela administração municipal para tornar a festa junina em atrativo turístico, o que proporcionou mudanças significativas na maneira de participação da festa. Os periódicos, jornais, revistas nos apresentaram relevantes informações a serem analisadas sobre como a festa ganhou novo reordenamento, o que nos possibilitou as transformações ocorridas a partir do ano de Percebendo as nuances que envolvem as construções históricas da festa de São João em Cruz das Almas, é aceitável, em nível dos costumes empreendidos, tomar a festa de São João como expressão que permitem não delimitar espaços inalteráveis, mas que abrange a simbologia construída, quer como em outros tempos, para rememorar e render homenagem ao santo, ou aos dias em que a festa se tornou símbolo de atração turística. Portanto, ao tentar apreender esta comemoração, ou expressão cultural, são encontradas as mais variadas interpretações e visões. O que permaneceu, seja pelo costume ou pela dinâmica econômica, foi a vontade que não limitou a transmissão e transformação desta festividade, as experiências dos sujeitos e as visões que foram estabelecidas pelos mesmos, o que possibilitou a perspectiva de uma interpretação dessa festa como objeto histórico da vida de diversos segmentos sociais.

23 23 2 VIVA SÃO JOÃO: A FESTA COMO ELEMENTO DO COTIDIANO Os lugares, tais como ruas e praças de Cruz das Almas, remetem a experiências que, juntamente com ações dos sujeitos participantes da festa de São João, acumularam elementos de vida e do cotidiano. Neste sentido, as diversas memórias dos lugares festivos são importantes para nortear a história dos festejos juninos, comumente praticados na cidade. A festa de São João de Cruz das Almas se torna não apenas uma referência de calendário, mas desenvolve-se como parte da vida, marcada pelas expectativas de sociabilidades dos momentos de alegrias vivenciados. Alistair Thomson aponta que a memória [...] gira em torno da relação passado-presente, e envolve um processo contínuo de reconstrução e transformação das experiências 19. Neste sentido, procuramos interpretar este festejo, e a dinâmica das práticas culturais que lhes são constitutivas, a partir de elementos inseridos em uma perspectiva de mudanças e transformações pelas quais seus participantes estiveram submetidos. Elementos diversos permitem uma leitura da cidade de Cruz das Almas sobre os diversos aspectos que se referem ao cotidiano vivido por seus moradores. Um desses exemplos encontra-se em um trecho do hino da cidade, onde o autor, Floriano Mendonça, aponta a cidade como recanto formoso : Cruz das Almas, recanto formoso. Terra forte, aprazível, feraz. A pujança da Pátria nos lembra Teu ardor de progresso e de paz. (Hino de Cruz das Almas- Floriano Mendonça 1979) 20 Este recanto formoso que, segundo o autor, compõe-se como um lugar agradável, carregado de sentido patriótico progressista. A cidade que de emancipação política, que já tem 115 anos, ganha contornos e visibilidade através de suas festividades juninas que possibilitaram o descortinar de uma pacata e sossegada vila do Recôncavo baiano, para apresentar-se como urbe que se desenvolve e se destaca na história da Bahia em decorrência da festa de São João. Essa cidade abarca uma trajetória histórica demarcada por devoções populares, uma tradição de cultura agrícola realizada por sujeitos que possibilitaram sua existência e projeção. 19 THOMSON, Alistair. Recompondo a memória: questões sobre a relação entre a História Oral e as memórias. Projeto História, São Paulo, (15), abril, 1997, p SÁ, Manoelito Roque. Actas e Atos: resumo histórico da Câmara Municipal de Cruz das Almas. Gráfica e Editora Nova Civilização Ltda. 2007, p. 75.

24 24 Esta seção pretende tratar da construção histórica do município, apresentando aspectos que apontam desde o seu desmembramento da cidade de São Félix-BA, quando era ainda vila, para a partir de então identificar os elementos que levaram os moradores do município a eleger as festividades juninas como referência cultural. Evidencia-se o desenvolvimento da cidade em paralelo com as festividades, bem como outros tipos de manifestações/devoções religiosas que a cidade possuía. Como tema principal, a relação dos sujeitos com a devoção/festejar o São João a partir da produção e consumo de fogos de artifício, o aspecto de religiosidade, bem como a distinção com outras manifestações religiosas do município possuía. As incursões através das fontes possibilitaram identificar algumas de suas características, constituindo possibilidades de desvendar informações importantes sobre como a cidade é percebida. Esta leitura de Cruz das Almas busca apreender como os sujeitos apresentam e configuram os traços que definem o município onde vivem e socializam. Observamos que a estrutura econômica desenvolveu-se através da agricultura, inicialmente com a produção de cana de açúcar, no período escravista, posteriormente passam a lidar com culturas diversificadas, como a do fumo, da laranja, da mandioca, entre outras, que durante muitos anos foram responsáveis pela manutenção econômica. Através destas primeiras informações, podem-se identificar os percursos que este estudo intencionou fazer a partir de uma interpretação da história de Cruz das Almas, tomando como referência os festejos juninos, que se transformaram na manifestação cultural e agregadores de identidades entre os moradores do município, através da dinamização dos costumes, tradições de produção, comercialização e uso das Espadas 21, no período das festas de São João. 2.1 ESPAÇOS FESTIVOS, ESPAÇOS SOCIAIS Cruz das Almas BA, cidade localizada a 146 km da capital Salvador, está situada na região do Recôncavo Baiano, hoje definido como Território de Identidade pelo governo da Bahia. Neste sentido, pensando na trajetória histórica que a região construiu, é mensurável não apenas a definição que está alinhada a esta perspectiva do Estado, porque, ao 21 Fogos de artifício, de alta pressão, derivados dos antigos busca-pés, compostos basicamente de uma estrutura de bambu cozido, enrolado de cordão encerado, contendo em seu interior salitre, enxofre, carvão, pólvora, barro, bambu maduro, sisal, cordão, breu, parafina, cera de abelha e óleo de coco uma base de barro prensado e pólvora.

25 25 institucionalizar e padronizar a região, acaba homogeneizando as experiências históricas construídas em cada cidade do Recôncavo. Observemos a definição apontada pelo governo: Com o objetivo de identificar prioridades temáticas definidas a partir da realidade local, possibilitando o desenvolvimento equilibrado e sustentável entre as regiões, o Governo da Bahia passou a reconhecer a existência de 26 Territórios de Identidade, constituídos a partir da especificidade de cada região 22. Numa perspectiva histórica, a complexidade e multiplicidades dessas identidades são responsáveis por desenhar uma região, não impondo aos sujeitos históricos experiências homogêneas, mas, sobretudo, revelando as suas particularidades e como estas são absorvidas, transmitidas e construídas por grupos sociais que estabelecem formas de vivenciar, refletindo o papel e a importância do indivíduo para a sua localidade de pertencimento. Entretanto, o governo situa essa região como a junção de experiências compartilhadas através de um pertencimento comunitário que agrega elementos pluralizados, homogeneizando-os. Os aspectos pertinentes a esta constituição de Recôncavo, sejam através de perspectivas culturais, geográficas e políticas, demandam análises que as concebam diante da multiplicidade e complexidade das cidades pertencentes a essa região, principalmente quando se referem às demandas de cada município que compõe o Recôncavo. Destarte, Maria Azevedo Brandão [...] considera que o recôncavo nunca fora, seja quanto ao substrato ambiental, ou à ocupação econômica, uma área uniforme, mais antes um complexo de subáreas especializadas 23. O Recôncavo é apresentado com uma dada vocação histórica pautada em experiências no campo da cultura, localizando-o como região dotada de saberes compõe as suas identidades. Sobre esse pressuposto assenta uma valorização das cidades ressaltando as peculiaridades que são peculiares, a saber: samba de roda do recôncavo, religiões de matriz africana, a produção agrícola da citricultura e do tabaco e, em incidências mais recentes, atividades relacionadas com a dinâmica turística proporcionada por algumas de suas cidades através dos festejos de santos e padroeiros religiosos. 22 SEPLAN (Secretaria do Planejamento do Estado da Bahia): Bahia Território de identidade: Disponível em: Acessado em 15 de agosto de BRANDÃO, Maria de Azevedo. Cidade e Recôncavo da Bahia. In: BRANDÃO, Maria de Azevedo, (org.). Recôncavo da Bahia: sociedade e economia em transição. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado: Academia de Letras da Bahia; Universidade Federal da Bahia, 1998, p 25.

26 26 Cruz das Almas hoje tem uma população estimada em cerca de habitantes 24, mas possuía, na década de 1950, segundo dados do Censo Demográfico, aproximadamente habitantes 25 que cultivavam a tradição de festejar São João, bem como a produção e uso de fogos de artifício neste festejo, envolvendo a participação de uma parcela da população que fazia desta atividade uma forma de obtenção de renda. Dentre esses fogos, se destacava, inicialmente, o busca-pé e posteriormente as espadas. Eles foram responsáveis por criar relações de identificações no festejo de São João na cidade, proporcionando-lhes visibilidade e atrativo de divertimento. As comemorações nos festejos de São João, no mês de junho, se consolidaram como uma manifestação popular baseada em uma tradição, e esta como [...] um elemento vital da cultura, mas ela tem pouco a ver com a mera persistência das velhas formas 26. Essa expressão festiva envolvia a participação de muitos moradores do município, o que fez dessa festa uma simbologia que envolvia vários grupos sociais da cidade responsáveis por redefinir costumes e práticas, passando a receber novos significados a partir da produção, uso e comercialização de fogos. Para o estudo aqui presente, a tradição dos festejos juninos se constituiu como parte integrante do cotidiano dos moradores da cidade. Neste sentido, identificamos o termo como transmissão de conhecimentos que vai se alterando a partir da inserção e interseção de novas práticas protagonizadas pelos sujeitos da festa. Como pontua Stuart Hall, [...] que os elementos da tradição não só podem ser reorganizados para se articular a diferentes práticas e posições a adquirir um novo significado e relevância 27. Assim, as relações se constituem pela assimilação de diferentes práticas e costumes através das experiências vivenciadas e ressignificadas pelos moradores de Cruz das Almas. A Enciclopédia dos Municípios Brasileiros assinala relevantes informações acerca da cidade, sobretudo, a gênese e os possíveis responsáveis pela transformação e emancipação de Cruz das Almas: Os primeiros povoadores do município procederam da cidade de Cachoeira- BA, no século XVIII, atraídos pela uberdade do solo. Sabe-se que dentre os 24 IBGE CIDADE. Disponível em: Acessado em: 15 de agosto de FERREIRA, Jurandir Pires. Enciclopédia dos municípios brasileiros. Rio de Janeiro Oficina de serviços gráficos do I.B.G. E, Brasília- DF. XX volume, p HALL, Stuart. Notas sobre a desconstrução do Popular. In: Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003, p Ibidem.

27 27 principais pioneiros, se acham as tradicionais famílias Batista de Magalhães e Rocha Passos, brasileiros e descendentes de portugueses. Os precursores estabeleceram plantações de cana-de-açúcar fundaram engenhos e iniciaram a construção do Arraial no grande planalto, as margens da estrada real 28. Essas informações remetem a elementos que contribuíram para apreender a gênese do município, devido ao fato de Cruz das Almas se localizada em terras de planalto e por essas terras possuírem boa fertilidade se tornaram atrativos para a produção agrícola. Embora nas informações da enciclopédia sejam citadas com destaque as famílias Batista de Magalhães e Rocha Passos, outros segmentos sociais também foram responsáveis pelo povoamento e desenvolvimento da cidade, sobretudo famílias de descendentes do processo de extinção da escravidão da Bahia que passaram a povoar localidades rurais da cidade, como por exemplo, a localidade rural chamada Embira e Engenho da Lagoa. Walter Fraga Filho, nos estudos sobre processo de extinção da escravidão e reordenamento social do Recôncavo baiano, aponta que muitas famílias de ex-escravos foram responsáveis por povoar a região, bem como constituírem as suas bases sociais, econômicas e culturais. Indivíduos pertencentes à primeira geração de descendentes de libertos do 13 de Maio migraram para outras localidades. Muitos devem ter-se estabelecido nas localidades do Recôncavo, mas não muito longe do local onde nasceram e onde ainda viviam os parentes. Foi uma geração que chegou à idade adulta com outras perspectivas 29. Essa descrição de Fraga Filho demonstra o significado da composição dos diversos segmentos sociais que se estabeleceram no Recôncavo, oferecendo a possibilidade de pensar a região composta não apenas pelos grupos das familiares Passos e Magalhães, como descreve a Enciclopédia, pois nos apresenta a dimensão da multiplicidade de sujeitos que, oriundos de camadas sociais não privilegiadas na hierarquia escravista desenvolvida no Recôncavo, foram as bases dessa região, verificando-se, assim, a importância de um número significativo de populações afro-descentes para esta região. Interessa-nos apontar que, embora essas populações tenham sido marcantes nas composições dos grupos sociais do Recôncavo, a história oficial, principalmente de memorialistas, os relega a meros figurantes, dando visibilidade as famílias de nome como representantes das cidades. Apesar de a Enciclopédia apontar que os primeiros povoadores vieram de Cachoeira- BA, é importante salientar que o território de Cruz das Almas pertencia ao distrito de Outeiro 28 FERREIRA, Jurandir Pires. Enciclopédia dos municípios brasileiros. Rio de Janeiro Oficina de serviços gráficos do I.B.G. E, Brasília- DF. XX volume, p FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhadas da Liberdade: história de escravos e libertos na Bahia ( ). Campinas-SP: Editora da UNICAMP, 2006, p.278.

28 28 Redondo, e este fazia parte de São Felix-BA que faz divisa com Cachoeira pelo rio Paraguaçu, podendo, por isso, ter estabelecido essa ligação. Sua primeira constituição enquanto freguesia, segundo os relatos do memorialista Mario Pinto da Cunha: A velha Capela aqui existente foi elevada à condição de Freguesia, com o nome de Nossa Senhora do Bom Sucesso de Cruz das Almas, por alvará do Príncipe Regente Dom João, de 22 de Janeiro de 1815, pertencendo até o fim do império a Outeiro Redondo 30. Mario Pinto da Cunha, nascido na cidade de São Francisco do Conde, veio para Cruz das Almas para trabalhar como funcionário do Departamento de Correios e Telégrafos. Na cidade, participou do movimento literário através de artigos escritos em jornais, escreveu para a coluna FLASH no jornal Nossa Terra e foi correspondente do jornal A Tarde, de Salvador. Afeito à literatura Cunha dedicou-se na década de 50, do século XX, aos primeiros escritos sobre a história da cidade, concretizando a escrita de seu livro em 1982, com a obra de memórias intitulada Aquarela de Cruz das Almas. Através de seu livro pudemos identificar algumas informações pertinentes sobre a formação de Cruz das Almas e seu desenvolvimento, desse modo, Cunha contribui no sentido de sintetizar dados pontuais da história da cidade. Cruz das Almas, centenária em emancipação política, se constrói através do trabalho de seus homens e mulheres, estes responsáveis por guardar na memória, o desenvolvimento da cidade, a necessidade de emancipação de São Felix e o objetivo de tomar as rédeas de sua administração política incursionaram a reivindicação da emancipação, a respeito da transformação da freguesia em vila, Cunha aponta que: Alguns anos depois, a antiga Freguesia de N. Senhora do Bonsucesso de Outeiro Redondo, já desejava e lutava pela emancipação política. Em 29 de Julho de 1887, sancionada pelo Governador Luiz Viana, a lei estadual nº 119 elevava o Districto de Cruz das Almas à cathegoria de villa, tendo lugar a primeira eleição municipal no dia 3 de Outubro 31. O memorialista destaca a transformação da freguesia em vila, podemos daí depreender o significado da emancipação política como momento importante para o desenvolvimento de Cruz das Almas. Vale salientar que, embora as memórias de Cunha tragam informações relevantes, o autor comete um equívoco ao apontar o Governador Luiz Viana como o responsável por sancionar a lei, mas informamos que, neste período, segundo o historiador Luiz Henrique Dias Tavares 32, o presidente da província era João Capistrano Bandeira Melo. 30 CUNHA, Mario Pinto da. Aquarelas de Cruz das Almas Ibidem, p TAVARES, Luís Henrique Dias. História da Bahia. 7ed. São Paulo: Ática, p. 162.

29 29 Através das memórias apontadas por Cunha as intencionalidades emancipacionistas no final do século XIX, a antiga freguesia torna-se vila, através da intervenção de suas lideranças políticas, sobretudo a família Passos, que por meio do Senador Temístocles da Rocha Passos, a cidade consegue a emancipação. Outra informação interessante referente ao município, diz respeito ao seu topônimo. Buscando aproximar expressões que identificam fazeres e viveres dos moradores de Cruz das Almas destaca-se o cruzeiro que nomeia a cidade, este sugere a representação da benção dada pela cruz cristã, que alude à relação da religiosidade do catolicismo de abençoar, conferido a esse símbolo, e a responsabilidade da benção aos fiéis, como um dos ícones de grande importância e identificação cristã. Remetendo às origens do município, este cruzeiro estaria ligado à religiosidade católica, pautada na devoção cristã, na assimilação de preceitos e em sua devoção. Segundo a tradição oral e os relatos de memorialistas, fora afixado um cruzeiro de madeira nas estradas que ligavam às cidades de São Félix e Cachoeira, este local ficou conhecido como paragem de tropeiros que iam comercializar na região do Recôncavo, ali faziam suas orações e paravam para o descanso das longas viagens. Com o tempo esse local tornou-se parada obrigatória e, aos poucos, foram construídos pequenos casebres que deram origem à cidade, o seu nome relaciona-se às orações que eram feitas às almas dos mortos ao pé da cruz que ficava no centro da vila. O memorialista Cunha, a respeito do topônimo da cidade, explica que: A primeira é que o atribui à existência do cruzeiro, [...] na antiga estrada das tropas 33 [...] e onde o povo se reunia a noite para fazer novenas, invocar os santos e rezar pelas almas. Assim, como ponto de referência, local de encontro e entrevistas, tornou-se conhecido como o Cruzeiro das Almas. Além deste, [...] existe outra, esta de caráter sentimental, de saudosismo pátrio. Alguns fundadores da vila, portugueses teriam batizado a nova povoação com o nome da terra de origem a Cruz das Almas lusitana. Como quer que seja consagrou-se o uso. A chancela oficial conservou-o, homologando-o 34. Segundo as memórias de Cunha, assim configurou-se a formação da vila que posteriormente se transformaria em cidade. Nas versões da tradição oral, o cruzeiro se transforma em referência de espaço, tempo e invocações religiosas que relacionam a Cruz, símbolo do cristianismo, com sua presença localizada em espaço físico, em torno do qual grupos sociais estabelecem relações e o construíram como locus responsável por alicerçar as origens da cidade. 33 Atual Rua Rio Branco ou da Estrada de Ferro, porque, por ser na estrada atual da localidade, por ali deveriam passar a estrada de ferro, pelos antigos traçados desta ferrovia. 34 CUNHA, Mario Pinto da. Aquarela de cruz das Almas. 1982, p

30 30 Localizada no espaço central que se tornaria a praça da matriz, em frente à primeira capela Cruz das Almas, o cruzeiro também se tornaria o ponto de referência para viajantes e tropeiros que iam em direção à Cachoeira-BA e a outras cidades do Recôncavo, servindo de parada para que esses viajantes e devotos cristãos orassem pelas almas dos mortos, daí então o nome Cruz das Almas. Como diversas cidades do Recôncavo, Cruz das Almas também apresentava uma predisposição para agricultura, e esta se tornou a base econômica da cidade. Observamos que a produção agrícola inicia-se ainda com o cultivo açucareiro e, posteriormente, com o fumo e outros produtos. O fumo apresenta-se como um dos produtos que proporcionou maior dinâmica econômica à região. Alaíze dos Santos Conceição 35 ressalta que a lavoura fumageira, em contraposição à açucareira, não carecia de tantos investimentos, pois o fumo poderia ser produzido em menores escalas. Assim, o acesso ao produto, bem como a simplicidade do cultivo, beneficiamento e manufatura, facilitava o manejo pelos agricultores, assim como sua venda. Dentre algumas características dessa produção no Recôncavo, o cultivo de fumo foi responsável, durante décadas, pela manutenção de muitas famílias que se beneficiavam dessa produção para tirar o seu sustento. Municípios da região, como São Félix, Cachoeira, Muritiba, Governador Mangabeira entre outros, formavam um reduto produtor de fumo, geralmente localizados em pequenas propriedades rurais nas quais se dividiam pequenos lotes, arrendados pelos plantadores aos proprietários, mediante pagamento de serviços. Dessa forma a produção era feita, dividia-se com essas tarefas de plantio e beneficiamento, muitos armazéns que fabricavam uma diversidade de produtos derivados do fumo foram instalados nesses municípios. No hino de Cruz das Almas, Floriano Mendonça destaca a relação da cidade com a produção do fumo, em um dos trechos ele escreve que: no teu solo entre as belas culturas cresce o fumo melhor do Brasil. Ao que parece, o propósito do autor é demonstrar a percepção do potencial produtivo do município, anunciando sua capacidade de incrementar o plantio de muitas lavouras e, de modo especial, da cultura fumageira, que se constituiu em uma das molas propulsoras de subsídio para o desenvolvimento econômico. Essa cultura se estende pela região e desponta a cidade como uma das maiores produtoras do Recôncavo: [...] na zona de Cruz das Almas o fumo encontrou terras boas 35 CONCEIÇÃO, Alaíze dos Santos. O santo é quem nos vale, rapaz! Quem quiser acreditar, acredita! : práticas culturais e religiosas no âmbito das benzeções. Governador Mangabeira Recôncavo Sul da Bahia ( ). Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal da Bahia, UFBA, Salvador-BA, 2011.

31 31 para o cultivo, por não exigir grande emprego de capital é plantado em geral por pequenos lavradores 36. O cultivo de fumo foi responsável por gerar emprego a muitas famílias que viviam da plantação ou trabalhavam nos armazéns de charuto, como Danneman ou Suerdick. Elizabete Rodrigues da Silva 37 observa que, devido ao processo de sucessão histórica, o polo fumageiro do Recôncavo, antes concentrado nas cidades de Cachoeira, São Félix e Muritiba foi, gradativamente, sendo transferido para Cruz das Almas e outras áreas da região. Essas transformações também foram possíveis através da introdução de novos elementos que contribuíram para dinamizar tanto produção quanto escoamento do fumo: Em meados do século XX, com o evento da rodovia e do caminhão, que contribuíram diretamente para as transformações espaciais da indústria fumageira naquela região, Cruz das Almas já representava o maior produtor de fumo entre aqueles municípios 38. Cruz das Almas se inseriu nessa dinâmica econômica que passava a ser o subsídio para as transformações na vida de moradores da região do Recôncavo baiano, tornando-se um dos maiores polos produtores e exportadores de fumo do Brasil. Comum a muitos municípios do interior baiano a trajetória demarcada pelo cotidiano rural, onde prevalece a subsistência agrária, o modo de vida sossegado, que singulariza as ações de homens e mulheres que dividem suas experiências de vida, seu dia-a-dia, as labutas cotidianas. A cidade não se distancia dessa realidade, caracteriza-se por elementos pautados no modo de vida de seus moradores que constroem a cidade através da produção rural, sobretudo, através da cultura do fumo e posteriormente da laranja e mandioca. Além das atividades relacionadas às produções no setor da agricultura, outra forma de renda era o desenvolvimento de indústrias. Segundo estudos sobre a produção de fogos na região do Recôncavo Sul da Bahia, na década de 1950, Rosineide Costa Brito dos Santos 39 aponta que o Brasil, no período do Estado Novo, passava por significativas mudanças políticas, econômicas e sociais, as indústrias cresceram proporcionando uma nova dinâmica e econômica, reestruturando as relações trabalhistas e o cotidiano do país. Investimentos nesse sentido foram responsáveis pelas transformações na vida dos trabalhadores, na Bahia, especificamente no Recôncavo, essas relações vão se assentar nos investimentos em indústrias fumageiras, a esse respeito a autora afirma que: 36 Geografia Ilustrada, - Abril Cultural/ Apud CUNHA, Mario Pinto da. Aquarela de Cruz das Almas, Bahia. 1983, p SILVA, Elizabete Rodrigues da. Fazer Charutos: uma atividade feminina. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal da Bahia, UFBA, Salvador-BA Ibidem, p SANTOS, Rosineide Costa Brito dos. Tendas da Sobrevivência: trabalho e arranjos sócio culturais. Trabalhadores de fogos de artifício Recôncavo Sul ( ). Dissertação de Mestrado UNEB / Programa de Pós-Graduação em História Regional e Local. Campus V, 2009.

32 32 Dentro do cenário estadual, na Bahia essas ideias de progresso industrial se vincularão àquelas disseminadas desde o início do século XX com o desenvolvimento da indústria têxtil no Brasil. O setor econômico tem como referência as manufaturas de fumo conduzidas por empresas em Salvador e, sobretudo, no Recôncavo Baiano como a Suerdick e a Danemann 40. Em Cruz das Almas, as indústrias citadas pela autora foram por muitos anos a base econômica de muitas famílias da cidade. Paulatinamente a cidade foi ganhando novas estruturas, o centro urbano do município desenvolveu-se, através de implantação de institutos de estudos agronômicos 41, responsável por desenvolver e aprimorar técnicas para o beneficiamento da mandioca e laranja. Os armazéns fumageiros ganham destaque, sobretudo por ser uma das possibilidades de inserção no mercado de trabalho de muitos homens e mulheres. As atividades, realizadas tanto nas lavouras de fumo quanto na fabricação de produtos derivados dele, conferiram uma relação entre a mão de obra disponível, existente no município, e a necessidade de suprir as novas demandas oriundas dessa nova dinâmica que o fumo proporcionou. Maria Pereira da Silva 42, 74 anos, registrados em cartório, pois a depoente afirma ter sido registrado quando já era grandinha, nos relata que teve sua vida toda dedicada ao trabalho nos diversos armazéns de fumo de Cruz das Almas. Constam em sua carteira profissional 40 anos de trabalho regularizado e mais de 20 com serviços prestados sem vínculos empregatícios. Nascida na zona rural do município, na localidade conhecida como Araçá, veio para o centro quando ainda era criança para viver com uma família que a adotou. Começou na labuta do fumo aos 14 anos e assim nos descreve seu percurso de trabalhadora nos diversos armazéns da cidade: Trabalhei no finado Tóvo onde é a Justiça do Trabalho, eu comecei aí, só que daí eu voltei passando pra outro, trabalhei no finado Dr. Ramiro, trabalhei em Edmundo Leite, trabalhei em [...] Dr. Carlinhos, em Garrido, trabalhei em [...] João Peixoto [...] o último que trabalhei foi Dr. Ramiro ali foi quando me aposentei. A trajetória de vida de Dona Maria se assemelha a de diversas famílias de Cruz das Almas que sempre dependeram da produção fumageira para se sustentar. Mãe de 10 filhos, 40 SANTOS, Rosineide Costa Brito dos. Tendas da Sobrevivência: trabalho e arranjos sócio culturais. Trabalhadores de fogos de artifício Recôncavo Sul ( ). Dissertação de Mestrado UNEB / Programa de Pós-Graduação em História Regional e Local. Campus V, 2009, p Dentre os centros de Estudos agronômicos constam: Escola Agronômica da Bahia-EA/UFBa (1943); Instituto Agronômico do Leste- IAL (1946); Instituto de Pesquisa e Experimentação Agronômica do Leste IPEAL designado posteriormente de Centro Nacional de Pesquisa de Mandioca e Fruticultura CNPMF (1975); EMBRAPA (1976). Estas informações constam no livro de memórias da cidade: CUNHA, Mario Pinto da. Aquarela de Cruz das Almas, Bahia, 1983, p Maria Pereira da Silva, 74 anos, Servente Armazém de Fumo. Entrevista realizada em 13/05/2012, Cruz das Almas-BA.

33 33 dos quais dois falecidos, encontrou nos armazéns de fumo o meio de sobrevivência de sua família, principalmente quando seu marido faleceu, com os filhos ainda adolescentes, cabendo a ela ser a provedora do sustento da família. Dona Maria também relaciona a vida dos moradores da cidade com os festejos de São João, afirmando existir uma relação de proximidade com as práticas empreendidas no ato de festejar, relembra que havia um padrão de comportamento baseado no respeito, confiabilidade, com o intuito da diversão: O São João que eu conheci, eram primeiramente meus pais que faziam, as portas eram todas abertas, tinham as espadas os busca-pés, mas naquele momento não empatavam, tinham os ternos, que eu chamo de terno, as pessoas saiam tudo fantasiado como as quadrilhas, saiam pelas ruas que não tinha negócio do arraiá, saiam tudo pela rua, chegava nas casas todo mundo entrava as mesas já tava tudo preparada com todo tipo de comida, com bolo, com canjica, amendoim, pamonha, licor de maracujá, jenipapo, pau-nascoxa, [risos], tinham um outro mais eu não to lembrada agora [...] ali todo mundo cantava, dançava forró, depois tornava sair corria todas as ruas 43. Em suas lembranças, D. Maria Pereira nos apresenta elementos característicos dos festejos em que a sociabilidades das ações, como, por exemplo, arrumar mesa, as vestes típicas dos festejos e a relação de confiabilidade, estavam presentes na prática dos brincantes. Havia uma preparação para o momento de interação, bem como o ato de correr todas as ruas para o encontro com outros grupos que já esperavam a visita dos brincantes de São João. Este universo festivo foi então se constituindo como elo entre amigos e famílias que faziam do São João momento de reencontros a fim de partilhar as alegrias. Outra importante informação diz respeito à distinção entre as festas de seu tempo de infância e a que ela consegue identificar agora. Situa a distinção principalmente na diferença estabelecida entre a festa realizada pelas ruas e a festa na praça, o chamado arraiá 44, este, como forma de comemorar o São João através de outra dinâmica, não se insere nas práticas que ela e seus familiares costumavam realizar quando de sua infância. Podemos compreender, a partir das memórias de D. Maria, que a festa era uma prática realizada pelas famílias que transmitiam costumes aos seus filhos, como seu exemplo, os quais participavam da festa movidos pelas tradições de seus pais. Com relação aos festejos de São João na cidade, em sua leitura estes sempre fizeram parte das comemorações ali realizadas, ela se recorda do tempo em que seu pai participava dos festejos juninos e produzia as espadas: 43 Maria Pereira da Silva, 74 anos, Servente Armazém de Fumo. Entrevista realizada em 13/05/2012, Cruz das Almas-BA. 44 A respeito desta forma de realização da festa trataremos com maiores detalhes na seção três.

34 34 O meu pai, ele fazia, não era fogueteiro propriamente, ele trabalhava em armazém, era caçador, pescador, mas acontece que na época de espadas era ele, o finado Pedro Lamite, Roque Lamite, e o finado Zé Lobo, Zé Maia, Anoratão, Pedro Fonseca, então reunia eles tudo pra fazer espadas, e tem outros agora que não lembro. Então eles faziam espadas, mas eram espadas garantidas 45. Evidencia-se, através do relato de D. Maria, a linha tênue existente entre atividades trabalhistas, podemos identificar, a partir de sua fala, que existia na cidade uma relação muito próxima da produção pirotécnica com outros trabalhos realizados pelos homens. Essas múltiplas qualificações dos trabalhadores apontam para o fato de que se estabelecia na cidade a oportunidade de obtenção de renda através de empregos fixos e também periodicamente com a produção de fogos. Observando as modificações realizadas na cidade, destaca-se o modo como os moradores se apropriaram do conhecimento da produção de artefatos pirotécnicos, principalmente as espadas. A produção de fogos foi então responsável por alterações das formas como a festa era socializada, fazendo com que os festejos juninos da cidade fossem identificados como agregadores de subjetividades e ações comuns, bem como tensões e divergências no modo de conceber a festa. A partir de 1950 a produção e consumo das espadas nos festejos juninos da cidade se fazem presentes com maior notoriedade, sendo veiculadas na imprensa escrita 46, apontadas como elemento característico destas festividades juninas da cidade, assinaladas em algumas ocasiões com destaque e, por outras vezes, como manifestação perigosa, o que acabava despertando algumas ações de controle pelas instâncias legislativas 47. De igual modo reagem alguns moradores do município que não concordavam com a prática da queima de fogos, intencionando cercear seu uso, além disto, reside e instala-se na memória dos participantes [...] no sentido básico do termo, é a presença [atualização] do passado 48. Observamos que, em paralelo à produção fumageira na cidade, havia também um tímido comércio local responsável por ofertar os bens de consumo, a partir da segunda metade do século XX, como constam no periódico Nossa Terra anúncios e ofertas de mercadorias para a população. Alguns desses comércios eram de propriedade de sujeitos representantes de grupos sociais que administravam a economia da cidade, ou de grupos e lideranças políticos, a 45 Maria Pereira da Silva, 74 anos, Servente Armazém de Fumo. Entrevista realizada em 13/05/2012, Cruz das Almas-BA. 46 Periódicos de circulação local e regional, tais como: Nossa Terra, Jornal do Planalto, A Tarde. 47 Aqui especificamente as leis e decretos-lei que legislam a respeito da fabricação uso e comercialização dos fogos de artifício, que serão melhor abordados na seção subsequente. 48 ROUSSO, Henry. A memória não é mais o que era. In: AMADO, Janaina & FERREIRA, Marieta de Morais. Usos e abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas. 1996, p.94.

35 35 exemplo do Armazém e Padaria Barbosa, de propriedade de Carmelito Barbosa Alves, eleito prefeito algumas vezes. Em geral, esses estabelecimentos ofertavam uma variedade de produtos em um só local como a Padaria, Pastelaria, Bar e Sorveteria Brasil, do senhor Moacyr Ferreira, o Armarinho FLORIM, que propagandeava ter o que melhores preços oferece a freguesia, completo sortimento de miudezas, brinquedos, artigos para modistas, jarros, e artigos para presente 49. Os proprietários ofereciam bens e serviços à população, para que pudessem se abastecer sem recorrer a cidades vizinhas. Até mesmo os nomes dos estabelecimentos comerciais estavam alinhados ao ideal de progresso verificado no período da década de 50, do século XX. Estabelecimentos como o Armazém Bom Sucesso, Café Progresso, Armarinho A Triunfante, Padaria-Pastelaria-Bar e Sorveteria Brasil 50, estes são exemplos de como o ar de progresso e de modernização estava presente entre os proprietários do comércio local. A nível nacional, observa-se que [...] consolidava-se a chamada sociedade urbano-industrial, sustentada por uma política desenvolvimentista que se aprofundaria ao longo da década, e com ela um novo estilo de vida, difundido pelas revistas, pelo cinema e pela televisão, introduzida no país em Cruz das Almas se desenvolveu sobre bases rurais, através de suas muitas localidades que desempenham papel fundamental na subsistência de muitas famílias com o abastecimento de alimentos para a população do centro urbano da cidade. É a partir da década de 1950 que aumenta o desenvolvimento da infraestrutura do município, começa a ser implantado o sistema de abastecimento de água na região 52, nas décadas seguintes esse ar progressista ainda está presente na cidade. Na década de 1960, a cidade como o restante do país, se encontrava inquieta pelas expectativas do novo regime político. O memorialista Mário Pinto da Cunha nos informa que [...] surgiu a notícia da vitória da Revolução mais um movimento que propunha salvar a nação [...] aqui como em toda parte, havia insatisfação com a situação reinante 53. Suas memórias nos informam que a cidade não se distanciava das tensões políticas que passaram a fazer parte da vida do país. 49 Jornal Nossa Terra, 5 de junho de Jornal Nossa Terra, 19 de junho de Comumente eram feitos anúncios desses estabelecimentos, que ofertavam diversos serviços a população da cidade. 51 KORNIS Mônica Almeida. O Brasil de JK: Sociedade e cultura nos anos Disponível em: Acesso em 12/08/ Essas informações estão descritas nas memórias do escritor Mário Pinto da Cunha, que faz uma descrição minuciosa do crescimento da cidade, a sua relação com poderes executivos e legislativos que vão proporcionar esses benefícios, nos anos 70, por exemplo, cria-se o centro de abastecimento, palco de sociabilidade dos moradores tanto da zona rural quanto urbana feira livre. 53 CUNHA, Mario Pinto da. Aquarela de Cruz das Almas. 1983, p. 160.

36 36 Outros elementos responsáveis pelas transformações na ordem econômica e da infraestrutura da região foram as obras que dinamizaram a relação de sociabilidade entre interior e capital. Destacam-se a criação da Barragem de Pedra do Cavalo, que teve início sua construção na década de 1970, mas só inaugurada em 1985, e da BR 101 (1973). Estas duas obras foram responsáveis por transformar a dinâmica social e econômica na região do Recôncavo, sobretudo ao que se refere a migrações de muitas pessoas de outras regiões em busca de trabalho naquela construção e a transformações que a BR 101 vai ocasionar, especialmente por proporcionar a ligação entre a capital do Estado, Salvador, e cidades do interior baiano. Desta forma, o trânsito entre cidades do interior do estado foi facilitado através da construção da estrada, bem como o crescente número de empregos ofertados pelas obras de construção da barragem propiciaram aos moradores da região condição financeira para custeio da vida de suas famílias, bem como seu divertimento em períodos de festas. Essas transformações provocam alterações no que tange aos aspectos econômicos e sociais específicos das relações estabelecidas entre os hábitos dos cidadãos da cidade, Moacir Carvalho salienta que: Tem-se o aumento populacional e diferencial ocorrido entre as décadas de sessenta e oitenta, por conta não só do afluxo de professores, pesquisadores e alunos ligados à faculdade de agronomia e EMBRAPA como, principalmente, também pela alteração demográfica e econômica gerada pela construção de Pedra do Cavalo e a construção da BR 101, não só aumentando a população local, como redefinindo o peso relativo da zona urbana em relação à rural com prejuízo demográfico para essa última 54. As transformações mencionadas por Moacir Carvalho permite-nos considerar que as influências das alterações incidiram sobre o cotidiano da cidade, por exemplo, o aumento populacional, com relação à festa consideramos que pessoas de outras cidades que vinham para Cruz das Almas e tiveram que adaptar com as práticas empreendidas na festa, fazendo parte das comemorações, ao mesmo tempo outras não se identificando com elas. Com a implantação do curso de agronomia da UFBA e da Embrapa na cidade, o fluxo populacional se transforma, acarretando a vinda de muitas pessoas para estudar e trabalhar, o que gerou as mudanças nas práticas sociais da cidade relacionadas à festa de São João. Segundo a tradição oral, a exemplo das memórias de D. Maria Pereira, hoje com 74 anos, que nos relatou ter herdado as práticas da festa de seus pais, os festejos de São João 54 CARVALHO, Moacir. Brincando com fogo: origem e transformações da guerra de espadas em Cruz das Almas. In: V Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, EBECULT Salvador, Faculdade de Comunicação/UFBa, Salvador-Bahia-Brasil. Disponível em: acesso em set

37 37 sempre estiveram presentes no cotidiano dos cidadãos cruzalmenses, mas esta comemoração não era a única manifestação religiosa da cidade. Entretanto, foi a que acabou se destacando e ganhando visibilidade, por congregar o lado lúdico e religioso ao mesmo tempo. A festa da padroeira católica da cidade, nossa Senhora do Bonsucesso, era outro momento religioso em que os moradores católicos tinham como prática comemorativa, esta era geralmente realizada no dia 8 de dezembro, com a celebração de novenas, que geralmente contava com participação de escolas, estabelecimentos comerciais, localidade rurais etc. A festa da padroeira tem fortes ligações com a história de Cruz das Almas, principalmente por ter suas origens ligadas a símbolos do catolicismo, segundo o memorialista Alino Matta Santana: A religião predominante em Cruz das Almas é a Católica Apostólica Romana. O primeiro Vigário desta freguesia foi o Padre Teodório Correia de Mendes Ferreira. A Igreja Matriz, localizada nas proximidades onde fora fincada a cruz que deu origem a cidade de Cruz das Almas, foi inaugurada no dia 17 de novembro de A devoção católica sempre foi marcante, identificada desde o nome da cidade, Cruz das Almas, está presente na composição paisagística da cidade através da cruz como símbolo de devoção em que as pessoas iam rezar pelas almas dos mortos. A imagem abaixo revela que, já na década de 1930, as festividades em devoção a padroeira da cidade eram outra forma de manifestação da religiosidade católica vivenciada no cotidiano da população: 55 SANTANA, Alino Matta. O livro do centenário : marcos do progresso de Cruz das Almas. Cruz das Almas-BA: Bureau, 1997, p. 161.

38 38 Figura 1: Nogueira, J. Procissão de Nossa Senhora do Bom Sucesso - Cruz das Almas. Cruz das Almas, Bahia, 1939, arquivo pessoal Hermes Peixoto. Ao fundo da imagem podemos observar a cruz de madeira, como apontou Alino Santana, símbolo responsável por dar o nome da cidade, pelo costume e práticas de viajantes que faziam desse local entreposto para suprir necessidades de viagem em direção a outras cidades do Recôncavo, bem como o descanso dos longos dias de viagens, estabeleceram esse espaço como o centro da cidade. A fotografia de 1939, além de apresentar uma visão do momento religioso, oferece informações quanto ao espaço de realização das festas. O mesmo local onde faziam a procissão para Nossa Senhora do Bonsucesso era também o espaço da realização da queima de espadas do São João. Ao fundo da imagem podemos observar a igreja Católica Matriz que preserva ainda, nos dias atuais, a mesma fachada, com seus aspectos físicos e arquitetônicos, as palmeiras imperiais completam o cenário da praça, como um corredor que leva os fiéis ao encontro da igreja. À frente da procissão o estandarte erguido por crianças conduzia os fiéis pelas ruas da cidade em devoção à santa. Alinhados de forma ordeira, as crianças seguiam à frente da procissão, possivelmente como representantes da pureza e inocência pregada pelo ato devocional da caminhada em homenagem a Nossa Senhora. Esta percepção imagética nos remete ao que Antonio Torres Montenegro salientava com relação aos espaços e a memória: O espaço onde se constrói uma cidade nos convida para o reconhecimento de um espectro

39 39 infinito de determinações / relações. É nesse plano intricado que homens, mulheres, crianças, velhos e velhas estabelecem, projetam, realizam suas vidas 56. A Praça de Cruz das Almas se configura como lugar aonde foi delineado importante relações pelos moradores da cidade, é o marco de origem da cidade, espaço das festas, da feira, da prefeitura, do coreto, onde inúmeras redes de sociabilidades foram construídas. Diferentemente do dia de Nossa Senhora do Bonsucesso, todo esse cenário se modificava no dia de São João, tanto as palmeiras como a igreja passavam a configurar os lugares de esconderijo em que os brincantes das espadas pudessem se desviar e proteger desses fogos. Somando-se a outros elementos, que não estão presentes na imagem acima, por exemplo, as outras espécies de árvores, como os flamboyants, os bancos, o coreto, compõem as trincheiras de guerra no São João. A festa de São João em Cruz das Almas era indissociável do cotidiano da cidade e possibilitava a aproximação com as relações construídas pelos sujeitos. Martha Abreu aponta que [...] as festas de caráter religioso, cívico ou carnavalesco também foram valorizadas por essa historiografia como um atraente caminho para se conhecer uma coletividade, suas identidades, valores, tensões, através das atitudes, dos comportamentos, dos gestos 57. As relações estabelecidas entre aspectos da vida dos participantes dos festejos juninos de Cruz das Almas, suas motivações pela fabricação e queima de espadas, os riscos a que estavam condicionados, permitem observar as mudanças, permanências e tensões que estão presentes nas heranças deixadas na formação histórica cultural e social de uma sociedade, a partir da preservação e o acesso de sua história. Nos cruzamentos e desdobramentos que a festividade junina alcançou, enveredam-se pelas suas simbologias as condições práticas de assimilação entre sujeitos e meios (espaços) e as ações destes e suas identidades. Essas identidades podem ser entendidas como um leque de experiências vivenciadas pelos participantes da festa, sobretudo por aqueles que faziam parte diretamente dela, como produtores de fogos, que ao mesmo tempo eram brincantes no São João; bem como das donas de casa, ou trabalhadores, que dividiam as obrigações do dia-a-dia com a dos preparativos para a festa, os espadeiros que se aventuravam a ir para o fogo cruzado do dia 24 de junho na Praça Senador Temístocles e em algumas ruas da cidade. Identificamos essas identidades 56 MONTENEGRO, Antonio Torres. História Oral e Memória: a cultura popular revisitada. São Paulo: Contexto, p ABREU, Martha. O império do Divino: festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro ( ). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000 p.38

40 40 como resultado de práticas sociais as quais os sujeitos históricos foram inseridos, resultando daí relações com seus pares, trocas de experiências, Stuart Hall define essa concepção ao apontar que: A identidade torna-se uma celebração móvel: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. É definida historicamente [...]. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um eu 58. As considerações do autor nos auxiliam a pensar que as identidades definidas pelos participantes da manifestação cultural não se caracterizam por engessar as ações e experiências, tornando-se móveis, a ação dependendo sempre do lugar que estivessem inseridos. Os moradores que aprovavam a festa se envolviam na sua preparação demonstrando sua condição de pertencimento, fosse através da ornamentação típica do período, como bandeirinhas e balões de papéis, espalhados pelas casas e lojas, bem como na montagem de fogueiras e a compra de fogos para as crianças, dentre outros. Esses costumes parecem ter gozado de longevidade e se estendido nos dias de São João, como cita a reportagem do jornal A Tarde, referindo-se aos festejos tanto na capital como no interior: Mas os balões ainda sobem, para a alegria da meninada gárrula e de muita gente madura e velha, que revive na alegria dos meninos de hoje a alegria perdida depois que ficam homens, mas, ainda sim, mudou o São João na velha cidade de Salvador. [...] No interior, no entanto, a coisa é bem diversa, pouca diferença faz do seu tempo de menino. Há fogueiras, fogos à vontade, busca-pés, espadas, coriscões, rojões fortes, e as casas se abrem, com as suas mesas fartas, onde predominam a canjica, o bolo de milho verde, o bolo de tapioca, o genipapo 59. A alegria dos meninos de hoje certamente aponta a carga de subjetividade e saudosismo que os festejos de São João proporcionavam às famílias baianas. Segundo a descrição do periódico, as diferenças entre os festejos na capital e no interior se faziam marcantes, as diferenciações no que se refere ao ar campestre que o interior oferecia, diferenciando-se do ritmo agitado da capital que sugere lembranças de tempos outros. O São João, a partir da leitura do periódico, apresenta-se como uma festa carregada de saudosismo e subjetividade, o jornal mostra a festa da capital como momento aproveitado com mais intensidade na fase da infância, ficando adultos impossibilitados de vivenciar as alegrias juninas, são leituras de tempos diferenciados. Acentua-se a essa descrição uma 58 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005, p São João de ontem, São João de hoje! A Tarde. 20/21 jun

41 41 distinção entre os espaços, capital e interior, marcado por um distanciamento temporal, a juventude e a fase adulta. Podemos considerar que na descrição apontada sobre a capital diferenciava-se as referências e elementos das festas de São João, enquanto o interior preservava e vivenciava aspectos caracteristicamente típicos dos momentos dessa festa ligados a costumes preservados de antigas tradições. Em se tratando de espaços distintos existem, certamente, demandas diferenciadas; as práticas sociais vivenciadas pelas pessoas de cada lugar eram feitas a partir dos hábitos de cada grupo social, as expectativas em torno da festa eram observadas a partir da ótica que cada grupo tinha sobre a forma de festejar e as condições sociais que lhes foram oferecidas. As características remetidas às festividades interioranas apresentam-se como estáveis, preservando costumes que se definiram como essenciais para a festa: os fogos, a música, as comidas. O jornal faz uma descrição em que as práticas socioculturais desses locais apresentavam-se estanques, imóveis, essa não diferença do tempo de homem e de menino ressalta uma característica estática, ao relacionar a vida interiorana a uma estagnação onde tudo permanece inalterável, como se a vida nesses espaços não tivesse dinâmica. A senhora Raimunda Silva Souza estava com 74 anos quando nos concedeu um relato oral de suas memórias sobre as festa de São João na cidade. Hoje falecida, nasceu em Cruz das Almas em 1936 e pôde vivenciar a festa por um longo período. Como um número significativo de mulheres da cidade, trabalhou nos armazéns de fumo desde os seus 14 anos, mãe solteira de filhos gêmeos, após o falecimento de seu marido, criou seus filhos sozinha, com a renda obtida no trabalho nos armazéns de fumo. Segundo as suas memórias, o [...] São João era o seguinte, alegre, o povo entrar nas casas, pra gente brincar, sair, comer na casa dos vizinhos. Era bandeirola, fita bandeirola, e ainda bota, se reunia a rua toda pra botar 60. Essa parece ser uma prática comum para muitos moradores da cidade, a forma de partilhar a arrumação das ruas, organização mesas, socializar comidas e bebidas típicas da época. Na análise das fontes, encontramos alguns números do jornal Nossa Terra que, graças à conservação de alguns exemplares por parte de particulares, puderam servir para o auxílio do estudo aqui apresentado. O jornal Nossa Terra, periódico semanal que, apesar de vida efêmera, é um dos poucos, talvez o único, a retratar informações de Cruz das Almas nos anos 50 do século XX. 60 Raimunda Silva Souza. 74 anos, operária fumageira. Entrevista concedida em 10/05/2011, Cruz das Almas- BA.

42 42 Com relação às festividades de São João na cidade, o Nossa Terra publicou algumas reportagens que apontavam os significados dos festejos juninos, a coluna FLASH, do escritor Mario Pinto da Cunha, trazia informações a respeito da cultura da cidade. A respeito do São João afirma que: A cidade, como aliás todo o país, prepara-se para os festejos juninos. Há no ar, as vésperas da grande efeméride cristã a sutil alegria que envolva das almas jovens, velhos e creanças, numa tentativa de materialização na policromia esfuziante dos fogos. Assim a tradição, como se fora o espírito das coisas, alma do imaterial, vence incólumes, séculos milênios, sobrevivendo a todas as crises, superando todas as subversões, intangíveis e imorredoura, construindo, outrossim, uma das melhores razões, para a grandeza dos povos e das nações que a conservavam e cultuavam. Não parece a tradição que antes revive sempre nas épocas próprias, com a pujança incoercível do determinismo, bela sempre, e sempre exercendo, sobre os espíritos o doce fascínio das coisas eternas 61. O São João, na visão de Cunha, define-se com festividade de importância na esfera de valorização da festividade cristã-católica para a cidade. Destaca-se no trecho a aproximação no que se refere ao contexto nacional, apontando a ocorrência da preparação para o festejo em todo o Brasil, evocando a valorização da manifestação festiva não apenas como obrigação na agenda religiosa, mas, como festividade habitualmente praticada. O uso de fogos como característica da ludicidade e divertimento da festa apresenta-se como uma das múltiplas dimensões da festa de São João, como coloca o jornal sobre a materialização na policromia esfuziante dos fogos, fogos que em Cruz das Almas estão diretamente ligados à prática dessas brincadeiras e a importância que esses objetos tinham para compor as dimensões da comemoração junina. Com destaque para a utilização dos fogos de artifício, os quais compreendiam uma das dimensões das festas de São João, como elemento lúdico que atrai pela sua luminosidade e efeitos, comovendo todos os segmentos etários a apreciarem a policromia esfuziante dos fogos, alegrando as noites de São João. A perspectiva de congregar diferentes segmentos sociais também pode ser identificada, sobretudo por ser uma festa definida pelo tom de diversão e entretenimento que possibilitava a participação de diferentes sujeitos. A descrição apontada pela reportagem também evidencia o caráter de transmissão que a festa de São João carregava. A festa, como uma manifestação que não se estanca no tempo, se sobrepõe, identifica-se traços demarcados pela relação entre mudanças e permanências que foram inseridas nas vivências dos que a realizavam, sobretudo ao reconhecê-la sobrevivendo 61 CUNHA, Mario Pinto da. Flash. Jornal Nossa Terra, 19 jun

43 43 a todas as crises ressalta possivelmente as adaptações que os sujeitos participantes faziam em prol da manutenção do festejo de São João. Analisamos a partir de uma perspectiva histórica o sentido que as transformações e mudanças refletiram nas práticas dos participantes do festejo junino. O jornal cita a palavra tradição e essa vinculada a reatualização de ações de sujeitos que se aproximam de atuações que não são perenes, mas duradouras. Trazendo à luz outra perspectiva, Edimilson Pereira e Núbia Gomes apontam que [...] a tradição não se sente afetada pela corrosão que ameaça os eventos, pois só pode aspirar a ser tradição aquilo em que respira a perspectiva de mudança 62. As transformações certamente fizeram parte da manifestação festiva, e defini-la como imóvel é não considerar a atuação dos sujeitos que dinamizavam seu cotidiano. Essas transformações foram apreendidas como uma possível crise na forma como o São João era vivenciado, identificadas quando o jornal aponta que [...] não parece a tradição que antes revive sempre nas épocas próprias. Denota a existência de uma possível forma de adequação das práticas sociais dos festejos juninos, talvez por seus participantes identificarem a incorporação de novos elementos ao São João, ou ressignificar as maneiras como era celebrada essa festa na cidade. Podemos também observar essa aspiração sobre os festejos a partir do periódico Nossa Terra quando descreve que: Se em alguns anos, há aparente desanimo vêde que ponderáveis causas estão influindo negativamente. O normal, porém, é isto, vibração, entusiasmo, extravasamento de boa ingênua alacridade, de que é tão rica a alma do povo. A mesma vibração mística que vem do fundo dos tempos, daquela remota noite bíblica, em que santa Isabel acendera, nas colunas da Judéia a fogueira, anunciadora do nascimento do primo de Cristo, o Batista, ainda hoje, dois mil anos após, se faz sentir nesta época, e é por isso que a cidade está em festa, fazendo coro com o mundo cristão, na rememoração anual do auspicioso acontecimento 63. Observamos na reportagem do jornal Nossa Terra uma postura que coloca o São João no município, na metade do século XX, como festejo que estava em aparente desânimo, a passagem descreve para o festejo em seus aspectos que remetem ao religioso, sobretudo pela alusão à passagem bíblica do nascimento de João Batista, apontando para o sentido sagrado da festa. Entretanto, é importante ressaltar que ao assinalar para uma possível transformação, ou abandono das festas do período junino na cidade, o repórter, em tom convidativo, sugere que a população retomasse as práticas para as antigas formas de festejar São João. Outra observação remete ao não pronunciamento sobre as espadas, estas não estão presentes na fala 62 PEREIRA, Edimilson de Almeida; GOMES, Núbia Pereira de M. Inúmeras cabeças: tradições brasileiras e horizontes da contemporaneidade. In: FONSECA, Maria Nazareth Soares Fonseca. Brasil Afro-brasileiro. 2º Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006, p CUNHA Mario Pinto da. FLASH, Jornal Nossa Terra, 19 de junho de 1955.

44 44 do repórter, ao discorrer sobre fogos faz apenas uma generalização que os identifica como característico do período junino, sem fazer especificações. Podemos, para além das aspirações do sentido lúdico, associar os festejos à prática religiosa observada na Bíblia, pois, quando o texto da reportagem fala da visita feita por Santa Maria, mãe de Jesus Cristo, a Isabel, sua prima, e mãe de João Batista, remete a uma prática que nos festejos juninos pode ser relacionada às visitas que os brincantes do São João faziam uns aos outros nos dias da festa. Essa prática se consagrou como hábito do cotidiano das brincadeiras juninas, tornando-se praxe. As brincadeiras com espadas já haviam consolidado espaço e se caracterizando como manifestação habitual nos festejos do São João, mas essa forma de brincar não aparece na reportagem como elemento importante e já presente nos festejos juninos de Cruz das Almas. O Senhor Raimundo Ferreira Neves, antigo espadeiro da cidade, produtor de fogos há mais de cinquenta anos, admirador e participante das brincadeiras juninas, ressalta que há cinquenta ou sessenta anos, [...]o São João era sempre divertido, saiam os grupos de espadeiros, saiam senhoras e moças todo mundo no meio, tocando sanfona, tomando licor, e tocando as espadas 64. Seu relato nos apresenta uma forma de realização da festa onde o artefato pirotécnico ainda era concebido como um entre tantos produzidos na época, não era tido como elemento diferenciado nas práticas comemorativas, acreditamos que esta observação do S. Raimundo, a respeito das espadas, está relacionada com a utilização dos fogos não como elemento centralizador das brincadeiras de São João, mas um entre as várias formas de aproveitar os dias da festa. Nos anos de 1950 e 1960, os festejos juninos na cidade apresentam-se caracteristicamente familiares, com a fabricação de fogos vinculada ao divertimento em um ambiente comunitário e familiar. Porém, os hábitos dos festejos passam gradativamente por transformações, talvez as mudanças estivessem relacionadas ao regulamento da produção e uso de artefatos no período junino, especificamente, atribuído ao cumprimento do decreto 64 Raimundo Ferreira Neves. 74 anos. Fogueteiro/Espadeiro. Entrevista realizada em Cruz das Almas, 23/01/2012.

45 45 lei 65 estabelecido em 1942, que dispunha sobre a fabricação, o comércio e o uso de artigos pirotécnicos. A década de 1960 em Cruz das Almas, como no Brasil, foi afetada pela influência do novo regime político ditatorial que processa significativas alterações de ordem política e social. De acordo com escritos do memorialista Mario Pinto da Cunha, a cidade vive intensas mudanças no ordenamento do Executivo, que através das intervenções dos militares dariam novos rumos à administração do município. É o que observamos nos relatos feitos no seu livro de memórias Aquarela de Cruz das Almas, onde descreve o novo regime imposto como [...]os germes das renovações e inovações, as naturais alternativas e as indefectíveis reivindicações dos elementos vitoriosos 66. No ano de 1964, estava na liderança política do município o prefeito Jorge Guerra, assumindo o mandato pela segunda vez. A partir da influência do regime, o prefeito, por não estar alinhado com o posicionamento político que então vigorava pede a renúncia, e [...] pressionado, mas compreensivo, procurando evitar atritos e implicações estéreis, o Sr. Jorge Guerra renunciou 67. Ainda segundo as memórias de Cunha, a sucessão da prefeitura fez-se em consonância com as aspirações que impunham a ditadura, no lugar do prefeito renunciado ocupou a cadeira do Executivo municipal o Senhor Waltércio Fonseca. O novo administrador foi homologado pelo Comando Revolucionário, a sua escolha deveu-se ao fato dele ter vínculos com as Forças Armadas, por ser Tenente da Reserva do Exército. O memorialista aponta a aceitação do novo representante como positiva pelos moradores, ainda segundo ele o novo prefeito proporcionou a [...] pacificação dos espíritos e harmonia social. Podemos evidenciar em seus relatos que, embora apresente as transformações como aceitas pelos moradores de Cruz das Almas, certamente houve focos de resistência ao novo regime. Passado o período transitório, o Prefeito Fonseca seguiu sua administração até o ano de Não apenas transformações nas esferas políticas movimentaram o cotidiano dos moradores da cidade nas décadas de 1950 e 1960, as mudanças nos festejos juninos foram gradativamente alteradas, sobretudo quando analisamos as reportagens feitas pela imprensa, que apontam como os moradores começavam a segmentar as práticas relativas à 65 Decreto-Lei de Nº 4.238, de abril de 1942, sancionado pelo presidente Getulio Vargas que dispunha sobre a fabricação, uso e comercialização de fogos de artifício. Este decreto será discutido na seção três do texto, que discutirá as formas de coerção ao uso dos fogos. 66 CUNHA, Mario Pinto da. Aquarela de Cruz das Almas. Cruz das Almas-BA, 1983, p Ibidem, p. 52

46 46 comemoração junina. Congregavam na cidade maneiras de participar do São João através de bailes em clubes, as tradicionais visitas de parentes e amigos e a queima das espadas pelas ruas da cidade, estes elementos formaram esferas participativas diferenciadas no município. Observando os artigos relacionados aos festejos identificamos que era comum na imprensa apontar uma distinção de lugares diferenciados onde as festas eram realizadas, a saber; as ruas onde as espadas eram tocadas, os bailes do Cruz das Almas Clube, possivelmente para manter uma postura social que demarcasse as diferenças e os territórios na forma de apreciação da festa pelos moradores de Cruz das Almas. A esse respeito, o jornal Nossa Terra escreve uma reportagem elogiando um tradicional baile de São João que acontecia no Clube Cruz das Almas: Conforme já noticiamos a diretoria do Cruz das Almas Clube tomou a feliz iniciativa de reviver, entre nós, os tradicionais bailes das vésperas de São João, que no passado tanta vida e encantamentos proporcionavam à cidade e muito especialmente às famílias, que reunidas nos salões festejavam alegremente o querido santo das fogueiras, consolidador dos namoros nascidos nas trezenas de Santo Antonio. Em torno dos brazeiros havia juras de compadresco enquanto moçoilas catitas e casadoiras tiravam sortes e toda a noite se coloria de cambiantes e balões. Em casa aguardando as visitas, cheiravam os pratos das cangicas, bordado de canela-em-pó, enquanto o loiro genipapo era farto nas frasqueiras de cristal. Amendoim cosido, pamonhas e milho assado, guloseimas de toda sorte completavam as alegrias joaninas, deixando no coração da gente a saudade do São João passado, que era amenizado com as esperança de novo São João. Estão de parabéns pois os diretores do Cruz das Almas Clube, pela noitada que vai oferecer a 23 deste, nos seus salões tipicamente ornamentados para esse fim 68. As formas de festejar apontam para concepção de transformação do São João, a alteração na forma como a festa é concebida, a descrição que aponta um aparente desânimo incomum aos festejos juninos, que deveria estar repleto de vibração, extravasamento de boa e ingênua alacridade, de que é tão rica a alma do povo, aponta o caráter lúdico e alegre que este tipo de festejo costumeiramente apresentava. O São João dos Bailes tão bem estimado, segundo a reportagem, parece ser representativo de um segmento social de famílias economicamente privilegiadas, esses espaços formais e particularizados para realização da festa serviam como manutenção de uma forma, dentre muitas, de identificação com o São João. O tom que evoca um saudosismo e a descrição pormenorizada dos hábitos alimentares, bem como das relações estabelecidas com antecedência dos vínculos já antes criados no dia de Santo Antonio, apresentam uma 68 São João no Clube. Nossa Terra, p jun. 1955, nº 46, Cruz das Almas.

47 47 visão que pretendia colocar esses espaços como mantenedores da maneira pelo qual os encantamentos que proporcionavam à cidade e muito especialmente às famílias. Esta visão apontada pelo periódico se alinha com a perspectiva atrelada às práticas sociais a um conceito de tradição identificado como linear, onde [...] a tradição passa a ser compreendida como sucessão de eventos regida por uma norma que traça um caminho do período como áureo para a decadência 69. A intencionalidade de reviver um São João distante apresenta-se como proposta que traria contentamento aos grupos sociais que faziam parte daqueles Bailes nos festejos juninos. Nestas festas particularizadas podemos evidenciar que havia um forte apelo para que as redes de sociabilidades fossem estabelecidas, as festas juninas, nesse sentido, seriam oportunidades para que compromissos matrimoniais fossem consolidados, assim, entendemos também que esta era uma das maneiras de estabelecer relações com os seus pares, ou seja, aqueles indivíduos que lhes eram próximos nas camadas sociais economicamente privilegiadas. Os hábitos alimentares apontam a distinção entre as formas de festejar, a fartura mencionada, bem como os itens citados, a exemplo da frasqueira de cristal, objeto que certamente nem todas as famílias de Cruz das Almas podiam ter, evidenciam os espaços ocupados pelos diferenciados grupos sociais. Se, somado a esta descrição, a participação da festa no Clube já demonstrava que os festejos juninos eram momentos em que os moradores da cidade buscavam exercer suas experiências sociais a partir do lugar social que eles pertenciam. O Cruz das Almas Clube, um espaço privado, tornou-se um local para festejar em que nem todos os segmentos sociais da cidade poderiam ter acesso, geralmente famílias que tinham poder aquisitivo para custear o vínculo com esse espaço de lazer é que se responsabilizavam por organizar esses bailes particulares. Nota-se que a intencionalidade do baile, acima referido, era reviver o que consideravam [...] os tradicionais bailes das vésperas de São João, que no passado tanta vida e encantamentos proporcionavam à cidade, certamente por não apreciarem as outras formas a que os festejos eram relacionados. O São João de rua, aquele onde comumente as pessoas saiam pela cidade para as visitas aos parentes e amigos, com queima das espadas - embora não aparecendo na fala da reportagem acima - era considerada outra possibilidade de partilhar as comemorações juninas, 69 PEREIRA, Edimilson de Almeida; GOMES, Núbia Pereira de M. Inúmeras cabeças: tradições brasileiras e horizontes da contemporaneidade. In: FONSECA, Maria Nazareth Soares Fonseca. Brasil afro-brasileiro. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, p. 49.

48 48 evidenciando-se como outro universo dos moradores de Cruz das Almas, identificado numa aproximação menos formalizada, no sentido da acessibilidade. Dona Maria Moura, 74 anos, dividiu sua vida entre a atividade da costura, como ela mesma expressou, modista, e nas organizações para os festejos juninos. Muito conhecida na cidade pela sua disposição em organizar festas na rua em que morava, a Rua da Estação, relembra os festejos de São João da seguinte maneira: Ah o São João da minha infância menina era ver as espadas, todo mundo saía nas casas bebendo licor, e a gente fazia um forrozinho dentro de casa, eu já fiz forró em noite de São João. Mas eu fazia muita festa de São João assim 70. Podemos depreender do relato de D. Maria Moura que, na cidade, as espadas, bem como as organizações feitas pelos moradores nas ruas, sempre tiveram sua participação e destaque nos festejos de junho, ao passo que perceber a sua ausência em um veículo de comunicação, um dos poucos do município, é identificar o posicionamento de distanciamento do jornal. O periódico apresenta uma distinção das formas de brincar a festa onde o prestígio e os lugares eram destacados, bem como os festejos em clubes e festas particulares. Edilece Couto aos estudar algumas festas católicas em Salvador-BA, no final do século XIX e meados do século XX, assinala que: Alguns costumes tradicionais começaram a sofrer críticas da elite intelectual e defensora da modernização. Foi realizada, por meio dos jornais, uma verdadeira campanha contra o hábito de acender fogueiras e soltar fogos buscapés, bombas e roqueiras durante as festas religiosas, sobretudo as realizadas no mês de junho 71. A autora destaca as imposições feitas para o cerceamento de algumas práticas tradicionais, que possivelmente as elites da capital baiana apontavam não estar alinhadas ao ideal de modernidade da época. Essa perspectiva lançada por Couto nos ajuda a identificar aproximações com os festejos juninos em Cruz das Almas. As festas, que comumente eram tidas como tradicionais pelas elites da cidade, principalmente as do Clube, deveriam ser aquelas que representassem o modelo de ordenamento social, além de ser responsável pela manutenção das diferenças entre os grupos sociais. Em depoimento, o Senhor José Costa Simas, 76 anos, conhecido como Zelino, antigo espadeiro de Cruz das Almas, trabalhador nos armazéns de fumo da cidade, produtor de 70 Maria Moura. Costureira. 75 anos. Cruz das Almas. Entrevista concedia em 19/05/2011, Cruz das Almas-BA. 71 COUTO, Edilece Souza. Tempos de festa: homenagens a Santa Bárbara, Nossa Senhora da Conceição e Sant Ana em Salvador ( ). Salvador: EDUFBA, p. 43.

49 49 espadas, tinha uma participação ativa nas brincadeiras com esse artefato, durante muitos anos dos festejos de São João. O Sr. Zelino, como sujeito histórico que constrói a história da festa, aponta as diferenciações existentes entre os modos de festejar ao relatar que [...] as festas de rico era no Cruz das Almas Clube, as pessoas que frequentavam lá o São João só ia pra gastar, gastar dinheiro, só ia lá quem tinha dinheiro pra gastar 72. Seu relato nos apresenta uma característica da festa que denota a relação de diferenciação entre as condições econômicas de quem participava das festas nos clubes e os sujeitos que não tinha possibilidade de acesso a esses espaços. Neste sentido, as brincadeiras com as espadas pareciam ser, entre os anos de 1950 e 1960, uma prática usualmente realizada por sujeitos de classes sociais menos favorecidas economicamente, uma alternativa de inserção na festa. Ao observarmos, por exemplo, o enquadramento profissional dos produtores de espadas, eles geralmente eram pedreiros, eletricistas, trabalhadores de armazéns de fumo. Identificamos que a produção desses fogos, além de fazer parte dos hábitos de comemorações, era responsável pela aquisição de uma renda extra no período junino. O Senhor Pascoal Passos da Purificação, hoje falecido, tinha 95 anos quando nos concedeu seu depoimento, nascido no início do século XX, mais precisamente no ano de 1906, funcionário público municipal na função de jardinagem, foi músico da Sociedade Filarmônica Lira Guarany como tocador de trompa por 56 anos. Revelou-nos que sempre foi um amante dos festejos juninos e que a espada sempre foi um elemento da cultura festiva da cidade. Produtor do artefato, afirmava que: Desde minha meninice é que eu vejo essas espadas, desde quando eu morava lá perto da Mata, a Mata era isso tudo aqui. Vinha até perto daqui onde eu moro hoje 73. Esse relato demonstra que comemorar o São João, utilizando-se do artefato e de brincadeiras nas ruas, já fazia parte do universo comemorativo dos festejos juninos. O São João foi se transformando, percebemos essa mudança no que parecia ser o entendimento veiculado na região. Ao analisar o jornal A Tarde, vemos uma reportagem que aponta para uma não motivação, aparentemente característica do período nos festejos realizados na capital, no início da década de 1960: Dentre as festas típicas mais expressivas e 72 SIMAS José Costa. 76 anos. Espadeiro, Pedreiro, Encarregado de armazéns de fumo. 18/06/2012, Entrevista realizada em Cruz das Almas-BA. 73 Pascoal Passos da Purificação, 95 anos, jardineiro. 13 de fevereiro de 2008, Entrevista realizada na cidade de Cruz das Almas.

50 50 comemorativas pelo povo, está a do São João, se nas grandes cidades esta tradição vem desaparecendo, em outras ainda é considerada com a mesma beleza 74. Embora fosse uma das festas mais apreciadas, às festas juninas são oferecidas leituras que as apresentem com distanciamento de antigas formas empreendidas na comemoração. Neste sentido, podemos entender que esse modo de conceber a festa deve ser relacionado às mudanças pelas quais os sujeitos que participavam dos festejos a concebia. Em outra reportagem do jornal, o tom é ainda mais enérgico, ao se referir às transformações, não apenas relacionadas a hábitos culturais, mas também ao econômico: De todas as festas populares do Brasil o São João é a que conserva maior número de características tipicamente brasileiras graças aos traços românticos e a ingenuidade que o homem do interior lhe conferiu. Em franca decadência por culpa do progresso, não é mais, nem de longe, o São João de nossos avós, quando ruas inteiras se coligavam no preparo dos balões, e o licor de genipapo era, deixado de infusão por mais de um ano. O preço proibitivo dos artigos juninos, as dificuldades de uma vida agitada e cara mataram a alegria e espontaneidade no coração do povo 75. A forma de vivenciar o festejo junino na capital e em uma cidade do interior, como Cruz das Almas, certamente apresenta suas particularidades. Entretanto, ressalta-se a importância das falas do periódico da capital, segundo suas interpretações, as mudanças que foram acontecendo na forma como era vivenciada a festa. A capital, possuindo uma dinâmica diferente, onde os espaços para comemorar se diferenciam, com sua rotina acelerada; e o interior que ainda apresentava características que lhes possibilitavam a prática da festa nas ruas, por exemplo, relacionada ainda com os costumes de proximidade entre os participantes, com o hábito do São João passou por aí? de vizinhos e parentes próximos. A obtenção de gêneros alimentícios típicos do período mais acessíveis devido a grande escala de produção, apresentam relações de experiências que por vezes se distanciavam, em outras eram costuradas por características tipicamente brasileiras demonstradas na importância do São João. O festejar, costume das experiências humanas, revela-se como um elemento inerente aos sujeitos, que pode ser atribuído ao lado lúdico, ou uma forma de subterfúgio das labutas diárias que tornam exaustivas as rotinas de homens e mulheres. Podemos identificar uma teia de relações determinadas que convergiam nas formas comemorativas, desenhando, como resultado, formas de identidades a partir das quais os sujeitos que compõem a manifestação se fazem ver como indivíduos atuantes na realização do São João de Cruz das Almas. Podemos, 74 O São João Baiano: uma tradição que a crise quer extinguir. A Tarde, 19 jun Progresso vem acabando com a festa de São João. A Tarde 23 de junho de 1960.

51 51 nesse sentido, nos auxiliar na proposição apontada por Stuart Hall que considera [...] a identificação como uma construção, como um processo nunca completado como algo sempre em processo 76. Os participantes da festa junina desempenharam assim funções múltiplas que, em constante processo de adaptação e reelaboração, oportunizaram as mudanças e ressignificação da festa. Dessa forma, Cruz das Almas se tornou conhecida pelo famoso São João e este se transformou em um dos principais rótulos para a cidade e seus moradores, na investigação da realização do festejo, foi possível perceber as muitas tensões existentes nesse cotidiano, a mobilização para que o uso das espadas fosse mantido, bem como a transformação que o município passava durante o período junino e as redes de sociabilidade que foram construídas. A esse respeito, E. P. Thompson nos auxilia a pensar nestas questões quando aponta que: Não podemos nos esquecer que cultura é um termo emaranhado, que, ao reunir tantas atividades e atributos em um só feixe, pode na verdade confundir ou ocultar distinções que precisam ser feitas. Será necessário desfazer o feixe e examinar com mais cuidado os seus componentes: ritos, modos simbólicos, os atributos culturais da hegemonia, a transmissão dos costumes de geração para geração, e o desenvolvimento dos costumes sob formas historicamente específicas das relações sociais 77. A partir de perspectivas e recomendações sugeridas pelo autor, podemos identificar as redes de sociabilidades que a festa de São João criou para seus participantes, evidenciadas nos momentos de convergência no período da festa, como possibilidade de entretenimento e lazer, que também encontra oposição na formação de outros grupos sociais, mobilizados para legitimar seus direitos de ocupação de espaços e não aceitação da manifestação. O envolvimento pessoal e comunitário que os festejos juninos em Cruz das Almas apresentavam, sobretudo através do uso das espadas, acabou suscitando a integração social na construção de identidades e valorização de uma tradição; produziu uma memória da fabricação do artefato, do lazer e encontros, o que concedeu a manifestação festiva seu caráter agregador e representativo para aqueles que optavam em fazer parte da festa. As circunstâncias que foram produzidas no São João da cidade também trouxeram polarizações e dicotomias, se tornaram responsáveis por ser um agente agregador de experiências observadas nas formas de fazer a festa. Nesse sentido, como aponta Luciana Chianca, [...] o São João é uma festa coletiva na qual uma comunidade estreita sua 76 HALL, Stuart. Quem precisa da identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu (Org. e Tradução). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, p THOMPSON, Edward P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: Ed. Unicamp. 2001, p. 22.

52 52 identidade através de símbolos e práticas que reafirmam este pertencimento. A dimensão e a extensão da rede social é o que garante o sucesso da festa 78. Essas redes de sociabilidade foram construídas e deram à festividade uma dimensão múltipla do lugar em que os sujeitos participavam dela. Responsável por agregar a construção de laços de proximidade, e partilha de experiências. Consideramos que estes festejos criaram elementos que convergiam para a formação de identidades através de elementos utilizados na forma de festejar, sejam através da música, na possibilidade de encontros entre pessoas, nos hábitos da partilha de alimentos, na produção de fogos, nos distintos elementos da cultura festiva e etc. A festa de São João, desta forma, tornou-se não apenas uma festividade religiosa, mas o momento, ou oportunidade, de uma coesão social no qual grupos sociais diferenciados ou próximos se envolviam, promovendo, como cita Chianca, uma extensão de redes sociais, aglutinadora de experiências transmitidas, que possibilitava aos seus participantes uma relação de pertencimento e identificação. Embora se evidenciasse o lado lúdico que convergia um significativo número de pessoas a ser favorável ao festejo, outra parcela de moradores da cidade não era simpatizante de algumas práticas empreendidas, principalmente no que se refere à fabricação e uso das espadas. D. Raimunda Souza, embora afirme que gostava dos festejos juninos, ressalta este distanciamento e reprovação: Isso aí é a derrota [...] [as espadas], pra que? São João é pra gente brincar e ninguém pode fazer isso, a gente já tá aqui imaginando. Antes era menos, agora todo mundo faz espadas acaba com a cidade 79. Em seu depoimento, observamos que para D. Raimunda as extensões da festa deixavam de ser aproveitadas por todos os grupos sociais devido à imposição que as brincadeiras com fogos e espadas determinavam. Demonstra, assim, que a festa é múltipla e congrega em sua realização dimensões ímpares e singulares. Considerando a utilização dos fogos de artifício como a derrota para os festejos juninos da cidade, a depoente considera que estes acabaram limitando a participação de muitos moradores que antes faziam suas festas pelas ruas, assim como aqueles que vinham à cidade visitar seus parentes deixaram de fazê-lo após o uso indiscriminado do artefato. 78 CHIANCA, Luciana. Devoção e diversão: Expressões contemporâneas de festas e santos católicos. Revista Anthropológicas, ano 11, volume 18(2): (2007), p Raimunda Silva Souza. 74 anos, operária fumageira. 10/05/2011, Entrevista realizada em Cruz das Almas BA.

53 53 A revista Veja, periódico de circulação nacional, no ano de 1979 traz uma reportagem acerca da forma diferenciada de comemorar os festejos juninos em Cruz das Almas, destacando, sobretudo, o uso das espadas como elemento excêntrico e perigoso. Ao entrevistar o pároco da cidade escreve que: Este ano, Padre Neiva limitou-se, do púlpito, a pedir moderação a seus fiéis e, em conversa de sacristia, a instruir as beatas da Pia União das Famílias de Maria para que fizessem o mesmo junto a seus parentes e amigos. Em vão. Esgotou-se o estoque de pomadas contra queimaduras nas três farmácias de Cruz das Almas, o pequeno hospital de Nossa Senhora do Bonsucesso não pôde comportar todos os feridos, o prefeito viu um de seus filhos seriamente queimado e o delegado Jenelício Gomes Rocha preferiu retira-se da cidade levando toda sua família. E o padre? Prudentemente ele passou o São João em outra paróquia 80. Inúmeras foram as interpretações adversas e as ações desfavoráveis atribuídos aos festejos de São João com a utilização de espadas, convites que motivavam a não participação dos moradores, como a instrução do pároco dada aos seus fieis é um desses exemplos. Podemos identificar que nem os organismos responsáveis pela manutenção da ordem se arriscavam a confrontar a manifestação da cidade, até mesmo o delegado, que deveria ser o responsável pela manutenção do bem estar e da ordem no município, se ausentava dos festejos, outras formas de desaprovação, como abaixo assinados e cumprimento de decretos de lei 81 também foram utilizados para cercear essa prática no São João de Cruz das Almas. As características que se expressavam na quebra da ordem pelos danos e riscos que as espadas ocasionavam, bem como limitar a participação de muitos que queriam brincar na festa, formavam esse universo festivo carregado de polarizações que demarcava diferentes maneiras como o festejo era apropriado. As festividades juninas, para muitos participantes, podiam servir como momento de sociabilidade e partilha de experiências, de alegrias e reencontros, tornava-se lugar onde foi possível a construção de variadas identificações. Os fazeres e usos das espadas nos festejos de São João na cidade, bem como outras dimensões da festa relacionadas, sobretudo, aos Bailes de clube, as visitas feitas por grupos de pessoas, possibilitavam analisar sobre aspectos relativos ao desenvolvimento e transformações que os participantes da festa realizaram. Nessa perspectiva, identificar na população o sentido de pertinência e manutenção do São João é 80 Brincando com Fogo. Veja. 4 jul A respeito dessas ações, na seção três serão feitas considerações e análises dessas formas de cerceamento desses fogos de artifício no São João da cidade, bem como legislações referentes à produção, venda de consumo desses.

54 54 viabilizar a compreensão da conservação da tradição, não lhes conferindo um sentido inalterável mas uma prática que viabilizou as suas ressignificações ao longo do tempo. 2.2 O QUE É QUE SE FAZ: SE REZA OU BRINCA O SANTO? Em um universo de festas, brincadeiras e comemorações, dentre as quais se destaca a festa de São João, que na cidade assume papel de destaque, o catolicismo atribui a este santo o diferencial nas relações de devoção por este ter estabelecido relação de proximidade com Jesus Cristo e ter sido seu contemporâneo. No Brasil, a devoção ao São João é adotada através do legado da tradição portuguesa, adquirida na época da colonização, aqui mesclada e influenciada pelas culturas negras e indígenas essa devoção é readaptada, transformando-se em uma das maiores festividades do país. A história da festa de São João, com a produção e o consumo das espadas em Cruz das Almas, norteia-se, antes de tudo, por demarcações religiosas, ressignificadas que foram ganhando sentidos e definição, principalmente através da organização de tradições católicas para comemorar o São João. Este santo católico, que foi pronunciado em textos bíblicos, mitos e costumes populares, nas devoções do catolicismo ganha diversos significados, dependendo sempre do espaço e costumes em que esteja inserido. Ao longo do processo de construção e organização da festa, moradores da cidade desenvolveram a habilidade de fabricação de fogos de artifício, inicialmente através da produção de busca-pés, rojões e foguetes, sendo esse processo operado através de técnicas manufatureiras. As espadas, artefato que paulatinamente eram incorporados componentes técnicos e luminosos, tornava-se o elemento peculiar dos festejos, tomado como objeto de destaque na festa através das práticas de fabricantes, espadeiros e moradores, que apreciavam o uso do artefato como uma forma singular de brincar o São João. As peculiaridades dos modos de brincar a festa de São João apresentavam-se como elementos de celebração e ritos do santo da Igreja Católica. Primeiramente reside no fato de São João ser o único santo que se comemora o nascimento e não a morte, outro elemento está no fato do nascimento do santo estar relacionado a um fato extraordinário, já que segundos relatos bíblicos seus pais eram idosos e sua mãe considerada estéril; assim, seu nascimento significou uma graça de Deus e o exemplo da gratidão dos pais deveria ser tomado como elemento da tradição católica. As qualidades descritas sobre João Batista lhes garantiram

55 55 lugar de honra e destaque entre os santos católicos: Equiparando-se a Jesus ele é o único do qual se comemora o dia do nascimento não da morte 82. A vida de João está registrada na Bíblia, em suas variadas traduções, ele é descrito como o homem que recebeu a missão de prenunciar o Cristo, esse homem deveria viver e escolher uma vida de desapego. Sua trajetória está assinalada no Evangelho que são os quatro primeiros livros do segundo testamento: Mateus, Marcos, João e Lucas. Nos três primeiros livros citados os relatos contam as passagens em que João, o Batista, profetizava a vinda do Messias Jesus, posteriormente constam o relato sobre como João fez o seu batismo. Detalhes pormenorizados sobre a vida de João aparecem no Evangelho de Lucas 83 : Chegou para Elizabete o termo da sua gestação e ela deu à luz um filho. Seus Vizinhos e parentes souberam que o Senhor acumulara com sua bondade e se alegravam com ela (57). Ele pediu uma tabuazinha e escreveu essas palavras: João é o seu nome, e todos ficaram espantados (61). [...] Quanto ao menino, ele crescia e o seu espírito se fortalecia; e esteve nos desertos até o dia de sua manifestação (80). [...] João respondeu a todos: eu vos batizo com água; mas vem aquele que é mais forte do que eu, e eu não sou digno de desatar-lhe a correia das sandálias. Ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo (16) 84. Para os cristãos, o livro de Lucas apresenta uma síntese da vida de João e sua relação de proximidade com Cristo, especialmente pelo fato de João tê-lo batizado. Com base na tradição dos cultos aos santos católicos, João tornou-se um dos santos que recebeu maior devoção, suas ações são traduzidas em práticas do catolicismo, a exemplo do batismo nas águas que faz parte dos ritos cristãos. A amplitude que esta relação religiosa vai configurar transforma-se em elemento apropriado pela Igreja Católica para modelar sua forma de culto e obrigações devocionais. Ao buscar referências que nos auxiliassem no entendimento dessas relações de religiosidade composta no cristianismo, encontramos informações nos estudos que Peter Burke realizou sobre a cultura popular na Idade Moderna na Europa. Sua análise nos aponta informações que revelam conhecimentos acerca das práticas católicas que, no intuito de preservar a manutenção do poder, rearticula suas doutrinas para adequar-se às mudanças desse período. Segundo Burke, no século XIV a Igreja Católica tinha a preocupação em doutrinar e controlar seus fiéis, que ainda apresentavam costumes a práticas de rituais pré-cristãos, como 82 CHIANCA, Luciana. Chama que não se apaga. Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 4, nº 45, junho de 2009, p BÍBLIA SAGRADA Tradução Ecumênica. Edições Loyola, Ed. Paulinas BÍBLIA SAGRADA Tradução Ecumênica. Livro de Lucas, Capítulo 1, versículos: 57, 61, 80. Capitulo 3 versículo 16. Edições Loyola, Ed. Paulinas 1996.

56 56 os cultos ao sol e a lua, estes vinculados à fertilidade e a produções agrícolas. Estes cultos eram demarcados pelo Solstício de verão, em 21 de junho, dia em que o sol tinha maior duração, e o Solstício de inverno, em 21 de dezembro, dia que o sol tinha menos incidência na terra. O autor nos fornece informações que possibilitam relacionar a gênese das comemorações, vinculadas à homenagem a São João e sua transmissão ao longo dos séculos, algumas delas ligadas especificamente à tradição bíblica, mas também aos rituais pagãos da Europa. A esse respeito o autor sugere que: A noite de São João cai no Solstício de Verão. Nos inícios da Europa Moderna, essa festa era a ocasião de muitos ritos, que incluíam acender fogueiras e pular por cima delas, tomar banho em rios, mergulhar ramos. O fogo e a água são símbolos usuais de purificação, de modo que é plausível afirmar que o significado da festa era a renovação e a regeneração, e também a fertilidade, pois existiram rituais para adivinhar se a próxima colheita seria boa ou se uma determinada moça se casaria no ano seguinte. 85 Na descrição do autor sobre a relação entre a devoção religiosa e os costumes pagãos, os hábitos do cotidiano imbricaram-se para se tornarem elementos constitutivos dos festejos juninos, evidencia-se também a valorização dos significados relacionados com a água e com o fogo, apropriados como símbolos da purificação e renovação. De acordo com Burke, existe uma ligação entre as práticas relacionadas aos solstícios de verão e inverno: o de verão, na Europa, com data estabelecida entre 21 e 22 de junho, proximidade com a data escolhida pela Igreja para ser a data de São João, e o de inverno europeu, no dia 22 de dezembro, proximidade com a festa de Natal. Os referidos solstícios estavam vinculados às práticas festivas em comemoração a boas colheitas, também tinham o objetivo de afugentar maus olhados, pestes, secas, bem como esterilidade. A igreja Católica, com pretensões de não afastar seus fiéis, passou a adotar práticas concebidas como pagãs, que estavam enraizadas na cultura do povo anteriores aos períodos medievais; entre essas práticas constavam: acender fogueiras, os banhos de purificação nos rios e até rituais de adivinhação concebidos como superstição e condenados pelo cristianismo eram então tolerados. A esse respeito, Burke identifica que as práticas cristãs foram se imbricando com alguns subsídios pagãos. Assim como a festa do Solstício de Inverno, em 25 de dezembro, veio a ser celebrada com o nascimento de Cristo, da mesma 85 BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna: Europa, São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 205.

57 57 forma a festa do Solstício de Verão veio a ser celebrada como o nascimento do anunciador de Cristo 86. Ponderando as significativas diferenças na distância temporal e relações sociais, as interpretações acima nos auxiliam a compreender como as homenagens a São João foram construídas pela igreja Católica. Depreendemos daí que, a partir do processo de colonização realizado aqui no Brasil, os costumes de devoção ao santo, transportados da Europa, se consolidaram aqui no país. As práticas cristãs relacionadas à devoção a São João foram estabelecidas através de ritos católicos transmitidos através de hábitos e costumes europeus, a partir do processo de colonização nas Américas essas culturas foram readaptadas e ressignificadas através da interação estabelecida entre colonizadores europeus, indígenas e escravos africanos, como exemplo podemos considerar a base alimentar do período junino que é basicamente herdada dos costumes alimentares dos povos indígenas. Entre os alimentos os que mais são apreciados são o milho, o amendoim, as frutas cítrica como a laranja. No Brasil essas comemorações foram adaptadas a partir do processo de colonizador português, através dos jesuítas que tinham como missão catequizar índios, impondo-os as doutrinas católicas. Fernão Cardim, na obra Tratado da terra e da gente do Brasil, afirma que: Três festas celebram estes índios com grande alegria, applauso e gosto particular. A primeira é as fogueiras de S. João, porque suas aldêas ardem em fogos, e para saltarem as fogueiras não os estorva a roupa, ainda que algumas vezes chamusquem o couro 87. Esta relação imposta pelos colonizadores, através dos preceitos religiosos do catolicismo, estreitou os laços entre eles e os nativos, assim foram adaptados aos costumes já existentes pelos indígenas e negros, esse imbricamento paulatinamente foi tomando significados próprios e sendo habitualmente comemorados no Brasil. Esses festejos foram ganhando notoriedade e a aproximação entre os espaços que eram partilhados essas devoções se estreitaram. As igrejas, como um dos locais que proporcionavam o rotineiro encontro entre pessoas, permitiam que as práticas de festejar o São João tomassem amplitude e gosto, as ruas e as igrejas eram os elos da vida social: [...] nos dias santificados, as cidades se iluminavam enquanto chão das ruas eram decorados e as janelas, enfeitadas com tecidos e potes de flores 88. Entre os diversos elementos que são 86 BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna: Europa, São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p CARDIM, Fernão. Tratado da gente e da terra do Brasil. Rio de Janeiro, Editores J. Leite & Cia. 1925, p CHIANCA, Luciana. Chama que não se apaga. Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 4, nº 45, jun. 2009, p. 22.

58 58 configurados como característicos da festa de São João, o fogo seria um dos símbolos dessa manifestação festiva, estando sempre presente nas comemorações juninas, seja na forma de fogueira ou representado pelos fogos de artifício. O São João no Brasil se consolida como espaço de múltiplas manifestações culturais, espaço de festejar, rememorar e cultivar inúmeras tradições, sendo estas religiosas ou sociais. Esta comemoração, que se inicia para comemorar o nascimento de João Batista, primo de Jesus Cristo, a partir da introdução da cultura de outros grupos sociais foi responsável por transformar-se em um festejo que carrega inúmeras influências socioculturais no Brasil. Melo Morais Filho traz detalhes sobre os festejos juninos do Nordeste, especificamente em Sergipe, e aponta informações que remetem aos costumes dos escravos, negros de ganho no cotidiano do São João no século XIX: Antecipadamente, viam-se nas ruas pretos de ganho com cestos carregados de foguetes e fogos de todo gênero, de canas e batatas-doces, carás e milhos verdes, de galinhas, ovos, peru; de tudo, enfim, que dizia respeito à folia da noite e aos lautos jantares e ceias que então se davam. As rodinhas, as pistolas, os foguetes, busca-pés, chuveiros, rojões, cartas de bichas, girassóis, traques de sete estouros, bombas, e uma diversidade enfadonha de fogos alastravam as mesas, entupiam as mangas de vidro, atravancavam as gavetas 89. A herança deixada pelos colonizadores portugueses, juntamente com a incorporação de práticas dos grupos africanos, aparece no relato dos costumes adotados no Brasil, durante século XIX, que proporcionavam a realização da festa de São João. Os negros que saiam às ruas a fim de venderem seus produtos para as ceias e jantares, o uso dos variados fogos de artifício, possivelmente dos senhores, apontam a mobilização para a realização da festa. Neste sentido, podemos considerar a festa junina como uma construção feita também através da influência de africanos e indígenas que foram se modelando à brasileira, para congregar elementos de um festejo nacional. Os hábitos alimentares do período da festa, com mesas fartas e convidativas, faziam parte deste universo, bem como os fogos de artifício e brincadeiras que entravam com a parte lúdica e de entretenimento. A ocorrência desse festejo se enraizaou em diversas partes do Brasil, tornando-se, por vezes, a principal festa de determinadas cidades do país e realizada das mais diferenciadas forma. João José Reis também assinala as comemorações dos festejos juninos entre os negros escravos nas fazendas do Recôncavo baiano no século XIX: [...] a festa provavelmente tinha a ver com a noite de São Pedro que dividia com São João e santo Antonio as honras do mês 89 MORAIS FILHO, Melo. Festas e tradições populares do Brasil. Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1979, p. 221.

59 59 de junho, tempo de fogueira [...]. Mais um exemplo de festa negra animando o calendário católico 90. Ao estabelecer alguns fios que conduzissem a identificação das relações pontuadas durante as comemorações do São João, suas possibilidades de origem estavam demarcadas ora por referências religiosas, ora por pagãs, mas que entrelaçadas se legitimavam nas práticas dos sujeitos que tornaram a festividade uma espécie de agregador social e atribuía para os participantes da manifestação suas identidades, estas alimentadas e transmitidas ao longo do tempo. Assim, as festas juninas como conhecemos hoje são a derivação de diversas aglutinações de festejos e ritos de comemorações que, aqui no Brasil, mais caracteristicamente no Nordeste, foram assumidas como elemento da vida dos grupos sociais. Não podemos nos esquecer de que as práticas relacionadas às festas de São João integram o universo das devoções instauradas pelo catolicismo. Mesmo que essa manifestação festiva tenha ganhado, ao longo dos anos, elementos que a ressignificasse e modelasse as formas como seus participantes a apropriavam. Neste sentido, podemos compreender que a festa junina apresenta-se como manifestação que é rearticulada e transformada para que sua realização fosse feita em prol de garantir a satisfação dos seus participantes, neste reordenamento, as imposições dogmáticas instituídas pela igreja foram imbricadas com práticas culturais dos fiéis, do cotidiano, hábitos de grupos e das condições sociais que lhes foram oferecidas. Desse modo, podemos lançar mão de uma compreensão de religiosidade que é experimentada e vivida sob moldes de readaptação dos sujeitos históricos que apreendem inicialmente o substrato da religião católica, mas invertem seu sentido para vivenciá-lo de acordo com suas possibilidades e práticas religiosas apreendidas durante suas vidas. O historiador Gilmário Moreira Brito, nos seus estudos sobre a religiosidade popular no Nordeste a partir dos estudos da literatura de cordel, aponta que as relações entre as prescrições da igreja Católica e as práticas realizadas pelos leigos estavam no limiar das tensões, sobretudo quando se observa uma prática religiosa feita à luz dos costumes e não precisamente sobre aspectos institucionalizados pela igreja. Neste sentido o autor afirma que: É importante esclarecer que segmentos letrados, quase sempre, concebem religiosidade popular como formas precárias de professar relações entre 90 REIS, João José. Tambores e Temores: a festa negra na Bahia na primeira metade do século XIX. In: CUNHA, Maria Clementina Pereira. Carnaval e outras f(r)estas: ensaios de história cultural. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, CECULT, 2002, p.121.

60 60 humano e divino, que sendo incompletas, demarcam oposições ou contrapontos às religiões estabelecidas inconstitucionalmente 91. Na perspectiva apontada pelo autor, podemos compreender devoções e ações realizadas nas festas juninas como composições em que a religiosidade popular é vivenciada como aspecto de vida que não estão instituídos, ou se estão mesclam-se com influências do modo como os sujeitos apreendem e exercem suas peculiares formas comemorativas. Os participantes desses festejos juninos exercem suas práticas religiosas ou lúdicas através de variados símbolos e elementos. Como práticas religiosas, podemos citar as celebrações de missas, as novenas de São João, os banhos de rios para purificação; o lado lúdico pode ser exemplificado pelas formas de danças típicas quadrilha e forrós no acender de fogueiras, na queima de fogos de artifício, simpatias, casamento na roça, roubo de bandeiras. As formas de comemorar o São João se caracterizam pelo modo como são vivenciados os elementos festivos, sobretudo a partir dos subsídios escolhidos pelos grupos sociais e das referências que cada um recebe para se identificar. Assim, nas diversas regiões do Brasil o São João é comemorado de variadas maneiras. Podemos tomar como exemplos as festas de Caruaru em Pernambuco, de Estância em Sergipe, o São João de Corumbá, no Mato Grosso do Sul, além de muitas outras que representam uma manifestação popular que demarca as particularidades e experiências dos sujeitos. No Nordeste brasileiro, as comemorações que são destinadas a São João possuem ao mesmo tempo uma mescla e aglutinação de elementos característicos de cada região. Estas se utilizam de práticas e vivências por vezes análogas, por vezes particulares, que não apenas demarcam peculiaridades, mas também distinções. Em Cruz das Almas este festejo tornou-se um dos mais apreciados, a capacidade de aproximação entre os diversos segmentos sociais fizeram da festa um momento de interação e divertimento, proporcionado que o festejo se desenvolvesse e se tornasse um dos mais significativos. João Carlos de Souza, ao estudar o São João em Corumbá-MS, especificamente na passagem do século XIX para o XX 92, descreve as práticas nos festejos populares dessa cidade, destacando o caráter profano e religioso nos festejos juninos ali empreendidos, 91 BRITO, Gilmário Moreira. Culturas e linguagens em folhetos religiosos do Nordeste: inter-relações escritura, oralidade, gestualidade, visualidade. São Paulo: Annablume, p SOUZA, João Carlos de. O caráter religioso e profano das festas populares: Corumbá, passagem do século XIX para o XX. Rev. Bras. Hist. V.24 n. 48 São Paulo, 2004.

61 61 apresentando a festividade como espaço de sociabilidade das camadas populares da sociedade, indica que essa relação de religioso e profano para Corumbá garantia certa autonomia para os participantes da festa. O autor destaca a utilização de símbolos como a água e o fogo, assim como os usos desses elementos foram resignificados, sobretudo através da intervenção católica que os considerava superstição. A esse respeito Souza salienta que: Apesar de "cristianizada", a festa de São João manteve uma série de simbolismos universais, que, no contexto da região pantaneira, ganharam força, adquirindo elementos autônomos em relação às festas institucionalizadas pela Igreja Católica. Os ritos do fogo, da água e da refeição, guardam uma associação com o renascer, a renovação e a fertilidade 93. A leitura que o autor apresenta, a respeito das apropriações feitas em Corumbá, denota elementos que traduziam a festa a partir da autonomia de seus praticantes em quebrar a imposição religiosa católica e revertê-la para uma forma própria de ser realizada, diferente das determinações da forma institucional. Ao considerar o São João um festejo agregador dos mais variados segmentos sociais, tornava-se independente no sentido em que os brincantes se posicionavam a favor das suas formas de fazer a festa, atribuindo a ela características peculiares que estavam relacionados não apenas as suas crenças, mas também aos seus hábitos de vida. Se nos possibilita fazer uma analogia com as festas de São João em Cruz das Almas, identificamos essa relação autônoma quando verificamos que, embora a festa seja originalmente instituída pela igreja, os seus participantes reordenam seu significado ao introduzir novas práticas que acabaram deixando a devoção religiosa de certa forma relegada. Como exemplo a Batalha de espadas, que no dia e na véspera de São João, torna-se o elemento centralizador da festa. A antropóloga Luciana Chianca, que estuda os festejos do ciclo junino 94 em Natal-RN, também ressalta esse caráter de particularidades dessa festa, sobretudo quando seus participantes subvertem a ordem, através da não obediência imposta pelo Estado e Igreja Católica que pretendia condicionar a comemoração a uma devoção dogmática. A autora ressalta que a Igreja, apesar de empenho, não conseguira aniquilar as experiências religiosas e populares, construídas pela sociedade, ela salienta que, 93 SOUZA, João Carlos de. O caráter religioso e profano das festas populares: Corumbá, passagem do século XIX para o XX. Rev. Bras. Hist. V.24 n. 48 São Paulo, p O ciclo junino refere-se ao período de festejo de três santos do mês de junho, Santo Antonio, São João e São Pedro, que tem inicio no dia 13 e vai até o dia 29.

62 62 Embora as autoridades eclesiásticas locais emitam frequentemente restrições ao modo de festejar local, pode-se perceber que para seus atores não existe tensão entre a experiência festiva eclesiástica/oficial e laica, sendo ambas acionadas em contextos específicos 95. Neste sentido apontado por Chianca, podemos entender que a festa de São João era o momento em que as sociedades aproveitavam não apenas para cumprirem suas obrigações religiosas, os sujeitos que participavam destas manifestações apresentavam uma forma peculiar de reinventá-las. Apesar de fazer parte de uma tradição religiosa que impõe aos fiéis uma obrigatoriedade na realização e participação dos ritos, eles também impõem suas peculiaridades através de formas próprias de vivenciar os momentos das manifestações festivas, possibilitando recriar alternativas que não lhes desqualifique nem os excluía enquanto elementos construtores da festa. Esta forma de conceber os festejos juninos pode ter alguma similaridade com as formas que foram empreendidas em Cruz das Almas. Praticando como costume das festividades religiosas católicas, inclui elementos que não são próximos da religião, incorporando elementos lúdicos que ganharam espaço e consolidavam-se como atrativo principal dessa manifestação na cidade. O pároco da cidade, em depoimento oral, nos conta que, O lado religioso não tinha. Era somente isso aí, não tinha maiores solenidades a não ser isso aí, de manhã eu celebrava a missa no horário normal vinha quem quisesse e vinha pouca gente, mas fechava a igreja porque também a igreja era vítima e a batalha, chamada caracterizada da festa junina em Cruz das Almas era de duas ou duas e pouca da tarde até oito nove horas da noite. E era quase todo tempo aqui na praça, essa aqui em torno da igreja e as espadas vinham e atingiam a igreja quebravam os vitrais e penetravam às vezes... A festa junina no seu contexto no seu conjunto tinha esses momentos de alegria, momentos de euforia e como se diz, como diz o povo de viver a tradição das festas juninas com essas conotações que sobressaem... Mas que eram batalhas a preço de espadas 96. Monsenhor Neiva, padre da cidade há 49 anos, em suas memórias, afirma que na cidade essas tradições, pautadas em aspectos religiosos, não eram o mais importante na festa junina, pelo contrário, o lado lúdico evidenciado através da queima das espadas era o principal elemento. Na visão do Monsenhor Neiva, as práticas religiosas se limitavam apenas a uma celebração da missa feita a portas fechadas pela manhã, onde poucos fiéis se arriscavam a participar por receio de serem surpreendidos pelos fogos de artifício, existia o 95 CHIANCA, Luciana. Devoção e diversão: Expressões contemporâneas de festas e santos católicos. Revista Anthropológicas, ano 11, volume 18(2): (2007). 96 Monsenhor José de Souza Neiva. Padre, 95 anos. Entrevista realizada em Cruz das Almas, 11/01/ 2012.

63 63 receio que esses fogos pudessem atingir a igreja. Podemos compreender que, apesar da festa de São João na cidade apresentar diversos elementos, a queima de espadas tornou-se o elemento centralizador da festividade. Entendemos que a perspectiva apontada pelas memórias do pároco situa-se do seu lugar de pertencimento, como membro eclesiástico, com obrigações de ordem dogmática, a festa de São João deveria ser realizada a partir de uma prerrogativa religiosa católica. Afinal, quando essa ordem é subvertida por uma forma de realização da festa que se distanciava dos preceitos clericais, as brincadeiras com espadas eram reconhecidas como elemento não característico da festa religiosa. Sobre os festejos da cidade, não existem registros do início das festividades ligadas ao santo, supõe-se que estivesse ligado às heranças trazidas pelos portugueses que vieram para a região do recôncavo baiano no início do século XIX, bem como das influências dos escravos e indígenas que viveram na região. Outros municípios da região também escolheram o São João como festejo e elemento característico, a exemplo de Cachoeira, com a sua Feira do Porto, em Conceição do Almeida, São Félix e Senhor do Bonfim, que também fazem uso das espadas no período junino. A distinção entre esses municípios incide no fato de Cruz das Almas fazer do uso desse artefato pirotécnico, espada, como elemento que proporcionou a cidade se repercutir com notoriedade entre os muitos festejos realizados na região. Assim, a produção e o consumo das espadas, como um elemento festivo da cidade, intensificam-se gradativamente ao longo dos anos, tornando um hábito vivenciado todos os anos no município, o que concede um formato diferenciado de festejar o São João. Atribui-se a essa festividade uma potencialidade através da fabricação de espadas, agregando valores sociais, culturais e econômicos que possibilitaram se criar redes de sociabilidade, transmissão de conhecimento e tensões entre os moradores da cidade. A culminância dos festejos de São João se dava com a Guerra de Espadas, também denominada Batalha de Espadas, momento em que as pessoas da cidade, aqueles que concordam com essa prática, se dirigiam à praça pública, mais especificamente a Praça Senador Temístocles e começavam um embate entre si. Conduzindo seus fogos de artifício as espadas com alto grau de perigo, ou demonstrando estes ao público que se aglomera em espaços reservados e também nas casas. Este é o momento principal do festejo, embora pudesse se observar o uso do artefato em outros momentos do ciclo junino, não apenas no dia exato do santo. Mario Pinto da Cunha, em seu livro de memórias sobre a cidade, descreve as brincadeiras de São João, com as espadas, como Olimpíadas Joaninas:

64 64 Será esta, certamente, a primeira crônica a registrar e documentar a já tradicional batalha de fogos, que acontece em Cruz das Almas, todos os anos, a 24 de junho, quando aqui atingem o clímax os festejos joaninos. Bárbaro, semi-barbáro, selvagem ou não, respeitados os sentimentos e as opiniões que despertam e originam, abstraídas certas naturais restrições e considerado do ângulo estético, temos de convir que é algo digno de ver-se essa arrojada acrobacia faiscante e policrômica das espadas, nas olimpíadas disputadas, nos dias dos festejos joaninos, e que serve de palco a nossa principal praça, a Municipal 97. O autor aponta características similares às acrobacias realizadas nas Olimpíadas, talvez para fazer uma alusão aos movimentos e as acrobacias que os esportistas desempenham em suas execuções esportivas. Podemos a partir da descrição de Cunha, ter uma noção de como era realizada a comemoração do São João cruzalmense através do olhar de um morador da cidade que aponta a festividade como um elemento importante para Cruz das Almas. Como observava Cunha, a batalha de fogos era o clímax dos festejos joaninos, corroborando que este era o ponto principal da festa de São de Cruz das Almas, devido à preferência por essa maneira de brincar o São João, assim como ela se difunde como a principal forma de conceber esses festejos para a cidade. Sua descrição também evidencia o tom valorativo atribuído à manifestação, uma vez que adjetiva como possível estado de barbárie a prática empreendida no uso das espadas. Possivelmente essa barbárie, estaria relacionada com as ações empreendidas nessa guerra de espadas devido aos seus resultados queimadura, mutilação, danos aos patrimônios públicos e privados, mas que não deixaram de ser praticadas. Em contrapartida, o aspecto vinculado pela apreciação da forma lúdica que o uso desses fogos causava, sobretudo pela sua composição sonora e imagética, atraia espectadores para admirar os efeitos que os fogos produziam e a maneira como os brincantes o utilizavam. Tudo isso tornou esse momento da festa como uma forma particular, através da maneira com que os espadeiros manipulavam o artefato, demonstrada através da arrojada acrobacia faiscante e policrômica das espadas e a beleza dos fogos motivava os espectadores que os apreciavam. É possível também identificar nas memórias de Cunha uma comparação existente entre as Olimpíadas, porém sugere que nem todos os cidadãos de Cruz das Almas convergiam em seu favor. Observa-se essa dupla relação de pertencimento que a forma de brincar o São João proporcionava, sobretudo quando está vinculado a um olhar que remete a um tipo de atrocidade/barbaridade e o encantamento. Possivelmente essas duas percepções 97 CUNHA, Mario Pinto da. Aquarela de Cruz das Almas.1983, p. 208.

65 65 possam estar relacionadas com a dualidade lúdica/religiosa que a festa apresentava, especialmente pelo caráter do posicionamento da prática religiosa católica que, sendo alterada, possibilitava novas e diferenciadas formas de celebrar o São João. No universo das discussões historiográficas, a cultura perpassa por elementos diversos que não podem ser homogeneizados, mas que envolvem as múltiplas e diferentes maneiras de apropriação. O termo cultura carrega em si um conceito de pluralização das diversas manifestações dos sujeitos históricos e, pensando particularmente nas festividades juninas em Cruz das Almas, é preciso tomá-lo como referência para entender a complexidade que este conceito carrega, sobretudo quando pensamos nas culturas populares, por não dispensar seu caráter participativo e ao mesmo tempo identificador de um conjunto social. A esse respeito Peter Burke coloca que: Os historiadores e outros usam o termo cultura muito mais amplamente, para referir-se a quase tudo que pode ser apreendido em uma dada sociedade como comer, beber, andar, falar, silenciar e assim por diante. [...] a história da cultura inclui agora a história das ações ou noções subjacentes à vida cotidiana 98. Essa cultura que se revela nas ações do dia-a-dia, nas atuações dos sujeitos através dos seus hábitos, no trabalho, no brincar, no festejar, na produção dos artefatos, opera para que se construam as individualidades e estas possam compor elementos das vivências partilhadas. Deste modo, algumas considerações são pertinentes para pensarmos a multiplicidade que este tema carrega: No estudo de cultura popular, devemos sempre começar por aqui: com o duplo interesse da cultura popular, o duplo movimento de conter e resistir, que inevitavelmente sitia seu interior 99. Stuart Hall levanta questões acerca da cultura popular alertando para as complexidades que este termo carrega, sobretudo ao ser vinculado a práticas que delimitam polarizações do termo. Seus estudos apresentam questões que remetem ao significado do popular em vários sentidos. Em sua primeira definição aponta que [...] o significado que mais corresponde ao senso comum: algo é popular porque as massas os escutam, compram, leem, consome 100. Segundo o autor essa definição está relacionada a uma espécie de manipulações a que as camadas sociais desprivilegiadas socialmente sofrem influências. A segunda acepção, lançada por Hall, aproxima-se de uma leitura antropológica, ele aponta para uma perspectiva que se 98 BURKE, Peter. Cultura Popular na Idade Moderna. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, p HALL, Stuart: Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG; Brasília: Representação da UNESCO no Brasil, Ibidem, p. 237.

66 66 define como mais fácil de ser aceita, [...] a cultura popular é todas essas coisas que o povo fez ou faz 101. Em seu entendimento essa é uma definição descritiva que, e ao agregar a definição tudo acaba banalizando o conceito e estendendo-o a qualquer atividade que as pessoas realizem. Por definição, o autor aponta uma terceira via de interpretação que opta como mais assertiva para lidar com o termo, propondo que [...] em qualquer época, as formas e atividades cujas raízes se situam nas condições sociais e materiais de classes específicas; que estiveram incorporadas nas tradições e práticas populares 102, em seu entendimento, esse significado baseia-se nas relações que colocam o termo em uma tensão contínua. Nesse sentido, as atividades culturais estariam condicionadas a um campo sempre variável, assim, Hall aponta que a cultura popular é a [...] arena do consentimento e da resistência 103. As contribuições, acima apesentadas, nos auxiliam a examinar a festa de São João de Cruz das Almas observando essa manifestação como campo de tensões das práticas empreendidas pelos sujeitos que fazem parte da festa. Identificamos, nas ações e memória da população, os elementos de transmissão da cultura e da tradição, pautadas, sobretudo, nas suas múltiplas transformações reelaboradas pelos participantes. Considerada como patrimônio pelos próprios moradores da cidade, a festa junina e o uso das espadas foi o resultado de uma relação de identificação e apropriação do festejo, modelada pelos seus participantes, ganhou destaque e se consolidou. Assim, essa manifestação passou por significativas transformações ao longo do tempo, apresentando diversos estágios, realizados sempre no sentido de manutenção da festa, Dona Olga Santos, é uma das mais profundas conhecedoras do assunto. Aos 86 anos, ela conta que desde pequena é fascinada pelo colorido e beleza das espadas, tendo filhos especializados na fabricação. É tudo muito bonito, vem gente até de São Paulo para assistir. Acho perigoso, mas a beleza compensa. Para tudo dar certo é preciso dedicação, pois não é qualquer um que obedece todo processo de feitura, avisa. Ainda pequena eu saia correndo pra assistir à guerra. Tudo fica iluminado e os meninos envoltos de luz 104. O relato, carregado de subjetividade, aponta a relação de pertencimento que é característico daqueles sujeitos que contribuíram para a festa se realizar. O uso do artefato como prática comum nos hábitos festivos, sobretudo através dos atrativos estéticos, o colorido e beleza, causavam atração de admiradores, mesmo ressaltando os perigos aos quais 101 Ibidem, p HALL, Stuart: Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG; Brasília: Representação da UNESCO no Brasil, p Ibidem, p Adultos e crianças vão à guerra. A Tarde, 25 jun

67 67 estavam relacionados. A concepção de atualização do festejo através da transmissão e continuidade, concebidas como elementos que garantiram sua permanência, possibilitaram que essa forma de festejar dos cruzalmense não se perdesse no tempo. Assim, pode-se compreender que [...] a memória, como propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas 105. Estar envolvido na festa, bem como a produção das espadas e seu consumo, era sinônimo de identificação cultural para os seus participantes. Paulatinamente, com a democratização do acesso ao conhecimento da produção, se disseminou entre muitos espadeiros. A dinâmica na ordem econômica acabou substituindo antigas tradições e costumes, como as visitas a parentes e amigos, as técnicas de fabricação foram sendo transformadas, sobretudo no início das décadas de 1980 e Viver o momento da festa era fazer parte de uma construção simbólica que permitia aos participantes um sentimento de pertencimento. As demarcações sociais ao mesmo tempo em que se construíram como experiências para os participantes da festa junina, revelaram-se como aspectos de uma manifestação festiva agregadora de posicionamentos divergentes quanto a sua realização. Um episódio descrito no Jornal do Planalto, em 1981, evidenciava essa relação de desgaste e desaprovação; a notícia assinala uma tentativa de proibição do artefato nos festejos juninos e a reação das autoridades competentes que controlariam a queima de espadas. Assim, pode-se perceber que, até mesmo sem o consentimento das autoridades, o uso das espadas como um dos elementos constitutivos da festa se impôs em Cruz das Almas, certamente pela forma autônoma com que seus participantes criaram e reinventaram a festa: Com adesão de muitos e repúdio de outros a guerra de espadas continua nos próximos anos. Embora tenha sido proibida um ano pelo então juiz de direito da Comarca Dr. Abelardo Rodrigues Santos, nenhuma outra autoridade até o presente momento se colocou ao lado contrário a tradicional guerra de espadas. Então, ao que tudo indica a queima de espadas continua nos anos vindouros 106. Esse posicionamento de não acatar as proibições aponta para a amplitude que aquela forma de brincar o São João alcançou na cidade, articulando também grupos que não consideravam as espadas como elemento positivo para a cidade. Caracterizado como elemento negativo para os festejos juninos, principalmente porque a queima de espadas 105 LE GOFF, Jacques. História e Memória. Tradução Bernardo Leitão et al. 4. ed. Campinas-SP: Editora UNICAMP. 1996, p NOVAS GUERRAS DE ESPADAS. Jornal do Planalto. 27 e 28 jun

68 68 limitava o direito de ir e vir daqueles que não se arriscam a passar pelas ruas onde os fogos eram usados, além do que muitas vezes suas casas frequentemente sofriam algum tipo de dano, rabiscos na fachada, telhado quebrado, bom como pelo grande número de vítimas que eram atendidas na Santa Casa de Misericórdia da cidade, com variados tipos de lesões, mutilações e em alguns casos até mortes. Câmara Cascudo, ao descrever sobre o busca-pé 107, identifica elementos que podem se assemelhar com as práticas realizadas nos festejos de Cruz das Almas. Por serem as espadas oriundas dos antigos busca-pés, é possível encontrar similaridades entre sua descrição e o que acontecia nos momentos da Batalha de Espadas em Cruz das Almas: Havia duas técnicas nas lutas com a arma do busca-pé: jogar de espadas, atirando-o ao alto para que caísse sobre o adversário, em calculado tiro de elevação, ou ciscando, jogá-lo rasteiro na direção dos pés do inimigo, espalhando a defesa pelo imediatismo do ataque. As ruas ficaram iluminadas por centenas daqueles jatos trançantes, rompantes vindos das alturas, raspando a calçamento, esparrando fagulhas e espoucando ameaças, numa invasão agressiva de pirilampos belicosos. Todo o séc. XIX foi o reinado absoluto do busca-pé 108. A descrição de Cascudo, apesar de remeter às práticas do século XIX, apresenta algumas analogias com as práticas empreendidas pelos festejos em Cruz das Almas, no século XX. Podemos compreender, neste sentido, que as festividades juninas e a utilização dos fogos de artifício conseguem ser transmitidas e readaptadas, onde sujeitos distintos se apropriam e ressignificam para tornar sua a realização da festa. A produção das espadas, a proteção das casas e lojas, o vestuário, os bailes nos clubes, fazem parte não apenas da descrição de uma cultura festiva, mas representam toda uma construção simbólica que permitia aos participantes realizar um festejo junino atrelado as suas experiências de vida. Ao identificar, na descrição de Cascudo, a semelhança da utilização dos fogos de artifício ponderando obviamente suas demarcações e distinções espaciais e temporais nota-se uma semelhança de aspectos do que acontecia na Praça de Cruz das Almas, no dia 24 de junho. Os participantes da festa mobilizavam-se não apenas para compor o cenário, mas para serem os agentes atuantes da festa. Habitualmente, na festa de São João de Cruz das Almas havia vários elementos: a guerra acontecia no dia 24 de junho, no entanto, desde os primeiros dias do mês de junho podia-se encontrar em diversas ruas da cidade pessoas a tocarem espadas, desde 107 Busca-pé: Dispositivo pirotécnico que sai ziguezagueando rente ao chão e estoura no final. 108 CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. São Paulo: Melhoramentos, p. 155.

69 69 comemorações à entrada do mês de junho, a Alvorada 109, ou em acontecimentos como o Casamento do CEAT, teste das Espadas 110. Junho, para os moradores da cidade, era sinônimo de espadas, a qualquer hora e em qualquer lugar. Como nos acrescem as memórias de Sr. Zelino: [...] a tradição de Cruz das Almas era diferente, tinha comportamento pra tocar as espadas, as famílias ficavam nas portas com suas fogueiras suas panelas de amendoim, era uma alegria 111. Podemos compreender como um festejo foi se configurando ao longo do tempo no município, as práticas culturais da festa de São João em Cruz das Almas relacionam-se com um [...] passado histórico no qual a nova tradição é inserida 112. As reelaborações empreendidas no festejo junino se inserem em padrão específico de tradição, como já salientamos anteriormente, considerando tradições com múltiplos conceitos, tais como: herança, preservação, repetição, continuidade, imposição sociocultural, dentre outros. Assim, trazem como elemento significativo na formulação de referências que legitimam, atestam e consideram os costumes e práticas como eventos dinâmicos que estão enraizados nas vivências cotidianas das sociedades. A relação estabelecida entre as práticas construídas no passado e as que eram reinventadas possibilitaram entender os festejos de São João de Cruz das Almas como elemento que faz repercutir, na história, a permanência de práticas que evidenciaram a atuação dos participantes da festa, pelas referências que são inerentes de suas experiências. Para compreender os sentidos que as heranças têm recorre-se à tradição. Contudo, devemos levar em consideração as especificidades que são empreendidas nos conceitos sobre como as sociedades do presente olham para o passado e elegem determinados aspectos que vão compor o que define ou reconhece como tradição. Identificamos as transformações pelas quais a festa passou, neste sentido, iniciaremos, na seção que se segue, uma análise dos processos de transformação das técnicas de fabricação e utilização de espadas, além de explicar como seus produtores se adaptaram a essas mudanças e, por fim, como elas influenciaram ou transformaram a dinâmica do festejo, tendo em vista que a utilização deste artefato pirotécnico tornou-se o elemento centralizador da festa. 109 A Alvorada era o início das comemorações, começava habitualmente no dia 1 de junho com queima de fogos durante a madrugada para anunciar a entrada do ciclo junino. 110 Essas comemorações faziam parte do ciclo dos festejos juninos iniciados a partir de 13 de junho dia de santo Antonio com o casamento do CEAT (Colégio Estadual Alberto Torres), uma espécie de casamentos da roça que serviam para abrir os festejos e como momento para testar as espadas fabricadas. 111 SIMAS José Costa. 76 anos. Espadeiro, Pedreiro, Encarregado de armazéns de fumo. 18/06/2012, Entrevista realizada em Cruz das Almas-BA. 112 HOBSBAWM, Eric. A invenção das tradições. In: HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence. A invenção das tradições. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. 9.

70 70 3 AS ESPADAS DE FOGO IMPERAM PRODUZINDO LUZ E ENCANTO Figura 2: Renato Passos da Silva Pinto Filho, A imagem acima apresenta uma interpretação sobre o auge dos festejos juninos na perspectiva de Renato Passos, memorialista da cidade, que no livro de sua autoria, Cruz das Almas dos meus bons tempos 113 coloca em evidência memórias de sua infância. Em suas lembranças, os moradores da cidade tinham o costume de comemorar o São João usando práticas habituais de fazer visitas a amigos e parentes, acender fogueiras nas portas das casas, enfeitar as ruas com bandeiras e arrecadar doações coletivas para comprar os ornamentos das ruas, entre outras práticas. A imagem do seu desenho enfoca a famosa Guerra de Espadas, quando essa parte da festa era apenas uma brincadeira de soltar antigos busca-pés e se esconder entre os Flamboyants da grande praça, são lembranças de um tempo no qual os artefatos pirotécnicos não eram tão agressivos. Podemos compreender essa interpretação quando observamos que, ao centro da imagem da brincadeira, se encontra uma cesta com vários itens bebidas, comidas típicas e até dinheiro - como uma espécie de prêmio para os que se encorajassem atravessar o fogo cruzado de fogos de artifício para pegar as iguarias. 113 PINTO FILHO, Renato Passos da Silva. Cruz das Almas de meus bons tempos. Salvador: Bureau, 1984, p. 173.

71 71 Considerando a imagem como fonte que nos possibilita revelar expressões indizíveis, como salienta Boris Kossoy, que a análise iconográfica tem o intuito de decupar, inventariar, e classificar o conteúdo da imagem em seus elementos icônicos formativos 114, a imagem acima evidencia um cenário rico e múltiplo de informações, o que nos possibilita visualizar a festa através de seus variados elementos. A partir da demonstração das brincadeiras com espadas na Praça Senador Temístocles, podemos observar que, nos vários ângulos que compõem a imagem, evidenciam-se diversos tipos descritivos: no lado direito superior da imagem podemos observar um tocador de violão, ou viola, que anima a brincadeira, compondo o cenário com elementos auditivos das espadas a expressão sonora da brincadeira; no canto direito inferior observamos um espectador, elemento que em sua atividade passiva, com os braços cruzados às costas, se insere no campo de visão do desenho como representante dos apreciadores da brincadeira; no canto superior direito vemos um tocador de fogos que busca se esconder entre as árvores que serviam de trincheira e esconderijo dos fogos. Caracterizados com uma espécie de roupa padronizada, calça, camisa e chapéu, não há entre os elementos representados diferenças entre suas vestes, possivelmente para evidenciar o caráter aglutinador que a brincadeira proporcionava. Evidencia-se no panorama representado por Pinto Filho a espada como elemento dominante que permeia todo campo visual do desenho, inserida em todos os espaços, aparece no cenário da imagem sempre a rabear pelos brincantes da festa, essa expressão visual se delineia através dos rabiscos que simbolizam as chamas dos fogos, demonstrando o quanto este artefato pirotécnico consegue dar movimento e preeminência à imagem. As disputas acentuavam a coragem como característica preponderante, demarcada pela audácia dos participantes que eram convidados e motivados a se aproximarem do prêmio que ficava ao centro da batalha. Caso se propusesse a conquistá-lo, segundo recorda monsenhor José de Souza Neiva, 95 anos, pároco da cidade há 44 anos, que acompanhava a batalha de sua residência, situada na praça onde acontecia o confronto, e que pôde apreciar a brincadeira durante muitos anos, em depoimento oral, essa atitude era vista como foram de dinamizar as brincadeiras de São João, ele nos descreve que: Assim, era um São João bem moderado [...] aqui nessas esquinas, senhores de representação como Dr. Orlando como outros elementos de representação social é que eram os pioneiros, os realizadores, cada um com seus modos de espadas e a festa consistia somente numa mesa que colocava ali onde era a 114 KOSSOY, Boris. Fotografia e História. São Paulo: Ática, 1989, p. 65.

72 72 Pérgula aquelas imediações e cheia de presentes cheia de dinheiro etc. etc. e a festa consistia em alguém ter a coragem de chegar naquela mesa e apanhar qualquer daqueles brindes que quisesse, que era de São João à tarde nas esquinas daquela lá perto da prefeitura, nessa de cá nessas esquinas, as principais eles ficavam e quando vinham eles acendiam espadas e jogavam 115. O depoente, ao traçar suas lembranças sobre o dia da festa, aponta sua percepção sobre a manifestação remete ao espaço onde ela era realizada, ressaltando principalmente as figuras e ações dos brincantes que segundo ele, eram homens de representação e deram esse formato de guerra às brincadeiras com espadas. Esses homens de representação seriam aqueles que se destacavam na cidade por sua participação política ou por possuírem algum estabelecimento comercial, ou alguns dos que possuíam residência na Praça Senador Temístocles, considerado lugar privilegiado de moradia por fazer parte do centro da cidade. Suas lembranças evocam a coragem como um traço característico de quem se aventurasse a estar naquele meio entre os fogos e seria o fator preponderante nas queimas de espadas, sobretudo, por esse artefato conter o fator de imprevisibilidade. Depois de acesas, as espadas saiam sem direção e controle, os espadeiros eram obrigados a desviarem, muitas vezes tendo que se esconder ou correr atrás do artefato. A descrição do Monsenhor Neiva aponta a visão de um espectador que apresenta a tradição como símbolo da festa junina de Cruz das Almas e as primeiras brincadeiras de guerra como espaços sociais que possibilitaram construir a tradição, mas que demarcavam uma relação de distinção entre os participantes. Embora fale sobre os senhores de representação como organizadores, cita o termo alguém, possivelmente referindo-se aos outros brincantes que não eram os homens da elite, mas, que faziam parte da festa. O memorialista Mario Pinto da Cunha descreve as ações dos participantes dessa guerra, enfatizando que a demonstração das técnicas próprias daqueles que faziam parte da brincadeira expressava uma apresentação estética que atraia espectadores e participantes, em seu livro de memórias descreve as brincadeiras na guerra de espadas com: A calma, a precisão e elegância como que investem e negaceiam, atacam, defendem-se e contra atacam, seguros e serenos, tripudiando muitas vezes, sobre répteis de fogo, dominando-os e devolvendo-os, com elegantes passos de toureador Monsenhor José de Souza Neiva, 95 anos. Padre. Entrevista realizada em 11/01/2012. Cruz das Almas-BA. 116 CUNHA, Mario Pinto da. Aquarela de Cruz das Almas, 1983, p.209.

73 73 Essa descrição de Cunha remete ao uso das espadas não apenas como um momento de divertimento aponta as concepções de habilidade empreendidas pelos participantes que se encorajavam a estar no meio do fogo cruzado das espadas. As apropriações de um bem material ou cultural, como os festejos de São João, em Cruz das Almas, são estabelecidas nas relações e dinâmicas de transformações, criadas e recriadas nas formas com que cada grupo social se relacionava para utilizá-las como constituinte de seus hábitos de vida, representados pela forma de divertimento e experiências. Neste sentido, as brincadeiras com fogos de artifício foram objetos de encenação que compunham as práticas culturais e sociais dos festejos juninos e se tornaram elementos constituintes da vida dos moradores da cidade. Observamos que a fabricação e uso das espadas, nos festejos juninos da cidade, se consolidaram como uma espécie de objeto centralizador da manifestação festiva. Responsável por vincular sujeitos de diversos segmentos sociais, homens, mulheres e até crianças, o São João se tornou uma das principais festas locais, conferindo transformações nas relações sociais e econômicas da cidade. Embora não fosse aceita por todos os segmentos sociais de Cruz das Almas, as espadas, em paralelo a outras formas de comemoração, demarcaram um espaço privilegiado, no sentido de expressar uma participação relativamente significativa e afetar a cidade em múltiplos aspectos. Os sujeitos que participavam de forma atuante na manifestação, os responsáveis pela fabricação e uso do artefato no festejo, demarcaram posicionamentos no tempo e no espaço. Eram inicialmente identificados como fogueteiros e posteriormente como espadeiros, tais distinções nominais estão relacionadas a mudanças operadas nos meios de produção dos fogos de artifício que eles desenvolveram, principalmente a utilização de materiais diferenciados e o posicionamento na realização da festa. Os festejos juninos foram vivenciados sob óticas diferentes, a partir da concepção que cada participante tinha a respeito da festa. Comemorar significa reviver de forma coletiva a memória de um acontecimento [...], a sacralização dos grandes valores e ideais de uma comunidade e constituem no objetivo principal 117. Desta forma, a inserção e envolvimento significavam mais do que estar presente no dia da festa, participar remetia a uma criação e legitimação, tanto social quanto cultural, que dava sentido ao sujeito que a fazia parte da comemoração. Assim, os fabricantes das espadas construíram uma rede de sociabilidade que 117 SILVA, Helenice Rodrigues da. Uma nova abordagem da memória pela história. Revista Brasileira de História v. 22 n.44 São Paulo, 2002, p. 432.

74 74 tinha por objetivo a produção para o divertimento e posteriormente a mobilização para a venda do artefato. A produção das espadas era inicialmente manejada de forma artesanal e familiar, envolvendo, sobretudo, a participação de grupos em pequenas comunidades rurais que apenas as faziam para diversões pessoais ou para seus pares, cujas práticas traduziam a dimensão estabelecida entre a técnica e o saber fazer. Neste sentido, fazer espadas, tocar/queimar 118 eram sinônimos de identificação cultural para muitos grupos em Cruz das Almas. O Senhor José Pinheiro da Rocha, 55 anos, produtor de espadas desde a juventude e participante da festa de São João, conta, em entrevista, a respeito da produção que conheceu anterior a sua: Imagine os jovens de hoje né, porque antigamente era poucas pessoas que fabricava, eram mais aquela tradição, as espadas do Bom Gosto que era boa, era o fogueteiro antigamente quem fazia espada? Era o fogueteiro. Depois todo mundo aprendeu a fazer... Aí virou moda 119. Em sua percepção sobre a festa podemos depreender que as mudanças de comportamento estabelecidas deram outra dimensão aos festejos de São João. As distinções pontuadas entre as antigas práticas vividas na festa e as novas experiências passaram a compor a sua realização: o posicionamento de muitos participantes, como a do Sr. José Rocha, que identifica mudanças e permanências no festejo, o crescente número de espadeiros, a multiplicação dos lugares de fabricação e comercialização das espadas, a dinâmica na nova ordem social e econômica acabou alterando tradições culturais e os antigos costumes. Viver o momento da festa era fazer parte de uma construção histórica que permitia aos participantes sua continuidade e dinamicidade. 3.1 OS CAMINHOS DA FESTA DE SÃO JOÃO EM CRUZ DAS ALMAS Moradores do núcleo urbano da cidade, de áreas periféricas e rurais do município que se dedicaram ao fabrico de foguetes, busca-pés, espadas, fogos de artifício em geral e faziam parte de distintas categorias de produção foram também responsáveis por organizar um evento que misturava na mesma comemoração festiva, a socialização de grupos através de 118 Queima ou tocar espadas diz respeito ao ato de acender o artefato pirotécnico e soltá-lo. 119 ROCHA, José Pinheiro da. Zé Lagoa, eletricista. Entrevista concedida em 07 de janeiro de 2012, Cruz das Almas-BA.

75 75 disputas que envolviam habilidades, destrezas e controles dos rojões na guerra de espadas. A demonstração pública, em atividade comemorativa, do resultado da produção individual e coletiva, cujos produtos as espadas, apresentavam novas técnicas de fabricação. A exploração de renovadas possibilidades de manipulação e exibição de efeitos pirotécnicos do artefato, ou seja, mobilização de relações técnicas, culturais e políticas que tinham como propósito construir visibilidades para sujeitos e grupos envolvidos que se tornaram elementos constituintes da festa de São João de Cruz das Almas. Nesse sentido, destacam-se etapas da cadeia produtiva porque podem ser identificadas como o ponto culminante dos festejos juninos da cidade. A esse respeito, é importante atentarmo-nos para o depoimento do Sr. Raimundo Ferreira, que se apresenta como ex-fogueteiro e atualmente espadeiro, ao dizer que: meu desejo em fazer espada era participar da guerra 120. Seguindo as memórias de Seu Raimundo, os homens responsáveis pela fabricação das espadas faziam parte dos diversos segmentos sociais e profissionais, podiam ser vendedores, pintores, eletricistas, engenheiros agrônomos dentre outros. Eles se concentravam nos períodos que antecediam o São João, bem como no período da festa, para dar vida àquilo que se tornava o ponto máximo do festejo, a guerra. Mas, para que ela acontecesse era necessário que se estabelecesse uma atenção à produção de fogos, o que transformava o cotidiano desses indivíduos, podendo certas vezes, alterar sua função profissional, ou seja, a sua atividade produtiva regular e formal era mantida em paralelo a de fabricante de espadas. Muitos são os exemplos que podemos tomar como representativos da teia de relações que fazem interagir experiências de vida, apropriação de um saber / fazer das espadas em sua produção, na qual se concentram não apenas problemas relacionados ao universo fabril, mas, sobretudo, relações e tensões partilhadas do dia-a-dia, nos momentos em que se reuniam para a perigosa rotina da colheita de materiais, fabricação dos artefatos e enfrentamento dos perigos que podiam ocasionar danos a suas vidas. A manutenção dos festejos juninos em Cruz das Almas se desenvolveu, sobretudo, depois da utilização massiva das espadas, o que garantiu, por quase um século, a sua execução. Esse processo se deu desde as antigas brincadeiras com busca-pés a posterior fabricação em massa deste artefato transformando-o em espadas. Entretanto, essa notoriedade não aconteceu apenas em função disso. 120 FERREIRA, Raimundo Neves. (Seu Mundinho Fogueteiro), 74 anos, Fogueteiro/Espadeiro. Entrevista concedida em 23/01/2012, Cruz das Almas - BA.

76 76 Para que fosse realizada a produção das espadas, era necessário que as habilidades e o ofício de espadeiro para confecção do artefato, a percepção dos efeitos luminosos e plásticos, bem como tocar espadas, ou seja, a habilidade para manejar as espadas quando acesas, conhecimentos transmitidos para outros artesãos a partir de diversas relações sociais, heranças familiares, laços de parentesco, vizinhança, amizade, ou acolhimento de curiosos. O envolvimento com essa atividade produtiva, as transformações técnicas e sociais, foram gestados a partir do envolvimento cada vez maior de pessoas portadoras de diferentes experiências e habilidades que iam aprendendo, transformando e acrescentando novos elementos a essa tradição festiva. Assim, novas gerações eram preparadas para serem os novos fabricantes-espadeiros, aqueles detentores do saber, da fabricação e do uso do artefato A esse respeito são interessantes as considerações de Antônio Astor Diel, para quem a sociabilidade comunitária permite o nascimento da tradição, em que o coletivo e o individual se fundem, dando origem ao fundo anímico comum, capaz de ser transmissível às futuras gerações 121. Neste sentido, a tradição construída em Cruz das Almas atravessa pelo tempo, sendo transmitida pelas gerações anteriores que possibilitaram a inserção de elementos e transformações que foram agregadas e outras que foram ressignificadas para dar novas composições à festa de São João da cidade. Identificamos que entre os anos de 1950 e 1960, a utilização da espada como artefato pirotécnico nos festejos juninos da cidade se configurava em uma espécie de divertimento, especialmente localizado entre as famílias de localidades rurais, artefato esse conhecido inicialmente como busca-pé. Segundo Câmara Cascudo, esses fogos se se definiam pelo: Nome brasileiro da bicha de rabear portuguesa, fogo de artifício da noite de São João, o mais popular, indispensável, e característico nas festas de junho, dado o domínio do foguete por todo o século XVIII, o busca-pé convergência lógica para o tipo de rojão horizontal e rasante; possuiu clima invejável para as sublimações e carências lúdicas de menino e rapazes dedicados a espavorir gente velha, debandar reuniões graves, espantar bailarinos, tornar intransitáveis as ruas, com verdadeiras batalhas infatigáveis, duma para outra calçada, entre grupos afeitos ao manejo chispante dos pequeninos projéteis, ruidosos foliões, perseguindo, pela deslocação do ar, quem os evitava DIEL, Astor Antônio. Cultura Historiográfica: Memória, Identidade e Representação. Bauru, SP: EDESC, 2002, p CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. Rio de Janeiro: INL, 1954, p 155.

77 77 A utilização de busca-pés, descritos por Cascudo, representa uma espécie de atributo nos festejos juninos, legitimado como objeto obrigatório na realização das comemorações, segundo a perspectiva do estudioso citado, como [...] o mais popular, indispensável, e característico nas festas de junho [...], que se transformou em um dos elementos lúdicos mais típicos dessas comemorações. Em Cruz das Almas, a partir dos anos de 1960, estes fogos foram sendo gradativamente substituídos pelo artefato que se constituiu as espadas, produzido especialmente em redutos familiares, a fabricação se restringia aos chamados fogueteiros profissionais. Esses fogueteiros faziam parte de uma categoria profissional que não se qualificava apenas para a produção de um único tipo de artefato, eram na verdade, produtores de uma diversidade de fogos pirotécnicos, como coriscos, bombas, traques, chuvinhas, uma variedade de foguetes. Foram os anos de diversão em que o sentido dos festejos estava ligado ao comprometimento doméstico de visitar parentes e amigos, de caravanas de trios de forró que saiam pelas ruas da cidade e que agregavam aos poucos pessoas conhecidas no cortejo, cantando e dançando, comendo as típicas comidas do período. Paralela a esta dinâmica festiva, ainda se destacavam os tradicionais bailes de clube e escolas, como os do Cruz das Almas Clube e da escola Alberto Torres, onde as famílias levavam os pratos típicos e licores, a decoração era minuciosamente preparada com bandeirinhas e balões de papel de seda a balançar nos barbantes amarrados no alto das paredes. O lado lúdico passa então a compor em paralelo as origens religiosas, a forma de se comemorar o São João, realizada sob as formas de rezas e missa, celebrações católicas em homenagem ao santo. Diversão e liturgia vão se aglutinando para dar vida aos festejos juninos de Cruz das Almas, demarcados por suas peculiaridades, inventadas e reinventadas no mês de junho. Segundo Monsenhor José de Souza Neiva, pároco da cidade há quase 50 anos: O São João é uma festa que aqui nessa região não tem conotação religiosa, porque nenhuma dessas paróquias aqui São João Batista é padroeiro, nem tem uma tradição celebrativa festiva, tudo está condicionado ao licor e a canjica, essa parte social da festa 123. O dirigente católico da cidade identifica nos festejos a prevalência de formas lúdicas de divertimento, em detrimento do aspecto religioso, sobretudo quando destaca não existir relações estabelecidas com o fator devoção-proteção a qual é condicionado os santos 123 Monsenhor José de Souza Neiva, 95 anos. Padre. Entrevista realizada em 11/01/2012. Cruz das Almas - BA.

78 78 padroeiros católicos das localidades que os elegem. Para o padre Neiva, Cruz das Almas, assim como muitas cidades da região, adotou o festejo apenas como uma tradição festiva e lúdica. Assumindo seu posicionamento de líder religioso, que liga as comemorações ao culto e devoções católicas, o padre distingue os lugares de ocupação e apropriação do festejo, abalizando a construção atribuída aos sujeitos que faziam a festa a partir de outras perspectivas sociais, sejam elas para divertimento e sociabilidade. Entre os meses de abril e maio, a atmosfera da cidade começava a se transformar, o aspecto visual sofria gradativas mudanças devido ao crescente fluxo de produção das espadas para o São João. Na porta das casas era colocado o barro para secar ao sol, tonéis improvisados eram utilizados para cozinhar o bambu, homens em um contínuo vai-e-vem enceravam metros de cordão de sisal entre as árvores das calçadas, como atividades organizadas em grupos, usando espaços públicos e privadas, tendo em vista a fabricação do artefato. Podemos observar na imagem abaixo: Figura 3: Fabricação de espadas na Rua da Estação. Fonte: Jornal do Planalto junho de Observando a imagem acima identificamos uma das etapas da produção das espadas, feita na rua, onde os materiais utilizados na fabricação eram alocados em calçadas, como o barro posto ao sol para secagem, também podemos identificar a etapa de enrolar o barbante nos tubos de bambu. Esta era uma prática comumente realizada pelos produtores que utilizavam os espaços possíveis para a produção do artefato.

79 79 Neste universo de produção pirotécnica, as devoções religiosas ficavam de certa forma diluída, transformadas e reinterpretadas nas ações constitutivas os moradores de Cruz das Almas davam os novos moldes à festa, destacavam-se assim as figuras dos fogueteiros e espadeiros. Duas categorias de produção de fogos de artifício que se localizaram em tempos e espaços diferenciados e foram responsáveis por dar vida e nova evidência aos festejos juninos. Em 1950 existiam na cidade diversos fogueteiros profissionais que eram responsáveis pela produção de uma variedade de fogos que não eram apenas utilizados nos festejos juninos, mas também para outras festas religiosas do município, como as novenas de Nossa Senhora do Bonsucesso, homenagem a santos padroeiros de bairros como São José no Bairro da Coplan, Santo Antonio no bairro de mesmo nome, a festa do mês de maio que homenageava Santa Maria. A localidade rural conhecida como Bom Gosto, que fica na cidade de São Felipe BA, estabelecia relação direta com Cruz das Almas, através das fronteiras geográficas, esse local transformou em um dos redutos desses fogueteiros. Ali existia uma intensa fabricação de uma diversidade de fogos, como busca-pés, coriscos, foguetes de ar e foguetes de bomba. O senhor José Pereira, conhecido como Zé Lagoa, relata que as espadas e fogos daquela localidade eram os mais apreciados por moradores de Cruz das Almas e das cidades vizinhas: Antigamente eram poucas pessoas que fabricavam. Tinham mais aquela tradição: as espadas do Bom Gosto que era boa, porque era o fogueteiro; antigamente quem era que fazia espada? Era o fogueteiro. Depois todo mundo começou a fazer [...] As espadas tradicionais era deles, depois foi chegando pra cidade o pessoal foi aprendendo 124. Este relato, trazido pelas memórias do Senhor Zé Lagoa, aponta como era estabelecido o grau de confiança na fabricação do artefato para os festejos, bem como o predomínio de um reduto que agregava conhecimento e uma espécie de monopólio na fabricação de fogos para a região. Os fogueteiros do Bom Gosto construíram uma imagem que os identificava como os melhores produtores de fogos da região, essa relação estabelecida com a localidade se apresentava porque lá conservava, entre os produtores de fogos, um saber privilegiado no que diz respeito à produção ao modo de fazer. Assim, o conceito construído para fogueteiro estava diretamente relacionado a uma profissionalização específica que se tornava respeitada, afinal seus admiradores e consumidores lhe valorizavam pelo vínculo que estabeleciam com o 124 José Pinheiro da Rocha (Zé Lagoa). 55 anos, eletricista. Entrevista realizada em 07/01/2012, Cruz das Almas - BA.

80 80 saber fazer. Nesse sentido, os fogueteiros tornaram-se especializados na produção de vários tipos de fogos, eles asseguravam uma determinada qualidade produtiva acompanhada de permanente aperfeiçoamento pirotécnico e plástico. Conhecido na cidade como Mundinho Fogueteiro, Raimundo Neves Ferreira, senhor de 74 anos, é um dos poucos que ainda se considera como um dos profissionais que fazia parte dessa categoria profissional, embora a dividisse com a de espadeiro, relata que durante sua vida foi um admirador de pirotecnia, chegou a especializar-se como químico em um período que morou no Rio de Janeiro. Mundinho se apresenta como trabalhador que ao longo da vida aprendeu as artes de treze profissões, dentre as quais a de antigo fogueteiro, mas no momento considera-se apenas de espadeiro. Produtor de fogos de artifício há mais de 50 anos, vivenciou os diversos estágios de transformação pelos quais passaram a produção de espadas em Cruz das Almas, contribuindo até mesmo para essa transformação, a partir de invenções de máquinas que aperfeiçoavam e aceleravam a fabricação, o que possibilitou dispensar mão-de-obra e aproveitava melhor o tempo na produção. Além das informações que dizem respeito à fabricação, seu Mundinho descreve que, [...] há mais de 100 anos, por exemplo, não se tocava espada, era o busca-pé e o coriscão, espada era coisa só pra mulheres. O homem usava mais o busca-pé porque dava outra sensação, é digamos no passado 125. A informação sobre a distinção de uso, sobretudo, com relação de gênero, está na constituição do uso desses fogos, o busca-pé, que antes era produzido, constituía-se como um tipo de artefato pirotécnico que detinha um grau de periculosidade mais acentuado, principalmente pela explosão causada no final da queima o estampido enquanto as antigas espadas se configuravam de um material menos agressivo e não tinham essas feições, segundo seu Mundinho. Esses vestígios da memória sinalizam aspectos de uma tradição dos antigos, prestigiados fogueteiros que foram responsáveis por influenciar e transmitir o conhecimento da produção de fogos de artifício, bem como estimular, entre os moradores da cidade, o gosto pelo consumo dos fogos e espadas. Sobre este aspecto de transmissão Seu Mundinho ainda acrescenta que: 125 NEVES, Raimundo Ferreira. (Mundinho Fogueteiro) 74 anos. Fogueteiro/Espadeiro. Entrevista concedida em 23/01/2012, Cruz das Almas.

81 81 Eu passei a ter conhecimento de fogos com um vizinho na Rua Rio Branco, chamada antiga Estrada de Ferro, com Teotônio fogueteiro, ele é coisa de 100 anos atrás, então naquela época bem poucos tinham preferência por espadas, era mais coriscão e busca-pé, espada era feita mais de encomenda para mulheres, moçinhas que gostavam de espadas, aí começamos isso, seguimos em frente. No principio fazia mais por entretenimento e para ajudar o mestre, não ganhava nada só elogio, (risos) 126. O ofício que foi se transformando gradativamente garantiu ao senhor Mundinho, e a muitos outros produtores de fogos uma profissionalização que assegurava ocupação e renda através da produção de artefatos, organizado em tempos mais antigos pela relação entre mestre e aprendiz. Essa relação proporcionou a criação de técnicas que tinham como objetivo produzir novos efeitos plásticos e estéticos aos fogos de artifício, vinculada, principalmente, pelas incorporações de elementos químicos e manipulação artesanal estabelecidos nas relações de ensino/aprendizagem, baseadas em trocas de experiência que posteriormente se transformou em profissão. Ao analisar o consumo de produtos culturais, Raymond Williams 127 assinala a relação das experiências culturais pautadas nas analogias construídas pelos sujeitos. Neste sentido, tensões, disputas e acréscimo de bens culturais mobilizam as práticas dos sujeitos, no que o autor considera o termo incorporação seletiva como elemento que proporciona as mudanças, alterações e sentidos dos múltiplos bens culturais de uma sociedade. Nas memórias de Seu Mundinho podemos identificar a relação de transmissão de conhecimento no processo de produção de fogos. Sua fala ainda acresce distinções significativas sobre os tipos de fogos e sua utilização. Notemos que ele traz uma diferenciação significativa com relação ao uso dos busca-pés e das espadas, o primeiro considerado mais perigoso, enquanto as espadas, de ação menos agressiva, eram preferencialmente utilizadas por mocinhas, revelando que a distinção de gênero também era considerada característica de definição no uso dos fogos. Gradativamente, essas afinidades foram se transformando porque esses aprendizes, que antes auxiliavam seus mestres em troca de elogios, como significativo de retribuição pelo auxílio na produção, como narra seu Mundinho, vêem nesse ofício a possibilidade de se transformarem também em mestres. A apropriação e disseminação do conhecimento definiase também como aspecto que demarcava o prestígio do fabricante, ter um conhecimento recebido de um especialista fogueteiro era considerado um aspecto positivo por aqueles 126 NEVES, Raimundo Ferreira. (Seu Mundinho), 74 anos. Fogueteiro/Espadeiro. Entrevista realizada em 23/01/2012, Cruz das Almas - BA. 127 WILLIANS, Raymond. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

82 82 que consumiam os fogos de artifício. Essa busca de especialização fazia também com que muitos produtores dividissem seus conhecimentos de fabricantes de fogos vinculados a outras ocupações empregatícias ou outras profissões, [...] com frequência, a invocação do costume com respeito a um ofício ou ocupação refletia uma prática tão antiga que adquiria a cor de um privilégio ou direito 128. A especialização da produção de fogos se popularizou na região principalmente no final da década de 1960 e início de O intenso fluxo de fabricação e consumo começava então a se estender, os locais de produção não se restringiam apenas as localidades rurais, passaram também a ser estabelecidos em localidades da periferia e do centro urbano da cidade. Condicionado ainda ao ambiente comunitário familiar, o uso do busca-pé antigo foi perdendo espaço, sua utilização passava a ser percebida pelos brincantes dos festejos de São João como fogos de artifício arriscado pela periculosidade que proporcionava aos seus usuários. Já na década de 1950, foram observadas as consequências que o uso dos fogos causavam. Como assinala a reportagem do jornal Nossa Terra, no qual o jornalista Clodoaldo Costa apresenta um aspecto do uso do busca-pé nas comemorações, especificamente pelo perigo que ele proporcionou a um morador da cidade. A crítica relata um incidente ocorrido no dia de São João, quando um pai, ao tentar sepultar a filha pequena, acabou atingido por um busca-pé, levando-o a perder a visão. Assim, o periódico descreve que [...] um honrado e digno operário, [...] viu-se envolto na violência de um busca-pé que ao explodir vazou-lhe os olhos 129. Aspectos como esses ligados à violência e riscos, fizeram com que se estabelecesse a distinção entre busca-pé e espadas, neste sentido, ao passo e, que o primeiro era temido, as espadas foram ocupando espaço e gosto entre os moradores de Cruz das Almas. Em paralelo às mudanças operadas sobre os saberes referentes à produção e consumo dos fogos, foram alteradas as maneiras como a festa era vivenciada, cresciam os riscos e a falta de conhecimento na fabricação dos fogos, bem como sua utilização como elemento constituidor da festa. A democratização ao acesso do conhecimento, sobre a produção dos artefatos, transformava-se gradualmente em uma espécie de banalidade que, ao ser apropriado de forma não especializada, chegava ao acesso de muitos produtores despreparados, levando o uso dos fogos a ser visto de forma negativa. A percepção sobre a qualidade contraproducente 128 THOMPSON, E. P. Costumes em comum: estudo sobre a cultura popular tradicional, São Paulo, Companhia da Letras, 1998, p COSTA, Clodoaldo. Espadachins e Espadeiros. Jornal Nossa Terra. 10 jul

83 83 se apresenta na memória de seu Mundinho, quando ele lembra como era menos arriscada apreciar a festa sem o temor dos danos causados: Há 50 anos, o São João sempre divertido, saia os grupos de espadeiros, saia senhoras e moças todo mundo no meio, tocando sanfona, tomando licor, e tocando as espadas, nunca foi diferente. Hoje em dia há uma diferença porque tem uma turma jovem que eles não pensam assim como nós pensávamos, só em nos divertir, eles estão mais na perversidade, você me entende né? 130 Seu Mundinho se refere a um tempo no qual os fogos eram fabricados como um artefato destinado ao entretenimento, seu potencial não era agressivo, os grupos organizados por jovens adultos e crianças saiam às ruas sem o temor do perigo que eles pudessem ocasionar. O depoente faz uma distinção da maneira como os novos fabricantes produziam o artefato, desvinculando-o do divertimento e vinculado-o ao teor de periculosidade. Observamos que nesse cenário festivo, os participantes do festejo mudam as concepções de celebração e também de comportamento. O entendimento do espadeiro sobre a diversão passa a situar além do compartilhar de experiências coletivas, as memórias apresentadas pelo depoente revelam as mudanças nos padrões de comportamento e intencionalidades no que diz respeito às formas de festejar. Cria-se também uma percepção negativa que é dada aos participantes da festa que não estavam ali para apreciar o momento da queima de espadas e compartilhar com os seus, sobressaltando muitas vezes o fator negativo vinculado aos seus comportamentos que não condiziam com a expectativa do bem coletivo, que era a celebração festiva. No processo de fabricação dos fogos de artifício pudemos observar alterações tecnológicas significativas na produção do busca-pé e de outros elementos pirotécnicos, com o tempo este busca-pé vai deixando de ser utilizado e gradativamente sendo substituída pela espada. É importante salientar que esta novo fogo de artifício a espada não era aquela feita para mocinha 131, como salientou seu Mundinho, passando por mudanças como o aumento do seu poder de fogo e pressão era direcionado ao gênero masculino, por isso, devido sua capacidade explosiva, só podia ser utilizados, no São João, por rapazes brincantes. Desse modo, a espadas que passaram a ser utilizadas nas brincadeiras juninas não seriam mais aquelas para mocinhas, se estruturavam como fogos bem mais potentes, 130 Raimundo Neves Ferreira (Seu Mundinho), 74 anos. Fogueteiro/Espadeiro. Entrevista realizada em 23/01/2012, Cruz das Almas - BA. 131 Raimundo Neves Ferreira (Seu Mundinho), 74 anos. Fogueteiro/Espadeiro. Entrevista realizada em 23/01/2012, Cruz das Almas BA.

84 84 notadamente a sua propulsão, tamanho e peso, se diferenciavam das quem eram utilizadas na década de 50, como relatou Mundinho. A partir do final da década de 1960 e início de 1970, essa foram as principais transformações na dinâmica dos festejos. Assim, acentuava-se também uma mudança caracterizada pelo acesso as novas tecnologias de produção e sua crescente disseminação entre os novos produtores. O Senhor Zé Lagoa, produtor há mais de 30 anos, identifica essa mudança e crescimento da produção ao apontar as transformações e apropriações dos conhecimentos sobre a fabricação, ele nos relata que: As espadas de antigamente era menos violenta do que é hoje, eu acho que não devia ser assim não. Eu acho que deveria ser como antigamente [...] Eu sempre digo: uma vez em um São João uns dez anos atrás, eu disse a uma turma de garotos que tiveram aqui, eu não morava aqui, e sim na Suzana, aí eu fiquei jogando espadas e eles pulando o artefato pirotécnico, o a todo, uma hora e pouco aí eu cansei, falei, vem cá tomar um refrigerante, aí uns queriam tomar licor, eu botei por tamanho, o maior pode tomar licor o menor refrigerante, aí um chegou e disse: - Coroa suas espadas tá boa agora tem que ser mais forte. Aí eu falei pra ele: Você pegou alguma, não? Ele não conseguiu pegar nenhuma e queria que fosse mais forte violenta você vê a cultura de hoje né 132. A fala do depoente remete às mudanças pelas quais eram empregadas nas técnicas de fabricação e consumo do artefato pirotécnico as espadas, ele nos aponta ainda, para uma forma diferenciada de apreciação desses fogos que foi ao longo dos anos passando por mudanças em sua estrutura, até ser modificada a sua forma de produção. A partir das memórias de Zé Lagoa podemos ter acesso às lembranças sobre as formas como eram feitas as espadas de antigamente, bem como as que ele e as novas gerações foram submetidas ou se apropriaram, a respeito do uso e do conhecimento sobre a produção. Nesta relação encontramos práticas sociais condicionadas a padrões de comportamento que foram definidos por jovens que a utilizavam como um território propício à diversão e ao uso de outro tipo de espadas, cujo grau de explosão e produção de reflexos luminosos e plásticos era diferente daquelas produzidas por antigos fogueteiros. Assim, depreendemos que o depoente pontua uma relação em que as experiências são tidas a partir de expectativas que remetem aos acontecimentos vividos, sendo esses definidos e valorizados pelos que não podem mais fazer parte daquela realidade anterior. 132 José Pinheiro da Rocha (Zé Lagoa). 55 anos, eletricista. Entrevista realizada em 07/01/2012, Cruz das Almas - BA.

85 85 As transformações nas práticas sociais possibilitaram que a festa de São João tivesse um reordenamento, principalmente quando vinculado ao uso dos fogos que se configuravam como elemento centralizador das brincadeiras juninas em Cruz das Almas. A postura e o lugar ocupados pelos novos produtores de fogos foram se reconfigurando, estes se tornaram os novos detentores de saberes específicos, como os modos de produção, que deslocaram dos antigos fogueteiros o privilégio do conhecimento sobre a arte da fabricação. A esse respeito do reordenamento de festejos, Néstor García Canclini nos aponta importantes sugestões sobre sentidos e significados, principalmente quando estes assumem dimensões tanto religiosos como, também sobre os espaços de entretenimento: [...] A existência de divisão entre as classes sociais, de outras relações familiares, o maior desenvolvimento técnico e mercantil voltado para o lazer, a organização da comunicação social que apresenta um caráter massivo criam festividade que é distinta. A maioria das festas as pessoas vão individualmente, são feitas em datas arbitrárias, e, quando se adere ao calendário eclesiástico, a estrutura segue uma lógica mercantil que transforma o motivo religioso num pretexto, ao invés de participação comunitária, é proposto um espetáculo para ser admirado 133. As reflexões do referido do autor ampliam nossas possibilidades de compreender a festa junina de Cruz das Almas, uma vez que esta se transformou em função das experiências sociais que foram dinamizadas através da produção dos fogos, enquanto elementos como a devoção religiosa foram perdendo algumas características e ganhando outras, se readaptando em uma festividade voltada ao lazer e à diversão e ocupando gradativamente seus espaços. A maneira como diferentes gerações identificavam a festa demonstra como os participantes se relacionavam nesta manifestação comemorativa, como um universo festivo que congregava segmentos sociais diferentes bem como valores, opiniões e costumes. Quando Zé Lagoa argumenta que as espadas de antigamente eram menos violentas do que as de hoje, seu relato descreve como as antigas formas e elementos dos festejos juninos na cidade se distanciavam de práticas outras; suas recordações registram que havia menos violência na festa, bem como a valorização de ações que foram se distanciando no tempo. Neste sentido, podemos compreender que [...] a tradição não elege um tempo áureo ou um tempo de decadência, mas ativa a necessidade de ficarmos atentos a um mecanismo que preserva e muda o tempo e no tempo CANCLINI, Nestor Garcia. As Culturas Populares no Capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1983, p PEREIRA, Edimilson de Almeida; GOMES, Núbia Pereira de M. Inúmeras cabeças: tradições brasileiras e horizontes da contemporaneidade. In: FONSECA, Maria Nazareth Soares Fonseca. Brasil afro-brasileiro. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006, p. 49.

86 86 Em se tratando do uso dos fogos como elementos constituidores da festa, os antigos busca-pés, apesar dos perigos, eram feitos para o divertimento, não exclusivamente para a comercialização. A partir da mudança dos valores de uso em valores de troca, as percepções, fetiches e práticas, foram perdendo sentido de uso para se transformarem também em valores comerciais. Assim os produtores se organizaram e orientaram a produção incorporando cada vez mais novidades técnicas e estéticas para ampliar o desejo de apreciadores e consumidores da mercadoria que, gradativamente, foi desenvolvendo uma dinâmica com a qual eram atraídos a consumir esses fogos nos dias da festa. Nessa perspectiva, o lado religioso passou a ser minimizado, bem como outras formas de se festejar, muitas pessoas, que antes saiam pelas ruas, passaram a temer o risco que estes fogos ocasionavam. A partir dos anos 1960, principalmente, quando a praça central da cidade passou a ser o palco das apresentações com as espadas, essa forma centralizada definida como o apogeu e a culminância da festa modificou os aspectos do São João na cidade. A fabricação do artefato para os festejos juninos se intensificava, sobretudo, com a nova dinâmica empreendida na produção, o acesso ao conhecimento possibilitou que diversos sujeitos apreendessem as técnicas de fabricação, alargando a produção e afetando o segmento profissional denominado Fogueteiro. Estes sujeitos não seriam mais os únicos responsáveis pela produção e pelo conhecimento da produção de espadas. Acompanhado essas transformações, para além do sentido lúdico envolvido na festa, as questões econômicas emergiram, especialmente porque o uso do artefato feito para o divertimento, após o crescente número de fabricantes, passa a ser direcionado para a obtenção de lucro, enfim, uma possibilidade de obtenção de renda no período do São João. Participante ativo nos festejos juninos, o senhor Benedito Rodrigues dos Santos, conhecido pelo apelido de Seu Manhoso, 78 anos, nascido em Cruz das Almas em 1934, teve como profissão o ofício de pedreiro e espadeiro. Em depoimento oral, ele nos apresenta elementos que demarcavam sua participação nas festas juninas, cuja produção de espadas significava parte inerente de sua vida. Informa-nos que aprendeu a fabricar espadas com um antigo fogueteiro da cidade, conhecido como Zequinha, sua iniciação se deu através da relação de aprendizagem na qual ele era responsável apenas por funções menos exigentes na cadeia produtiva: Eu não sabia nem como era as coisas, ele [Zequinha] morreu no dia 6 de São João, eu tava fazendo espadas, mas quem brocava era ele, não tinha o poder

87 87 de brocar ainda, mas depois eu olhava e via ele brocando, depois meti a cara e deu certo, aí eu comecei a fazer por minha conta própria 135. Compreendemos a partir das memórias de Seu Manhoso a relação de respeito e transmissão de conhecimento existente entre os produtores de espadas de sua geração. Suas lembranças apontam significativas práticas existentes nos processos de aprendizagem, quando ele nos relata que não podia brocar 136 as espadas, entendemos que esta função uma das mais importantes da fabricação não deveria ser feita sem o conhecimento necessário porque se a broca não fosse feita com precisão, a espada poderia falhar ao ser acesa, ou mesmo explodir. Seu Manhoso só passou para este estágio produtivo após a morte de seu mestre, momento em que ele teria que continuar a produção por conta própria. As transformações observadas no processo de apropriação de novas técnicas e ampliação do número de fabricantes também se deslocaram a relação espacial: a zona rural, ambiente tradicional destinado à produção de fogos, deixou de ser o preferencial espaço de produção. A fabricação foi se deslocando para diversos bairros da cidade de Cruz das Almas, neles, muitos homens, principalmente os jovens, passam a assumir as atividades como os novos profissionais pirotécnicos. Essa percepção dos novos hábitos de vivenciar o São João foi identificada não apenas pelos moradores da cidade, mas também pela imprensa que descrevia o potencial de visibilidade que os festejos juninos em Cruz das Almas ganhavam: A guerra de espadas notabilizou-se especialmente em Cruz das Almas e só no dia de São João calcula-se que cerca de desses produtos foram queimados [...] Hoje sua confecção é de domínio público. Basta que em um pedaço de bambu ou em um tubo de plástico se coloque a pólvora bem socada... Praticamente aposentado como fogueteiro, Agenor Sampaio, 68 anos, artista do pirotécnico desde menino, recorda tempos menos violentos: Antigamente, as pessoas soltavam espadas só para brincar, tomava-se licor, comia-se canjica e ia-se para a rua ver o espetáculo dos fogos. Hoje com as espadas de calibre maior e feitas sem arte, as pessoas preferem se ferir 137. Essas novas e diferenciadas práticas de comemoração no São João apresentavam experiências como a do Sr. Agenor, relatadas na reportagem de Ricardo Noblat, acima citada, destaca como as mudanças foram operadas transformando os festejos juninos, mesmo apresentando índices de perigo com seu uso. Ao que parece, o acesso ao saber da produção do artefato evidenciou o aumento do perigo e danos diversos, como acidentes e riscos aos que 135 SANTOS, Benedito Rodrigues dos. Seu Manhoso, 78 anos, Pedreiro e Espadeiro. Entrevista concedida em 04/ 08//2012, Cruz das Almas - BA. 136 Etapa da produção das espadas em que é feito um furo na diagonal para que quando aceso esses fogos as chamas da pólvora saiam e dê propulsão ao mesmo. 137 NOBLAT, Ricardo. Sai da Frente! Revista VEJA, 4 jul

88 88 participavam da fabricação, fazendo com que o tocar/queimar espada nos festejos juninos representasse então, um misto de divertimento e desafio aos novos participantes que queriam ver as espadas cada dia mais potentes. Entendemos a partir do relato do Sr. Agenor que os novos produtores do artefato começaram a atribuir ao uso das espadas um tom mais perigoso, até mesmo desafiador, concedendo ao artefato uma transformação que lhe acrescia força e velocidade, o que consequentemente, gerava menos domínio pelos usuários, assim, o desafio de seu uso causava mais emoção, entretanto o descuido acarretava muitas vezes, inúmeros acidentes. A reportagem da revista VEJA, do final da década de 1970, dava indícios das prováveis transformações localizadas nos hábitos dos festejos juninos da cidade, apresenta neste sentido, não uma remoção de costumes, mas as alterações pelos quais as percepções da festa passaram a ter, principalmente pelos antigos fabricantes e apreciadores das espadas que identificavam os novos usos dado ao artefato. Observamos que privilegiavam na cidade elementos festivos realizados em duas frentes de comemorações: de um lado, os que estavam vinculadas a queima das espadas e, do outro, aqueles com os costumes assentados em práticas sociais que iam desde o sair às ruas para encontrar seus pares, acender fogueiras entre outros no intuito de festejar coletivamente. Seu Manhoso também nos relata momentos como esse em que ele, por muitos anos, vivenciou: A festa era boa, tranquila, o povo entrava com respeito dentro das casas, a gente sai cheio de espadas, né? Saia eu, uma turma era uns dez ou quinze, saia com uma sanfona, uma zabumba, um pandeiro, aí chegava assim, na Rua da Estação, essas ruas tudo, entrava todo mundo cantava uma música de saudação ao dono da casa, cada um tirava um licor aí e tomava, se fosse amendoim pegava uma baguinha, saia tudo na base do respeito, depois entrava em outra era assim Este relato nos apresenta uma dimensão da festa onde podemos identificar as relações simultâneas estabelecidas entre a queima das espadas e as visitas às casas de conhecidos e parentes. Depreendemos outra prática festiva localizada na permissão emitida após ser entoado o canto para saudar os donos da casa, a partir do qual se estabelece um código de recepção que proporcionava a sociabilidade entre os brincantes da festa de São João, caso o convite fosse aceito positivamente. 138 SANTOS, Benedito Rodrigues dos. Seu Manhoso, 78 anos, Pedreiro e Espadeiro. Entrevista concedida em 04/ 08//2012, Cruz das Almas-BA.

89 89 Este universo festivo fazia parte das comemorações, mas, ao mesmo tempo, evocava elementos de vida que estavam presentes no cotidiano e nas relações estabelecidas entre os moradores da cidade que faziam parte da festa; muito mais que apreciar as comidas e bebidas juninas, as práticas ali envolvidas situavam a reatualização de costumes que demarcavam a proximidade em torno de uma dinâmica festiva. A festa de São João, neste sentido, pode ser compreendida como uma polissemia de ações praticadas em prol da revitalização de costumes que, celebrados coletivamente, davam sentido a vida dos brincantes. Cruz das Almas no período junino se transformava em um espaço privilegiado das comemorações, a partir da visibilidade que o uso das espadas alcançava, o fluxo de turistas começava a aumentar, alterando a relação firmada pelos moradores da cidade que passam a dividir as festividades com outros sujeitos com os quais não tinham uma vivência demarcada no cotidiano, esses novos consumidores da festa tornavam-se também os novos apreciadores dos fogos de artifício. Como aponta o Jornal do Planalto de 1987 a respeito do número de espadas consumidas e a relação com o turismo então empreendida no festejo: Segundo estimativas, anualmente são consumidas entre 200 e 300 mil dúzia, haja vista que praticamente toda população tem participação ativa nos combates. Nessa ocasião, a cidade recebe a visita de inúmeros turistas todos ávidos em viver as emoções de um São João verdadeiro 139. Percebemos a busca por uma festividade que se caracterizasse como verdadeira, de acordo com as expectativas dos visitantes que procuravam Cruz das Almas com o intuito de encontrar uma festa considerada original e excêntrica; um território festivo que, no período junino, congregava relações atualizadas pelos moradores da cidade através do acolhimento aos grupos que chagavam para se divertir e participar de uma manifestação que lhes era alheia. 139 Seu povo suas tradições. Jornal do Planalto, jun

90 EU SEMPRE DIGO: O ANO SÓ COMEÇA DEPOIS DE SÃO JOÃO! O novo sujeito denominado Espadeiro constrói uma nova dinâmica, principalmente pela forma como passa a fabricar as espadas. Apesar de ser herdeiro das antigas tradições produtoras, os espadeiros se diferenciavam dos antigos fogueteiros no processo de fabricação. Os fogueteiros produziam o artefato com taboca, um bambu de pequeno calibre e usavam pouca pólvora desta forma era menos perigoso para os tocadores dos fogos. Os novos espadeiros utilizavam o bambu de diâmetro mais largo, maior quantidade de pólvora, para aumentaram propulsão, adicionaram variados elementos químicos. O segmento espadeiro apresentava características peculiares por agregar ao seu título uma variedade de praticantes que se identificam nas relações de produção e consumo. Os espadeiros-produtores e os espadeiros-consumidores eram categorias que, mesmo partilhando similaridades, se diferenciavam quanto ao posicionamento e função na dinâmica dos festejos juninos da cidade. Ao longo do exercício de organização das fontes, leitura e sistematização, pudemos perceber que no processo de transformação e apropriação das técnicas de produção, a existência de espadeiros se diferenciava através de categorias distintas que desenvolveu nas relações sociais estabelecidas no consumo e divertimento, vinculadas à prática de fabricação para obtenção de renda. Os produtores eram vinculados em uma relação de trabalho que se desenvolveu no período junino como possibilidade de lucro e subsistência. Já os consumidores eram aqueles que não tinham por prática a fabricação, apenas compravam e utilizavam o produto. A categoria de espadeiros-produtores referia-se especificamente aqueles sujeitos que exerciam função na fabricação do artefato. Sua distinção incide na capacidade de conhecimento das especificidades no manejo da fabricação de espadas, sendo responsável por desenvolver as tecnologias de produção, bem como executá-las. Centenas de homens, que no período do São João, e principalmente antes dele, dedicavam horas de seu dia para trabalhar na produção de uma quantidade significativa dos fogos. Esses espadeiros-produtores que se instruíram do ofício através de ensinamento dos antigos detentores do conhecimento de fabricação, proporcionaram que os outros sujeitos também acabassem aderindo à produção por gosto ou pela necessidade.

91 91 Seu Mundinho, um dos espadeiros mais antigos e requisitados da cidade, em suas memórias ressalta que o aprendizado sobre a fabricação das espadas se dava na base da informalidade, através da curiosidade de muitos jovens que se encantam pelo uso do artefato, ou mesmo por aqueles sujeitos que, não possuindo uma colocação no mercado de trabalho, assumiam a fabricação como profissão. Na condição de um dos produtores mais antigos, ele observava que não havia muita dificuldade em aprender o ofício, os que queriam tinham apenas que se dedicar a produção e mesmo que o sujeito não tivesse recurso para fazer sua própria produção, podia se estabelecer como ajudante de um produtor já experiente. Assim, os aprendizes começavam a se instruírem com estes antigos fabricantes para posteriormente dar início a sua própria fabricação, o espadeiro aponta que não havia dificuldades na aprendizagem: [...] cada um chega, na minha ou na tua casa que está fazendo fica de olho e pergunta, mas lá o objetivo é querer fazer, querer anotar, sai com as bombas deles, até se aperfeiçoar, outro sai e vem trabalhar aqui comigo pega um pouquinho e se manda 140. Através dessa transmissão de conhecimento feita na oficina, local de trabalho, através da vontade de aprender ou da necessidade financeira, foi que a fabricação das espadas se disseminou pela cidade, sobretudo entre o final da década de 70 e durante os anos 80 do século XX. Seu Mundinho nos relata que, antes do aperfeiçoamento da técnica de produção, muitos aprendizes saem com suas bombas, o que significa dizer que muitos deles, antes de chegarem a uma produção de artefatos de qualidade, produziram muitas espadas que explodiam ou não funcionavam, certamente por não possuírem o domínio suficiente da técnica especializada. Esse entendimento, apresentado por Seu Mundinho, sobre a produção de espadas lhe confere um posicionamento quanto ao lugar e espaço, assumido pela geração de espadeiro da qual ele fazia parte. Em sua perspectiva, a produção do artefato estava diretamente ligada a um padrão de qualidade esperado para os fogos, essa ética da forma de produção o distinguia dos grupos posteriores que se interessavam mais pela ampliação das vendas, retorno financeiro, divertimento, emoção, adrenalina e pelo ganho de visibilidade. Os produtores se diferenciavam entre aqueles que tinham a fabricação própria e aqueles que se estabeleciam como auxiliares dos primeiros, na função de ajudantes, pelo fato deles não possuírem capital técnico e financeiro para aquisição do material destinado à produção 140 Raimundo Neves Ferreira (Seu Mundinho), 74 anos. Fogueteiro/Espadeiro. Entrevista realizada em 23/01/2012, Cruz das Almas BA.

92 92 das espadas. Não eram todos que se dispunham a produzir o artefato, afinal produzi-lo demandava um investimento financeiro que muitas vezes não estava ao alcance de todos, tais custos eram sentidos até mesmo por grandes fabricantes, que reclamavam do encarecimento de materiais, levando-os a se desestimularem da produção: A guerra de espadas que é uma travada todos os anos no são João de Cruz das Almas, se achou ameaçada. Esta tradição pode ter sido iniciada no outro século, mas devido ao alto preço da matéria prima, está fazendo com os fanáticos pelo citado fogo de artifício percam seu interesse pelo fabrico para posterior queima. O grupo do Sr. Dinho, disse que no ano passado queimaram mais de 100 dúzias, mas que este ano a quantia será reduzida para aproximadamente 20 dúzias. Luiz de Dijá, outro grande espadeiro cruzalmense que soltou 70 dúzias no ano passado este ano não fez nenhuma até o presente momento 141. A compra da matéria-prima era um dos entraves que ocasionalmente restringia a fabricação do artefato e como consequência, gerava a diminuição na produção. Entretanto, mesmo com pouca quantidade e aumento do preço do material, os fabricantes não deixavam de fabricar as espadas, apenas reduziam a quantidade da produção. A preocupação com o número da produção estava também voltada para o fato de que a maioria desses espadeirosprodutores destinava grande parte da fabricação para a venda, alterando a fabricação consequentemente diminuía o número de vendas. Como acresce o Sr. Herbal Sampaio, em depoimento ao Jornal do Planalto, [...] todos que fazem espadas, sempre vende uma quantidade para compensar as despesas, mas como estes preços elevados tornam-se difícil vender qualquer quantidade 142. Esta produção destinada para a venda aumentava significativamente em Cruz das Almas, no final da década de 1970 e início dos anos de 1980, levando a fabricação de espada ser considerada uma profissão informal. A produção do artefato demandava muitas horas de dedicação de sujeitos que, por meses, se especializavam nesse ofício, muitos deles até mesmo abdicavam temporariamente de suas profissões formais para trabalhar na produção do artefato. José Pinheiro da Rocha, 55 anos, conhecido como Zé Lagoa, possui a profissão de eletricista, mas dividia seu serviço formal com a de espadeiro. No período dos festejos juninos, relata que, quando fabricava as espadas para a venda tinha uma rotina desgastante por se deslocar de seu lugar de trabalho, que ficava na entrada da cidade, para o espaço onde 141 Jornal do Planalto. Cruz das Almas, ano 10, n. 469, 13 e 14 de jun Ibidem.

93 93 produzia o artefato, que ficava a vários quilômetros de distância. Segundo ele, enfrentava essa desgastante rotina com o objetivo de aumentar a renda da família, assim como dar continuidade ao conhecimento sobre a produção. Outro fator que ocasionava muito desgaste era a força de trabalho empregada na fabricação da espada, pois demandava muito esforço físico e atenção. Ele relata assim a rotina em sua dupla jornada de trabalho: Eu já fiz [espadas] com um sobrinho meu que mora na Escola de Agronomia, quando eu fazia lá eram umas trezentas dúzias de espadas, eu saia lá da FUMEX de bicicleta e ia até a Escola de Agronomia, voltava duas, três horas da manhã de bicicleta pra aqui, tomava o banho dormia, nem dormia direito, acordava e ia trabalhar, tinha dia que você tava lá... Isso há dez, vinte anos atrás, hoje que eu não faço mais isso 143. Essa rotina sobrecarregada de trabalho fazia parte da vida de muitos produtores de espadas, como Zé Lagoa que se esforçava para dividir suas tarefas da profissão formal de eletricista com a dedicação na produção de espadas, produção essa que pode ser considerada de grande volume de fabricação, o que demandaria muita força manual dos seus produtores. Trezentas dúzias de espadas é o que equivalia a unidades desses artefatos que, para a sua produção, necessitavam de grande volume de matéria-prima, sendo elas: bambu, barro, pólvora, limalha de ferro. A referida matéria-prima tinha que ser retirada, muitas vezes, de lugares ermos, o que, consequentemente, levava a quem tinha de consegui-las a adentrar em matagais para buscar bambu na zona rural e entrarem em barrancos perigosos para retirar barro. Nessas circunstâncias ficavam expostos a desmoronamento, como relata Zé Lagoa, [...] só fui uma vez pra nunca mais em minha vida, tudo de espada é ruim, eu já tirei muito barro, mais hoje um não vou mais, por duas vezes a loca desabou comigo, mas todo mundo do lado de fora, mas quando a gente saiu desabou, conta-nos o ex-espadeiro sobre sua experiência na aquisição de materiais para o fabrico das espadas. O Senhor Zé Lagoa ainda relata que cada espadeiro produzia sua pólvora, geralmente adquiriam os materiais em casas comerciais de Cruz das Almas, dentre eles constavam o salitre 144, enxofre 145 e carvão, estes eram misturados em pilões de madeiras e moídos até virarem um pó uniforme. O cordão de sisal utilizado para enrolar o bambu, a fim de 143 José Pinheiro da Rocha (Zé Lagoa). 55 anos, eletricista. Entrevista realizada em 07/01/2012, Cruz das Almas - BA. 144 Designação vulgar do composto químico conhecido como Nitrato de Potássio. 145 O enxofre é um sólido amarelo e de odor característico, que ocorre isolado na natureza, em jazidas localizadas em terrenos de origem vulcânica, com alto grau de pureza, acima de 99%. O enxofre é utilizado na fabricação de pólvora, fungicidas, fertilizantes, ácido sulfúrico e na vulcanização de borracha. Disponível em: < Acesso em: 21 mar

94 94 proporcionar uma maior rigidez ao artefato, também era adquirido nas casas comerciais, enquanto que a cera caseira, feita pelos espadeiros para untá-lo, era preparada com parafina, breu, óleo de coco ou de soja. Feito o recolhimento e organização dos materiais que, por vezes, poderia ser comprado por intermediários, pois nem todos os espadeiros tinham como adquirir de forma legal, partiam para a produção do artefato, realizada através de várias etapas. Sobre essas etapas seu Mundinho recorre a suas memórias para explicar que utilizava vinte e sete fases diferentes necessárias para produzir uma espada, incluindo a obtenção dos materiais. Segundo as suas recordações, depois de recolhido o bambu este devia ser cozido e posto ao sol para secagem, bem como o barro retirado dos barrancos, posteriormente esse barro era amassado e peneirado, estando pronto para ser prensado dentro do bambu. O bambu era enrolado com o sisal já encerado, esse processo de encerar era feito nas ruas da cidade, por homens em permanente vai e vem, afixavam o sisal nas árvores das calçadas e passavam o produto a cera em centenas de metros desse cordão. Finalizada as primeiras etapas da força braçal, entravam em ação os homens que levavam horas prensando o barro peneirado em uma primeira etapa de prensar; depois vinha uma camada de pólvora e limalha 146 de ferro prensado o que dava a propulsão e brilho ao artefato e por último, vinha outra camada de barro prensado no qual se faziam um orifício chamado de broca. Era por meio desta que a pólvora saía em combustão, dando vida e movimento as espadas. Para ganhar essa combustão e impulso, colocava-se então a última e fina camada de pólvora para dar início à queima da espada. Figura 4: Desenho técnico da espada. Projeto Fênix 147 Santo Antonio de Jesus, Metal fragmentado geralmente aço ou ferro - em forma de partículas finas. Adicionada a pólvora quando entra em combustão produz um efeito luminoso com chamas metálicas. 147 Em 1998 um galpão de 200 metros quadrados onde funcionava uma fábrica de fogos de artifício matou 64 pessoas na cidade de Santo Antônio de Jesus, na Bahia. No momento do acidente, havia 1,5 toneladas de fogos no local. O Projeto Fênix foi então criado para orientar os produtores, oferecendo cursos profissionalizantes e treinamentos para total segurança no fabrico de fogos.

95 95 Zé Lagoa destaca que muitas horas eram empreendidas na dedicação da fabricação do artefato. Desta forma, podemos evidenciar que, mesmo sendo uma atividade empregatícia informal, para a produção das espadas deveria existir uma disponibilidade e interesse, pois muitas vezes os produtores eram obrigados a se submeter a condições desgastantes de horas de trabalho. Alguns espadeiros foram se especializando na produção do artefato, aos fogos eram adicionados alguns elementos químicos que produziam efeitos diferenciados, dentre esses produtos estava o manuseio perigoso do ácido pícrico, nitrato de potássio e sulfato de magnésio que, quando misturados formavam uma massa que era colocada no início da espada para quando fosse acesa produzisse uma espécie de assobio relativamente alto, anunciando que a espada estava por vir, esses artefatos ganharam o nome de espadas de assobio. Seu Mundinho, um dos fabricantes que se especializaram nesta técnica, destaca a utilização destes produtos, sobretudo na década de 1980, pela necessidade de produzir espadas de qualidade que fossem atrativas para o público consumidor, o que contribuiu para a inserção desses elementos ao artefato. Outra mistura de elementos químicos era decorrente da composição do nitrato, clorato e estrôncio, que formavam uma espécie de massa de variadas cores as mais comuns eram as verdes, vermelhas, amarelas, azuis e florescentes que colocada na entrada da espada, quando acesa, produzia um clarão da cor escolhida, essas espadas foram denominadas espadas Boca de Cor 148. Importante ressaltar que, embora esteticamente esses artefatos produzissem maior interesse dos usuários, seu custo tornava-se mais elevado para a produção, além de sua manipulação ser muito perigosa. Muitos desses materiais eram adquiridos de forma clandestina, Zé Lagoa ressalta que, [...] os clandestinos que traz de fora, o pessoal faz a vaquinha e eles traz mais barato, pra ficar mais em conta a coisa, e aí todo mundo vai sobrevivendo 149. Não apenas a aquisição desses materiais era considerada clandestina, é importante salientar que, devido ao crescimento de produtores dedicados à fabricação de espadas, os lugares que eles elegiam como as fábricas nem sempre eram adequados para a fabricação, 148 Para mais informações ver: Projeto de mapeamento cultural e paisagístico da Bahia. Bahia Singular e Plural: As espadas de fogo de São João: perigo, luzes e magia em Cruz das Almas / [Gravação de Vídeo]: realização IRDEB/ TVE Direção e edição de Ângela Machado; roteiro Doris Pinheiro. Documentário. Salvador: IRDEB / TV Educativa da Bahia, junho de ROCHA, José Pinheiro da. ( Zé Lagoa) Eletricista, 55 anos. Entrevista concedida 07/01/2012, Cruz das Almas BA.

96 96 geralmente nos fundos de quintais. Nesses espaços era comum a convivência desses espadeiros, em sua maioria, com o dia-a-dia de suas famílias, muitas vezes expondo crianças aos materiais usados no fabrico dos fogos. Se por um lado essa era a forma como muitos jovens começaram a se interessar pela fabricação do artefato, era também o espaço onde eles eram expostos aos perigos da produção como queimaduras, intoxicação, e outros riscos presentes no processo de produção. No final dos anos 1980 e início dos anos 1990, a produção das espadas cresceu de forma desenfreada na cidade. Centenas de casas, durante o período junino, tinham que comportar a rotina do dia-a-dia das famílias de produtores com as mini-fábricas instaladas nos quintais e, algumas vezes, no interior das residências, provocando muitas vezes, acidentes e alternado a dinâmica social na rotina das famílias. Na produção desses fogos era preciso se dedicar um trabalho árduo e laborioso por ser necessária muita força física e horas de empenho. Além dessas características, os fatores de risco resultavam em muitos acidentes envolvendo os próprios fabricantes, como explosões, ferimentos nas mãos devido ao constante atrito com o sisal, exaustão por terem que ficar horas a fio socando o barro e a pólvora manualmente no bambu, com pequenas marretas feitas de madeira e um pedaço de metal. Para finalizar o processo apenas era acrescido um pedaço de papel laminado, para dar uma estética e padronizar o artefato. Os produtores antigos das espadas relatam que estes fogos eram feitos de forma menos agressiva, com salientou o senhor Agenor Sampaio, antigo fogueteiro da cidade, ao apontar que as espadas de hoje são de calibre maior, feitas sem arte, e que as pessoas preferem se ferir. Essa arte refere-se a um saber, domínio técnico que se assentava na produção para a diversão. As espadas eram feitas praticamente de modo artesanal, as etapas da fabricação geralmente não eram subdivididas, cada artefato era confeccionado em todas as etapas por uma única pessoa, não havia divisão de tarefa. Posteriormente, quando a produção passou a ser feita em larga escala para a comercialização, fizeram com que essa dinâmica na produção fosse subdividida e cada fabricante se responsabilizasse por uma etapa da fabricação. Essa demanda pelo artefato levou muitos produtores a inventarem máquinas que dinamizavam e aceleravam a produção, eram invenções feitas da criatividade desses espadeiros que aproveitavam motores de automóveis, embreagem de carro, moinhos de fenos de animais, roldanas dentre outros, para serem os novos instrumentos de fabricação de espadas.

97 97 Senhor Mundinho, por exemplo, relembra a intensa demanda pelo produto no início da década de 1990, para acelerar sua fabricação, e não depender tanto de mão-de-obra, adaptou uma serra a um motor, fazendo uma serra elétrica para cortar o bambu que antes serrado manualmente. Além disso, ainda adaptou um moinho de feno e o transformou em moedor de barro e carvão, que antes eram triturados manualmente por um porrete de madeira em um pilão. Além de ter inventado um pilão elétrico, com dois compartimentos, para pilar a pólvora também adaptou roldanas a um motor antigo de carro para enrolar o cordão encerado no bambu. Pilão 1 Pilão 2 Figura 5: Pilão elétrico construído por S. Mundinho para pilar a pólvora: Arquivo pessoal, 2012.

98 98 Figura 6: Máquina de moer feno adaptada para a moagem de carvão e barro. Fonte: Arquivo pessoal, Essas dinamizações das técnicas de produção facilitaram o trabalho de alguns espadeiros, como resultado tiveram suas produções aumentadas graças a esses instrumentos projetados e construídos a partir de suas capacidades de criativas e da necessidade de tornar a produção das espadas menos cansativa. Vale ainda ressaltar que a grande maioria dos produtores ainda continuou a produção do artefato de forma manual, não usufruindo dessas facilidades garantidas pelas novas máquinas. Embora ocasionasse uma rotina estafante, cansativa e de muitos riscos, as formas de produção de espadas eram também espaços de sociabilidade, momentos em que os sujeitos produtores, além da rotina de trabalho, partilhavam suas preocupações, alegrias, dificuldades; eram momentos de dividir experiências de vida, tanto relacionada aos ensinamentos do ofício

99 99 de espadeiro, como no seu dia-a-dia. O espadeiro Zé Lagoa explica esses laços de sociabilidade ao dizer: Pense numa higiene mental fazer espada, um bocado de homem contando um monte de mentira, começa a comer água e sai história do arco da velha, eu tenho um cunhado mesmo que eu me pocava de dar risada com as histórias dele... Mais é bom de mais... Eu sempre digo: o ano só começa depois do São João! Passou ali, você lavou a roupa suja depois do são João, vida nova depois do dia 01 de julho. Eu sempre pensei assim 150. Assim como descreve Zé Lagoa, alegrias e trabalho partilhado povoaram o universo desses espadeiros que dedicavam horas do seu dia e muita força de trabalho para a fabricação desse artefato. Desenvolveram uma dinâmica peculiar para os festejos juninos na cidade de Cruz das Almas, motivaram os moradores e visitantes à apreciação desses fogos, ocasionando o crescimento do seu consumo. Além dos vínculos construídos através da relação de trabalho, na produção de espadas, os laços sociais estabelecidos, os vínculos de amizade e o espaço para divertimento também eram encontrados na dinâmica produtiva. As memórias do depoente Zé Lagoa apontam para um universo onde as experiências de uma rotina de afazeres eram partilhadas com a possibilidade da interação, as expectativas que giravam em torno dos dias da festividade motivavam os espadeiros a fazerem desses momentos de produção do artefato um ambiente de divertimento, assim, [...] a memória é um recurso importante para a transmissão de experiências consolidadas ao longo de diferentes temporalidades 151. O período dos festejos juninos era transformado na espera por dias de renovação da rotina e ânimo para os períodos subsequentes após a festa. Essas vivências, partilhadas e renovadas, eram ressignificadas e atualizadas pelas motivações dos espadeiros, o que garantia a possibilidade da manutenção da prática da produção de espadas: Experiências novas ampliam constantemente as imagens antigas e no final exigem e geram novas formas de compreensão. A memória gira em torno do passado-presente, e envolve um processo contínuo de reconstrução e transformação das experiências relembradas, em função das mudanças nos relatos públicos sobre o passado. Que memórias que escolhemos para recordar e relatar [...], e como damos sentido a elas são coisas que mudam com o passar do tempo José Pinheiro da Rocha (Zé Lagoa). 55 anos, eletricista. Entrevista realizada em 07/01/2012, Cruz das Almas - BA. 151 DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. História Oral: memória tempo e identidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2006, p TOMSON, Alistair. Recompondo a Memória: questões sobre a relação entre História Oral e as memórias. Proj. História, São Paulo (15). Abril 1997.

100 100 As reflexões de Alistair Tomson nos ajudam a compreender os mecanismos da memória expostos no processo de produção das espadas, vinculados às redes de sociabilidade diretamente, mas também servem pontuar a especificidade de outra categoria de espadeiros, esses denominados espadeiros consumidores ou brincantes. Esses sujeitos, diferentemente dos espadeiros que apenas produziam não eram vinculados à fabricação, e sim ao consumo dos fogos, eram os responsáveis pela sua compra e uso. Eles fizeram como que a produção aumentasse significativamente e alteraram a forma como a fabricação se dinamizou. Neste grupo também podem ser inseridos alguns espadeiros-produtores, porque a maioria dos que produziam também consumiam os artefatos, entretanto, os espadeiros-consumidores são constituídos, essencialmente, por aqueles que nunca produziam, mas que apenas compram dos fabricantes. Esses eram considerados os brincantes da festa, os que faziam usos do artefato pirotécnico, pelas ruas de Cruz das Almas, tanto nos dias que antecediam como no dia específico, dedicado a São João. Durante o mês de junho, período da utilização de espadas, eles geralmente usavam esses fogos nos chamados testes de espada, eram os momentos para avaliar as espadas que já estavam prontas, os testes eram feitos durante a noite ou na madrugada, embora fosse proibido o uso das espadas era comumente aceito uma semana antes da festa e especificamente nos dias 23 e 24 de junho, como é sabido, a véspera e o dia de São João, respectivamente. O dia do teste, acima referido, era conhecido na cidade bem como o Casamento do CEAT, essa sigla refere-se a uma das escolas mais antigas de Cruz das Almas, o Colégio Estadual Alberto Torres. Segundo o ex-diretor do colégio, o professor Antônio Batista, esse casamento originou-se no final da década de 1970, através de um projeto pedagógico intitulado São João na Roça, que tinha como interesse despertar os alunos para a cultura popular através de atividades relacionadas aos festejos juninos, dentre elas: comidas típicas, quadrilhas, danças e o casamento na roça. Essas atividades foram realizadas sob a forma de apresentações, sendo o casamento na roça o que obteve melhor desempenho, embora fizesse parte de uma atividade escolar, os alunos sempre insistiam para que no casamento fosse permitido o consumo do licor e o uso das espadas, o que não foi permitido pela direção da escola. Assim, a solução encontrada foi fazer os preparativos do casamento em uma das salas do colégio e seguir em cortejo para a

101 101 Praça Senador Temístocles, no centro da cidade, onde acontecia a queima das espadas, era considerado um dos momentos abre alas do São João da cidade. O professor Batista ainda lembra que [...] um aluno se travestia de noiva, e uma aluna de noivo, o padre era sempre um aluno, todos vestidos a rigor saindo do CEAT 153. O momento do Casamento do CEAT era considerado o grito anunciador do São João, principalmente porque não se restringia a ser um típico casamento na roça. O casamento na roça 154 é herdeiro de antigas práticas, realizadas principalmente no interior do Brasil, através de cerimônias de matrimônio que eram feitas de acordo com relações sociais aceitas pelas famílias. A união dos cônjuges era feita sem a presença de um sacerdote oficial da Igreja Católica, devidos às longas distâncias e por não haver um religioso permanente em lugares distantes de paróquias, [...] na oportunidade em que esses religiosos passavam por localidades com essas características eram realizadas cerimônias oficiais, nas quais os casados recebiam a benção religiosa 155. Relações matrimoniais dessa natureza foram se tornando usuais no Brasil e passaram a ser, durante muito tempo, um dos elementos constituintes dos festejos juninos lembrando que durante o mês de junho são comemorados, respectivamente nos dias 13, 24 e 29, Santo Antonio, São João e São Pedro. Acompanhado de muitas músicas típicas, que ganharam no mercado fonográfico o nome de forró, o casamento na roça é uma performance improvisada cujos participantes encenam em público uma cerimônia de matrimônio forçado, percorrendo várias ruas da cidade, regada a muito licor e iluminada pelas espadas até chegar à praça, onde acontecia a primeira guerra de espadas da cidade, que antecedia e anunciava a festa principal de 24 de junho. Como já foi informado era a oportunidade que muitos espadeiros tinham para testar algumas espadas de sua produção. Geralmente, uma semana após o casamento do Colégio Estadual Alberto Torres (CEAT), chegavam os dias 23 e 24 de junho, tão esperados pelos brincantes da festa, era o 153 BATISTA, Antonio. Como surgiu o casamento do CEAT. Panfleto informativo. 154 Assim como o Casamento na Roça, aspectos relevantes da cultura festiva junina também podiam ser encontrados na festa de São João de Cruz das Almas, tal como as quadrilhas juninas, originadas de uma contradança de mesmo nome e trazida ao Brasil pela corte imperial portuguesa. Organizando-se, os casais formavam um quadrado, daí seu nome francês Quadrilles, de acordo com Luciana Chianca que, no artigo Quando o campo está na cidade, aponta aspectos relevantes sobre a composição desta dança no Brasil, para mais informações ver: CHIANCA, Luciana. Quando o campo está na cidade: migrações identidade e festa. Sociedade e cultura, v. 10, jan/jun. 2007, p ALDÉ, Lorenzo. A festa é do povo. Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 4, n. 45, jun

102 102 momento aguardado com mais ansiedade por uns e temido por outros moradores de Cruz das Almas. Todo arsenal de milhares dos artefatos pirotécnicos eram destinados a serem utilizados nesses dois dias. Elementos como a estrutura física de casas e ruas se modificavam para que as comemorações fossem realizadas nesses dias: as casas residenciais e comerciais eram fortemente protegidas por papelão ou telas de aço, na tentativa de protegê-las contra os riscos que as espadas pudessem ocasionar. Aos poucos, com o passar dos anos e o intenso aumento na produção de espadas, as famílias foram abandonando o costume de acender fogueiras nas portas das casas e o predomínio dos festejos foi centralizado na queima de espadas. Monsenhor Neiva salienta essa transformação ao nos relatar que: A festa junina no seu contexto no seu conjunto tinha esses momentos de alegria, momentos de euforia e como se diz, como diz o povo de viver a tradição das festas juninas... Mas que eram batalhas a preço de espadas. Eu me hospedava na casa de minha sobrinha e quando eu voltava pra casa era nove, nove e meia da noite e passava por cima das milhares de espadas que estavam aqui queimadas todo ano e cada ano a coisa foi tomando uma característica de muita violência foi deixando de ser aquela festa de congraçamento das famílias da partilha das alegrias da festa junina com os apoiozinhos do licor, que era normal era natural fazia parte, depois a cidade foi crescendo se desenvolvendo o progresso veio chegando e ficou assim marcada pela descaracterização desses aspecto visual habitacional as casas comercias todas sempre tinham que colocar, colocaram papelão seja lá o que fosse, os estabelecimentos bancários e públicos tinham que também fazer uma proteção improvisada (...) as nossas residências até um vidrozinho que a gente deixava se não tivesse uma proteção esses vinham e jogavam espada dentro da residência não abria (...) não podia dizer nada porque todos no efeito dos licor etc. a festa que devia ser marcada pela alegria pela troca pela comunhão de expansão de fraternidade né, foi tomando essa característica de violência, violência por cima de violência 156. A percepção apontada pelo Monsenhor Neiva evidencia vários aspectos que passaram a fazer parte do universo festivo do São João em Cruz das Almas. Neste sentido, seu depoimento nos evidencia através de sua perspectiva de religioso a identificação das atuações dos brincantes e sua relação com os espaços por eles ocupados, as ruas que eram os locais onde as espadas eram queimadas se tornaram campos de apropriação no qual, para muitos moradores, era cerceado o direito de circulação. As ações dos tocadores de espadas passaram a predominar as práticas em torno das formas de comemorar a festa, ressaltando que existiam outras formas comemorativas, como as visitas as casas dentre outros. Neste sentido, também podemos compreender que os espaços utilizados para as festas só se definiam na medida em que havia interação das pessoas, os 156 Monsenhor José de Souza Neiva, 95 anos. Padre. Entrevista realizada em 11/01/2012. Cruz das Almas -BA

103 103 espaços não podiam estar dissociados das práticas dos sujeitos, [...] o espaço e o tempo são categorias básicas da existência humana 157. Esta colocação de Harvey sugere que evidências do relato acima permitem compreender que havia percepções de diferentes temporalidades, nas quais eram operadas transformações nas festas que dinamizaram as formas e os sentidos como ela era realizada pelos seus participantes. Destacamos, ainda, a partir da perspectiva do religioso, que a afirmação indicadora de resquícios de antigas tradições das festas juninas na cidade possivelmente estava relacionada com a permanência de elementos da festa que ainda eram postos em prática, entretanto, ele pontua que o predomínio dos fogos ocasionou mudanças, tudo a preço de espada. O fator violência, vinculado ao consumo excessivo de álcool, segundo o depoente, também alterava a conduta de muitos brincantes que, geridos pelos efeitos causados pela bebida, perdiam as noções de comportamento, prejudicando os bens públicos e privados e principalmente a si, pois para manusear as espadas era necessário estar consciente do perigo que o artefato podia ocasionar. Devemos ponderar as considerações acima levantadas, pois identificamos, ao longo da pesquisa, que bebidas e comidas típicas faziam parte das comemorações, representavam elementos que compunham o universo festivo, ao passo que a ingestão de bebidas, como licor, por exemplo, era uma prática diretamente ligada às características da festa junina. 3.3 O DIA 24 DE JUNHO E A BATALHA DE ESPADAS A Batalha de Espadas, como o momento mais importante das comemorações juninas, era a ocasião mais aguardada, sobretudo por ser a ocasião em que os espadeiros saiam pelas ruas para manusear os fogos. Além disso, tornava-se o momento de partilha, no qual a exibição do artefato era o auge, sua queima fazia parte da brincadeira de corajosos que se aventurassem a prática. Na véspera de São João, dia 23 de junho, muitos dos espadeiros, 157 HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. São Paulo, Loyola, 1992, p. 187.

104 104 antecipando a batalha principal, saiam pelas ruas da cidade para tocar 158 socializar com amigos e conhecidos que encontrassem nas ruas. suas espadas, Figura 7: Anuncio da Batalha de Espadas. Fonte: Aidalvo Reis, Os convites e desafios entre os grupos eram firmados em muitos suportes: cartazes, provocações entre amigos e desconhecidos, até para-brisa de automóvel, como na imagem acima, serviam para divulgar a atmosfera na qual circundavam o clima e a motivação de participar da Batalha de Espadas. Era uma espécie de convocação para que os guerreiros, acostumados com a prática, pudessem ir participar da Batalha do dia 24 de junho, assim como para aqueles visitantes que tivessem a curiosidade de conhecer esse momento da festa junina de Cruz das Almas. A Batalha sempre começava entre duas e três horas da tarde e só terminava pelas oito horas da noite. Durante esse tempo se concentravam na Praça Senador Temístocles centenas de homens e mulheres vestidos em sua maioria com casacos jeans ou de couro, botas e luvas para se protegerem do fogo das imprevisíveis espadas, a praça, então, era tomada pela cortina de fumaça que esses artefatos produziam. As árvores eram os lugares prediletos para os brincantes se protegerem do impacto ou da chama de uma espada. Ao anoitecer as luzes da praça eram apagadas, provocando um ar de mistério só quebrado pelo clarão de um dos artefatos que, quando acesos, produziam um jato de fogo proporcionado pela queima da pólvora misturada à limalha de ferro. Como podemos observar na imagem abaixo: 158 Tocar era e prática de acender ou queimar o artefato pirotécnico, e depois do impulso tomado pela combustão da pólvora os espadeiros e faziam malabarismos com o artefato simulando ou soltavam para esses adquirirem vida e sair riscando o chão. 159 Batalha de Espadas em Cruz das Almas. A Tarde, jun

105 105 Figura 8: Germano Dias Gomes. Guerra de espadas na Praça Senador Temístocles 160. Essa intensa queima do artefato acontecia durante toda à tarde do dia 24 de junho e se estendia até a noite. Variados tipos do artefato podiam ser encontrados na guerra, sobretudo pela quantidade de fabricantes existentes e que utilizavam materiais variados, como a boca de cor e o assobio, para diversificar sua produção. Além da exibição das espadas, existia uma espécie de disputa onde os espadeiros apresentam os melhores artefatos produzidos, enquanto que os critérios de avaliação também levavam em conta a utilização de técnica mais apurada, o que conferia ao ganhador a conquista de mais prestígio entre os outros espadeiros e espectadores. Muitos eram os momentos de pilhéria entre os espadeiros, principalmente quando uma das espadas não pegava o impulso necessário, então era chamada espada mijona 161, ou então ganhava grande propulsão e era chamada de foguete. Muitas vezes, porém, acontecia de explodirem, causando queimaduras, ou até mesmo mutilações em quem os manuseava. Quando um dos artefatos era barrado por algum obstáculo os brincantes iam retirá-lo chamando esse ato de desencovar. Assim, a Batalha de Espadas foi sendo realizada, tornando-se cada vez mais perigosa, principalmente no início dos anos 1990, a partir do momento em que muitos jovens se aventuraram a fabricar o artefato sem ter conhecimento do modo correto como eles deveriam ser feitos. É o que diz Seu Mundinho: 160 GOMES, Germano Dias. São João em Cruz das Almas. Disponível em: < Acesso em: 10 jul Esta nomeação pode estar relacionada aos fogos de artifício chamado Mijão, esse fogos caracterizam-se como fogos de categoria A, queimados no chão ao nível do brincante.

106 106 E se ela estiver muito fraca, como saem dizendo ai, ah essa espada mijona, que fica rodando pelo chão tem que fazer o que? Apertar a broca, se a gente não tem certeza do que está fazendo faz de qualquer jeito, aí acontece os acidentes, por isso que era preciso as pessoas pra fabricar espadas, principalmente pra outras pessoas ele teria que ter noção, teria que ter até um cursinho, sabe? Ter um curso com pessoas que tem conhecimento a fundo porque tem como explicar 162. A partir de sua perspectiva de profissional, Seu Mundinho se responsabilizava pela boa qualidade da produção, um elemento importante, apontado pelo depoente, refere-se à responsabilidade dos fabricantes com as técnicas de produção, pois quando não eram realizadas de forma correta, aconteciam os acidentes. O depoente salienta, ainda, a necessidade de que existisse algum tipo de escola preparatória para que os novos espadeiros pudessem adquirir conhecimento sobre as técnicas de fabricação. Essa relação estabelecida com o produto final foi se alterando significativamente a partir das grandes produções dos anos 1980 e 1990, quando a quantidade de produtos passa a ser maior, devido à demanda dos novos consumidores, paralelo a isto verificamos o grande número de espadas que não apresentavam uma boa qualidade, gerando explosões e danos a quem as utilizava. Embora a Guerra de Espadas fosse admirada por um grande número de pessoas, não é correto afirmar que sua prática fosse integralmente positiva, pois todos os anos, durante e depois de sua execução, a Santa Casa de Misericórdia Nossa Senhora do Bonsucesso recebia centenas de queimados oriundos da manifestação, alguns deles muitas vezes depois de receberem o atendimento regressavam para o meio do fogo. Os aspectos relacionados aos comportamentos que causavam impressões negativas, referentes ao uso das espadas nos festejos juninos acabaram transformando a festa da cidade, principalmente, devido à produção feita em larga escala e sem qualidade. O lado violento crescia à medida que novos hábitos eram inseridos nas práticas sociais dos festejos juninos, principalmente por aqueles que tinham interesse no uso de espadas, mas não se preocupavam em garantir os mínimos cuidados com a produção e o manuseio do artefato. Como nos informou, em depoimento, o Senhor Benedito Rodrigues, que [...] quando começaram a ir pra praça aí era que o fogo fechava [...] dá muito acidente esse negócio de espada hoje, todo mundo quer fazer, mas no tempo que era eu, o compadre Zequinha não era assim não Raimundo Ferreira Neves. 74 anos. Fogueteiro/Espadeiro. Cruz das Almas, 23/01/ SANTOS, Benedito Rodrigues dos. Seu Manhoso, 78 anos, Pedreiro e Espadeiro. Entrevista concedida em 04/ 08//2012, Cruz das Almas-BA.

107 107 Entre os relatos oferecidos através das recordações dos participantes do festejo junino, algumas histórias que ainda ressoam na memória de alguns depoentes como identificação das suas experiências, rememoraram o lado lúdico que este festejo agregava. Esses relatos estão relacionados às práticas identificadas nos vários elementos que compunham a festa junina. 3.4 AS BANDEIRAS DE MARIA MOURA Dona Maria Moura, 76 anos, nasceu em Cruz das Almas, adotou como profissão o ofício de costureira. Contou-nos, através de entrevista oral, que durante sua infância costumava passar o São João na roça de parentes. Uma senhora muito simpática, admiradora inquestionável dos festejos juninos da cidade, especialmente das espadas. Na sua juventude, nos anos de 1950 e 1960, deixou de ir para a localidade rural que costuma frequentar, passando então a vivenciar os festejos na zona urbana da cidade, em meio às confraternizações entre familiares e amigos, assistindo a queima de espadas pelas ruas, em especial a Rua da Estação, local onde morava, uma das mais conhecidas durante a queima do artefato. Dona Maria Moura então começou a se envolver na organização de fanfarras e quadrilhas juninas. Ela relata, em seu depoimento, que gostava muito dessas atividades, às vezes chegava a investir seus próprios recursos financeiros a fim de comprar lanches e roupa para crianças que participavam das quadrilhas juninas. Relata-nos que gostava de perfeccionismo nas coisas em que se envolvia e organizava tudo a sua maneira. Acabei o dinheiro da caderneta em dar roupa porque eu queria do meu jeito o modo que eu quisesse. Eu digo: Olhe, eu não quero, eu prefiro dá, dava os rapazes, dava sapato, dava tudo porque eu queria a festa como eu queria e os meninos também porque eu tinha quadrilha de criança e de adulto né, então eu não queria de maneira nenhuma. Eu dava a roupa... eu fazia... Como é? Rifa, dava a elas pra vender o bilhete e o dinheiro, quando me entregava o dinheiro eu ia pra rua e comprava roupa pra elas, comprava sapato, quando era na época de chapéu, os meninos ia de chapéu, elas era com um laçozinho, era ao meu modo, era ao meu modo 164. Essas organizações de quadrilhas juninas e o gosto pelas espadas, proporcionaram a D. Maria Moura uma notoriedade entre os moradores do seu bairro e posteriormente, em outros locais da cidade, onde os festejos de São João eram apreciados. Todos os anos muitas pessoas iam visitá-la, amigos, parentes, conhecidos, repórteres e muitos espadeiros iam à sua casa para 164 Maria Moura, 75 anos, costureira. Entrevista realizada em 20/05/2011. Cruz das Almas - BA.

108 108 presenteá-la com o artefato, ela ressaltava que fazia questão de tocar. A partir dos anos de 1980, essa senhora foi introduzindo alguns elementos ao dia 24 de junho, criando uma forma de organizar a queima de espadas para que pudessem ser apreciados por aqueles que temiam ir para o meio das espadas na Praça Senador Temístocles. Dona Maria contou-nos que costumava confeccionar duas bandeiras, uma branca e uma vermelha. A branca sinalizava o momento em que ela ia ao centro da rua e arrumava uma mesa cheia de comidas e bebidas típicas no dia de São João. No momento em que a bandeira branca estivesse no alto ninguém poderia queimar espadas, enquanto a mesa estava à disposição de todos que quisessem apreciar as guloseimas. O contrário acontecia quando a bandeira vermelha era levantada, significava que o fogo estava liberado. E na hora que eu botava a comida lá, que as espadas tocavam eu fazia uma bandeira branca e uma vermelha, a vermelha ficava aqui, e a branca ficava lá em baixo, pra avisar na hora que chegasse que era pra botar as coisas, ai quando eu suspendia a bandeira vermelha aí o fogo comia, quando eu ia, a vermelha ficava lá em baixo e a branca fica ai, quando eu ia pra botar as coisa aí onde é esse meinho ali que tem na rua da estação, aí ficava ali as mesas, eu ia com as bandeja. Botava as vasilhas lá, era milho, farofa de carne do sertão, amendoim, canjica, tudo quanto era coisa aí eu ia e botava lá, ai Marquinhos ficava com a bandeira branca aqui, na hora que eu ia subia, a e de lá abaixava, é vem Maria Mouraaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa... [Grito] Eles suspendiam a bandeira branca, eu ia botava as coisas lá. Ai quando eu ia baixava a bandeira, ai Marquinhos baixava a bandeira branca, aí a vermelha subia e o couro comia 165. Esse ritual, protagonizado pela senhora Moura, é um dos momentos que povoavam as comemorações do São João na cidade de Cruz das Almas nas décadas de 1980 e A depoente revela que, no tempo em que fazia este elemento festivo, todos respeitavam as bandeiras e os momentos diferenciados, oportunizando a participação de todos que queriam brincar o São João, fosse com a utilização das espadas ou não. Essa participação também se dava através de doação de alimentos para serem compartilhados entre os brincantes, bem como donativos em dinheiro para comprar bandeirinhas utilizadas para enfeitar a rua. Ainda ressalta que nunca teve medo de tocar espadas e que o São João da cidade só tinha sentido por causa delas. 3.5 A BATINA DO PADRE NEIVA 165 Maria Moura, 75 anos, costureira. Entrevista realizada em 20/05/2011. Cruz das Almas - BA.

109 109 Monsenhor José de Souza Neiva, 95 anos, dos quais 69 dedicados ao sacerdócio, pároco de Cruz das Almas há 44 anos, nos informa que sempre teve apreço pelos festejos juninos. Afirma ainda que desde criança, costumava comemorar a data com fogueiras e fogos de artifício com seus familiares. Antes de tornar-se o pároco da cidade tinha conhecimento do São João de Cruz das Almas apenas por relatos, e não imaginava que o uso das espadas fosse da forma que ele conheceu em sua chegada ao município. Chegando a cidade para exercer suas funções sacerdotais, em 1966, o padre relata que teve curiosidade de conhecer as famosas espadas, pois todos aqueles que iam ao seu encontro lhes informavam sobre o uso desses fogos. Ele então se prontificou a conhecer o elemento festivo e nos relata que: Teve uma ocasião, um acontecimento até interessante, muito jocoso, naquele tempo, eu usava batina, os padres usavam batina, eu disse à família de Gomes, eles que moravam junto defronte a minha irmã, eu disse eu quero conhecer São João das espadas, ele disse vambora, eu sai com ele vestido de batina e tudo e vim aqui pra praça [...]. E então eu disse vamos ver, quando estou na esquina do lado de lá onde tem hoje a Cofel daqueles lados e chegando as espadas no meio. Quando eu to lá tocam uma espada, a espada veio na minha direção e eu pra me livrar peguei a batina segurei até aqui [na altura da cintura] e fiquei correndo, a espada acompanhando porque a espada acompanha o deslocamento do ar, eu rodando pra lá e a espada atrás, foi à festa da tarde foi essa brincadeira comigo e foi assim que eu conheci o são João [risos] 166. Monsenhor Neiva, que na época em que chegou a cidade era somente padre, relata essa passagem de sua história e da história da festa de São João da cidade, como lembranças que remete ao lúdico. Essa passagem, segundo ele, não foi um momento de risco, pois acrescenta que nada lhe aconteceu, afinal a espada era pequena e não lhes causou danos; somente o susto e o primeiro impacto ao conhecer o artefato causaram o desespero, motivo de chistes pelos que apreciavam o São João com ele. O Monsenhor ainda nos informou que tinha o costume de sempre abrir as portas de sua casa para quem quisesse visitá-lo no dia da festa, podiam servir-se da farta mesa, que colocava a disposição de fieis, amigos e parentes. Com o passar dos anos foi abandonando essa prática devido o grau de violência empreendido na festa e a falta de controle que as pessoas tinham sobre seus artefatos, bem como a criminalidade da qual foi vítima, sendo furtados objetos de sua casa pelos visitantes mal intencionados que entravam em sua 166 Monsenhor José de Souza Neiva, 95 anos. Padre. Entrevista realizada em 11/01/2012. Cruz das Almas- BA.

110 110 residência. A casa do Monsenhor, situada na Praça Senador Temístocles, palco da grande queima de espadas, era então o reduto de muitas pessoas que, segundo ele, às vezes levavam o dia todo sentados em seu sofá, de onde podia ser apreciada a guerra de espadas. Ele fala que, por muitas vezes, observou inúmeros acidentes, entre os tocadores de espadas, o que o fez se desmotivar em abrir suas portas, sendo obrigado a deixar de ser anfitrião e receber seus convidados. As lembranças narradas, tanto pelo Monsenhor, como por D. Moura, revelam peculiaridades que são características de algumas de suas experiências da festa, das quais se destacam as relações de sociabilidade, bem como de confiabilidade entre os festejadores de São João, o que, para estes sujeitos, davam sentido as suas práticas de festejar.

111 O MARTELO X A ESPADA: QUANDO A LEI ENFRENTA A TRADIÇÃO As inter-relações construídas em prol da organização e realização da festa de São João em Cruz das Almas se consolidaram mediante práticas habitualmente instituídas pelas experiências do cotidiano, onde os moradores da cidade fizeram de suas experiências com os festejos juninos aspectos indissociáveis de suas vidas. As tensões, permissões e negociações definiram práticas que por vezes contradiziam o que estava institucionalizado pela lei, principalmente quando se referia à fabricação, comercialização e uso dos fogos de artifício. Ao investigar as relações estabelecidas encontramos legislações, que neste item, serviram de subsídios para compreender em que medida eram acatadas as normas, ou quando não era possível, como foram definidas e toleradas as práticas que não condiziam pelo que estava regulamentado. Os inúmeros acidentes provocados pela queima de espadas demonstraram outro aspecto da brincadeira junina que não apenas lado lúdico e o divertimento. As práticas de alguns espadeiros na utilização inadequada produção e uso dos artefatos pirotécnicos causavam graves acidentes, levando as brincadeiras com esses fogos na festa junina a ter um caráter de violência e perigo. Compreendemos, neste sentido, que as festividades juninas passaram a comportar uma dualidade e oposição, entre os limites da diversão e adrenalina e perigo proporcionado pela motivação de estar participando da guerra de espadas, bem como pelas condições oferecidas no processo de fabricação desses fogos. Relações demarcadas nas transformações das práticas sociais realizadas na festa foram alcançando principalmente depois que a cidade tornou-se um referencial nas comemorações de São João na Bahia, assim ocorreram modificações que alteraram o comportamento de participantes da festividade.

112 NOS LIMITES DA LEI: AS RELAÇÕES DE NEGOCIAÇÃO NA FESTA DE SÃO JOÃO O uso das espadas nas festas de São João envolvia uma atmosfera que polarizava a opinião de participantes e dos moradores da cidade, motivou ações que tinham por objetivo finalizar, ou disciplinar essa prática em Cruz das Almas. Esses fogos para muitos, sobretudo, os espadeiros eram motivo de orgulho, mas, para outra parcela significativa dos moradores era sinônimo de transtorno, danos, atentado à vida, destruição de bens públicos e privados. Assim, dividindo opiniões quanto à legalidade da prática de queimar espada, algumas mobilizações foram feitas em prol do encerramento desse costume. As primeiras tentativas de cercear as práticas relacionadas aos fogos de artifício constam no Código de Posturas Municipal 167, de 1961, alguns de seus artigos obrigavam os munícipes a manterem certa moderação ao usar fogos, conforme podemos observar nos artigos da Postura Municipal que seguem, Art. 25 É absolutamente proibido nas ruas e praças da cidade, das vilas e povoados do município: XV Queimar detritos ou fazer fogueiras, senão durante os festejos juninos, resguardada a proteção aos fios aéreos e às árvores; XVI - Soltar busca-pé e outros fogos que possam incomodar ou acidentar transeuntes e violar residências particulares; Art. 122 é proibido, sob pena de multa, além da responsabilidade, que couber; I- Soltar balões, fogos de artifício, busca-pés, morteiros e outros fogos perigosos; II- Fazer fogos, digo, fogos ou armadilhas com armas de fogo no perímetro da cidade, vilas e povoados do Município 168. Conforme aponta o Artigo 25, do Código de Postura, havia uma proibição para usar fogos nas praças da cidade, porém, vale destacar que a Batalha de espadas sempre aconteceu na Praça Senador Temístocles, no centro da cidade. Ao que consta, através dos relatos dos depoentes e mesmo pelos costumes empreendidos na fabricação e consumo de fogos, as determinações do Código de Postura se resguardavam apenas aos papéis, não havia uma 167 Código de Posturas Municipal. Cruz das Almas-BA, Lei nº 172 de 24 de abril de Espécies de leis que continham conjunto de regras municipais, que determinavam o ordenamento da cidade em todas as áreas de atuação do poder público. 168 Brasil-Bahia-Cruz das Almas-BA, Código de Posturas Municipal., Lei nº 172 de 24 de abril de 1961.

113 113 efetiva fiscalização para coibir a fabricação pirotécnica bem como seu uso pelas ruas cidade. Na época da criação do código os fogos referidos eram os busca-pés e seu uso era na teoria proibido de serem usados nas ruas da cidade. Assim, a prática da produção e queima de fogos na cidade foi se tornando comum e legitimada, só voltando a ser questionada através de ações mobilizadas por moradores contrários a essa prática e que incentivaram o seu término, quase vinte anos depois. Um dos episódios relacionados às proibições das espadas, ou tentativa dessas, um dos mais marcantes na cidade, está ligado a uma movimentação que a senhora Albertina França, conhecida como D. Nenga, deu início no ano de 1981 para acabar com a queima de espadas em Cruz das Almas. Esta senhora, ligada a um grupo da Igreja Católica, começou a circular pela cidade com um abaixo assinado no intuito de levar à prefeitura uma lista com um número significativo de assinantes, para que fossem tomadas medidas em favor da proibição do uso do artefato. Dois anos depois o jornal A Tarde ainda veiculava a história de D. Nenga, fazendo ressoar na cidade a expectativa da proibição do uso das espadas, Tudo começou quando uma senhora ligada à igreja Católica passou a correr uma lista na cidade pedindo o fim da batalha de espadas, pelo perigo que ela representa. Segundo comentários na cidade, feito por alguns soltadores de espadas, foram recolhidas quase assinaturas, embora muitas dessas delas, de pessoas que nem sequer sabiam do que se tratava. Outros atribuem a origem do manifesto de Cachoeira, onde se teria conseguido facilmente a maior parte das assinaturas 169. A reportagem acima, escrita dois anos após D. Nenga ter começado a mobilização contra as espadas, indica que sua tentativa ainda repercutia na cidade, como um ato de insatisfação diante do uso dos fogos pelos moradores. Ainda nos revela uma informação importante, pois aponta que a lista, distribuída pela senhora não era de confiabilidade porque não continha assinatura apenas dos munícipes da cidade, mas, também dos de Cachoeira BA, cidade que também realizava a festa de São João. Cachoeira, segundo a descrição da reportagem, se beneficiaria, com o fim da guerra de espadas, pois, finalizado essa foram de festejos de Cruz das Almas, a cidade enfraqueceria e os possíveis turistas prefeririam participar das comemorações dos moradores de Cachoeira, que tinha o apoio e patrocínio, a partir dos anos de 1980, do governo do estado, e deveria ter um número significativo de consumidores de sua festa. 169 RODRIGUES, Cristovaldo. Batalha de espadas terá a proteção dos bombeiros. A Tarde. 19 de jun

114 114 Iniciada essa mobilização por D. Nenga, ela teve apenas de se contentar com o infeliz desfecho de sua ação. Alguns espadeiros, revoltados com sua iniciativa, juntaram-se na porta de sua casa e, por horas, queimaram centenas de espadas, sendo lançadas em direção de sua calçada; amedrontada, a senhora então desistiu de dar continuidade ao movimento. Como lembra José Costa Simas, 76, espadeiro da cidade, que dividia suas práticas de trabalho entre a produção do artefato e seu oficio de encarregado de armazéns de fumo da cidade, essa história foi um momento de revolta dos tocadores de espada: Aquela mulher lá [D. Nenga] coitada teve a casa toda queimada com a revolta dos espadeiros 170. Além da iniciativa lançada por D. Nenga, especulava-se também que a mobilização para acabar com a guerra de espadas estaria relacionada com as querelas existentes entre as lideranças políticas do município. Cruz das Almas que, desde 1981, era liderada pelo prefeito Carmelito Barbosa Alves, filiado ao PMDB, que mantinha uma acirrada disputa com os filiados do PDS, estes, descontentes com a vitória do prefeito Carmelito Alves, juntaram-se as senhoras ligadas à igreja Católica, dentre elas D. Nenga, para que fosse proibida a guerra de espada que, no final da história, foi permitida com consenso do prefeito. Um dos vereadores da base aliada do prefeito, o senhor Crispim Alves Sampaio, assumindo-se como defensor das espadas e espadeiro, salientava que na câmara onde o partido tem a maioria lemos o ato do governador [...], que não fica proibida a Batalha de Espadas, pois em um dos itens, deixa claro que fica sob a responsabilidade do prefeito 171. Como objeto de disputas políticas na cidade, o caso das espadas também vira alvo das pretensões daqueles que faziam do seu uso arma para campanhas políticas, a fim de mobilizar os cruzalmenses em favor da prática da queima do artefato. No ano que as disputas se assentaram sobre a temática da permissão/proibição, o prefeito acolheu o lado dos que eram favoráveis à brincadeira com os fogos, legitimando tal prática através da assistência do governador que lhe dera autonomia para decidir sobre a permissão favorável da guerra de espadas. A produção e consumo de espadas em Cruz das Almas sempre foi entendida como uma prática normalizada pelo costume, como um direito consuetudinário, legalizado pela prática, ou seja, legitimou-se como tradição apropriada pelos seus produtores e participantes da festa, que agregam a esse costume a prerrogativa de profissão legada dos antigos fogueteiros. 170 SIMAS José Costa. 76 anos. Pedreiro, Encarregado de armazéns de fumo. 18/06/2012, Entrevista realizada em Cruz das Almas-BA. 171 RODRIGUES, Cristovaldo. Batalha de espadas terá a proteção dos bombeiros. A Tarde. 19 jun

115 115 Consolidou-se como uma das características principais dos festejos juninos da cidade que mobilizava a população para adaptar o costume como prática inerente as experiências de vida. No entanto, para que fosse deliberada e concedida a permissão da fabricação, venda e uso das espadas, era necessário que tanto produtores quanto consumidores se enquadrassem dentro de normas e legislações, respeitar as características que definiam os espaços para a utilização dos fogos, bem como quem pode utilizá-los. A intrínseca relação estabelecida entre a produção das espadas e as Leis era apenas formalizada quando houvesse necessidade de controle da queima de espadas, ou quando algum dano acontecia. Por se tratar de fogos de artifício de alto grau de perigo, mereciam uma atenção especial dos órgãos competentes, sobretudo quando pensamos que sua produção e uso estavam intimamente ligados a questões relativas ao manuseio de materiais de relativo perigo que manejado de forma irresponsável necessitava de atenção especial pelos danos que podiam ocasionar. Uma relação marcada por tensões em virtude, também, de haver burlas no sistema de regulamentação que mantinha, ou tentava estabelecer, um controle sobre estas questões. Com relação aos fogos de artifício, de um modo geral, o Governo Federal, já na década de 1940, atentava para a necessidade de uma legislação que regulamentasse sua produção, comercialização e uso. Desta forma, foram criados Decretos de Lei que tentavam viabilizar o controle dos fogos para garantir o cuidado no manuseio de artefatos pirotécnicos e, também, a integridade física dos produtores e das pessoas que compravam esses produtos. No período do Estado Novo, Getúlio Vargas criou o Decreto-lei Nº , em abril de 1942, que dispunha sobre a fabricação, comércio e uso dos artigos pirotécnicos, valendo-se do artigo 180 da Constituição então vigente no período. Este Decreto autorizou a fabricação dos fogos de artifício em todo território nacional, contudo, instituía algumas prerrogativas que tinham por objetivo organizar a fabricação. Também estabeleceu a classificação desses fogos de acordo com a quantidade de produtos químicos envolvidos em sua fabricação principalmente a quantidade de pólvora utilizada. Estes fogos foram divididos nas categorias A, B, C e D 172. Esta classificação estava 172 Brasil. Decreto-Lei Nº 4.238, de 8 de Abril de Classe A: os fogos de vista, sem estampido; os fogos de estampido, desde que não contenham mais de 20 (vinte) centigramas de pólvora, por peça. Classe B: os fogos de estampido com 0,25 (vinte e cinco centigramas) de pólvora no máximo; os foguetes, com ou sem flecha, de apito ou de lágrimas, sem bomba; os chamados "pots-à-feu", "morteirinhos de jardim", "serpentes voadoras" e outras equiparáveis. Classe C: os fogos de estampido, contendo mais de 0,25 (vinte e cinco centigramas) de pólvora; os foguetes, com ou sem flecha, cujas bombas contenham até 6 (seis) gramas de pólvora. Classe D: os fogos de estampido, com mais de 2,50 (duas gramas e cinquenta centigramas) de pólvora; os foguetes, com ou

116 116 vinculada a uma ordem crescente, que estabelecia, por exemplo, que alguns fogos eram proibidos a algumas faixas etárias, como no caso os C e D proibidos aos menores de 18 anos. Alguns artigos do Decreto constavam que: Art. 5º - Os fogos incluídos na classe C não podem ser vendidos a menores de 18 anos, e sua queima depende de licença da autoridade competente, com hora e local previamente designados, nos seguintes casos: a) para festa pública, seja qual for o local ; b) dentro do perímetro urbano, seja qual for o objetivo. Art. 7º - Os fogos incluídos na classe D não podem ser vendidos a menores de 18 anos e, em qualquer hipótese, só podem ser queimados com licença prévia autoridade competente 173. O decreto de lei que entrou em vigor em todo território nacional em 1942 destacava, sobretudo nos itens acima citados, a comercialização de artefatos das categorias C e D, como sendo as mais arriscadas. Estes dois tipos de classificação dispunha sobre os fogos que se caracterizam por: fogos de estampidos, os foguetes, as baterias, os morteiros com tubo de ferro e os demais fogos. É importante salientar que o decreto ainda incide sobre fogos de fabricação caseira, de forma artesanal, tal citação nos leva a entender que as espadas estão incluídas nessa categoria. A legislação que vigora há mais 70 anos parece não ter ressoado sobre os produtores e consumidores de fogos de artifício em Cruz das Almas. Excetuando o episódio iniciado por D. Nenga, que tentou, a partir de um abaixo assinado, mobilizar a população da cidade contra o uso das espadas, nenhuma outra iniciativa foi tomada até o ano de 1990 por parte dos poderes executivo ou judiciário para coibir a prática de produzir e tocar fogos na cidade. Existindo apenas o tom de alerta sobre a moderação com esses fogos eram utilizados. A Batalha de espadas, que era o ponto culminante da festa, nunca deixou de ser realizada, mesmo anos após anos ser evidenciado os altos índices de queimados no hospital Nossa Senhora do Bonsucesso e, por vezes, até ocasionar a morte de alguns participantes. As leis acima citadas parecem não terem sido executadas em Cruz das Almas, nem pelos espadeiros, nem pelos órgãos que tinham a competência para coibir o seu uso. Estabeleceu-se na cidade uma espécie de acordo entre as partes interessadas na continuação do uso das sem flecha, cujas bombas contenham mais de 8 (oito) gramas de pólvora; as baterias; os morteiros com tubos de ferro;os demais fogos de artifícios. 173 Brasil. Decreto-Lei Nº 4.238, de 8 de Abril de 1942.

117 117 espadas, com finalidades distintas: espadeiros continuaram com a produção do artefato e o poder executivo se beneficiava com o grande número de turistas que vinha para a cidade. As implicâncias no que se refere aos danos eram ignoradas, o que proporcionava um significativo número de queimados, e até mortos, no período de São João da cidade, sobre um desses acontecimentos D. Maria Moura recorda que: Eu me lembro que tinha um rapaz que ia lá pra casa com a sacola de espadas mais tudo umas espadinhas assim [pequenas], ele tocava espada mais não é essas espadas que toca hoje em dia mais hoje as espadas ta de mais mesmo, que é batendo pra valer, quantas pessoas não já morreram com espadas, eu tinha um amiguinho aqui coitadinho que ele era muito amigo de meu menino, que tomou a porrada de espada; sim tomou a porrada e ficou a roda certinha aqui ele morreu né, esse menino tinha assim, ele tinha acho que dezoito anos é dezoito anos que ele tinha, os meninos chamavam ele até de Rafa, Rafa, o filho de dona Dina aqui da igreja 174. Este relato nos faz perceber que, para além do lado lúdico e de divertimento, o uso das espadas proporcionava, nos festejos de São João, um lado negativo que se evidenciava através dos altos números de queimados, de alguns incidentes que levaram participantes à mutilação ou à morte, danos causados por incêndios, fachadas de casas destruídas ou manchadas pelos rabiscos das espadas. A partir do Decreto de 1942 e de artigos ratificados na Constituição de 1988, ainda em vigencia, o Governo Estadual da Bahia, valendo-se dos argumentos de considerar o [...] resguardo do sossego público a que todos têm direito, sobretudo dos populosos centros urbanos 175, lançou o Decreto 6465/97, Nº 6.465, de 09 de junho de 1997, por considerar [...] a necessidade de regulamentar adequadamente a fabricação, comércio e uso de fogos de artifícios e de estampido, pelo perigo ou dano que podem causar à coletividade 176. Neste decreto estadual as características que podem ser observadas estão condicionadas ao item que trata do uso / consumo destes fogos de artifício, embora as práticas quanto ao uso de fogos tenham se alterado entre os períodos da criação da lei federal e o decreto estadual, percebemos que apenas alguns itens foram acrescentados ao segundo, não havendo desta maneira mudanças significativas com relação ao que apontava o decreto de Maria Moura, 75 anos, costureira. Entrevista realizada em 20/05/2011. Cruz das Almas - BA. 175 Brasil, Bahia. Decreto Nº de junho de Aprova o Regulamento de Fabrico e Uso de Fogos de Artifício e de Estampido no Estado da Bahia. 176 Ibidem.

118 118 Os referidos Decretos Lei são importantes porque suscitam questões que dizem respeito às condições às quais a produção e o consumo de espadas estavam relacionados. Enquanto fogos de artifício que podiam ser enquadrar na classificação D, este deveria ser condicionado por um diferencial que tratasse sobre sua venda, fabricação e uso. Primeiramente porque a venda das espadas era feita de modo informal, na maioria das vezes, na própria casa dos fabricantes, enquanto a lei obrigava que houvesse um lugar específico para a comercialização de fogos. O processo de fabricação já apresentado na seção anterior, feito geralmente em fundo de quintais, distanciava-se do que o artigo 3º delibera: as fábricas de fogos, só serão permitidas nas zonas rurais 177. As legislações citadas eram mecanismos imprescindíveis para controlar a produção/consumo das espadas e tentar garantir a seguridade dos que estavam envolvidos na sua produção, caso fossem devidamente respeitadas suas obrigações, provavelmente evitariam que acontecessem acidentes. Entretanto ao negociar a prática, espadeiros, políticos, comércio local, consumidores, entre outros segmentos que se beneficiavam do uso das espadas, se preocuparam tanto em reafirmar e autenticar os usos dos fogos como costume e tradição, alcançando benefícios econômicos com os festejos juninos da cidade e, por isso, consideravase natural o número de incidentes com esses fogos. Muitos moradores do município e demais participantes da festa, colocavam suas vidas e a de outros em riscos ao fazerem uso do artefato sem os devidos cuidados e de proteção, assim como a forma clandestina de fabricação das espadas que desacatava as deliberações estabelecidas nos decretos. Fabricavam as espadas em lugares inapropriados porque, geralmente, não tinham um espaço específico para produção ou, levados pelas facilidades de aproveitar mão-de-obra de parentes e amigos, não necessitavam da contratação de outras pessoas para o trabalho. Sem a autorização da justiça, as fábricas de espadas costumeiramente eram alocadas nos fundos dos quintais ou galpões improvisados, até mesmo nas calçadas os espadeiros-produtores fabricavam seus artefatos juninos. Observamos que o decreto estadual estipula, no artigo 25, que: É proibida a queima de fogos em lugares de trânsito, de aglomeração ou qualquer outro lugar onde se torne inconveniente. Este é um ponto bastante importante, sobretudo no que diz respeito à Batalha de Espadas, esta acontecia tradicionalmente na principal praça da cidade, Senador 177 Decreto Nº de junho de Aprova o Regulamento de Fabrico e Uso de Fogos de Artifício e de Estampido no Estado da Bahia.

119 119 Temístocles, local público, onde se concentram a maioria dos estabelecimentos comerciais, bem como a Prefeitura da cidade, a Igreja Católica Matriz, dentre outros. Este local era o principal espaço da manifestação, o que não condiz com as determinações impostas pelo artigo acima citado. Poderiam ser encontradas, a partir das tardes do dia 23 de junho, as lojas ainda com portas abertas no momento que iniciava a queima das espadas, a partir daí os espadeiros começavam a se concentrar na praça e principiavam a queima das espadas. A legislação não era desconhecida, entretanto a imposição da prática superava a legislação, a permissividade dos órgãos competentes corroborava para o descumprimento da lei. Compreendemos que a motivação pelo controle das espadas parecia justificar o risco a que eram submetidos os participantes da festa, bem como os moradores da cidade e turistas que iam apreciar a manifestação. A esse respeito há muitas considerações desfavoráveis. Opiniões divergiam devido aos altos índices de acidentes, juntamente com a visibilidade negativa que a cidade ganhava, podendo ser verificada até em um periódico de circulação nacional, como a Revista VEJA que, com a finalidade de conhecer os festejos juninos da cidade, em 1991 resolve fazer uma reportagem que apontava os perigos aos quais eram submetidos os participantes da guerra de espadas, Só no último São João, nossa equipe atendeu cerca de 400 casos de queimaduras, estima Ricardo Costa Pereira, médico do Hospital Nossa Senhora do Bonsucesso. Hoje a guerra se espalha por toda a cidade e faz com que as pessoas mal possam aproveitar o são João, acredita o vigário José de Souza Neiva 178. Nas décadas de 1980 e 1990, o uso indiscriminado das espadas tornou-se mais habitual entres os moradores de Cruz das Almas, alterando as práticas relacionadas às antigas formas de apreciação do festejo. Muitas pessoas, como descreve a fala do pároco na reportagem acima, não se sentiam seguras em sair de suas casas por medo de serem queimadas pelas espadas; apenas aquelas acostumadas, e que tinham o hábito de manuseá-la, saiam pelas ruas das cidades em busca de uma velha e conhecida frase: São João passou por aqui? Assim, cresceu entre a população da cidade, desfavorável ao uso das espadas a preocupação com o uso indiscriminado e irresponsável destes fogos. Muitas casas eram queimadas ou tinham seus telhados destruídos todos os anos, centenas de pessoas eram queimadas, tanto no dia da festa, como nos que a antecediam. 178 TEIXEIRA, José Carlos. Brincando com fogo. VEJA, ano 24, n. 23, jun

120 120 Podemos perceber que não foram apenas através de leis e subsídios jurídicos que os contrários a manifestação objetivavam proibi-la ou regulá-la. As ações de populares também foram realizadas, acatadas ou não elas são identificadas na história das festas juninas da cidade. Ainda assim, a manifestação era bem quista e defendida por boa parte da população, pois ela valorizava a simbologia identitária de espadeiros, produtores e espectadores. A guerra de espadas também tinha vários posicionamentos contraditórios, fosse através de incomodo de munícipes com a queima dos fogos, ou das divergências políticas que se atribuíam das tensões da festa para fazer seus slogans de campanha, a fim de conquistar a população através da aprovação da manifestação. Neste sentido, o controle do uso das espadas pelos meios jurídicos deveria ser uma das maneiras utilizadas para assegurar, como cita o decreto da constituição, o [...] resguardo do sossego público 179, mas os benefícios que a manifestação trazia suplantaram os danos causados pelo uso do artefato. O jornal A Tarde, em 1983, sinalizava que, em algumas ocasiões, foram tomadas medidas paliativas para que houvesse o controle sobre o uso das espadas, os elementos festivos desse festejo junino despertava a curiosidade dos veículos de comunicação interessados em noticiar sobre a forma como era realizada manifestação festiva: Tendo como local certo a Praça Senador Temístocles, uma das maiores do município, o delegado Sales adiantou que já encaminhou ofício para o 2º Batalhão em Feira de Santana pedindo seis soldados e mais uma guarnição completa do Corpo de Bombeiros. O delegado já estabeleceu que todas as ruas de confluência com a Senador Temístocles serão fechadas por cavaletes, para evitar o acesso de qualquer veículo naquela artéria. Próximo ficará uma viatura do Corpo de Bombeiros, a viatura policial Civil, mais uma chapa fria e provavelmente uma ambulância para fazer a remoção de eventuais feridos para o Hospital Nossa Senhora do Bonsucesso 180. Vale ressaltar o número do contingente policial que fora solicitado, em decorrência do pequeno existente na cidade, sabendo-se que na manifestação certamente haveria centenas de espadeiros a queimar seus artefatos na praça pública no São João de 1983 e que, em se tratando de espadas, deveriam considerar seu grau de imprevisibilidade, depois de aceso o artefato ganha vida própria quando solto, cabia aos tocadores à responsabilidade de controlar ou se desviarem, quando tais procedimentos não aconteciam ocorriam os acidentes. A tentativa de restrição ao local onde poderiam ser utilizados os artefatos se justificava apenas 179 Decreto Nº de 09 de junho de Aprova o Regulamento de Fabrico e Uso de Fogos de Artifício e de Estampido no Estado da Bahia. 180 Jornal A Tarde 19 de junho de 1983.

121 121 teoricamente, pois nos arredores da praça bem como em muitas ruas da cidade, como a Rua da Estação, Rua da Vitória, Rua Santo Antônio, Estrada de Ferro, eram redutos que os espadeiros escolhiam para fazer suas mini-guerras praticamente todo o mês de junho. Como aponta o periódico, as medidas não foram implementadas apenas no sentido de garantir a ordem pública, mas, também, a integridade física das pessoas. Havia, de certa forma, uma preocupação em resguardar e assegurar o atendimento aos que provavelmente se queimariam tanto na guerra ou pelas ruas da cidade. Da mesma forma que o Estado estabeleceu regulamentos para a fabricação e uso dos fogos de artifício, o município de Cruz das Almas, apenas na década de 1990, criou uma portaria e decretos-leis de caráter municipal para garantir esta ordem pública. Em 1994 foram sancionados decretos para regulamentar e controlar a produção da espada. Em abril deste ano foi lançado, pelo prefeito Carmelito Barbosa Alves, o decreto municipal 98/94, em abril de 1994, que ponderava sobre a gravidade da situação que o uso das espadas ocasionava para o município, e tinha a finalidade de conter a desaprovação popular. Esse decreto determinava um horário específico para a queima das espadas, bem como os locais onde estas deveriam ser usadas. Da mesma forma, o Juiz Augusto Bispo Lima, da Comarca de Cruz das Almas, baixou uma portaria em junho de 1994, depois de um sério acidente ocorrido no município que resultou na morte um jovem da cidade. Com relação às medidas adotadas pelo prefeito Carmelito, o jornal A Tarde publicou a seguinte declaração: O prefeito, Carmelito Barbosa, lançou mão do Decreto-lei 4.238, de 8 de abril de 1942, assinado pelo então presidente da República Getulio Vagas, e legislação suplementar vigente disciplinando a queima de espadas (consideradas fogos do tipo D) nas vias públicas durante as festas juninas. Embasado na lei, o prefeito assinou o Decreto 98/94, de 27 de abril, determinando regras para a tradicional guerra de espadas. De acordo com o decreto, será obrigado o cadastramento dos fabricantes de espadas a ser feito pela prefeitura e autoridade policial competente. Determina ainda que as espadas só poderão ser testadas a partir de 1º de junho, em locais previamente determinados, devidamente amarradas em bases fixas das 19 horas até a meia-noite 181. Uma leitura da matéria do jornal A Tarde possibilita identificar que as medidas adotadas para regularizar e organizar o uso do artefato pirotécnico tinha por objetivo controlar a conduta daqueles que ostentavam fazer parte daquelas brincadeiras regadas a muita adrenalina. 181 Jornal A Tarde de 10 de maio de 1994.

122 122 Os moradores de Cruz das Almas, que estavam atrelados à questão da preservação do costume, elegiam a brincadeira com espadas como principal elemento festivo. Assim, mesmo existindo os decretos e as portarias com intuito de controlar o uso indiscriminado das espadas, não foram postos em prática porque se privilegiava os interesses daqueles que faziam parte do universo festivo. O uso dos fogos no município se afirmou como uma tradição e apesar das inúmeras mudanças técnicas incorporadas à fabricação, bem como as práticas executadas nos festejos e as formas de comemorar que foram criando outras temporalidades, consagrou-se como hábito e agenda comemorativa. A manutenção da tradição se fez através da conservação e transmissão do ofício de produção pirotécnica. No entanto, a perspectiva econômica e a dinâmica turística que o município ganhou ao longo dos tempos ocasionaram a desenfreada produção para a venda e não apenas para o consumo ou brincadeiras. Tocar espadas virou atração turística para alguns que nem sempre cumpriam as leis, então estabelecidas para preservar e assegurar as suas vidas e os bens daqueles que faziam a festa, levando a uma série de incidentes, vinculando a brincadeira a uma prática negativa. 4.2 DESVENTURAS DO SÃO JOÃO DE CRUZ DAS ALMAS: VAI IOIÔ DORMIR QUE ISSO É DA VIDA Não apenas de lembranças das alegrias e do divertimento foram alicerçados a história dos festejos juninos de Cruz das Almas. Muitos contratempos foram identificados nas memórias dos participantes da festa. Dona Maria Lucia de Souza, 56 anos, trabalhadora dos armazéns de fumo da cidade, partilhou conosco as recordações das heranças traumáticas deixadas pela produção pirotécnica. Ela sempre esteve presente neste universo das comemorações, filha de Antonio Hipólito, conhecido como Totonho Fogueteiro, um dos mais respeitados fogueteiros da cidade, vivenciou com sua família a produção de fogos de artifício em sua residência, esta produção fazia parte do cotidiano familiar e era a forma de seu pai prover a subsistência. Em suas lembranças D. Lucia nos revela um dos momentos mais difíceis vivido por ela e sua família. O incidente pode ser considerado como uma das tragédias mais marcantes da cidade envolvendo a produção de fogos de artifício. A família de D. Lucia vivenciou, muito

123 123 particularmente, um momento de tristeza e desmotivação acerca das festas juninas, quando foi acometida pela explosão da tenda de produção de fogos que ficava no quintal de sua casa, ocasionando a morte do senhor Totonho, no ano de Sobre esse episódio, dona Maria Lucia descreve que: Ele tava fazendo fogos pra levar pra Dr. Ramiro na Fazenda, aí, nesse dia, minha irmã tava fazendo uma roupa pra mim, um vestido pra eu vestir no outro dia, pra ir pra rua, aí ele dormia na tenda [...] ele ainda perguntou de quem era aquele pano bonito, minha irmã falou: é de Lucinha [...]. Já era umas doze ou uma hora por aí, ele falou já vou que vou ter que acordar cedo, que vou em Dr. Ramiro levar uns foguetes, e a metade do foguete estava cá em baixo. Mas ele costumava dormir e ficava sempre um tabuleiro de bomba na beira do fogareiro, pra secar, aí ele nunca trancou a porta, ele dormia e ela ficava sempre aberta, esse dia ele achou de trancar, ele cantou até três horas da manhã, aí todo mundo foi dormir, e ele foi deitar, quando a gente acabou de deitar eu só vi o pipoco, pipocando tudo, todo mundo ouviu aqui da cidade, até na rua santo Antonio. Aí mainha logo disse: a tenda de Totonho ta pegando fogo [...] aí todo mundo levantou, mas cadê conseguir abrir a porta, o fumaceiro e ele lá dentro, pegaram a enxada e conseguiram arrombar a porta, quando o pessoal viu disse: olha ele lá, ele ainda queria voltar pra pegar o documento, aí não dava mais tempo, queimou tudo. Eu só lembro que ele saiu todo queimado. Caixaó ainda veio pegar ele de carro e ele não quis por causa da quentura aí ele disse vou andando por causas do vento, chega me arrepio até hoje, aí ele subiu aqui andando, foi pela Rua da Estação e uma procissão atrás dele, ele disse: eu vou andando, [...]. Chegaram no hospital acordaram os médicos, aí foram limpando e a pele de pai caindo, ele ainda disse assim: vai ioiô dormir que isso é da vida 182. Este universo de fabricação dos fogos em Cruz das Almas coloca em evidência elementos da vida dos artesãos fogueteiros, dizem respeito não apenas aos modos de festejar, mas as relações de trabalho carregadas dos perigos aos quais se submetiam para assegurar a sobrevivência. Demarcam, ainda, as experiências de vida das muitas famílias que estavam condicionadas a fabricação de fogos como forma de garantia de renda. Dona Maria Lucia sempre esteve inserida neste universo de produção de fogos de artifício. Ela nos conta que estava com 16 anos de idade quando seu pai faleceu, a experiência da perda do pai, para ela e para a sua família ficou marcada até hoje. De seus relatos, carregados de emoção, compreendemos a pertinente relação estabelecida entre a sua história de vida e a reatualização de suas lembranças. Neste sentido, Pierre Nora nos oferece grata contribuição ao apontar que: 182 Maria Lucia de Souza, 56 anos, encarregada no armazém de fumo. 10/06/2012, Cruz das Almas BA.

124 124 A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, suscetível de longas latências e de repentinas revitalizações 183. Através das contribuições do autor podemos compreender as memórias de D. Lucia, de igual modo os aspectos de sua vida, como fragmentos das lembranças que ela descreve através da relação que nos permite pontuar o que foi vivido e como ela lida com essa experiência. Dona Lucia nos falou que o senhor Totonho era um dos mais apreciados, um respeitado profissional na fabricação pirotécnica, sua morte comoveu diversos segmentos sociais da cidade. Em suas lembranças, demonstra a afeição que o pai cativou entre a população da cidade, descreve como o cortejo o seguiu pelas ruas da cidade, quando ele ardia em chamas, ao caminho do hospital Nossa Senhora do Bonsucesso. Ela narra, ainda, os atos de solidariedades prestados à sua família, lembra-se do grande número de pessoas presente no velório, a coroa de flores enviada por Antonio Carlos Magalhães, que era muito simpatizante ao senhor Totonho por ele ter feito uma espécie de armação pirotécnica em sua homenagem. A experiência traumática da morte vivida por Dona Maria Lucia, e seus familiares, não é um caso isolado de acidentes com fogos na cidade. Muitos outros acasos, envolvendo fogos e as brincadeiras nas batalhas de espadas do dia 24 de junho, foram responsáveis pela mutilação de vários participantes da festa, fazendo com que a manifestação, para além das relações de brincadeira e entretenimento, estivesse convivendo com as tragédias, acidentes e sofrimentos. A prática de estabelecer os locais de produção dentro das próprias moradias era uma alternativa e hábito dos produtores de fogos, geralmente eram construídas tendas alocadas nos quintais que ficavam nos fundos das residências, esses ambientes eram praticamente extensão das casas e, consequentemente, tornavam-se parte do cotidiano de muitas famílias, submetidas aos perigos de acidente que o mínimo descuido podia ocasionar. Dona Maria Pereira da Silva, 74 anos, ex-trabalhadora da indústria fumageira, hoje aposentada, filha e mãe de produtores de espadas, nasceu na zona rural de Cruz das Almas, mas, aos cinco anos, mudou-se para a zona urbana, nos relata sobre a fabricação feita pelos 183 NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. In: Projeto História. São Paulo: PUC, n. 10, p , dez. 1993, p. 9.

125 125 seus filhos nos fundos de seu quintal e dos imprevistos que ocasionalmente aconteciam neste ambiente: Teve um ano que Assis [seu filho] também fazia [...] aí eles faziam aqui no fundo do quintal e a casa ficava cheia de espada. Só que teve um ano que os meninos saíram aí ficou Vevéu sozinho enchendo com a pólvora né, amarrando a boca das espadas, só que teve um que tocou uma [espada], [...] quando tocaram a espada ela veio por cima do telhado e caiu em cima da casinha que os meninos tavam. E também tava os dois Concinha e Mimiu [filhos pequenos], [...] Mimiu conseguiu apagar a espadas e só sapecou as pernas de Concinha, mas não foi nada de mais não 184. As relações de confiança que giravam em torno da fabricação, no espaço doméstico e o cotidiano da produção, submetiam diversas famílias aos insalubres ambientes fabris da pirotecnia. Esses espaços não contavam com nenhum padrão de organização nem de controle, geralmente eram barracas, ou cabanas, construídas com madeira e lona, onde os espadeiros alocavam suas matérias-primas e instrumentos de trabalho. Socializavam e conviviam com crianças que se interessavam pela arte da produção das espadas, podendo, por vezes, ocasionar acidentes, como o relatado acima por Dona Maria Pereira. Provavelmente, essa relação de proximidade e convivência, durante a produção nos espaços domésticos, tenha motivado muitos jovens a se interessarem pelo oficio da fabricação das espadas, ou por serem atraídos pelo encanto do artefato, ou pela possibilidade de obtenção de renda que a fabricação proporcionava. Os costumes empreendidos tornaram-se parte de uma lógica que foi se estabelecendo, formalizando a transmissão do conhecimento aliado à necessidade de obtenção de renda, pois, com a transmissão das técnicas particulares, dá-se igualmente a transmissão de experiências sociais ou da sabedoria comum da coletividade 185. O acesso à produção dos fogos de artifício, bem como a transmissão de conhecimento sobre a sua produção, parece ter alterado a dinâmica de fabricação no sentido de possibilitar que muitos sujeitos pudessem conquistar uma alocação empregatícia, garantindo-lhes a sobrevivência. Este universo, que congregava diferenciadas perspectiva, permite-nos observar em quais sentidos foram inseridos os fabricantes de espadas de Cruz das Almas e quais os significados que essa produção tinha para esses sujeitos. Os antigos fogueteiros, dominadores da produção, debruçavam-se sobre o trabalho não apenas por questões de periodização, como por exemplo, das festas juninas e de santos 184 Maria Pereira da Silva, 74 anos, encarregada em armazéns de fumo, 03/05/2012, Cruz das Almas -BA. 185 THOMPSON, E. P. Culturas em Comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Cia. das Letras, 1998, p. 18.

126 126 padroeiros. Na verdade, essa produção era uma atividade profissional que fazia parte da vida do fogueteiro, pois praticava uma jornada laboral durante todo o ano. A partir dessa produção pirotécnica, esses fogueteiros obtinham a renda para sua sobrevivência e de sua família. Diferentes destes fogueteiros, os espadeiros focavam a produção dos fogos apenas nos períodos anteriores e nos dias das festas juninas, geralmente como um trabalho temporário para auxiliar na renda proporcionada pela produção das espadas. Espadeiros como o senhor José Costa Simas, conhecido como Zelino, consideram que o grande número de acidentes tenha começado a aumentar devido ao alargamento da produção, fazendo com que a qualidade desse artefato não fosse tão adequada quanto às produzidas pelos antigos fogueteiros. O senhor Zelino, 76 anos, natural da cidade de Conceição do Almeida-Ba, relata, em entrevista realizada a respeito de sua experiência de produtor de espadas, que chegou a Cruz das Almas em 1951 quando tinha aproximadamente 10 anos de idade, e desde então começou a se interessar pelo uso do artefato. Observava a brincadeira com espadas no dia de São João realizada pelos homens mais velhos, então quando chegou à idade de 17 anos tornou-se produtor de espadas; ele se refere ainda, às transformações ocasionadas na forma de vivenciar o São João, bem como a produção do artefato pirotécnico: Quando eu cheguei aqui em 1951, existia já a espada, mas naquela época a tradição de Cruz das Almas era diferente, tinha comportamento pra se tocar as espadas, as famílias ficavam sentadas nas portas, suas fogueiras acessas, suas panelas de amendoim no fogo, comendo milho assado, fazendo tiragosto e ninguém jogava espada encima daquele pessoal, só jogava, naquela época, quando achava um lugar vago fácil pra que a espada não atingisse quem estava ali próximo, daí pra cá eu fui crescendo modifiquei minha idade pra 17 anos e fui pra São Paulo, eu fiquei lá um tempo de 6 anos, eu retornei em De acordo com as lembranças do senhor Zelino, ele foi um homem que durante sua vida carregou vasta experiência profissional, se dispondo a trabalhar em qualquer atividade e lugar que proporcionasse sobrevivência. Realizou diversas viagens e vivências fora de Cruz das Almas, devido aos empregos que conseguiu com os donos de armazéns estrangeiros que viviam na cidade, exercitando suas memórias nos informa, ressaltando com destaque, que trabalhou na Itália, Grécia, Paraguai, além de diversos estados brasileiros como, Rio Grande do Sul, Pará, São Paulo, Sergipe. Entretanto, o interesse pela atividade fumageira sempre o fizera retornar para Cruz das Almas. Regressando definitivamente em 1964, a partir daí alterou suas atividades empregatícias entre a produção de espadas, nos festejos juninos, e de encarregado nos armazéns de fumo da cidade nos outros meses do ano. 186 José Costa Simas, 76 anos. Pedreiro, Encarregado de armazéns de fumo. 18/06/2012, Cruz das Almas-BA.

127 127 O historiador Edinaldo Antonio Oliveira Souza nos informa o seguinte a respeito das ocupações de trabalho e o universo de possibilidades de inserção em atividades empregatícias no Recôncavo: Na primeira metade do século passado, para além do universo representado pelos trabalhadores rurais, envolvidos em diversas modalidades de relações de trabalho, o setor açucareiro e o fumageiro representativos das atividades econômicas mais tradicionais do Recôncavo, continuavam sendo responsáveis pelas maiores concentrações operárias na região. [...] Havia ainda os artífices que, empregados ou autônomos, exerciam os ofícios de pedreiros, carpinteiros, funileiros, fogueteiros, magarefes, alfaiates, sapateiros, músicos, motoristas, etc Na perspectiva apresentada por Souza, os trabalhos ofertados no setor terciário o no trabalho informal representavam as possibilidades de sobrevivência de muitos homens de Cruz das Almas que, assim como o Senhor Zelino, dependiam dessas oportunidades para obter renda. As relações de trabalho pautavam-se na demanda oferecida pela produção agrícola, gerando as principais atividades econômicas da região. Outras atividades profissionais, principalmente as autônomas, também proporcionavam a criação de postos de trabalho como forma de sobrevivência. Desta forma, nas idas e vindas para a cidade, o senhor Zelinho pode perceber as significativas transformações nas quais o festejo foram passando, sobretudo, quando se refere ao uso dos fogos de artifício. Nesse sentido, as formas de comemoração que se diferenciavam foram delineando a festa através de mudanças e continuações que também remodelam o comportamento dos participantes, bem como a sua visão sobre a festa. Podemos observar as transformações, referentes ao comportamento das pessoas, no relato do senhor Zelino sobre o momento em que resolve abandonar a prática da produção de fogos em decorrência dos crescentes números de acidentes e mortes com os quais o São João de Cruz das Almas estava se relacionado: Eu vi [...] uma morte de espada, eu nunca tinha visto, ali em frente onde foi a loja de Dudu Mathias, eu tava ali tocaram uma espada perto da igreja, ela subiu, quando caiu veio por dentro dos pés de Otis e tinha um cidadão assim, a espada veio assim do lado do pé de ouvido dele nas fontes e Bummm. Aquele baque, e aquele barro do fundo da espada entrou, chegou dentro de cérebro do homem e ele já caiu morto, foi a primeira vez que eu vi uma 187 SOUZA, Edinaldo Antônio Oliveira. Lei e costume: experiências de trabalhadores na justiça do trabalho (Recôncavo Sul, Bahia, ) /Dissertação apresentada ao Mestrado em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA - Salvador, 2008, p 46.

128 128 pessoa morrer de espada, desse dia em diante eu cheguei em casa e falei pra minha mãe, ela disse: meu filho tranca essa ferramenta, deste dia em diante espada você não faz mais, [...]. Eu tinha uma caixa desse tamanho aqui, tinha um cadeado, uma tampa, [...] no dia 23 eu chamei todos os espadeiros que morava na minha rua e disse assim: vem cá [...] destampei a caixa cheguei no meio da rua e ó meti o machado, o povo perguntando o que é isso? Eu falei: Até hoje eu bati espada, a partir de hoje eu não bato mais 188. A experiência relatada acima demonstra como o caminho traçado pela utilização e formas de produção das espadas levaram vários antigos produtores a abandonarem a fabricação do artefato. Os inúmeros casos de morte que, a cada ano, ampliavam as estatísticas de acidentes envolvendo esses fogos de artifício, deslocaram a prática do divertimento para o de desafio e desastres. Como bem nos informou o senhor José Pinheiro da Rocha, Zé Lagoa, a respeito de um jovem que ele encontrou certa ocasião e o questionou sobre o uso do artefato: Coroa suas espadas ta boa agora tem que ser mais forte 189. Sua lembrança sobre esse episódio evidencia as transformações pelas quais as gerações foram internalizando formas diferenciadas de brincar o São João. A trágica experiência de presenciar um óbito, causado pela espada, fez com que o senhor Zelino passasse a conceber aquele ambiente, e os festejos, não mais como espaços de comemorações. Ele se desligou completamente daquelas práticas culturais, como exemplifica a ação de distribuição de seus instrumentos de trabalho, uma forma de protesto para quem quisesse apanhá-los no meio da rua. O ato de Zelino simbolizou a ruptura com as práticas sociais, econômicas e culturais, com as quais manteve estreita relação por boa parte de sua vida. Sua visão contrária à festa se torna mais acentuada quando ele presencia uma morte, causada por espada, posteriormente ele se tornou evangélico e se desligou definitivamente das comemorações do São João. As festividades juninas, em Cruz das Almas, estiveram circunscritas em uma dinâmica em que conviviam o lado lúdico e as insalubridades causadas pelas fábricas mal condicionadas, assim como pela falta de zelo dos participantes, que não se cuidavam, ou não se protegiam, ao utilizarem os fogos de artifício. Em geral, estas eram as únicas formas de organizar a produção, que não carecia, por exemplo, construir fábricas padronizadas, então na maioria das vezes eram condicionadas aos fundos dos lares dos produtores. 188 SIMAS, José Costa, 76 anos, pedreiro, encarregado de armazéns de fumo. Entrevista concedida em 18/06/2012, Cruz das Almas-BA. 189 ROCHA, José Pinheiro da. Zé Lagoa, eletricista. Entrevista concedida em 07/01/12, Cruz das Almas-BA.

129 129 Ao longo da periodização estabelecida pela pesquisa de 1950 a 1990, pudemos obsevar, também, nos periódicos a descrição tanto negativa quanto positiva da festa de São João de Cruz das Almas. O periódico Nossa Terra, em reportagem de junho de 1955, mencionado na seção anterior, por exemplo, aponta um incidente que ocorreu quando um pai ia ao sepultamento de sua filha e foi atingido por um busca-pé, o que veio ocasionar a perda de sua visão: o drama do pai que vai à rua providenciar o funeral da filha, vê-se atacado por um busca-pé que, ao explodir, vasou-lhe um olho 190. Estes tipos de acidentes eram constantes, o periódico sugere um tom de indignação com as posturas adotadas pelos participantes e com autoridades, que não se propuseram a modificar a realidade de violência que as brincadeiras com fogos sempre ocasionavam. Esta postura se apresenta muito mais acentuada quando verificamos, depois de fazermos um levantamento nos periódicos, o constante número de acidentados que dava entrada no hospital Nossa Senhora do Bonsucesso. É importante salientar que, na tentativa de identificar uma estimativa de pessoas feridas e levadas a óbito no referido hospital, no período de São João em Cruz das Almas, causados por acidentes de espadas, os entraves e impossibilidades de acesso aos arquivos não permitiram estabelecer uma precisão com relação aos números. Mas, as leituras e informações, encontradas em alguns periódicos, deram a dimensão da perspectiva de incidentes ocasionados no período junino em Cruz das Almas. Segue abaixo um quadro que aponta os possíveis números de queimados com espadas nos dias 23e 24 de junho, em alguns anos, na cidade. 190 COSTA, Clodoaldo. Espadachins e Espadeiros, Nossa Terra, 10 jul

130 130 Tabela 1: Números de queimados anos exploratórios de 1978 a 2003, de acordo periódicos local, regional e nacional. Listagem de vítimas com queimaduras de segundo e terceiro graus que deram entrada no Hospital Nossa Senhora do Bonsucesso ANO Número de vitimas de queimados 2º e 3º graus Vitimas fatais Periódico / Jornal do Planalto / Revista Veja / Jornal A Tarde / Jornal A Tarde / Jornal A Tarde / Jornal do Planalto / Revista Veja / Jornal do Planalto / Folha de São Paulo / Jornal A Tarde Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados tratados estatisticamente com bases em informações oferecidas pelos periódicos: Jornal do Planalto, Jornal A Tarde, Folha de São Paulo e Revista Veja. Podemos observar, no quadro acima, uma estimativa dos números de feridos que deram entrada no hospital da cidade, citados através das reportagens dos periódicos. Resaltamos que estas entradas referem-se, principalmente, aos registros de queimaduras e acidentes considerados graves pela triagem do hospital, geralmente queimaduras de segundo e terceiro graus. No entanto, não deram conta de registrar o significativo número de queimados na festa de São João. Como não puderam ser verificados os arquivos da Santa Casa, estas informações apresentadas na tabela são exclusivamente números retirados dos jornais e revistas que noticiavam sobre o São João da cidade, sendo, portanto, passíveis de erros ou distorções. Soma-se a este quadro aquelas pessoas que, mesmo acidentadas com pequenas lesões, não procuravam o pronto socorro e/ou se automedicavam. É interessante ressaltar que nos números referidos pelas reportagens constam apenas os acidentes mais graves, ficando as pequenas lesões e queimaduras fora da listagem mencionada.

131 131 Destaca-se no quadro acima os números oferecidos pela Revista Veja de junho de 1979 que apresenta a festa de São João de Cruz das Almas, dando ênfase na brincadeira com espadas e as práticas realizadas nesta manifestação. No texto da reportagem há um estranhamento com a forma como era realizada a brincadeira com os fogos de artifício, assim, podemos observar o impacto causado, verificado na forma descritiva, com adjetivações e expressões que remetem ao exótico. O enfoque dado pelo periódico apresenta a festa de São João de Cruz das Almas apenas a partir do destaque que se verificava pela guerra de espadas: No sábado, desabou-se o inferno: das esquinas, de trás das árvores, do coreto ser serventia da praça, até mesmo de dentro das casas, poderosos busca-pés, alguns até com meio metro de comprimento eram incendiados por jovens, velhos, mulheres e até crianças e arremessados a esmo 191. Embora se observe, nesta descrição, um estranhamento acerca das práticas empreendidas no festejo junino da cidade, a reportagem possivelmente tenta retratar suas impressões sobre o marcante impacto que os fogos de artifício causavam no visitante que ia conhecer o seu uso nos festejos de São João. Como salienta Néstor García Canclini, as mudanças [...], a convivência com espetáculos urbanos mostram a imposição dos dominadores, ao mesmo tempo em que também tem tentativas de reagir sobre elas, de vincular o passado às contradições do presente 192. A reportagem, que tinha o objetivo de apresentar o festejo da cidade, ainda atesta o perigo do uso das espadas através das mudanças empreendidas nas práticas de produção aderida pelos fabricantes, assim como a maneira insegura e despreparada pela qual utilizavam os fogos para festejar. Como se pode notar em relatos dos participantes da festa: Para Carlinhos de Seu Dinho, emérito incendiário das espadas: quando solto uma sinto uma rara emoção. É como se eu me transformasse no dono do mundo. Já para Carlos Detefon: o bom mesmo, depois da batalha, é mostrar as marcas de queimaduras pelo corpo, tenho cinco, e todas causam admiração 193. O recorte, acima citado, aponta um breve histórico da utilização do artefato pirotécnico, evidenciando seu uso entre os antigos fogueteiros e, posteriormente, a popularização que acontecia em sua utilização. Afirmando-se o domínio público e demarcando a caracterização da sociabilidade da manifestação festiva que, na leitura da reportagem, recaia como espécie de banalização. 191 NOBLAT, Ricardo. Sai da Frente! Veja, 4 jul. 1979, p CANCLINI, Nestor Garcia. As Culturas Populares no Capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1983, p NOBLAT, Ricardo. Sai da Frente! Veja, 4 jul. 1979, p. 47.

132 132 O uso das espadas acabou por se tornar uma prática em que a coragem se tornava o elemento motivador, enquanto que os possíveis danos caudados por seu uso não representavam, para alguns brincantes, desmotivação em participar da brincadeira, ao contrário, tornava-se uma espécie de prêmio ou motivação. Podemos perceber essa relação na descrição que Carlos Detefon faz ao falar das queimaduras prêmios, exibidos com orgulho ao final dos festejos juninos. Esse destemor apresenta-se como característica marcante nas brincadeiras de espada, fosse ele motivado pela ação coletiva da brincadeira, ou por uma tentativa de superar desafios. Sobre o medo, as reflexões de Jean Delumeau nos sugerem que: [...] No sentido estrito do termo, o medo (individual) é uma emoção, choque, frequentemente precedida de surpresa, provocada pela tomada de consciência de um perigo presente e urgente ameaça, cremos nós, nossa conservação 194. Possivelmente este entendimento subjetivo de ações humanas possa estar nas emoções acarretadas nas práticas desafiadoras que formam as demarcações e posicionamentos relacionados às brincadeiras com espadas. Notamos que a despreocupação com o material utilizado na fabricação, estava na ordem da desqualificação do artefato pirotécnico. O uso de canos, geralmente de PVC, empregados em construções de encanamento doméstico, era a alternativa para os espadeiros que não dispunham, ou não tinham renda para comprar, o material adequado, ou ainda, não se preocupavam a qualidade das espadas. A esse respeito, o Jornal do Planalto assinala a periculosidade, destacando que: O pior de tudo é que a espada já começa a perder a sua conotação de canudo de bambu, para aparecer como uma verdadeira bomba caseira, pois a pólvora, o salitre, a terra e a limalha já começam a ser acondicionados em tubos de PVC, tornando-se assim caso de polícia, pois é uma bomba com poder de destruição 195. As ações acima relatadas contribuíram para reforçar as práticas negativas verificadas nas brincadeiras de São João com as espadas, não prevalecendo apenas o lado lúdico, mas também as imprudências que eram verificadas no festejo. Na década de 1970, muitas notícias passaram a veicular a festa de São João em Cruz das Almas, não como evento de diversão dos ciclos juninos, mas como espaço de campo de 194 DELUMEAU, Jean. História no medo no Ocidente: , uma cidade sitiada. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p Espadas: uma brincadeira perigosa. Jornal do Planalto, jun

133 133 guerra, onde, quem se aventurasse a participar desta brincadeira estava sujeito a todo tipo perigo que os fogos dessa categoria podiam causar. Um dos aspectos que tornou possível a participação de muitas pessoas na festa da cidade foi o início da construção da BR 101 em abril de 1972, esta obra proporcionou o desenvolvimento de infraestrutura para a região, tornou o trânsito mais fluido, acarretando também o desenvolvimento turístico. Cruz das Almas passa a ser identificada como um dos destinos mais procurados para os festejos juninos na Bahia, como informa o Jornal do Planalto, em 1974: as condições para explorar o turismo sabemos que são poucas, mas existem e o São João se apresenta como a principal manifestação popular a ser aproveitada para uma promoção de Cruz das Almas além fronteira 196. Essa bandeira era geralmente levantada pelos que queriam os festejos juninos da cidade como atrativo para o turismo. A notícia citada identifica a possível intencionalidade, provavelmente da administração local, ao se evidenciar uma projeção turística para Cruz das Almas. Em 1979 o Jornal do Planalto, periódico local, destacava entre as diversas reportagens, sobre a política no Brasil e no mundo, os grandes feitos realizados pelo presidente Figueiredo, como a compra de submarinos, semana de aniversário da Revolução de 1930, estas eram algumas das reportagens de destaque do jornal. Este periódico procurava veicular o alinhamento político do município com a esfera nacional. Entre estas notícias as colunas sobre cultura sempre evidenciavam a festa junina da cidade. A partir de 1980, os números de acidentes cresciam na frequência em que a festa se dinamizava e desenvolvia. Verificamos que a partir desse ano foi demarcado um período por significativas mudanças na cidade, a estrutura econômica da cidade sofre um grande impacto com o fechamento da fábrica de charutos Suerdieck, um dos principais polos empregatícios do município, como destaca o Jornal do Planalto: [...] no dia em que a sirene tocou pela ultima vez, na manhã do dia 27, abateu-se uma tristeza geral sobre Cruz das Almas e houve um banho de lágrimas no planalto cruzalmense já que fechava um grande sustentáculo da economia local 197. Assim, podemos considerar que o fechamento dessa fábrica, que gerava uma quantidade considerável de empregos, deslocou a inserção de diversos trabalhadores, empurrando-os para 196 São João o turismo. Jornal do Planalto, 5 maio SUERDIECK, Jornal do Planalto, fev

134 134 os postos de trabalho informal, dentre os quais se destaca a produção de espadas, o que contribuiu para alterar a dinâmica da festa de São João em Cruz das Almas. Posicionamentos em relação aos festejos juninos da cidade se apresentavam como taxativos e divergentes, apontando, sobretudo, os graves acidentes que aconteciam na cidade devido o uso das espadas nas festas juninas, destacando-se o número de feridos registrados no hospital, como observamos na imagem abaixo: Figura 9: Acidente com espadas, 26 de junho de Além do impacto causado pela imagem, que mostra um participante da guerra de espadas deitado na mesa do hospital, com parte de suas pernas dilacerada pelo grave acidente envolvendo uma espada, a brincadeira então passa a ser noticiada como crime contra a integridade física, afinal, levava todos os anos muitos dos brincantes a serem mutilados ou mesmo chegarem a óbito. Entretanto, nem mesmo acidentes da gravidade da imagem acima exposta, ou os inúmeros casos de queimaduras e mutilações, eram motivos para diminuir o número de produção de espadas e de participantes na guerra. Pelo contrário, estar na brincadeira era, para alguns dos participantes, o que dava sentido à festa do São João, como exclamou seu Zelino 198 Uma brincadeira perigosa. A Tarde, Salvador, 26 jun

135 135 em seu depoimento, a guerra de espada não é mais espadas, chama-se guerra fria de fogo! 199. Talvez o Senhor Zelino estivesse fazendo menção ao aspecto da ação dos brincantes que faziam da queima de espadas uma guerra para diversão. Outra questão que sempre esteve em pauta nas discussões sobre as espadas diz respeito aos lugares onde os artefatos eram utilizados. Diversos bairros tornaram-se redutos para a sua fabricação, mas, por ocasionar o cerceamento dos indivíduos que não participavam da brincadeira com esses fogos, motivavam querelas e divergências, além do confinamento em suas residências por medo das espadas e o incômodo da fumaça que pairava pela cidade durante todo do dia de São João. Mobilizações contrárias à queima de espadas resultaram na proibição das espadas em ruas com estabelecimentos comerciais, lugares próximos a posto de combustíveis, hospital e postos de saúde. É o que aponta o Jornal do Planalto, em 1983, a respeito dos lugares onde era feita a queima de espada, ao tempo que pedia providências para a transferência da batalha que acontecia na Praça Senador Temístocles, espaço central da cidade, para outro local: Já a tradicional guerra de espadas realizada na cidade durante os festejos juninos de há muito vem preocupando a população cruzalmense. Com este pensamento o Sr. Esmeralito Peixoto Magalhães telegrafou ao secretário de Segurança Pública, Cel. Antonio Luna Bião solicitando providências no sentido de fazer cumprir na cidade o Decreto-Lei 1.350/79 que proíbe terminantemente tais abusos com objeto explosivo. Disse ainda o Sr. Magalhães que a Prefeitura não tomou nenhuma precaução para coibir com os abusos e a batalha de espadas foi mesmo realizada no cento da cidade 200. A reportagem do Jornal do Planalto levanta questões relacionadas à segurança dos lugares, principalmente a praça central. O Senhor Magalhães, funcionário da prefeitura, citado pela reportagem, tenta, através do seu lugar de poder, influenciar o secretário de Segurança Pública a cumprir o decreto de lei referido. Entretanto, sua tentativa não alcança o êxito e a manifestação continua a ser realizada. Motivações das que foram acima citadas expressam o sentido de desaprovação que fazia parte das relações e opiniões expressas sobre a festa junina na cidade. No entanto, temos de considerar que o pedido não diz respeito ao término da manifestação, apenas a mudança de local onde esta era realizada. A praça central, espaço de sociabilidade, onde se encontravam os principais estabelecimentos comerciais prefeitura, bancos, Igreja Católica matriz e não 199 José Costa Simas, 76 anos. Pedreiro, Encarregado de armazéns de fumo. 18/06/2012, Cruz das Almas-BA. 200 Magalhães que mudar o lugar da Guerra de Espadas. Jornal do Planalto, 10 jul

136 136 comportaria mais a prática da queima das espadas, a reportagem ainda salienta que [...] nós até respeitamos o sadismo daqueles que buscam na guerra de espadas emoções fortes, o que não podemos admitir é que ela aconteça no centro da cidade, onde se concentram agência bancária, grosso comércio e a sede do poder executivo 201. Como aponta Françoise Choay, na década de 1980 [...] a cidade radiante, higiênica e ordenada, é colocada sob o signo da função: reduzindo a vida urbana a tipos de atividade, o habitat, o trabalho, a circulação e os lazeres 202. Nesta perspectiva, a cidade, ou precisamente este espaço socialmente modelado, a praça, não deveria comportar mais tipos de manifestações que alterassem essa dinâmica social então imposta. É modelada para a imposição de padrões de comportamento e funções específicas; observamos, no entanto que para os festejos de Cruz das Almas este ordenamento não foi absorvido, possivelmente por ser uma ação de coerção que não levava em conta as práticas e experiências dos indivíduos participantes da festa. Podemos perceber que os esforços no sentido de limitar a brincadeira junina na praça da cidade não surtiram efeito. A praça continuou como espaço destinado à realização da guerra, o campo de batalha dos brincantes juninos de Cruz das Almas. Mas, não só ali era realizada a queima dos artefatos pirotécnicos, algumas ruas se tornaram redutos das brincadeiras com esses fogos, as mais significativas eram as Ruas da Vitória, da Estação, dos Poções e a Santo Antônio. O Senhor Zelino lembra que, Pra batalha, vinha um grupo da Rua da Estação, um grupo que vinha dos Poções com os Passinhos, vinha outro grupo que vinha da Rua da Vitória com aquelas bandas da Banguela, Rua da Vitória, daquele lado que eu morava, e o pessoal lá do campo velho, reunia com o pessoal da Estrada de Ferro e se reunia [...] e quando se encontrava [na Praça], sai de baixo, aí não tinha nada pra ninguém, [...] a rua você podia deitar no chão, que não passava ninguém, era um deserto 203. As memórias de Senhor Zelino expressam a relação estabelecida com os espaços da cidade. As ruas, espaços de memória, se caracterizam como territórios de pertencimentos aos quais os espadeiros detinham o domínio. Compreendemos, também, que estes espaços foram demarcados por diferentes grupos que se apropriavam desses espaços e os tornavam lugares 201 Magalhães que mudar o lugar da Guerra de Espadas. Jornal do Planalto, 10 jul CHOAY, Francoise. O reino do urbano e a morte da cidade. In: Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduação em História do Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo n 0, 1981, São Paulo: EDUC, 1981, p José Costa Simas, 76 anos. Pedreiro, Encarregado de armazéns de fumo. 18/06/2012, Cruz das Almas-BA.

137 137 de pertencimento. Havia, neste sentido, uma intrínseca relação nas quais as práticas desses sujeitos eram legitimadas ao ponto das ruas serem esvaziadas em prol de suas brincadeiras com espadas nos dias de São João. Neste sentido, podemos identificar as inter-relações criadas e decompostas, no sentido em que se transformaram em lugares de memórias. As festas, para além de momentos de reatualização de experiências, também possibilitavam a apropriação de espaços, delimitando as ações de seus participantes, criando oportunidades de sociabilidade e tensões. Paralelo à restrição da mobilidade de pessoas nos dias da festa, devido o uso das espadas, a atmosfera de progresso e tecnologias era justificativa para que a manifestação fosse coibida. Observando as notícias veiculadas pelo Jornal do Planalto, e considerando ainda que, na década de 1980, o Brasil passava pelo processo de reestruturação política e da descoberta de novas tecnologias que iam influenciar as décadas seguintes, o que provavelmente seria vivenciado em Cruz das Almas: A realidade é apenas uma estamos vivendo a era da robótica. Um estágio de vida onde reina os computadores, carros do futuro, viagens ao espaço, átomos, raio laser etc. [...] Infelizmente a realidade de Cruz das Almas é outra. Parece a anos tentar interromper o processo evolutivo e retroceder a era da pedra lascada, quando vive um clima de São João totalmente adverso ao que se propõem a festa 204. Essa interpretação da realidade vivida no São João de Cruz das Almas denota as redefinições que se esperava alcançar a partir da perspectiva de mudanças na organização social estabelecida. Pautada na era das novas tecnologias, na inserção de novas dinâmicas futuristas, novidades em voga, que iam conquistando as práticas sociais e tomadas como modelos para o reordenamento social na cidade. A prática da queima de espadas é identificada como prática adversa, segundo a reportagem acima citada, apresenta um contraste quando pensamos na dualidade que o texto carrega, embasando sua fala na dicotômica relação entre futuro e atraso, a manifestação junina deveria ceder lugar à nova realidade. O teor de violência crescia a cada ano, refletia dessa forma insatisfação pelos números de situações negativas e com incidentes como elemento definidor dos festejos da cidade. As práticas sociais na festa alterava-se, neste sentido, a mobilização para ser um dos festejos turísticos mais procurados ficou fragilizado. Ao observamos a charge abaixo do jornal A Tarde temos uma noção de como a perspectiva da festa era veiculada: 204 A tradição não está no lugar errado? Jornal do Planalto, ago

138 138 Figura 10: Guerra de Espadas (Charge). Jornal A Tarde 205. O tom sarcástico da charge aponta como passou a ser identificada a brincadeira com espadas no São João de Cruz das Almas, atribui-se um sadismo e despreocupação com danos causados à integridade física dos participantes da festa, bem como a motivação para a continuidade no ano seguinte. Pensando nos inúmeros casos de acidentes envolvidos nesta manifestação festiva, a tentativa de limitar, ou diminuir, os números registrados no hospital, das centenas de casas depredadas, estabelecimentos incendiados, motivaram moradores a iniciarem campanhas contrárias à queima de espadas, alguns periódicos, como o Jornal do Planalto e o A Tarde, por exemplo, também se inclinaram para contribuir com essas manifestações contrárias. Talvez uma das possessíveis alternativas encontradas para minimizar as impressões negativas foi a reorganização dos festejos juninos na cidade, principalmente a partir da década de 1990, com a criação do Arraiá do Laranjá, idealizado com o intuito de dinamizar a festa de São João e, provavelmente, diminuir os incidentes com a queima de espadas, além de aproveitar a festa junina para transformar a cidade em um polo atrativo para o turismo na Bahia, como veremos na seção seguinte. 205 Guerra de Espadas (Charge). A Tarde, Salvador, Jun. 1988

139 139 5 SÃO JOÃO AINDA VAI PASSAR POR AÍ? A festa é uma celebração do elo; renova os pactos, rejuvenesce as uniões, precisamente é o próprio elo em ação. É o tempo espaço de múltiplas trocas, de rivalidades, de prestígios. É exuberância de vida e vigor fecundante e reforça a comunhão 206. Como acontecimento que se renova, a festa de São João em Cruz das Almas tornou-se espaço para alterações e readaptações. Novos elementos festivos foram incluídos remodelando as práticas e experiências sociais na festividade. As formas de vivenciar e participar do São João foram gradativamente transformadas, cedendo espaço para que padrões diferenciados pudessem ganhar destaque nas brincadeiras juninas. A festa se tornou um espaço múltiplo de atuações e práticas. Neste sentido, podemos através da percepção dos brincantes que festejavam identificar as condições que lhes eram oferecidas para que o festejo junino se consolidasse como referência para Cruz das Almas. Na história da festa, identificamos as variadas formas de apropriação e realização do São João na cidade, nas brincadeiras de rua, nas quais os moradores saiam em cortejos para celebrar com seus pares, na busca de reencontro para socializar o momento festivo, nas brincadeiras com as espadas que foram ocupando as ruas, nos bailes juninos oferecidos nos Clubes e, por fim, chegando à Praça e centralizando as comemorações, entretanto, o festejo não se restringia apenas a essas possibilidades. A festa, com sua dinâmica era vivenciada de acordo com as práticas socioculturais que a sociedade estabelecia. Neste sentido, as práticas sociais no São João em Cruz das Almas alteravam-se, os comportamentos mudavam, as gerações faziam leituras diferenciadas do festejo. Aquelas brincadeiras realizadas nas ruas, praças e clubes tiveram que dividir espaço com as novas propostas oferecidas pelos dirigentes políticos da cidade. A partir da década de 1990 o Arraiá, organização de um elemento festivo padronizado, surge como uma possibilidade comemorativa enquadrada que alterou significativamente as formas de realização da festa na cidade. 206 PEREZ, Léa Freitas; AMARAL, Leila; MESQUITA, Wania (Org.). Festa como perspectiva e em perspectiva. Rio de Janeiro: Garamond, 2012, p. 27.

140 SÃO JOÃO AQUI E ACOLÁ Os festejos de São João na década de 1950 concentravam um universo variado de comemorações, o jornal Nossa Terra já noticiava sobre os Bailes do Cruz das Almas Clube, as brincadeiras com fogos pela cidade. Observamos que a Batalha de Espadas era um dos momentos mais esperados dentre as práticas dos festejos juninos da cidade, obviamente a expectativa para a comemoração girava em torno dos espadeiros e espectadores que eram favoráveis à manifestação. O jornal Nossa Terra, um dos periódicos locais, distribuído quinzenalmente entre os anos 1955 e 1957, nos indica que alguns desses festejos eram realizados em clubes e escolas, espaços que nem todos tinham acesso, nos [...] salões do [Colégio] Alberto Torres estão floridos e embandeirados a 11 deste [junho], com grande festa caipira, que ali se realizará 207. Este exemplar também noticiava o empreendimento de moradores da cidade que, por iniciativa própria, realizam seus festejos privados: Segundo comentários o Dr. Álvaro Brandão vai brindar a sociedade cruzalmense com uma arrojada festa joanina no Cruz das Almas Clube. Será uma excelente iniciativa, pois não se compreende que a noite de São João tradicional tão cara as reminiscências da gente do interior bahiano transcorra entre nós, como vem sucedendo há muitos anos. Reviver as festas de tradição é sempre bom sinal de cultura de um povo 208. A notícia acima veiculada no Jornal Nossa Terra aponta uma festa particular como centro das comemorações juninas realizada no Clube Cruz das Almas. Podemos compreender essa festividade como um evento socialmente localizado e limitado a alguns grupos sociais da cidade. Possivelmente, a sociedade cruzalmense da qual se referia o jornal eram os segmentos da elite local que tinham o privilégio de acesso a espaços como o Clube. A notícia do jornal situa-se entre as colunas de cultura do periódico, neste espaço encontravam-se variadas informações sobre os eventos sociais que aconteciam em Cruz das Almas. O periódico não nos apresenta informações mais precisas sobre quem era Dr. Álvaro Brandão, nem encontramos em outras fontes consultadas. O que se ressalta, entretanto, é o objetivo da veiculação da notícia e seu conteúdo, que fazia um apelo aos participantes do baile para se motivarem a cultivar uma festa considerada tradicional, que estava perdendo as características. 207 FESTA CAIPIRA. Jornal Nossa Terra, 5 de Junho de 1955, p SÃO JOÃO. Jornal Nossa Terra, 5 de Junho de 1955, p.5.

141 141 O São João de Cruz das Almas apresentava-se como uma das festividades que tinha o caráter de agregar, mas apresentava a perspectiva de reatualizar as experiências e momentos anteriormente vividos. Como uma festa típica da cidade, tornou-se uma prática tradicional, neste sentido, a tradição estava alicerçada nas mudanças, transformações e inserção de experiências sociais. Assim, o festejo privilegiava oportunidade de inter-relações, mas, ao mesmo tempo, demarcava os espaços ocupados por cada grupo social. De acordo com o jornal, a iniciativa demonstrava que para alguns setores como os frequentadores do Clube da sociedade de Cruz das Almas, o São João já vinha perdendo sua essência enquanto festejo tradicional. Consideramos que a noticia coloca essa afirmativa porque nesse período evidenciavam-se outras formas de festejar, a saber, as brincadeiras com espada pelas ruas da cidade, estas festas privadas não estavam ao alcance de todos os moradores da cidade. Como já nos contou o Senhor Mundinho que. em sua experiência na participação da festa, atestava que já na década de 1950 a produção de fogos e as brincadeiras com estes eram oportunidade de socialização e divertimento no período junino. Os costumes, queima de fogos, acender fogueiras, enfeitar ruas, sair em cortejos, dentre outros, passavam por transformações em sua realização, eram introduzidos novos modos de festejar adaptados aos hábitos comemorativos, como a mudança na produção pirotécnica, a realização do casamento do CEAT, entre outros. Esta percepção não se demonstrava apenas em Cruz das Almas, mas também na capital baiana. Podemos evidenciar isso através de um periódico que circulava pela cidade na época quando indicava que: O São João de Hoje não perdeu sua fisionomia típica. Mas perdeu sim seu esplendor antigo. As expressões de júbilo traduzidas pelo jornal A Tarde no Acorda João pra comer feijão 209, não eram mais ouvidas. Eram os tempos de transformações em que novas práticas sociais eram inseridas na comemoração, esse entendimento, que remete as tradições do antigamente, pode ser interpretado quando A tradição passa a ser compreendida como sucessão de eventos regida por uma norma que traça um caminho do período áureo para a decadência. Por isso, tradicionais e melhores eram as festas do passado, mais honestas, confiáveis eram as pessoas do passado e assim por diante São João não é mais o mesmo: mais não morre a tradição. A Tarde, 21 jun PEREIRA, Edimilson de Almeida; GOMES, Núbia Pereira de M. Inúmeras cabeças: tradições brasileiras e horizontes da contemporaneidade. In: FONSECA, Maria Nazareth Soares Fonseca. Brasil afro-brasileiro. 2º Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006, p. 4

142 142 Essa interpretação, lançada pelos autores Pereira e Gomes, pode ser compreendida pelas mudanças que cada sociedade define e insere em seu cotidiano. Na medida em que possibilita a introdução de novas práticas sociais, ou a substituição de outras, comumente se estabelece vínculos com as experiências anteriormente vividas, ou por outras gerações em uma relação de pertencimento no qual o novo é relacionado à perda, à substituição, estando subordinado ao tempo linear que atrela as vivências, a relação com o antigo como solidificadas e o novo, moderno associado ao desprendimento. Em 1960, uma reportagem do jornal A Tarde também identifica que o declínio dos festejos juninos estava relacionado ao progresso, resultado do encarecimento de produtos e da situação financeira prejudicada dos consumidores. Aponta-nos que esta situação estava diretamente relacionada com os preços proibitivos dos artigos juninos, as dificuldades de uma vida agitada e cara 211. Essa realidade da capital baiana possivelmente se destaca pelo fato de a cidade não ser produtora de muitos gêneros alimentícios da época, sendo estes trazidos das cidades do interior, e pelos diferenciados costumes em festejar o São João. Em Cruz das Almas, embora não houvesse essa carência de alimentos, por ser um município com muitas localidades rurais produtoras, os diferentes hábitos em torno das comemorações juninas se estabeleciam na vivência de queimar espadas, festas com intuito de serem atrativos turísticos geralmente não eram realizadas. Para a cidade esta realidade não se modificou até o final da década de Neste período o país ainda estava sobre o direcionamento político do regime militar, o milagre econômico aparecia como possibilidade de estabilidade econômica no país 212. Em cidades como Cruz das Almas, e outras da região, a criação de sindicatos de trabalhadores rurais era um exemplo de mobilização e organização social, como o sindicato dos cultivadores de fumo na cidade. No plano cultural, no início da década de 1970 o governo do estado da Bahia, com o objetivo de ampliar e consolidar o turismo do estado, cria medidas para dar incentivo ao crescimento turístico do interior, dentre eles o Plano de Turismo do Recôncavo (PTR) 213, que teve sua primeira etapa consolidada em 1971, e através do Conselho de Desenvolvimento do Recôncavo (CONDER), que organizava e influenciava a logística do turismo da região até 211 Progresso vem acabando com a festa de São João. A Tarde, 21 jun Para mais informações ver: ZACHARIADHES, Grimaldo Carneiro. Ditadura militar na Bahia : novos olhares, novos objetos, novos horizontes / (organizador) ; Alex de Souza Ivo... et al. - Salvador : EDUFBA, Ver: SANTOS, Sergio Vinicius Tanure dos. O desenvolvimento do turismo na Bahia. Disponível em: Acessado em 20 dez 2011.

143 , ampliando assim os polos de centralização turística do estado que se concentrava na capital e em cidades turísticas como Porto Seguro. Possivelmente essas iniciativas tinham por objetivo ampliar a dinâmica econômica do estado através da exploração de seu potencial turístico, que gerava impulso e receita para os municípios que realizavam comemorações festivas e obtinham recursos a partir delas. O crescente fluxo de deslocamento de pessoas durante o período festivo, com o intuito de visitar parentes, também pode ser observado dentro do estado, estabelecido principalmente entre a capital baiana e as cidades do interior. Isso pode ser observado pelo número de passageiros que deixavam a capital pelas linhas de ônibus disponíveis na rodoviária de Salvador. A partir de hoje, quinta-feira todas as linhas de ônibus para o interior do nosso Estado foram acrescidas de viagens extras a fim de atender ao verdadeiro êxodo que as pessoas que pretendem passar as festas de São João longe de Salvador 214. O jornal A Tarde nos informa acerca do crescente número de pessoas que iam para as cidades do interior e da importância que os festejos juninos dessa região começavam ganhar, principalmente no final da década de 1970 e início de As cidades de Cachoeira, Senhor do Bonfim e Cruz das Almas começaram a ser observadas como potencial de atrativo turístico, pois aos poucos recebiam um contingente significativo de turistas, transformando toda a dinâmica dos antigos festejos, que já vinha sendo alterada nas épocas anteriores. Salientamos que, nas décadas de 60 e 70 do século XX, começou também a se desenvolver na Bahia um crescimento industrial significativo. A implantação da Refinaria Landulfo Alves, em Mataripe, do Centro Industrial de Aratu (CIA), na década de 1960 e a construção do Polo Petroquímico de Camaçari (COPEC), na década de 1970, alteraram a dinâmica econômica do estado, consolidando o crescimento da indústria na Bahia. Esse desenvolvimento industrial proporcionou também que a dinâmica turística se reordenasse, pois, com a industrialização veio também o crescimento e melhorias da urbanização do estado, do poder aquisitivo e do consumo dos trabalhadores, bem como contribuiu para a expansão do setor terciário. O PTR, que tinha o objetivo de fazer um levantamento das áreas com potencial para desenvolvimento turístico, se consolida através de uma análise setorial que tinha uma política 214 Milhares de pessoas passarão festas juninas no interior. A Tarde. 22 jun

144 144 específica para cada região da Bahia, além de ter sido a primeira iniciativa nesse setor. No Recôncavo baiano algumas cidades se beneficiaram e destacaram através do plano, Cachoeira-BA foi uma das primeiras cidades incentivadas. A partir da década de 1980 e 1990 os estímulos e a organização feita pelo estado ampliam-se para outras cidades da região. As comemorações festivas surgiam como possibilidade de ampliação da exploração turística da região do Recôncavo. A festa de São João transformava-se festa para o consumo, com atrativos para os turistas e, consequentemente, aumento de renda nas cidades que realizassem o festejo. O jornal Folha de São Paulo, periódico de circulação nacional, apontava para o potencial dos festejos juninos no país no ano de Ao anunciar os festejos de São João, destaca, entre algumas cidades do interior baiano, os municípios de Cruz das Almas, Cachoeira e Senhor do Bonfim como os destinos mais procurados pelos turistas que apreciavam esses festejo: Das cidades do interior onde se comemora o São João as mais animadas são Senhor do Bonfim e Cruz das Almas com sua famosa guerra de espadas, Alagoinhas e Maragogipe. Mas é em Cachoeira que a animação é maior, e que duram mais 215. Essa descrição aponta que as cidades do interior baiano ganhavam notoriedade, sobretudo se pensarmos que este periódico tinha uma circulação no sul do país, demonstra como o potencial turístico dos festejos juninos nessas localidades estava se desenvolvendo, e representava grandes oportunidades de exploração econômica. Cruz das Almas destacou-se principalmente pela guerra de espadas, mas não era ainda a cidade com maior notoriedade entre as citadas. A cidade de Cachoeira-BA, com uma distância de 18 quilômetros de Cruz das Almas, conhecida como detentora de uma herança histórica, se destacava no início dos anos 1970, com a Feira do Porto, esta se caracterizada pela venda de produtos agrícolas e apresentação de grupos folclóricos, como quadrilhas, samba de roda, bumba meu boi, trança fitas e forró nos festejos de São João. Era uma das cidades baianas que entraram no circuito de comemorações na Bahia. Cachoeira, que costumava realizar suas comemorações juninas no porto da cidade, à beira do Rio Paraguaçu, popularizou sua festa. Os festejos dessa cidade ganhavam mais 215 JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO. FESTAS JUNINAS. 15 de junho de 1979.

145 145 notoriedade porque a Secretaria de Turismo da Bahia, BAHIATURSA 216, órgão responsável por dinamizar e explorar o turismo no estado passou a patrocinava as festividades nas cidades 217, identificando nessa manifestação a oportunidade de ampliar a visibilidade o turismo na Bahia, construindo uma verdadeira cadeia produtiva em torno da organização da festa que requeria empregar patrocínio da mídia local, regional e nacional. Para consolidar essa estratégia contava com o auxílio financeiro para contratar artistas, bandas e atrações que faziam parte das novas dinâmicas festivas que tinham o objetivo de atrair público para consumir na festa. Esse crescimento dos festejos de Cachoeira obrigava os líderes políticos, tanto de Cruz das Almas, como das outras cidades da região, a criarem estratégias para também alcançarem lugar de destaque entre as cidades com potencialidades turísticas. Cruz das Almas que tinha vinculado a seu nome apenas a guerra de espadas, em 1979, sob a administração do prefeito Claudemiro Dias Pamponet, tentou diversificar seus festejos através da criação de um pequeno arraial animado por trio de forró, apresentação de quadrilhas. O resultado esperado não obteve muito sucesso porque este elemento festivo foi interrompido pela queima de espadas. A experiência então não deu resultado. O arraial implantado pela prefeitura, onde se faria a apresentação de quadrilhas, duplas de repentistas etc., se tornou inviável. Os combatentes, praticamente puseram fim ao arraial, travando uma guerra no local. Assim, para este ano nenhuma outra programação foi estabelecida e a espada tomou conta dois dias na cidade. 218 Embora essa tendência de ampliar os festejos e torná-los mais convidativos já fizesse parte da realidade de cidade como Cachoeira, isso ainda não acontecia em Cruz das Almas, assim, a proposta de festa de largo para a população cruzalmense não foi bem aceita de imediato, principalmente pelos espadeiros. A tentativa frustrada do prefeito Pamponet, de enquadrar a festa, foi então barrada pela desaprovação dos festejadores espadeiros que tinham 216 Em 1968, com a denominação de Hotéis de Turismo do Estado da Bahia, é criada a BAHIATURSA, S. A., cuja atividade limitava-se à construção, ampliação e administração de hotéis e pousadas. Evolução das Políticas Públicas de Turismo na Bahia. Para informações ver: Governo do Estado. Século XXI - Consolidação do turismo: estratégia turística da Bahia Secretaria da Cultura e Turism. Salvador: A Secretaria, O Estado estabeleceu o turismo como uma de suas prioridades e iniciou, em 1971, o primeiro grande momento do setor. Nessa época foram definidas as grandes políticas, estratégias e programas que passaram a orientar o turismo na Bahia, sendo o Plano de Turismo do Recôncavo. A primeira estratégia de desenvolvimento do turismo no Estado. Disponível em: Acessado em 20 dez Um São João de alegria. A Tarde, 25 jun

146 146 como principal forma de brincar o São João a guerra de espadas, nos anos subsequentes o prefeito não tornou a realizar o seu arraial. De acordo com o pároco da cidade, Monsenhor Neiva, que havia sido convidado para participar do arraial de 1979, o [...] prefeito Pamponet, um desses aí que fez, e disse vamos vim aqui cercar pra fazer a festa botar aqui música um palco, palanque, tudo isso, que assim a gente faz amortecer essa violência do São João 219. A proposta para reorganizar a festa entrou em choque com as perspectivas dos espadeiros, que não permitiram que outro elemento festivo fosse introduzido na forma de brincar o São João. Possivelmente porque a inserção de outro elemento comemorativo ameaçasse a diminuição da queima de espadas ou até mesmo o seu término. O padre que desaprovava as práticas relacionadas ao uso indiscriminado das espadas, afirmava que desde criança conservava o gosto pelos festejos juninos, chegou a levar alguns membros de sua família para a inauguração do arraial: Fui assistir porque eu gosto de São João, desde menino foi eu minha sobrinha que ta aqui, e minha irmã. Aí eu disse: e as espadas, responderam que agora tem uma lei que não pode tocara aqui não. E eles vão respeitar? Ah! Sim tem que respeitar aqui é ordem do prefeito a prefeitura que promoveu isso, [...] de noite começaram, veio às espadas bum, daqui a pouco a coisa foi se aproximando. Ai eu disse: olhe eles vão jogar espadas aqui, ah ninguém vai respeitar porque era uma quadra bem espaçosa... Eu disse: sabe de uma coisa eu vou é pra casa e meus sobrinhos também, disseram: nada tio padre. Eu falei vocês podem ficar, mas eu vou pra casa, menina, quando eu fui, fui entrando aqui ela foi chegando de carreira, de longe tocaram, aquelas grandes espadas, aí o grupo de músico que vieram da Sapucaia saíram tudo de carreira, [risos], essa coisinhas que fazem parte da história da caminhada da festa 220. Monsenhor Neiva nos informa sobre esse episódio como histórias da caminhada da festa, que fez parte do momento dos festejos caracterizados pelas alterações e construções aos quais era proposto um novo ordenamento, a intervenção através de uma proposta imposta pela prefeitura e que significou o enfrentamento das práticas já estabelecidas, quebrar ou alterar essa ordem foi então impraticável. A tentativa frustrada de implantar um novo estilo nas comemorações do município revela que seus líderes políticos já objetivavam explorar o potencial econômico da festa, mas, para que isso acontecesse, era necessário lançar mão de uma primeira tentativa, o que 219 Monsenhor José de Souza Neiva, 95 anos. Padre. Entrevista realizada em 11/01/2012. Cruz das Almas - BA. 220 Monsenhor José de Souza Neiva, 95 anos. Padre. Entrevista realizada em 11/01/2012. Cruz das Almas BA.

147 147 provocou a insatisfação dos espadeiros ameaçados pela nova dinâmica então imposta. Fazer a festa a partir de uma proposta que atraísse um público consumidor, que apreciasse os espetáculos oferecidos, consumissem os produtos atrelados à comemoração, como hotéis, restaurantes era a intenção da administração municipal. Neste período emergiu a nova tendência de estilizar a festa através de apresentações de grupos musicais, como atrativo para a população, com a exibição pública de quadrilhas em forma de concursos. Surgiu, assim, uma nova forma de padronizar a festa realizada através do patrocínio das prefeituras, que viam essa perspectiva como uma possibilidade para que suas cidades virassem polos turísticos, tornando-se uma alternativa para o crescimento econômico dos municípios do recôncavo. A estratégia era clara, atrair milhares de pessoas para consumir a festa, materializada em produtos, como restaurantes, pousadas, feiras livres, o que ocasionaria um crescimento no número de empregos e consequentemente geração de renda, projeto defendido pelos órgãos executivos e comerciantes em geral. Mas, como bem observa Canclini: A rigor, não interessa ao mercado e a mídia o popular e sim a popularidade. Não se preocupam em preservar o popular como cultura ou tradição; mais que a formação da memória histórica, interessa a indústria cultural construir e renovar o contato simultâneo entre emissores e receptores 221. Neste sentido, o autor aponta que os resultados proporcionados pelas alterações na manifestação eram os que prevaleciam, as interferências tinham que ser absorvidas e adaptadas à nova realidade então imposta aos festejos juninos. Para os dirigentes políticos da cidade, a partir da década de 1970, Cruz das Almas não poderia ficar de fora desse novo Plano de desenvolvimento proposto pelo Estado. Mesmo que ainda prevalecesse o costume da queima das espadas, este não deveria, na perspectiva da administração local, ser o único atrativo da festa, porque nem todos os moradores e turistas eram favoráveis às práticas ligadas a queima dos fogos. Isso se justificava porque nem todos que moravam ou vinham visitar o município se sentiam a vontade ou tinham o costume do consumo do artefato, ou temiam ser atingidos por eles. O costume disseminado no interior da Bahia, e em outros estados nordestinos, de comemorar os santos católicos do mês de junho, Santo Antonio, São Pedro e São João, com festas denominadas de juninas, foi adotado por muitas cidades que, cada uma a sua maneira, 221 CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 4 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, p.222.

148 148 buscaram atribuir visibilidades próprias. Porém, essas manifestações culturais festivas, a partir da inserção de novos elementos, transformaram os costumes e tornaram-se cultura de massa para o consumo. Para que suas cidades tivessem visibilidade, se tornando polos de atrativos turísticos, seja por meio de apresentações artísticas ou exibição de artefatos pirotécnicos, cada cidade cresceu valendo-se de suas experiências e costumes. Dificilmente podemos estabelecer uma comparação para saber quem organizava o melhor São João, se seria Cruz das Almas, Cachoeira, ou outra cidade do interior. Identificamos que o Estado ganhava com a exploração turística dessas cidades, pois o turismo aqueceu a economia e dinamizou os polos de concentração de renda neste setor. Cada cidade acima mencionada conseguiu resultados significativos relacionados com as festividades juninas, a partir do enquadramento proposto pelas suas administrações municipais. Apesar de preservarem suas peculiaridades, aos poucos, as festas de São João se caracterizaram por sua transformação e adaptação, alterando o aspecto lúdico tradicional experimentado pela população local que, além de fazer a festa, passaram a consumir a festa. Ao passo que os festejos juninos transformavam-se em manifestação de consumo, através da exploração turística e das revitalizações urbanas, enquadrando-se em uma perspectiva econômica, ocasionava uma dupla relação entre os turistas consumidores e população local. Estes primeiros foram obrigados a se adequar porque encontram nesses municípios costumes já consolidados, os segundos reinventaram seu cotidiano, imputando novos valores às festividades que lhes eram características para não perderem efetivamente a relação estabelecida por décadas de comemorações. 5.2 PELAS RUAS, PRAÇAS E NO ARRAIÁ No São João em Cruz das Almas, as relações criadas por seus participantes confluíram a tal ponto que a festa foi se tornando o maior referencial de comemoração que o município alcançou em sua história. As mudanças identificadas a partir do final da década de 1980 e início de 1990 foram sentidas pelos participantes da festa através dos impactos que geraram o reordenamento dos

149 149 elementos festivos. As alterações que foram empreendidas através da administração municipal tinham o intuito de enquadrar o festejo em uma lógica econômica, transformando a manifestação em oportunidade de consumo. Essas novas perspectivas foram redirecionando a ação dos participantes do São João, principalmente os espadeiros que tiveram que dividir seu espaço e atenção com uma nova proposta festiva. Inicialmente, as mudanças foram realizadas através de alteração dos espaços onde se concentravam as comemorações, antes realizadas pelas ruas da cidade, tendo como local de culminância a Praça Senador Temístocles, com a batalha de espadas. Quando a festa foi padronizada, a administração local realocou para o Parque da Sumaúma, uma área da cidade revitalizada com a finalidade de ser o novo espaço dos festejos juninos de Cruz das Almas. As festas, que eram realizadas através de práticas e experiências peculiares dos moradores da cidade com seus costumes ligados a certa autonomia de atuação, foram alteradas. Com a introdução de diferentes elementos, como apresentação de grupos musicais, quadrilhas juninas, barracas de venda de comidas e bebidas típicas, criou-se um novo universo festivo que foi alterando a relação de pertencimento, pois, a festa deixou, em parte, de ser feita pelos moradores, passando a ser feira para os moradores. Renato Ortiz apresenta uma leitura instigante sobre o reordenamento das manifestações culturais populares, ele aponta que: A expansão das atividades culturais se faz associada a um controle estrito das manifestações que se contrapõem ao pensamento autoritário. Neste ponto existe uma diferença entre o desenvolvimento de um mercado de bens materiais e um mercado de bens culturais 222. As reflexões de Ortiz são interessantes porque apontam caminhos e possibilidades para ampliarmos as interpretações sobre as transformações das festas juninas em Cruz das Almas, sobretudo a partir de Nesta perspectiva, podemos considerar que as relações foram ressignificadas, as influências que as mudanças ocasionaram para os variados brincantes através da proposta de criação de uma festa enquadrada, que limitava de certa forma, a autonomia dos festejadores juninos, os quais foram obrigados a se adaptar ao estilo organizado pela prefeitura, levando a um afastamento das antigas práticas então realizadas no São João. 222 ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo: Brasiliense, p.114.

150 150 Compreendemos que a postura assumida pelo executivo estava associada ao controle da festa pela administração municipal que, ao mesmo tempo em que ordenava, tinha possibilidade de conduzir a organização da manifestação, enquanto aos moradores e visitantes da cidade cabia uma participação como espectadores. O ordenamento da festa em uma manifestação enquadrada dava ao São João uma nova leitura, distanciava as práticas dos participantes por ter um caráter de concessão e não de interação. Quando a administração municipal, através do prefeito, escolhe um espaço específico, define e modela a festa para uma perspectiva econômica que retirava de certa forma, a autonomia dos sujeitos históricos que, durante décadas, construíram a festividade como parte indissociável das suas experiências. A festa passou a ter um espaço delimitado a partir de 1990, onde as pessoas iam assistir a exibição de shows, com a obrigatoriedade de horários definidos de início e término das apresentações, o público apenas constava como espectador. Neste espaço, um bairro nobre da cidade, era vetado o uso das espadas, cabendo punição e apreensão para quem transgredisse esta determinação. O crescente número de incidentes relacionados às brincadeiras com espadas fez com que a festa no Arraia aos poucos fosse se consolidando como alternativa, dinamizando a participação dos sujeitos que não eram favoráveis aos fogos. A primeira tentativa de diversificar o festejo de São João na cidade foi através da iniciativa organizada pelo prefeito Claudemiro Dias Pamponet, no ano de 1979, mencionada anteriormente, na tentativa de minimizar os acidentes com espadas e transformar os aspectos da organização da festa, o prefeito criou um Arraial espécie de festa de largo, com apresentações musicais, danças, comidas e bebidas típicas da festa junina. Porém, de acordo com informações do jornal A Tarde de 1980, a tentativa do prefeito acabou sendo frustrada pela imposição dos espadeiros, Em Cruz das Almas existem duas correntes numa guerra à parte. Uma defende a Batalha de Espadas considerando-a a principal atração do São João da cidade. A outra, em minoria, pede a sua proibição, fundamentada, nos inúmeros casos de acidentes registrados todos os anos durante o festejo. [...] o prefeito Claudemiro Dias Pamponet tentou diversificar o São João, numa tentativa de agradar gregos e troianos. A experiência, entretanto, não deu resultado. Os combatentes, praticamente puseram fim ao arraial, travando uma guerra no local. Assim para este ano,

151 151 nenhuma outra programação foi estabelecida e a espada tomou conta durante dois dias na cidade 223. Na realização do São João em Cruz das Almas, os múltiplos elementos festivos acabaram criando relações de tensões que se consolidavam nas práticas díspares dos festejadores juninos. Essa ambivalência de posicionamento reforçaram as relações de distanciamento e aproximação entre as formas que os grupos escolhiam para festejar. Quando o jornal se refere a duas correntes numa guerra à parte, aponta os conflitos existentes em torno da aceitação das brincadeiras com os fogos de artifício e a limitação que esta proporcionava àqueles que não faziam parte desta forma de festejar. Possivelmente, a negligência evidenciada na maneira como alguns espadeiros se comportavam tornava a queima de espadas inaceitável para uma parte da população que se distanciava ou temia essa maneira de brincar o São João. Com a amplitude que os festejos obtinham, foi então dado o primeiro passo para minimizar essa relação conflituosa entre os favoráveis e os contrários à queima de espadas. Compreendemos, também, que essa iniciativa tinha um caráter mediador: o prefeito, que não desejava se indispor com nenhuma das partes envolvidas, criou uma estratégia, lançou a iniciativa de um elemento diferenciador nas práticas comemorativas que se apresentava como opção para os que eram contrários ou não participavam da queima de espadas, mas permitia as brincadeiras com espadas, desta forma tentou agradar as partes justificando sua ação com a intenção de diversificar. A inviabilidade dessa primeira tentativa evidencia o caráter de predominância que a queima dos fogos tinham na festa. A imposição dos espadeiros demonstra a potencialidade que esse elemento festivo impunha, revelando que as manobras operadas pela administração municipal não conseguiram minimizar a influência dessa prática. A utilização desses fogos se consolidou como uma das principais atividades lúdicas do festejo junino e incorporou uma característica específica ao município: a batalha de espadas. Nesse sentido, outras alternativas para festejar o São João apareciam como ameaça, levando seus participantes, os espadeiros, a não permitirem que o arraial criado pelo prefeito Pamponet fosse realizado. Podemos compreender também que esta tentativa de ordenamento foi inviabilizada porque, neste período, final da década de 1970 e início da década de 1980, a Praça Senador 223 Um São João de Alegria. A Tarde, 25 jun

152 152 Temístocles já havia se consolidado como espaço apropriado pelos espadeiros para realizarem suas batalhas. A dinâmica festiva, pautada em um enquadramento que retirava a legitimação de práticas culturais vivenciadas por décadas, acabou sendo avaliada pelos espadeiros como uma tentativa de inversão ou substituição das tradições construídas. Ao relacionarmos as perspectivas lançadas pelo governo do Estado em projetar as festas juninas como atrativos turísticos, Cruz das Almas ainda não fazia parte do projeto que formatava as festas a padrões estilizados, com apresentação de bandas para atrair público. O geógrafo Jânio Roque Barros de Castro, em recentes estudos sobre a dinâmica territorial de festas urbanas, nos informa que: Além do temor as espadas, um dos fatores que se pode atribuir ao insucesso daquela empreitada foi a falta de um lastro midiático que procurasse reforçar o interesse do folião junino pela festa urbana concentrada nos moldes daquela que a Bahiatursa implantara em Cachoeira no início da década de As reflexões oferecidas pelo autor nos auxiliam a compreender que a inviabilidade do Arraial de 1979 estava ligada ao fato de Cruz das Almas, nessa época, ainda não estar enquadrada nos planos do governo do estado que, desde o inicio década de 1970, investia nas festividades de cidades do interior, explorando seu potencial turístico, condicionando as festas a uma estrutura modelada para utilizar os espaços urbanos. O Senhor José Costa Simas, Zelino, antigo espadeiro da cidade, nos relata em seu depoimento que o São João de Cruz das Almas era as espadas 225. Das memórias do Senhor Zelino, percebemos que nas brincadeiras feitas com os fogos de artifício era depositada toda carga de importância do festejo junino na cidade. Este depoente foi um dos espadeiros que contribuiu para esse dar esse significado a utilização dos fogos, por ter vivenciado a prática da produção do artefato, assim como por ter participado da queima das espadas durante anos de sua vida. Os produtores desses fogos atribuíam ao uso das espadas a autonomia e brilhantismo das comemorações. 224 CASTRO, Janio Roque Barros de. Dinâmica territorial das festas juninas na área urbana de Amargosa, Cachoeira e Cruz das Almas BA: espetacularização, especificidades e reinvenções. Dissertação de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia - Salvador, 2009, p SIMAS José Costa. 76 anos. Pedreiro, Encarregado de armazéns de fumo. Entrevista concedida em 18/06/2012, Cruz das Almas-BA.

153 153 Este universo festivo se caracterizava como elemento centralizador, se desenvolvia ao ponto de definir e atribuir aos espadeiros a legitimidade de suas ações. Assim, as iniciativas realizadas pela prefeitura para reordenar o São João se chocaram com uma tradição renitente que lutava para garantir seu lugar e seus significados. A respeito da identificação de participantes com seus festejos, Néstor García Canclini observa que [...] o fato de que na festa prevaleça à resignação ou a emergência do desejo, dependerá das relações entre as força repressivas e expressivas de cada sociedade 226. Assim, a imposição com o intuito de transformar uma manifestação que se amparava pelos seus participantes, que tinham autonomia para impor seu lugar como principal elemento festivo, não cedeu inicialmente, espaço para outras dimensões festivas, pelo menos até o momento em que interesses para além do lúdico se expressavam na festa junina. Os espadeiros gozavam da prerrogativa de terem legitimado, durante décadas, as práticas relacionadas ao uso do artefato. Engendraram uma relação que se estabilizou e propagou-se entre várias gerações. Nas inter-relações criadas em torno dos festejos juninos, as práticas associadas à produção pirotécnica ganhou espaços, tornando-se elemento indissociável deste festejo. As experiências adquiridas e transmitidas formalizaram a festa de São João como costume que possibilitou aos seus participantes autonomia quanto as ações realizadas durante a festa. Nas fontes levantadas e sistematizadas ao longo da pesquisa, encontramos entre os periódicos já mencionados, jornal A Tarde e Jornal do Planalto, apenas duas reportagens que mencionavam tentativas de reordenamento dos festejos na cidade através da administração municipal, uma em 1979 e outra As duas não tiveram êxito porque os espadeiros impossibilitaram o prosseguimento das festas na praça pública, defenderam o espaço que consideravam seu território impondo seus fogos e afugentando outros participantes da festa que foram apreciar outros espetáculos na praça. Tais ações dos espadeiros só se tornaram possíveis através do significado e da legitimação que o elemento festivo da queima de espadas alcançou na cidade. Até a década de 1990, nenhuma outra tentativa de criação de elementos festivos de São João como os Arraiás tinham então se afirmado como alternativa para a festa na cidade. As comemorações baseavam-se nas mesmas brincadeiras e práticas costumeiras, realizadas pelos moradores da cidade, as visitas, acender fogueiras, queima de fogos etc. As brincadeiras com 226 CANCLINI, Néstor Garcia. As culturas populares no capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 131.

154 154 espadas se tornaram o atrativo dos festejos, promovendo relações entre grupos, pessoas e sentimentos de pertencimento. Neste sentido, duas motivações passam então a definir a comemoração do São João da cidade: o momento lúdico da festa e o espetáculo a ser exibido para o crescente número de visitantes. Apesar das tentativas da prefeitura de introduzir novo ordenamento no festejo, as brincadeiras com espadas não foram extintas, ao contrário da expectativa de controle do espaço público, as loucuras da rainha permaneceram assoviando no ar, riscando o céu com fagulhas fumegantes, marcando o território nas fachadas das casas e assegurando seu lugar junto a outras formas comemorativas do São João na cidade. Podemos considerar que a festa na praça, empreendida em 1989, foi uma tentativa de implantar na cidade o objetivo de criar uma invenção padronizada para desqualificar as experiências sociais e culturais construídas ao longo de muitas relações e embates nos festejos de São João. A experiência inicial não motivou muitos adeptos para o novo estilo de comemoração, naquela oportunidade apenas cinco barracas se instalaram timidamente 227. Compreendemos que, mesmo considerando as brincadeiras com espadas o elemento central da festa, os motivos alegados e construídos como argumentos para alterar as práticas vivenciadas por vários grupos sociais da cidade foram limitados. Nesta oportunidade, começaram a ser implantados na cidade novos elementos na festa de São João que foram postos em prática na década seguinte. O Arraiá apresentava-se como uma experiência positiva para os que se beneficiavam com aquele modelo de festa. A prefeitura dispôs, neste sentido, de um instrumento político para agradar os moradores da cidade, as pessoas diretamente envolvidas na organização da festa geravam renda e empregos com suas barracas de comidas e bebidas típicas da época, o turismo na cidade se ampliava gerando consumo nos diversos serviços oferecidos, hotéis, restaurantes, bares, comércio em geral. Observamos que, até o final da década de 1980, as práticas cultivadas na festa eram concentradas na produção e queima de espadas. Entretanto, algumas desses hábitos começaram a ficar comprometidos devido ao grande número de acidentes ocorridos durante o 227 Jornal do Planalto. Cruz das Almas, jun

155 155 São João, provocados pela queima de espadas e, em menor escala, por outros fogos de artifício. A senhora Francisca Pereira, 71 anos, nascida em Cruz das Almas, operária no armazém de fumo Suerdieck, grande admiradora dos festejos juninos e participante das comemorações, em depoimento oral nos relata, com saudosismo, o São João que ela vivenciou com sua família e amigos. Ela identifica as transformações que foram realizadas nas práticas do festejo e aponta o perigo que a queima de espadas estava submetendo seus participantes, o que acabou modificando as formas de apreensão da comemoração. Era muito bom, hoje que não é. Hoje você chega assim no lugar não parece nem que é São João, tem uma espada o povo só acredita em ter espada, espada. Se a espada fosse como era no tempo passado era preferível até ter, mas, se não é. As espadas de hoje pra que é? Pra uma criança não poder sair na porta, uma pessoa idosa não pode sair, acender uma fogueira. A pessoa só pode fazer aquela que tá no meio lá fazendo o miserê, nem pra apreciar você não pode. [...] A saudade que eu tenho daquele São João é de ficar triste, eu tenho saudade, o São João do passado que era um São João bom. Quer dizer, São João ainda é bom o povo é que não sabe fazer a festa 228. Dona Francisca nos apresenta importantes elementos para compreender a forma como a festa se alterava, bem como as ações realizadas na maneira de comemorar. Suas lembranças são demarcadas pelas experiências que vivenciou no tempo em que as pessoas podiam ocupar seus espaços nos festejos. A utilização das espadas, de forma inapropriada, limitava o acesso dos que não faziam parte daquelas brincadeiras, assim impediam que costumes então realizados na festa fossem seguidos, como nos relata, pois até sair na rua, ou na porta das casas para acender uma fogueira era perigoso devido ao temor de ser atingida por uma espada. As memórias da Senhora Francisca se constroem através das experiências vivenciadas e as situam no limiar de um passado saudoso e um presente contemplador. D. Francisca identifica nas práticas empreendidas no São João de sua juventude como a festa boa, mas também não distancia sua relação de afetividade com as festas então realizadas no presente. Compreendendo que [...] a memória é inseparável da vivência da temporalidade, do fluir do tempo e do entrecruzamento de tempos múltiplos 229, suas lembranças demarcam transformações no comportamento dos participantes da festa que a modificaram e reconstruíram outros valores. 228 PEREIRA, Francisca. 71 anos, operária de armazém de fumo. Entrevista concedida em, Cruz das Almas-BA. 229 DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. História Oral: memória tempo e identidade. Belo Horizonte: Autêntica, p.38.

156 156 As transformações não se deram apenas nas práticas comemorativas, o reordenamento dos espaços urbanos também caracterizam as alterações observadas na festa. A cidade passava por mudanças nas estruturas físicas e econômicas. Observamos que a culminância da festa se dava na Praça Senador Temístocles e esse local era o espaço centralizador da economia da cidade, com bancos, estabelecimentos comerciais, espaços de sociabilidade, modificar essa estrutura era transformar as práticas tidas como tradicionais. O memorialista Alino Matta Santana indica que transformações para modernizar a cidade começaram a se acentuar a partir da década de 1970, quando se percebe evidências mais fortes do processo de urbanização, como a instalação de água encanada, em 1972, durante a administração do prefeito Fernando Carvalho de Araújo, quando Antonio Carlos Magalhães era governador do estado. Nas décadas seguintes o crescimento do comércio local e a instalação de veículos de comunicação também fizeram parte dessa reordenação social, Em 1978 a loja Cofel abre com o intuito de oferecer bens e consumo e desponta como principal estabelecimento comercial da cidade, situada na praça matriz. [...] A rádio Panorama FM é um recente marco do progresso cruzalmense, inaugurada em 2 de julho de 1988, houve uma radical mudança nas comunicações da região e um acentuado progresso, do comércio e da indústria local 230. Através das memórias de Alino Santana podemos identificar as modificações realizadas em Cruz das Almas e os festejos da cidade, a partir desta perspectiva acabaram sendo influenciados. Essa dinâmica recaia na reestruturação de valores e práticas sociais voltadas para a possibilidade de inserção em uma modernização e progresso. A introdução desses serviços foi significativa para os moradores da cidade, pois eles desenvolveram aspectos relacionados ao desenvolvimento econômico, vinculado ao progresso então vigente no país. Em Cruz das Almas estas características podem ser associadas como o desenvolvimento do comércio local, por exemplo, essas alterações provavelmente representavam o alinhamento político que estava relacionado ao milagre econômico veiculado durante o regime militar no Brasil e seus reflexos na década de A festa de São João em Cruz das Almas fazia parte do calendário das comemorações e a relação estabelecida com as mudanças sociais e econômicas do país também eram sentidas nos vários aspectos da festa. Quando a produção das espadas começou a ser um meio de obtenção de renda e a disseminação do acesso ao conhecimento tornou-se acessível, o 230 SANTANA, Alino Matta. O livro do centenário ( ): marcos do progresso de Cruz das Almas. Cruz das Almas BA: Bureau, 1997, p. 88.

157 157 comportamento dos participantes também se altera, a queima de espadas deixava de ser um momento de lazer para se tornam um momento de temor. No mesmo sentido, a introdução de elementos festivos como um Arraiá com apresentação de bandas em um espaço definido, ressignificou as práticas da festa. Canclini aponta que como um fenômeno global, que abrange todos os aspectos da vida social, a festa mostra o papel do econômico, do político, do religioso, e do estético no processo de transformação-continuidade da cultura popular 231. Neste sentido, os festejos de São João em Cruz das Almas acompanharam as transformações geradas pela inserção de novos hábitos e estilos que foram se delineando à perspectiva de organização da festa incorporada pela cidade que atendiam aos anseios e praticas sociais então vigentes. O ordenamento do festejo junino, que começava ter visibilidade nos veículos de comunicação, davam os primeiros passos para a sua readaptação a uma lógica de mercado, voltada para o turismo e o entretenimento. A praça e as ruas não comportavam mais a quantidade de pessoas que se deslocavam de cidades e regiões vizinhas, representando o novo público que vinha a Cruz das Almas para consumir a festa. A dinâmica movimentação de pessoas chamava a atenção do Jornal A Tarde que em junho de 1983 que veiculava a seguinte informação: A Batalha de espadas, hoje é conhecida nacionalmente, principalmente depois que o programa Fantástico, da TV Globo, fez uma filmagem mostrando o lindo espetáculo visual. No período de 23 e 24 de junho, o município fumageiro de Cruz das Almas recebe cerca de 2 a 3 mil turistas, que se deslocam dos pontos longínquos do país para assistir a batalha. Consolida-se a estrutura da festa junina com uma organização voltada para o campo do consumo. No entanto, passa a existir uma dualidade nos espaços de sociabilidades entre os brincantes da festa que moravam na cidade, obrigados a dividi-la, e o público que ia a cidade para fazer turismo. Tal como coloca Charles Santana: As festas de São João, tradicionalmente familiares e rurais, tornaram-se públicas e urbanas. Com a intervenção de algumas prefeituras, cidades organizam grandiosas festas ao ritmo da axé music, de guitarras e trios elétricos. 232 Esse foi o padrão adotado pela festa junina de Cruz das Almas a partir de CANCLINI, Nestor Garcia. As culturas populares no capitalismo. São Paulo: Brasiliense, p SANTANA, Charles d Almeida. Fartura e ventura camponesas: trabalho, cotidiano e migrações: Bahia São Paulo: Annablume, pg. 134.

158 158 Mesmo havendo a inserção de novos elementos na festa, como o Arraiá, a queima de espadas ainda continuava a centralizar as comemorações, atraindo, como se viu na citação acima, um veículo de comunicação nacional para reportar as festa junina da cidade. A exibição com os fogos de artifício se tornou um elemento no diferencial destes festejos, sendo caracterizado com espetáculo a ser apreciado. A relação entre os espadeiros e sua prática de queima para diversão se amplia para o de exibição, espécie de demonstração para os grupos sociais que iam apreciar e consumir a festa. Percebendo-se as nuances que envolviam tais construções, é possível mensurar os costumes empreendidos. Tomar a tradição da queima e a Batalha de Espadas como expressões que permitem não apenas delimitar espaços como territórios que se altercam, mas, que abrangem também uma simbologia construída pelos participantes dessa manifestação a fim de significar múltiplos tempos: de rememorar, render homenagem ao santo, vivenciá-lo compartilhando com colegas, vizinhos, parentes, ou transformá-lo em batalhas de luzes e cores, nas quais, exibindo as habilidades de manipular o fogo e transformá-lo na louca estética polifórmica, que construiu imagens para os espadeiros vinculando-os à dimensão festiva da cidade como o São João das espadas de Cruz e como símbolo de atração turística. O ano de 1990 se apresentava pelas efervescências no campo político no país, principalmente pelos resultados das disputas eleitorais para presidente, o Jornal do Planalto, periódico local que apontava na reportagem de capa, a vitória do presidente Fernando Collor de Mello como marco das transformações que o país passaria com a posse do jovem presidente no Brasil. O jornal ainda trazia apoio da prefeitura ao novo presidente, expressando seus votos de congratulações: O povo brasileiro há muito anseia por um estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais a liberdade [...] fundamentada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, como também a fé que une a todos nós. Parabéns Fernando Collor de Mello! Prefeitura Municipal de Cruz das Almas: Lourival e Jean! 233 A relação estabelecida entre a administração municipal e as propostas de reestruturação do país, definidas pelo novo presidente, parecem ter vínculos com as propostas do prefeito. Ressoaram nas transformações realizadas por Lourival Santos, a exemplo das modificações na festa de São João, esta então passa a ser apresentada como um dos momentos mais prósperos 233 Jornal do Planalto. Cruz das Almas. mar

159 159 para Cruz das Almas, com a possibilidade de atrair mais turistas a prefeitura organiza um espaço diferenciado para as comemorações juninas, enquadrando a festa em novo estilo. O ano de 1990 foi o marco neste reordenamento festivo, a inserção de uma variação na festa criou a oportunidade de dinamizá-la, mas também reestruturou a forma como seus participantes, principalmente os espadeiros passam a vivenciar o festejo. Neste ano é criado o Arraiá do Laranjá, através da administração de Lourival Santos, a festa é estruturada em um espaço diferenciado das práticas de queima de espadas pelas ruas da cidade. O Jornal do Planalto de junho de 1990 também evidencia, como marco histórico para a cidade, a inauguração do espaço onde a festa passaria a ser realizada: Para este ano o prefeito Lourival José dos Santos, juntamente com o viceprefeito Raimundo Jean e sua equipe entregam no dia 20 de Junho o PARQUE DE CONVIVÊNCIA DA SUMAUMA, que tem três finalidades distintas: Lazer, Esporte e a Preservação da Natureza. Antes de começar o arrasta pé, no dia 20 de junho o vice-prefeito Raimundo Jean disse que a administração municipal estava cumprindo mais um compromisso de campanha, quando prometeram que as festas não seriam terminadas, mais sim organizadas com infra-estrutura oportunizando a todos sem nenhum tipo de distinção. Ao concluir, Jean reafirmou que o São João de Cruz das Almas, aí está, com espadas que serão mantidas em outras áreas para quem não gosta e o Arraiá para quem não aprecia os fogos de artifício 234. O Arraiá do Laranjá foi realizado como promessa do prefeito que o idealizou com um projeto que tinha o intuito de dinamizar o São João, além de se enquadrar nas propostas do governo do estado que passava a patrocinar festas do interior. O estado que já vinha incentivando a organização de festas em cidades do interior, como Cachoeira, através da BAHIATURSA, desenvolveu esse projeto também em Cruz das Almas. Nessa oportunidade, para alocar esse Arraiá foi escolhida uma área da cidade estabelecida em um bairro nobre, esse local foi pavimentado e estruturado para acolher um grande número de pessoas, barracas, estacionamento, esse espaço foi organizado e nomeado como Parque de Convivência da Sumaúma. O parque ganhou esse nome devido à existência de uma sumaúma gigantesca, árvore da espécie seiba pentranda 235, que por ser uma espécie considerada em risco de extinção, com pouco exemplares existentes ganha a homenagem. A imagem abaixo mostra o prefeito inaugurando a área do Arraiá em frente à árvore. 234 Jornal do Planalto. Cruz das Almas. jun SUMAÚMA: A Sumaúma ocorre nas Américas, África e Ásia. A sumaumeira é uma árvore típica da várzea onde atinge um porte gigantesco de m de altura por 1,5-2 m de diâmetro, crescendo muito rápido e desenvolvendo características sapopemas. A sumaúma espalhou-se similarmente, mas das Américas. Disponível em: < Acesso em: 16 jul

160 160 Figura 11: Inauguração do Parque da Sumaúma 236. Figura12: Concurso de Quadrilha na inauguração do Arraiá do Laranjá. 236 Imagem do Jornal do Planalto junho de 1990.

161 161 Figura 13: Parque da Sumaúma onde são realizadas apresentações musicais no São João de Cruz das Almas desde Fonte: Juraci Rebouças 237. O Arraiá do Laranjá, no Parque da Sumaúma, foi a realização de uma proposta política com a finalidade de atender interesses políticos e a população que não se interessava pela prática da queima de espadas, bem como os benefícios que a administração obteria por meio da arrecadação e circulação econômica na cidade durante os dias da festa. Observamos que era uma tendência da época aproveitar o potencial turístico das cidades do interior da Bahia como forma de gerir recursos para os municípios, sobretudo visibilizá-los através de suas festividades locais. Jânio Roque Castro, nos estudos sobre a dinâmica territorial das áreas urbanas nas festas de São João do Recôncavo, também observa que: Na década de 1990, algumas cidades do Recôncavo como Amargosa e Cruz das Almas procuraram se inserir na rota da interiorização do turismo baiano, a partir da exploração racional de manifestações festivas populares como o São João. A cidade de Cachoeira foi uma das pioneiras no estado da Bahia na promoção de festas juninas concentradas no espaço urbano, iniciando seu ciclo junino a partir de um viés turístico no início da década de 1970, por iniciativa da Bahiatursa, enquanto que as outras cidades citadas 237 Imagens retiradas do blog de Juraci Rebouças. Disponível em: < Acesso em: 16 jul

VIVA SÃO JOÃO! Festa e sociabilidades nas comemorações em Cruz das Almas-BA

VIVA SÃO JOÃO! Festa e sociabilidades nas comemorações em Cruz das Almas-BA VIVA SÃO JOÃO! Festa e sociabilidades nas comemorações em Cruz das Almas-BA Adriana da Silva Oliveira i Resumo: As características que fazem agrupar os múltiplos segmentos sociais constituí-los dentro

Leia mais

Objetos de Conhecimento e Habilidades BNCC (V3)

Objetos de Conhecimento e Habilidades BNCC (V3) Coleção Crescer História aprovada no PNLD 2019 Código 0202P19041 Objetos de Conhecimento e Habilidades BNCC (V3) 1º ano Mundo pessoal: meu lugar no mundo As fases da vida e a ideia de temporalidade (passado,

Leia mais

Código 0222P Objetos de Conhecimento e Habilidades BNCC (V3)

Código 0222P Objetos de Conhecimento e Habilidades BNCC (V3) Coleção Akpalô História aprovada no PNLD 2019 Código 0222P19041 Objetos de Conhecimento e Habilidades BNCC (V3) 1º ano Mundo pessoal: meu lugar no mundo As fases da vida e a ideia de temporalidade (passado,

Leia mais

PROJETO DE OFICINA PEDAGÓGICA

PROJETO DE OFICINA PEDAGÓGICA PROJETO DE OFICINA PEDAGÓGICA Dhiogo Jose Caetano Graduando da UEG-UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS. 1. APRESENTAÇÃO Podemos notar a dificuldade que encontramos na educação atualmente, seja pelo desrespeito

Leia mais

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE PROJETO DE PESQUISA HISTÓRIA DAS INSTITUIÇÕES EDUCACIONAIS: INTELECTUAIS, POLÍTICAS E PRÁTICAS RESPONSÁVEL Prof. Mauro Castilho Gonçalves COLABORAÇÃO Prof. Daniel Ferraz Chiozzini Profa. Helenice Ciampi

Leia mais

CONTRIBUIÇÕES DO PIBID PARA O PROCESSO FORMATIVO DE ESTUDANTES DO CURSO DE LICECIATURA EM PEDAGOGIA

CONTRIBUIÇÕES DO PIBID PARA O PROCESSO FORMATIVO DE ESTUDANTES DO CURSO DE LICECIATURA EM PEDAGOGIA CONTRIBUIÇÕES DO PIBID PARA O PROCESSO FORMATIVO DE ESTUDANTES DO CURSO DE LICECIATURA EM PEDAGOGIA Rita Emanuela dos Santos Gomes Ferreira 1, Rosilene Trabuco de Oliveira 2, Renata Macedo da Silva 3,

Leia mais

RICARDO VIDAL GOLOVATY CULTURA POPULAR: SABERES E PRÁTICAS DE INTELECTUAIS, IMPRENSA E DEVOTOS DE SANTOS REIS,

RICARDO VIDAL GOLOVATY CULTURA POPULAR: SABERES E PRÁTICAS DE INTELECTUAIS, IMPRENSA E DEVOTOS DE SANTOS REIS, RICARDO VIDAL GOLOVATY CULTURA POPULAR: SABERES E PRÁTICAS DE INTELECTUAIS, IMPRENSA E DEVOTOS DE SANTOS REIS, 1945-2002. UBERLÂNDIA/MG 2005 RICARDO VIDAL GOLOVATY CULTURA POPULAR: SABERES E PRÁTICAS DE

Leia mais

Igreja da Penha de França, vista da avenida Almirante Reis (c. 1900)

Igreja da Penha de França, vista da avenida Almirante Reis (c. 1900) Igreja da Penha de França, vista da avenida Almirante Reis (c. 1900) Projeto dirigido à população idosa e que tem como objetivo recuperar, preservar e divulgar histórias de vida, testemunhos, relatos e

Leia mais

UMA ABORDAGEM SOBRE COMO TRABALHAR COM IMAGENS DOS LIVROS DIDÁTICOS, ENQUANTO RECURSO PEDAGÓGICO NO ENSINO DE HISTÓRIA

UMA ABORDAGEM SOBRE COMO TRABALHAR COM IMAGENS DOS LIVROS DIDÁTICOS, ENQUANTO RECURSO PEDAGÓGICO NO ENSINO DE HISTÓRIA UMA ABORDAGEM SOBRE COMO TRABALHAR COM IMAGENS DOS LIVROS DIDÁTICOS, ENQUANTO RECURSO PEDAGÓGICO NO ENSINO DE HISTÓRIA 1 Danielle Thais Vital Gonçalves (UEM-CRV) RESUMO: O presente artigo apresenta resultados

Leia mais

3 Creches, escolas exclusivas de educação infantil e escolas de ensino fundamental com turmas de educação infantil

3 Creches, escolas exclusivas de educação infantil e escolas de ensino fundamental com turmas de educação infantil 1. Introdução No campo da educação brasileira, principalmente na década de 90, a concepção do professor como mediador ganhou um lugar comum nos textos oficiais e na fala dos educadores. No entanto, é possível

Leia mais

Seguem algumas informações que consideramos relevantes para que possamos acompanhar juntos, ao longo do ano, o percurso escolar de cada aluno.

Seguem algumas informações que consideramos relevantes para que possamos acompanhar juntos, ao longo do ano, o percurso escolar de cada aluno. 05/02/19 EFI 2 Ano Circular da Orientação Início do 2º Ano 2019 Comunicação > Circulares Aos pais dos alunos de 2º, Seguem algumas informações que consideramos relevantes para que possamos acompanhar juntos,

Leia mais

Seguem algumas informações que consideramos relevantes para que possamos acompanhar juntos, ao longo do ano, o percurso escolar de cada aluno.

Seguem algumas informações que consideramos relevantes para que possamos acompanhar juntos, ao longo do ano, o percurso escolar de cada aluno. 06/02/19 EFI 4 Ano Circular da Orientação Início 4º Ano 2019 Comunicação > Circulares Aos pais dos alunos de 4º, Seguem algumas informações que consideramos relevantes para que possamos acompanhar juntos,

Leia mais

Planaltina história e cultura

Planaltina história e cultura Planaltina história e cultura Planaltina Planaltina tem a peculiaridade de ser uma cidade no Planalto Central que antecede a construção de Brasília e traz em sua identidade características sertanejas.

Leia mais

No entanto, não podemos esquecer que estes são espaços pedagógicos, onde o processo de ensino e aprendizagem é desenvolvido de uma forma mais lúdica,

No entanto, não podemos esquecer que estes são espaços pedagógicos, onde o processo de ensino e aprendizagem é desenvolvido de uma forma mais lúdica, PROJETO TECENDO CIDADANIA: PROJETO DE APOIO AO ESTUDO DOS TEMAS TRANSVERSAIS Autores: Leonardo Cristovam de JESUS, aluno do IFC Campus Avançado Sombrio e bolsista do projeto. Ana Maria de MORAES, Pedagoga

Leia mais

Plano de Trabalho Docente Ensino Médio

Plano de Trabalho Docente Ensino Médio Plano de Trabalho Docente - 2015 Ensino Médio Código: 0262 ETEC ANHANQUERA Município: Santana de Parnaíba Área de Conhecimento: Ciências Humanas Componente Curricular: História Série: 1 Eixo Tecnológico:

Leia mais

MARKETING DE LUXO ESTRATÉGIAS DE RELACIONAMENTO DO SHOPPING IGUATEMI SÃO PAULO

MARKETING DE LUXO ESTRATÉGIAS DE RELACIONAMENTO DO SHOPPING IGUATEMI SÃO PAULO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS CENTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO MARKETING DE LUXO ESTRATÉGIAS DE RELACIONAMENTO DO SHOPPING IGUATEMI SÃO PAULO

Leia mais

ISSN: VII COLÓQUIO DO MUSEU PEDAGÓGICO 14 a 16 de novembro de 2007

ISSN: VII COLÓQUIO DO MUSEU PEDAGÓGICO 14 a 16 de novembro de 2007 CASA DE CULTURA AFRANIO PEIXOTO: INSERÇÃO NO CENÁRIO TURÍSTICO DO MUNICÍPIO DE LENÇÓIS- BA Daniela Azevedo Mangabeira47 (UESB) Mariella Pitombo (UESB) INTRUDUÇÃO Este trabalho pretende analisar como a

Leia mais

MAPEAMENTO SOCIOCULTURAL

MAPEAMENTO SOCIOCULTURAL ZL VÓRTICE MAPEAMENTO SOCIOCULTURAL em parceria com o SESC ZL VÓRTICE MAPEAMENTO SOCIOCULTURAL O PERIGO DA HISTÓRIA ÚNICA Se ouvimos somente uma única história sobre uma outra pessoa ou país, corremos

Leia mais

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA NATÁLIA PERES KORNIJEZUK A FESTA DA IGREJINHA DA 308 SUL: vivências, conflitos, representações. BRASÍLIA 2010 Universidade de Brasília Instituto de Ciências Sociais Departamento

Leia mais

O CURSO DE PEDAGOGIA DA UFT/PALMAS

O CURSO DE PEDAGOGIA DA UFT/PALMAS O CURSO DE PEDAGOGIA DA UFT/PALMAS 2003-2004 Rosângela das Graças Amorim 1 ; Jobherlane Costa 2, Jocyléia Santana dos Santos 3 1 Aluna do Curso de Comunicação Social; Campus de Palmas; e-mail: rosangela.gamorim@gmail.com

Leia mais

ARTE: ESPAÇO DE CRIAÇÃO E DESENVOLVIMENTO SANTOS, Scheila Pires 1 TOSTES, Jessica Caroline Do Couto 2 NAIMAIER, Juliana Alegre Fortes 3

ARTE: ESPAÇO DE CRIAÇÃO E DESENVOLVIMENTO SANTOS, Scheila Pires 1 TOSTES, Jessica Caroline Do Couto 2 NAIMAIER, Juliana Alegre Fortes 3 ARTE: ESPAÇO DE CRIAÇÃO E DESENVOLVIMENTO SANTOS, Scheila Pires 1 TOSTES, Jessica Caroline Do Couto 2 NAIMAIER, Juliana Alegre Fortes 3 RESUMO O presente trabalho relata a experiência vivenciada pelos

Leia mais

TÍTULO: 100% PERIFERIA - O SUJEITO PERIFÉRICO: UM OBJETO DE ESTUDO DA PSICOLOGIA SOCIAL?

TÍTULO: 100% PERIFERIA - O SUJEITO PERIFÉRICO: UM OBJETO DE ESTUDO DA PSICOLOGIA SOCIAL? TÍTULO: 100% PERIFERIA - O SUJEITO PERIFÉRICO: UM OBJETO DE ESTUDO DA PSICOLOGIA SOCIAL? CATEGORIA: EM ANDAMENTO ÁREA: CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS SUBÁREA: PSICOLOGIA INSTITUIÇÃO: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

Leia mais

Atividades de orientação em docência: desafios e oportunidades

Atividades de orientação em docência: desafios e oportunidades Atividades de orientação em docência: desafios e oportunidades Jessica Moreira Lopes Cardoso 1 (IC)*, Ângela Maria Barbosa Pires 2 (PG) jessicacardoso22@outlook.com 1 Creche Municipal Colandy Godoy de

Leia mais

A cidade de Tomar do Geru/SE em cartaz

A cidade de Tomar do Geru/SE em cartaz A cidade de Tomar do Geru/SE em cartaz Maria Socorro Soares dos SANTOS 1 Resumo: A partir de cinco cartazes da Festa de Carro de Bois pontuo a relação da Festa do Carro de Bois (1990-2011) com a cidade

Leia mais

GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS INFÂNCIA, LINGUAGEM E EDUCAÇÃO - GEPILE

GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS INFÂNCIA, LINGUAGEM E EDUCAÇÃO - GEPILE GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS INFÂNCIA, LINGUAGEM E EDUCAÇÃO - GEPILE Maria Nazaré da Cruz Universidade Metodista de Piracicaba O Grupo de Estudos e Pesquisas Infância, Linguagem e Educação é um grupo novo,

Leia mais

MUSEU E FUTEBOL: O USO DA TECNOLOGIA NA PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA DO ESPORTE

MUSEU E FUTEBOL: O USO DA TECNOLOGIA NA PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA DO ESPORTE MUSEU E FUTEBOL: O USO DA TECNOLOGIA NA PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA DO ESPORTE Resumo: A palavra memória nos remete a um universo repleto de representações e imagens. Ela é nossa referência de passado. Referência

Leia mais

RESGATE DOS MONUMENTOS HISTÓRICOS DE LÁBREA POR MEIO DE FOTOGRAFIAS

RESGATE DOS MONUMENTOS HISTÓRICOS DE LÁBREA POR MEIO DE FOTOGRAFIAS RESGATE DOS MONUMENTOS HISTÓRICOS DE LÁBREA POR MEIO DE FOTOGRAFIAS Leara Moreira de Lira 1 ; Fábio Teixeira Lima 2 ; Éden Francisco Barros Maia 3 INTRODUÇÃO O resgate dos monumentos históricos de Lábrea

Leia mais

Personalidades da Política Externa Brasileira

Personalidades da Política Externa Brasileira Fundação Alexandre Gusmão CPDOC da Fundação Getúlio Vargas Personalidades da Política Externa Brasileira Alzira Alves de Abreu Sérgio Lamarão (organizadores) 2007 Direitos de publicação reservados à Fundação

Leia mais

PLANO DE CURSO DISCIPLINA:História ÁREA DE ENSINO: Fundamental I SÉRIE/ANO: 2 ANO DESCRITORES CONTEÚDOS SUGESTÕES DE PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

PLANO DE CURSO DISCIPLINA:História ÁREA DE ENSINO: Fundamental I SÉRIE/ANO: 2 ANO DESCRITORES CONTEÚDOS SUGESTÕES DE PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS UNIDADE 1 MUITO PRAZER, EU SOU CRIANÇA. *Conhecer e estabelecer relações entre a própria história e a de outras pessoas,refletindo sobre diferenças e semelhanças. *Respeitar e valorizar a diversidade étnico

Leia mais

A IMPORTÂNCIA DA PSICOMOTRICIDADE NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA NA EDUCAÇÃO INFANTIL.

A IMPORTÂNCIA DA PSICOMOTRICIDADE NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA NA EDUCAÇÃO INFANTIL. A IMPORTÂNCIA DA PSICOMOTRICIDADE NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Ives Alves de Jesus¹ ¹ Estudante do curso de licenciatura plena em pedagogia, Campus Crixás. yves-alves@outlook.com

Leia mais

Agenealogia dos Estudos Culturais é objeto de dissenso

Agenealogia dos Estudos Culturais é objeto de dissenso Cinqüentenário de um discurso cultural fundador WILLIAMS, R. Culture and society 1780-1950. [Londres, Longman, 1958]. Cultura e sociedade. São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1969. Agenealogia dos Estudos

Leia mais

IDENTIFICAÇÃO E CATALOGAÇÃO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA NOS MUNICÍPIOS DE PORTO NACIONAL E NATIVIDADE (SÉC. XIX).

IDENTIFICAÇÃO E CATALOGAÇÃO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA NOS MUNICÍPIOS DE PORTO NACIONAL E NATIVIDADE (SÉC. XIX). IDENTIFICAÇÃO E CATALOGAÇÃO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA NOS MUNICÍPIOS DE PORTO NACIONAL E NATIVIDADE (SÉC. XIX). Eliana Batista dos Santos 1 ; Benvinda Barros Dourado 2 1 Aluna do Curso de História; Campus de

Leia mais

RECONHECENDO O PATRIMÔNIO MATERIAL E IMATERIAL DE AURORA

RECONHECENDO O PATRIMÔNIO MATERIAL E IMATERIAL DE AURORA RECONHECENDO O PATRIMÔNIO MATERIAL E IMATERIAL DE AURORA Autor: Mércia Oliveira Pereira; Co-autor: Francisco de Assis Severo Lima E.E.E.P. Leopoldina Gonçalves Quezado; E-mail: mercia_oli@hotmail.com RESUMO:

Leia mais

JOGOS PEDAGÓGICOS NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

JOGOS PEDAGÓGICOS NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA JOGOS PEDAGÓGICOS NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA Autores: BRUNA MUNIZ DE AGUIAR, DAYANE ALVES PEREIRA, DIEGO QUADROS ARAÚJO, LARISSA ALVES DE SOUZA, SÂMELLA PRISCILA FERREIRA

Leia mais

Pontos de Cultura. BARBOSA, Frederico; CALABRE, Lia. (Org.). Pontos de Cultura: olhares sobre o Programa Cultura Viva. Brasília: Ipea, 2011.

Pontos de Cultura. BARBOSA, Frederico; CALABRE, Lia. (Org.). Pontos de Cultura: olhares sobre o Programa Cultura Viva. Brasília: Ipea, 2011. Pontos de Cultura Deborah Rebello Lima 1 BARBOSA, Frederico; CALABRE, Lia. (Org.). Pontos de Cultura: olhares sobre o Programa Cultura Viva. Brasília: Ipea, 2011. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

Leia mais

CAMINHOS DA ESCOLA Arte na Escola

CAMINHOS DA ESCOLA Arte na Escola CAMINHOS DA ESCOLA Arte na Escola Resumo A série Caminhos da Escola nos apresenta neste episódio Arte na Escola, uma coletânea de matérias gravadas a partir de experiências em escolas de formação técnica

Leia mais

Quando o céu é o limite:

Quando o céu é o limite: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA CRISTINA TEIXEIRA MARINS Quando o céu é o limite: Uma análise antropológica do evento de celebração do casamento a partir da perspectiva

Leia mais

Centro Social Monsenhor Júlio Martins

Centro Social Monsenhor Júlio Martins Centro Social Monsenhor Júlio Martins Plano Anual de Atividades 2014/2015 Tema do Projeto Educativo: Brincar a Aprender Tema do Projeto Curricular de Turma: Descobrir com as emoções Sala dos 3,4 e 5 anos

Leia mais

Ponto Urbe Revista do núcleo de antropologia urbana da USP

Ponto Urbe Revista do núcleo de antropologia urbana da USP Ponto Urbe Revista do núcleo de antropologia urbana da USP 22 2018 Ponto Urbe 22 Devotion in red Debora Simões de Souza Mendel Edição electrónica URL: http://journals.openedition.org/pontourbe/3899 ISSN:

Leia mais

Resenha. Educar, Curitiba, n. 17, p Editora da UFPR 1

Resenha. Educar, Curitiba, n. 17, p Editora da UFPR 1 Resenha Educar, Curitiba, n. 17, p. 217-220. 2001. Editora da UFPR 1 2 Educar, Curitiba, n. 17, p. 217-220. 2001. Editora da UFPR FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Dos pardieiros aos palácios: cultura escolar

Leia mais

PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS. Educação infantil Creche e pré escolas

PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS. Educação infantil Creche e pré escolas PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS Educação infantil Creche e pré escolas O QUE É? Os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN - são referências de qualidade para os Ensinos Fundamental e Médio do país,

Leia mais

CURSO PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTE E EDUCAÇÃO

CURSO PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTE E EDUCAÇÃO OBJETIVOS: Fomentar a produção e circulação de saberes docentes acerca das diferentes manifestações artísticas e expressivas no campo da Educação. Oferecer possibilidades de formação sensível, reflexiva

Leia mais

O DIÁLOGO ENTRE DOIS MUNDOS: O PIBID COMO MEDIADOR DO ESPAÇO ACADÊMCO E DAS INSTIUIÇÕES DE ENSINO BÁSICO

O DIÁLOGO ENTRE DOIS MUNDOS: O PIBID COMO MEDIADOR DO ESPAÇO ACADÊMCO E DAS INSTIUIÇÕES DE ENSINO BÁSICO 1 O DIÁLOGO ENTRE DOIS MUNDOS: O PIBID COMO MEDIADOR DO ESPAÇO ACADÊMCO E DAS INSTIUIÇÕES DE ENSINO BÁSICO YORIYAZ, Levi 1 PASQUALI, Bruno Tomazela 2 Eixo Temático: Políticas Públicas de Formação de Professores.

Leia mais

O RURAL E O URBANO DE SÃO FELIPE-BA: A FEIRA E O PLANO DIRETOR

O RURAL E O URBANO DE SÃO FELIPE-BA: A FEIRA E O PLANO DIRETOR O RURAL E O URBANO DE SÃO FELIPE-BA: A FEIRA E O PLANO DIRETOR Vinnie M. L. Ramos/Universidade Católica do Salvador/ vinnie_lima@yahoo.com.br; Michele Paiva Pereira/ Universidade Católica do Salvador/

Leia mais

A cidade e as crianças

A cidade e as crianças A cidade e as crianças Porfª. Ms. Maria Cecília Nóbrega de Almeida Augusto Aula 3 Nossa trilha: Ambientes de aprendizagem, lugares de aprender - extrapolar os muros da escola! Outras vivências com os pequeninos:

Leia mais

Um balanço do GT População e História na ABEP

Um balanço do GT População e História na ABEP Um balanço do GT População e História na ABEP RESUMO O presente trabalho busca realizar o balanço das contribuições dos historiadores demógrafos que publicaram comunicações no período que se estende de

Leia mais

Ainda, tomando como foco a formação do professor, o artigo de Maria Aparecida Clemêncio nos conduz por todo um outro caminho de reflexão, Prefácio 9

Ainda, tomando como foco a formação do professor, o artigo de Maria Aparecida Clemêncio nos conduz por todo um outro caminho de reflexão, Prefácio 9 PREFÁCIO A série de artigos que se seguem, compondo o segundo número da Revista NUPEART dão conta da diversidade que o próprio Núcleo Pedagógico de educação e Artes apresenta: desde artigos de caráter

Leia mais

PROJETO DE EXTENSÃO ALFABETIZAÇÃO EM FOCO NO PERCURSO FORMATIVO DE ESTUDANTES DO CURSO DE PEDAGOGIA

PROJETO DE EXTENSÃO ALFABETIZAÇÃO EM FOCO NO PERCURSO FORMATIVO DE ESTUDANTES DO CURSO DE PEDAGOGIA PROJETO DE EXTENSÃO ALFABETIZAÇÃO EM FOCO NO PERCURSO FORMATIVO DE ESTUDANTES DO CURSO DE PEDAGOGIA Maria de Fátima Pereira Carvalho - UNEB, SME, NEPE Sandra Alves de Oliveira UNEB, CMAJO, NEPE Resumo

Leia mais

A DEMOCRATIZAÇÃO DA GESTÃO ESCOLAR BRASILEIRA: AÇÃO GESTOR DEMOCRÁTICO DENTRO DA ESCOLA

A DEMOCRATIZAÇÃO DA GESTÃO ESCOLAR BRASILEIRA: AÇÃO GESTOR DEMOCRÁTICO DENTRO DA ESCOLA A DEMOCRATIZAÇÃO DA GESTÃO ESCOLAR BRASILEIRA: AÇÃO GESTOR DEMOCRÁTICO DENTRO DA ESCOLA EIXO: 2 - Políticas de Gestão e de Avaliação SOUZA, Rosa Arlene Prasser de 1 JESUS, Eliana Claudino de 2 RESUMO Este

Leia mais

ARTIGO INTERAÇÃO COM AFETO: APRENDIZAGEM EM AMBIENTES VIRTUAIS DE APRENDIZAGEM ELIANE ALMEIDA PEREIRA PORTO ALEGRE, 2009

ARTIGO INTERAÇÃO COM AFETO: APRENDIZAGEM EM AMBIENTES VIRTUAIS DE APRENDIZAGEM ELIANE ALMEIDA PEREIRA PORTO ALEGRE, 2009 ARTIGO INTERAÇÃO COM AFETO: APRENDIZAGEM EM AMBIENTES VIRTUAIS DE APRENDIZAGEM ELIANE ALMEIDA PEREIRA PORTO ALEGRE, 2009 INTRODUÇÃO Porque o interesse de abordar as ações afetivas utilizadas por formadores/tutores

Leia mais

Plano de Trabalho Docente Ensino Médio

Plano de Trabalho Docente Ensino Médio Plano de Trabalho Docente - 2015 Ensino Médio Código: 0262 ETEC ANHANQUERA Município: Santana de Parnaíba Área de Conhecimento: Ciências Humanas Componente Curricular: Sociologia Série: 2º Eixo Tecnológico:

Leia mais

História e História da Educação O debate teórico-metodológico atual*

História e História da Educação O debate teórico-metodológico atual* História e História da Educação O debate teórico-metodológico atual* Nadia Gaiofatto** Como o próprio título bem define, o livro em questão reúne importantes contribuições para a reflexão sobre a relação

Leia mais

Terra Mãe, Enfrentando Desafios e Conquistando Vitórias!

Terra Mãe, Enfrentando Desafios e Conquistando Vitórias! Terra Mãe, Enfrentando Desafios e Conquistando Vitórias! No decorrer deste ano 2016 muitas maravilhas o Senhor nos agraciou, dando condições de gerar igualdade de oportunidades para nossa juventude carente

Leia mais

REESCREVENDO HISTÓRIA DA UFPA CAMPUS CASTANHAL POR MEIO DE DOCUMENTÁRIO EM AUDIOVISUAL

REESCREVENDO HISTÓRIA DA UFPA CAMPUS CASTANHAL POR MEIO DE DOCUMENTÁRIO EM AUDIOVISUAL REESCREVENDO HISTÓRIA DA UFPA CAMPUS CASTANHAL POR MEIO DE DOCUMENTÁRIO EM AUDIOVISUAL Maria José Conceição dos Santos mjcmara@hotmail.com Paula do Socorro Oliveira Lopes ascomufpacastanhal@gmail.com João

Leia mais

Maria Inês Amaro Catarina Batista. Vidas. 25 anos de voluntariado. de Missão. dos Leigos para o Desenvolvimento

Maria Inês Amaro Catarina Batista. Vidas. 25 anos de voluntariado. de Missão. dos Leigos para o Desenvolvimento Maria Inês Amaro Catarina Batista Vidas de Missão 25 anos de voluntariado dos Leigos para o Desenvolvimento Lisboa Universidade Católica Editora 2012 Índice Nota prévia 9 Introdução 11 Capítulo 1 Acção,

Leia mais

O III PLANO DIRETOR E A ZONA NORTE: A questão do rururbano na cidade de Pelotas-RS

O III PLANO DIRETOR E A ZONA NORTE: A questão do rururbano na cidade de Pelotas-RS O III PLANO DIRETOR E A ZONA NORTE: A questão do rururbano na cidade de Pelotas-RS Carlos Vinícius da Silva Pinto Juliana Cristina Franz Giancarla Salamoni 1 INTRODUÇÃO A expansão do perímetro urbano,

Leia mais

VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NA SALA DE AULA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIAS NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA

VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NA SALA DE AULA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIAS NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NA SALA DE AULA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIAS NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Ana Paula de Souza Fernandes Universidade Estadual da Paraíba. E-mail: Aplins-@hotmail.com Beatriz Viera de

Leia mais

CADERNO DO EDUCADOR EVENTO COMUNITÁRIO. patrocínio Sesame Workshop. Todos os direitos reservados.

CADERNO DO EDUCADOR EVENTO COMUNITÁRIO. patrocínio Sesame Workshop. Todos os direitos reservados. CADERNO DO EDUCADOR EVENTO COMUNITÁRIO patrocínio 2015 Sesame Workshop. Todos os direitos reservados. 4. Ideias para o Dia das Crianças Para conversar Quais são as expectativas das crianças em relação

Leia mais

Seguem algumas informações que consideramos relevantes para que possamos acompanhar juntos, ao longo do ano, o percurso escolar de cada aluno.

Seguem algumas informações que consideramos relevantes para que possamos acompanhar juntos, ao longo do ano, o percurso escolar de cada aluno. 23/02/18 EFI 5º Ano Circular da Orientação Início de 5º 2018 Comunicação > Circulares Aos pais dos alunos de 5º, Seguem algumas informações que consideramos relevantes para que possamos acompanhar juntos,

Leia mais

Turismo Histórico-Cultural. diretrizes para o desenvolvimento Ministério do Turismo

Turismo Histórico-Cultural. diretrizes para o desenvolvimento Ministério do Turismo Turismo Histórico-Cultural diretrizes para o desenvolvimento Ministério do Turismo Proposta de Recorte para a Conceituação de Turismo Cultural l o MTur, em parceria com o Ministério da Cultura e o IPHAN,

Leia mais

AS FESTAS DAS IRMANDADES NEGRAS. sociedade brasileira Oitocentista; compreender que alguns elementos dessas festas sobrevivem com

AS FESTAS DAS IRMANDADES NEGRAS. sociedade brasileira Oitocentista; compreender que alguns elementos dessas festas sobrevivem com Aula AS FESTAS DAS IRMANDADES NEGRAS META sociedade brasileira Oitocentista; compreender que alguns elementos dessas festas sobrevivem com OBJETIVOS (Fonte: http://4.bp.blogspot.com). ligiosas, nesta aula

Leia mais

Patrícia Teixeira de Sá

Patrícia Teixeira de Sá Patrícia Teixeira de Sá A Socialização Profissional de Professores de História de duas gerações: os anos de 1970 e de 2000 Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação

Leia mais

Recomendada. Coleção Geografia em Construção. Por quê? A coleção. Na coleção, a aprendizagem é entendida como

Recomendada. Coleção Geografia em Construção. Por quê? A coleção. Na coleção, a aprendizagem é entendida como 1ª série (144 p.): Unidade 1. Quem é você?; Unidade 2. A vida em família; Unidade 3. Moradia; Unidade 4. Escola; Unidade 5. Rua, que lugar é esse? 2ª série (144 p.): Unidade 1. O lugar onde você vive;

Leia mais

EMENTÁRIO HISTÓRIA LICENCIATURA EAD

EMENTÁRIO HISTÓRIA LICENCIATURA EAD EMENTÁRIO HISTÓRIA LICENCIATURA EAD CANOAS, JULHO DE 2015 DISCIPLINA PRÉ-HISTÓRIA Código: 103500 EMENTA: Estudo da trajetória e do comportamento do Homem desde a sua origem até o surgimento do Estado.

Leia mais

Transversalidade entre as Políticas de Saúde Mental e Saúde da Mulher: Uma nova abordagem da Pesquisa em Enfermagem

Transversalidade entre as Políticas de Saúde Mental e Saúde da Mulher: Uma nova abordagem da Pesquisa em Enfermagem Transversalidade entre as Políticas de Saúde Mental e Saúde da Mulher: Uma nova abordagem da Pesquisa em Enfermagem Iandra Rodrigues da Silva 1 ; Dária Catarina Silva Santos 2 ; Aline Barros de Oliveira

Leia mais

Jadson Dias Ribeiro 2. Ms. Carlos Ribeiro 3. Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Cachoeira, Bahia

Jadson Dias Ribeiro 2. Ms. Carlos Ribeiro 3. Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Cachoeira, Bahia Crônica A pescaria: um relato sobre a vida dos pescadores da Ponte D. Pedro II 1 Jadson Dias Ribeiro 2 Ms. Carlos Ribeiro 3 Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Cachoeira, Bahia RESUMO O texto apresenta

Leia mais

LUDICIDADE COMO RECURSO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

LUDICIDADE COMO RECURSO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL 1 LUDICIDADE COMO RECURSO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL Silvana de Oliveira Pinto Silvia Maria Barreto dos Santos Ulbra Cachoeira do Sul silvanaopg@gmail.com RESUMO O presente trabalho trata do relato

Leia mais

Resenha. O passado no presente e no futuro: memória televisiva na televisão por assinatura

Resenha. O passado no presente e no futuro: memória televisiva na televisão por assinatura Antonio de Andrade Universidade Metodista de São Paulo (Umesp). Mestre em Comunicação Social. Professor do Curso de Rádio, TV e Internet da Faculdade de Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo.

Leia mais

RIF Ensaio Fotográfico

RIF Ensaio Fotográfico RIF Ensaio Fotográfico Fé Canindé: sobre romeiros, romarias e ex-votos Fotos: Itamar de Morais Nobre 1 Texto: Beatriz Lima de Paiva 2 O ensaio fotográfico é um recorte de um projeto documental em desenvolvimento

Leia mais

EXPERIÊNCIAS E SENTIDOS NA INICIAÇÃO CIENTÍFICA

EXPERIÊNCIAS E SENTIDOS NA INICIAÇÃO CIENTÍFICA EXPERIÊNCIAS E SENTIDOS NA INICIAÇÃO CIENTÍFICA Mariane Sousa Pinto 1 (UERJ) maris.sousa95@gmail.com A pesquisa científica deve estar associada à prática do ensino, é o que sugere Paulo Freire; para ele

Leia mais

PLANO DE CURSO DISCIPLINA:História ÁREA DE ENSINO: Fundamental I SÉRIE/ANO: 5 ANO DESCRITORES CONTEÚDOS SUGESTÕES DE PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

PLANO DE CURSO DISCIPLINA:História ÁREA DE ENSINO: Fundamental I SÉRIE/ANO: 5 ANO DESCRITORES CONTEÚDOS SUGESTÕES DE PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS UNIDADE 1 COLÔNIA PLANO DE CURSO VIVER NO BRASIL *Identificar os agentes de ocupação das bandeiras *Conhecer e valorizar a história da capoeira *Analisar a exploração da Mata Atlântica *Compreender a administração

Leia mais

Eixo: Fundamentos teórico-metodológica da História.

Eixo: Fundamentos teórico-metodológica da História. Ementário No que concerne ao presente projeto de Licenciatura História, é fundamental assinalar que os Eixos do Conhecimento possuem ementas gerais que orientam a elaboração das ementas específicas de

Leia mais

PERCEPÇÃO DE PROFESSORES QUANTO AO USO DE ATIVIDADES PRÁTICAS EM BIOLOGIA

PERCEPÇÃO DE PROFESSORES QUANTO AO USO DE ATIVIDADES PRÁTICAS EM BIOLOGIA PERCEPÇÃO DE PROFESSORES QUANTO AO USO DE ATIVIDADES PRÁTICAS EM BIOLOGIA Ramon Lima Silva, Hélio Félix dos Santos Neto; Getúlio José de Carvalho Júnior; Marcela Bernardes Portela. Universidade Federal

Leia mais

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA PROGRAMA DE DISCIPLINA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA PROGRAMA DE DISCIPLINA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA PROGRAMA DE DISCIPLINA DISCIPLINA: Laboratório de Ensino de História Oral CÓDIGO: HST 7006 NÚMERO

Leia mais

RESUMO. Palavras chave: Educação, Preservação do patrimônio.

RESUMO. Palavras chave: Educação, Preservação do patrimônio. RESUMO Trata-se de uma proposta inovadora de se ensinar História e Geografia na educação básica tendo como suporte a produção de material pedagógico com os elementos da própria localidade. A proposta se

Leia mais

PLANO DE AÇÃO- EXTENSÃO E CULTURA. Período do Projeto: data inicial: _1 /_3 / 2017 data final: _31 / 12_/ 2017_

PLANO DE AÇÃO- EXTENSÃO E CULTURA. Período do Projeto: data inicial: _1 /_3 / 2017 data final: _31 / 12_/ 2017_ PLANO DE AÇÃO- EXTENSÃO E CULTURA Classificação principal: 3- Extensão Período do Projeto: data inicial: _1 /_3 / 2017 data final: _31 / 12_/ 2017_ Título:_ O leitor como protagonista: literatura, existência

Leia mais

A IMPORTÂNCIA DO ENSINO RELIGIOSO E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A PRÁTICA DOCENTE

A IMPORTÂNCIA DO ENSINO RELIGIOSO E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A PRÁTICA DOCENTE 1 A IMPORTÂNCIA DO ENSINO RELIGIOSO E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A PRÁTICA DOCENTE Acadêmica: Carla Juliéte B. Amelini Professora Supervisora do estágio: Silandra Badch Rosa Universidade Luterana do Brasil

Leia mais

Formas de Sociabilidade: o circuito dos clubes negros nos Campos Gerais

Formas de Sociabilidade: o circuito dos clubes negros nos Campos Gerais 15. CONEX Resumo Expandido - ISSN 2238-9113 1 ÁREA TEMÁTICA: (marque uma das opções) ( ) COMUNICAÇÃO ( X ) CULTURA ( ) DIREITOS HUMANOS E JUSTIÇA ( ) EDUCAÇÃO ( ) MEIO AMBIENTE ( ) SAÚDE ( ) TECNOLOGIA

Leia mais

Em seguida, propõe uma análise da contribuição da obra de Maurice Halbwachs no movimento dos Annales. Para ele, Diogo da Silva Roiz *

Em seguida, propõe uma análise da contribuição da obra de Maurice Halbwachs no movimento dos Annales. Para ele, Diogo da Silva Roiz * Resenha DOI: 10.5212/OlharProfr.v.14i1.0012 REVEL, J. Proposições: ensaios de história e historiografia. Tradução de Claudia O Connor dos Reis. Rio de Janeiro: Eduerj, 2009, 268p. A história da historiografia

Leia mais

OFICINAS CULTURAIS. Prof: André Aparecido da Silva / Profa. Milca Augusto da Silva Costa Disponível em:

OFICINAS CULTURAIS. Prof: André Aparecido da Silva / Profa. Milca Augusto da Silva Costa Disponível em: OFICINAS CULTURAIS Prof: André Aparecido da Silva / Profa. Milca Augusto da Silva Costa Disponível em: www.oxnar.com.br/2015/profuncionario 1 Afinal, o que é cultura? 2 A cultura de todos nós Este povo

Leia mais

DISCIPLINA DE CIÊNCIAS SOCIAIS (FILOSOFIA) OBJETIVOS: 1º Ano

DISCIPLINA DE CIÊNCIAS SOCIAIS (FILOSOFIA) OBJETIVOS: 1º Ano DISCIPLINA DE CIÊNCIAS SOCIAIS (FILOSOFIA) OBJETIVOS: 1º Ano 2º Ano 3º Ano 4º Ano 5º Ano Estimular a curiosidade dos estudantes para novas criações. Instigar o pensamento e argumentação crítica dos estudantes.

Leia mais

Segregação sócio-espacial e pobreza absoluta: algumas considerações

Segregação sócio-espacial e pobreza absoluta: algumas considerações Segregação sócio-espacial e pobreza absoluta: algumas considerações Thalita Aguiar Siqueira* 1 (PG), Marcelo de melo (PQ) Universidade Estadual de Goiás, Câmpus Anápolis de ciências sócio-econômicas e

Leia mais

Ressignificação da juventude

Ressignificação da juventude Ressignificação da juventude Seminário de Integração Favela-Cidade Regina Novaes. maio de 2012 MESA 5: Ressignificação da juventude A proliferação de atividades ilegais e o constante isolamento das favelas

Leia mais

Todo projeto que promete mudanças deve, afinal, comunicar-se de uma maneira eficiente com seu público. E todo projeto sustentável deve tornar clara a

Todo projeto que promete mudanças deve, afinal, comunicar-se de uma maneira eficiente com seu público. E todo projeto sustentável deve tornar clara a 14 1 Introdução O design sustentável é um campo recente, em profundas mudanças e evolução. Até mesmo a quantidade de termos e conceitos que surgem e se relacionam com essa área se multiplicam, a cada pesquisa

Leia mais

Formação inicial de professores de ciências e de biologia: contribuições do uso de textos de divulgação científica

Formação inicial de professores de ciências e de biologia: contribuições do uso de textos de divulgação científica Formação inicial de professores de ciências e de biologia: contribuições do uso de textos de divulgação científica Thatianny Alves de Lima Silva e Mariana de Senzi Zancul volume 9, 2014 14 UNIVERSIDADE

Leia mais

Anais Semana de Geografia. Volume 1, Número 1. Ponta Grossa: UEPG, ISSN PAISAGEM E IDENTIDADE: ALGUMAS ABORDAGENS

Anais Semana de Geografia. Volume 1, Número 1. Ponta Grossa: UEPG, ISSN PAISAGEM E IDENTIDADE: ALGUMAS ABORDAGENS PAISAGEM E IDENTIDADE: ALGUMAS ABORDAGENS 111 MIRANDA, Everton NABOZNY, Almir Introdução A relação entre paisagem-identidade constrói-se um jogo sem fim, onde as identidades são construídas ao longo do

Leia mais

Leonardo Lucena Pereira Azevedo da Silveira

Leonardo Lucena Pereira Azevedo da Silveira Leonardo Lucena Pereira Azevedo da Silveira Em busca do tempo querido: um estudo antropológico da Saudade Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais

Leia mais

BANDEIRA, Ana Maria Canuto- UEPB MELO, Josandra Araújo Barreto de - UEPB Subprojeto: Geografia

BANDEIRA, Ana Maria Canuto- UEPB MELO, Josandra Araújo Barreto de - UEPB Subprojeto: Geografia O SIGNIFICADO DA FORMAÇÃO CONTINUADA PARA O PROCESSO ENSINO- APRENDIZAGEM EM GEOGRAFIA: A EXPERIÊNCIA VIVENCIADA ATRAVÉS DO PIBID NA ESCOLA POLIVALENTE, CAMPINA GRANDE, PB BANDEIRA, Ana Maria Canuto- UEPB

Leia mais

A MEMÓRIA COLETIVA E INDIVIDUAL

A MEMÓRIA COLETIVA E INDIVIDUAL A MEMÓRIA COLETIVA E INDIVIDUAL Cibele Dias Borges 1 O primeiro teórico a falar sobre memória coletiva foi o sociólogo Maurice Halbwachs. Segundo Halbwachs (1990), a memória, por mais pessoal que possa

Leia mais

A MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL E ANOS INICIAS: DISCIPLINA PARA O DESENVOLVIMENTO DE HABILIDADES MENTAIS

A MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL E ANOS INICIAS: DISCIPLINA PARA O DESENVOLVIMENTO DE HABILIDADES MENTAIS A MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL E ANOS INICIAS: DISCIPLINA PARA O DESENVOLVIMENTO DE HABILIDADES MENTAIS Carina da Silva Ourives Nanci Félix Veloso RESUMO ULBRA Cachoeira do Sul carinaourives046@gmail.com

Leia mais

Antonio Ramos do Prado, sdb

Antonio Ramos do Prado, sdb Tema 05: Dimensão de Capacitação (Processo-metodológico. Como organizar a ação ). Titulo 04: Estruturas de Acompanhamento. Orientações e pistas de ação. Antonio Ramos do Prado, sdb (Ms. Pastoral Juvenil

Leia mais

O ACESSO E PERMANÊNCIA DE JOVENS DE ORIGEM POPULAR NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DA BAHIA RESUMO

O ACESSO E PERMANÊNCIA DE JOVENS DE ORIGEM POPULAR NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DA BAHIA RESUMO 02794 O ACESSO E PERMANÊNCIA DE JOVENS DE ORIGEM POPULAR NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DA BAHIA ANNA DONATO GOMES TEIXEIRA Mestre em Educação (UFMG) Docente do DEDC XII / UNEB Pesquisadora do Grupo de Pesquisa

Leia mais

PALESTRANTES ANA LUIZA CARVALHO DA ROCHA ANTONIO DAVID CATTANI

PALESTRANTES ANA LUIZA CARVALHO DA ROCHA ANTONIO DAVID CATTANI UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL (UFRGS) PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL (PROPUR) GRUPO DE PESQUISA LABORATÓRIO DE ESTUDOS URBANOS (LEURB) CURSO DE EXTENSÃO EM PLANEJAMENTO

Leia mais

GT 01 - CULTURA POPULAR, FESTEJOS E RITUAIS VIVA SÃO JOÃO: A FESTA COMO ELEMENTO DO COTIDIANO NAS COMEMORAÇÕES EM CRUZ DAS ALMAS-BA

GT 01 - CULTURA POPULAR, FESTEJOS E RITUAIS VIVA SÃO JOÃO: A FESTA COMO ELEMENTO DO COTIDIANO NAS COMEMORAÇÕES EM CRUZ DAS ALMAS-BA GT 01 - CULTURA POPULAR, FESTEJOS E RITUAIS VIVA SÃO JOÃO: A FESTA COMO ELEMENTO DO COTIDIANO NAS COMEMORAÇÕES EM CRUZ DAS ALMAS-BA ADRIANA DA SILVA OLIVEIRA UNIVERSIDADE ESTADUAL DA BAHIA 1 VIVA SÃO JOÃO:

Leia mais

Introdução. Referencial teórico

Introdução. Referencial teórico 1 O PROFESSOR FORMADOR E OS SABERES DOCENTES ALMEIDA, Patrícia Cristina Albieri de UNICAMP HOBOLD, Márcia de Souza UNIVILLE GT-08: Formação de Professores Agência Financiadora: CNPq Introdução Nas últimas

Leia mais

BARROS, José D Assunção. História, espaço, geografia: diálogos interdisciplinares. Petrópolis: Vozes, 2017.

BARROS, José D Assunção. História, espaço, geografia: diálogos interdisciplinares. Petrópolis: Vozes, 2017. BARROS, José D Assunção. História, espaço, geografia: diálogos interdisciplinares. Petrópolis: Vozes, 2017. 1 A produção de trabalhos de História Regional são reveladoras de diversas situações históricas,

Leia mais

CONTEÚDOS HISTÓRIA 4º ANO COLEÇÃO INTERAGIR E CRESCER

CONTEÚDOS HISTÓRIA 4º ANO COLEÇÃO INTERAGIR E CRESCER CONTEÚDOS HISTÓRIA 4º ANO COLEÇÃO INTERAGIR E CRESCER UNIDADE 1 O TEMPO E AS ORIGENS DO BRASIL 1. Contando o tempo Instrumentos de medida do tempo Medidas de tempo: década, século, milênio Linha do tempo

Leia mais

Palavras-chave: Educação Matemática. Educação Inclusiva. Formação de professores.

Palavras-chave: Educação Matemática. Educação Inclusiva. Formação de professores. 0 A FORMAÇÃO DE PROFESSORES QUE ENSINAM MATEMÁTICA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA Paula Lucion Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Liane Teresinha Wendling Roos Universidade Federal de Santa

Leia mais

24 junho a.c Acontecimento

24 junho a.c Acontecimento Salvador da Bahia Leitura: atividades Pula a fogueira, João! 1. O texto nos fornece uma série de informações históricas a respeito de São João, da simbologia das fogueiras e das tradicionais festividades.

Leia mais

O JOGO DAS IDENTIDADES

O JOGO DAS IDENTIDADES O JOGO DAS IDENTIDADES Adriano Albuquerque Barreto Solange Aparecida Barbosa de Morais Barros Orientador: Constantino Ribeiro de Oliveira Junior Email do autor: jahprovera@yahoo.com.br Eixo temático: Geografia

Leia mais