Os paradoxos do gozo. Elizabeth Tolipan
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- Aníbal Álvares Antas
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1 Os paradoxos do gozo Elizabeth Tolipan A referência ao gozo é introduzida por Lacan, em 1959, no Seminário da Ética, no capítulo intitulado O paradoxo do gozo. Lacan vai definir o gozo como a satisfação de uma pulsão. Começa o capítulo falando sobre a morte de Deus. Curioso que, ao introduzir o gozo, o faça através da morte de Deus. Mas só mais adiante é que se esclarecerá a relação existente entre gozo e lei. Eles estão intrinsecamente relacionados. Para que algo da ordem da lei seja então veiculado, isso passa pelo que Freud apontou como o drama primordial, articulado em Totem e Tabu 1, o assassinato do pai e suas conseqüências. Esse mito, de um pai que gozará plenamente de todas as mulheres, fala desse gozo absoluto reconhecido. Essa figura temível e temida, semi-animal, morto por seus filhos, é uma figura mítica criada para dar conta de uma fantasia estruturante do sujeito. Lacan lembra que esse é o único mito criado na modernidade, portanto, o único mito moderno tem uma origem freudiana. Depois do assassinato do pai, paradoxalmente ao que se esperava, instaura-se a lei. Os filhos sofrem uma interdição de incesto definitiva. Esse é o primeiro paradoxo do gozo: a morte do Pai primevo não abre a via para o gozo que sua presença suposta interditava, mas, pelo contrário, reforça a interdição. Sobre isso, expressa-se Lacan: Tudo está ai e é justamente isso, tanto no fato quanto na explicação, a falha. O obstáculo sendo exterminado sob a forma do assassinato nem por isso o gozo deixa de permanecer interditado e, ainda mais, essa interdição é reforçada. Essa falha interditiva é, portanto, sustentada, articulada, tornada sensível pelo mito, mas é, ao mesmo tempo, profundamente camuflada por ele. É importante ater-nos ao que a falha comporta. Tudo que a transpõe constitui objeto de urna dívida no Grande Livro da dívida na Lei 2 Todo exercício de gozo comporta algo que se inscreve como dívida. Desde que o incesto tenha sido interditado, tudo que é proibido torna-se altamente cobiçado e atraente. Basta vislumbrar urna transgressão para que a experiência por si só seja excitante. A partir do momento em que a lei é instaurada, instituída, toda transgressão implicará um gozo porque se goza na transgressão e isso acarreta uma dívida, gozar tem seu preço. Essa dívida vai sofrer um efeito imaginário fazendo-se comparecer como culpa. É o imaginário que transforma a dívida simbólica da transgressão da lei em culpa. Lacan aponta um novo paradoxo: tudo que passa do gozo à interdição vai no sentido de um reforço sempre crescente da interdição. Assim, diz ele: Todo aquele que se aplica em submeter-se à lei moral sempre vê reforçarem-se as exigências, sempre mais minuciosas, mais cruéis de seu supereu 3. Ou seja, quanto mais o sujeito se submete às exigências morais do supereu, mais o supereu o castiga, e não o contrário. Esse é um novo paradoxo, porque se não se submetesse, se transgredisse, iria descobrir que o gozo não é ilimitado. É um fato, observa Lacan, e todo aquele que avança na via do gozo sem freios, em nome de qualquer forma que seja de rejeição moral, encontra obstáculos. É importante observar que, em 1959, Lacan não está trabalhando com nenhuma diferenciação de gozo. Fala sem nenhuma especificação desse gozo. Mas o gozo sem limites é exclusivo do pai mítico e, a partir daí, todo gozo é em si limitado. Quer dizer, desde que haja 1
2 lei, ele está interditado, por isso não é necessário submeter-se ao supereu. Havendo lei, o gozo estará submetido à lei do significante, logo, interditado. Quando, por exemplo, o obsessivo atende ao supereu é porque pressupõe poder atingir um gozo ilimitado e, para evitar que isso aconteça, prefere submeter-se ao supereu. Aí mesmo é que o supereu exige mais ainda. A lei, ao mesmo tempo em que cria obstáculo ao gozo, aponta que sua transgressão é um lugar de gozo. Diz Lacan: Se as vias para o gozo têm, nelas mesmas, algo que se amortece, que tende a ser impraticável, é a interdição que lhe serve, por assim dizer, de veículo utilitário para sair desses círculos que trazem sempre o homem, sem saber o que fazer, para a rotina de uma satisfação curta e tripudiada. Foi preciso que o pecado tivesse a lei para que ele se tivesse tornado desmesuradamente pecador. 4 Além dos limites impostos pela lei e pelo significante, a nossa tentação tem um outro limite a identificação com o outro. É no momento de nos darmos conta das conseqüências que recuamos. Recuamos diante de quê? Do atentar à imagem do outro, pois é a imagem sobre a qual nos formamos como eu 5, acrescenta Lacan. O imaginário também coloca suas barreiras. A dimensão imaginária barra o sujeito em dois sentidos: tanto no preservar a imagem do outro, quanto no momento de nos darmos conta das conseqüências, quer dizer, nos arriscamos até que a ameaça das conseqüências se faça valer e tal ameaça nada mais é do que a ameaça da castração. Mas fascinações do imaginário não são suficientes para colocar limites. A imagem não barra totalmente esse gozo, que sempre, de alguma maneira, vai em frente. Freud já afirmara que não há medida comum entre a satisfação de um gozo em seu primeiro estágio, ou as formas desviadas, até mesmo as sublimadas que a civilização oferece. Não há comparação possível. No gozo, o corpo do próximo se despedaça, o outro se despedaça. E Lacan cita Sade, dizendo: emprestai-me a parte de vosso corpo que possa me satisfazer um instante, e gozai, se isso vos agrada, da parte do meu que pode ser-vos agradável. 6 Cada um empresta uma parte de seu corpo para que o outro goze. É nesse sentido que se despedaça o outro, porque o que nos interessa é somente uma parte do outro. Esses foram os pontos que nos pareceram de maior importância, desenvolvidos no Seminário sobre a Ética da Psicanálise. É no Escrito Subversão do sujeito, de 1960, que Lacan fornece as principais coordenadas da teoria do gozo. Acrescenta uma nova dimensão ao dizer que o gozo é próprio do ser. 7 Poder-se-ia propor que o gozo está para o ser assim como o significante para o sujeito. É da ordem do ser, porque tem essa dimensão real; é ele cuja falta tornaria vão o universo. Referenda ainda o fato de o sujeito só ter acesso ao gozo já barrado, a esse que restou de urna operação que deixa como resultado um gozo atrelado ao falo. A experiência prova que ele me é ordinariamente proibido, e isso não somente como pensariam os imbecis, por um mal arranjo da sociedade, mas sim, eu diria, pela culpa do Outro, se ele existisse 8. E continua: O gozo é proibido àquele que fala corno tal, ou ainda, ele não pode ser dito senão nas entrelinhas, para quem quer que seja o sujeito da 1ei, posto que a lei se funda sob essa interdição mesma. 9 O próprio gozo, em si, já é interditado. A lei faz uma barreira quase natural, um sujeito barrado, porque, na verdade, é o prazer que traz ao gozo seus limites. A dialética dos gozos mantém toda uma lógica relativa à pulsão de morte e à pulsão sexual. Pois sendo a pulsão sexual interditada, inconsciente, ela estará necessariamente sob o domínio da significação fálica, e o gozo, por sua vez também terá que passar por aí. É só a partir do significante que podemos traçar o que fica fora dele. O gozo ilimitado, mítico, pertence à pulsão de morte. O gozo a que temos acesso é submetido à lei do significante falo, logo responde à pulsão sexual, essa estranha combinatória do real do gozo com o simbólico do significante o que de morte se impõe à vida. 2
3 Mas há em todo sujeito uma dimensão de risco, de risco de vida, devido à pulsão de morte. E é aí nesse ponto onde se goza. Esse é um risco de vida mesmo, que pode aparecer em pequenos atos excessivos, no cotidiano, como dirigir em alta velocidade, comer muito, beber muito (sempre referente a excessos). Não há sujeito que não corra tais riscos. E se ele existe o risco, uma dimensão além do prazer estará em jogo. E o gozo quando não articulado ao significante, predominantemente pulsão de morte, é experimentado como sofrimento. O gozo sexual só é viável quando a imagem do pênis é negativizada (-ϕ) na imagem especular i(a). O que predestina o falo a dar corpo ao gozo, na dialética do desejo, é o fato de essa imagem ser negativizada. Se ela fosse positiva, não haveria falta, logo, não haveria gozo sexual possível; se não houvesse uma falta na imagem, o sujeito não gozaria ali. A imagem do pênis não só falta à mulher corno também ao homem, já que o pênis é detumescente. Se fosse eternamente ereto, ou seja, positivo, não seria lugar de gozo. É assim que o órgão erétil vem simbolizar o lugar do gozo, não como ele próprio, nem mesmo como imagem, mas como parte faltante da imagem desejada. Essa idéia é complementada por Lacan no seminário sobre a Angústia quando diz: A função do falo como imaginário funciona por toda parte, em todos os níveis, de alto a baixo, caracterizada por uma certa relação do sujeito ao a. Ele funciona por toda parte, menos onde se espera, na função mediadora, nomeadamente estado fálico esse é o princípio da angústia de castração. 10 Ou seja, o falo pode funcionar em todos os lugares, menos onde é esperado, aí sim, a castração estará vigorando, propiciando desejo e gozo sexual. Ainda na Subversão do sujeito, Lacan vai diferenciar o que é da ordem da castração imaginária e da simbólica. Diz: A castração imaginária, o neurótico sofreu-a no início, é ela que sustenta esse eu (moi) forte, que é o seu, tão forte, pode-se dizer, que seu nome próprio importuna, que o neurótico é no fundo um Sem-Nome. 11 O que o neurótico faz sobretudo o obsessivo é colocar nesse lugar um ego forte que, de alguma maneira, dá conta da castração imaginária, mas não da simbólica. O que o neurótico não quer, e o que recusa obstinadamente até o fim da analise, é sacrificar sua castração ao gozo do Outro, deixando o Outro aí se servir. Isso porque imagina que o Outro quer sua castração. É comum, por exemplo, as mulheres dizerem: ele só quer me usar. Entendo que seja nesse sentido. No lugar onde vivencio minha castração, é aí que ele quer gozar, se é assim, então, aí não. O que a experiência analítica testemunha é que a castração é o que rege o desejo. Esse texto termina numa frase definitiva: A castração quer dizer que é preciso que o gozo seja recusado para que ela possa ser atingida sobre a escala invertida da lei do desejo. O gozo tem de ser recusado para que se possa desejar e que o desejo vigore como lei. No Seminário sobre o Saber do analista, de 1971, Lacan propõe urna revisão do princípio do prazer corno já foi citado no texto Paradoxos de Prazer e chega à conclusão de que o princípio que rege o sujeito da atualidade, o sujeito moderno, é o do desprazer, o do mais além, em última análise, o do gozo. Atualmente não é a moral burguesa que impera no sentido de se buscar o ócio com dignidade, muito pelo contrário, o movimento, o suportar a tensão são valores maiores da modernidade. O prazer de hoje não é o mesmo daquela época. Houve uma mudança. Não é correto dizer que a busca do prazer se encontra no fazer o mínimo possível talvez, para os burgueses, isso ainda seja assim. A modernidade tem a ver com o fazer o máximo possível e não o oposto. Nesse sentido é que o princípio, em última análise, seria do gozo. 3
4 Ainda nesse seminário, Lacan vai realçar o fato de o gozo sexual passar pela palavra e não pela relação sexual. Diz ele: Não é senão da palavra de onde precede esse ponto essencial, e que deve diferenciar-se completamente da relação sexual. O que se chama gozo, o gozo que se chama sexual e que determina, por si só, no ente do qual eu falo, o que se trata de obter, a saber, o acoplamento. A psicanálise nos defronta com isso, de que tudo depende deste ponto pivô que se chama gozo sexual, e que resulta em não poder articularse num acoplamento pouco seguido ou fugaz, senão exigido encontrar isto que não tem outra dimensão que a de lalangue, quer dizer, alíngua, que se chama castração. 12 Importante esse esclarecimento, o gozo sexual delimitado pelo significante não se limita à relação sexual. Ele é sobretudo relacionado com o mundo da linguagem e mais precisamente com o universo significante do particular de cada um. Lacan, no seu Seminário Mais, ainda 13, diz que o gozo fálico se iguala ao sexual e reserva ao primeiro, os idiotas. Por um lado, fica claro que a menção à masturbação é que faz com que ele denomine o gozo dos homens de gozo idiota. Mas não é só isso. O gozo sexual, no sentido freudiano, é muito mais amplo que o masturbatório, como visto no trecho anterior, por ser relacionado à palavra, marcado pela castração, e passando pela singularidade de alíngua. Quanto à castração, só pode ser pensada a partir do discurso analítico. Lacan cita um poema mencionado em Função e campo da palavra, justamente para exemplificar o que está querendo dizer. Entre o homem e a mulher está o amor; entre o homem e o amor (vocês não haviam notado nunca) há o mundo; entre o homem e o mundo há um muro. 14 Esse muro é a castração. Na relação entre homem e mulher, tudo que resulte disso com respeito a cada um, a saber, suas posições, a castração está em todas as partes. E entre mãe e filho, também. Quando algo se passa seriamente entre um homem e uma mulher, sempre está em jogo a castração. E o que faz com que as relações sejam ruins é a função fálica. A falicidade é o grande empecilho. A expressão dois bicudos não se beijam é uma maneira popular de se dizer isso. Uma relação séria tem que incluir a castração, tem que levá-la em conta; ela terá que estar presente. O que faz com que as relações não andem é a questão fálica, é a objeção feita por um dos seres sexuados ao serviço a ser prestado ao outro. Há dois lugares, um para o sujeito, outro para o objeto ($ <> a). Dois sujeitos não cabem, um tem que se oferecer corno objeto. Não seria melhor que houvesse uma alternância desses lugares; que possibilitasse às relações, embora impossíveis, uma certa viabilidade? No Avesso da psicanálise, de 1970, Lacan vai pensar como se relaciona o gozo com o saber e a verdade. O saber, quando equivalente à ordem do conhecimento, se distancia totalmente da verdade. A verdade é, para a psicanálise, o objetivo maior a ser alcançado. A busca da verdade de cada um, possibilitando que o sujeito se torne o mais parecido possível consigo mesmo, é o que faz com que a experiência clínica tenha seu valor. Há relação profunda entre a verdade e o ser, ser que não é mais do que uma falta-a-ser. Ainda sobre a verdade, Lacan diz, no Saber do analista que a verdade não é saber, é o não-saber essa fronteira sensível entre verdade e saber, é aí precisamente que se sustenta o discurso analítico. Pois bem, então é um bom caminho para proferir, levantar a bandeira do não saber. Não é má bandeira. 5 4
5 A verdade do sujeito aparece de forma descontínua nas formações do inconsciente, sobretudo no sintoma. Amar seu sintoma é o que resta no final da análise, amar sua própria verdade. Só então poderá surgir um desejo de saber não defensivo, que não vise afastar a verdade, mas surja dela. No Seminário Mais, ainda, de 1972, Lacan vai partir da seguinte pergunta: O que então, é o gozo? E responde: O gozo é aquilo que não serve para nada. E mais: Nada força ninguém a gozar, senão o supereu. 16 A questão do gozo do Outro é.desenvolvida mais detidamente: O gozo do Outro é o gozo do corpo do outro que. o simboliza, ele não é signo de amor. 17 O gozo do corpo do outro, enquanto ser, assexuado. Tudo gira em torno do gozo e é disso que dá testemunho a experiência analítica. A mulher se define por uma posição de não-todo no que se refere ao gozo fálico. Para o homem, o gozo fálico é o obstáculo pelo qual não chega a gozar do corpo da mulher, porque o de que ele goza é o gozo do órgão. O fato de a mulher ser não-toda inscrita no significante faz com que possa, de alguma maneira, participar de um outro gozo, um gozo a mais. Já para o homem, essa possibilidade lhe escapa. De todas as formas, o gozo sexual encontrase em impasse, pela impossibilidade de fazer o Um da relação sexual, que seria correspondente a um recobrimento total do Um com o Outro. O espaço do gozo é finito e fechado. Diz Lacan: Em todo caso, o que é que implica a finitude demonstrável dos espaços abertos, capazes de recobrir o espaço circundado, fechado, no caso do gozo sexual? E mais: esses espaços, vamos pôr no feminino, uma a uma. 18 Depois cita o mito de Don Juan, que possui as mulheres uma a uma, como se ele fosse esse espaço fechado que acolhe mille e tre espaços abertos. Essa imagem transmite uma dimensão de finitude. Não podem ser todas as mulheres do mundo, há limite. É uma a uma, mas não todas. A dimensão do não-todo está sempre presente e essa uma a uma é não-toda, por isso um espaço aberto. Se assim não fosse, os homens não agüentariam. Ou seja, a questão do Don Juan é um mito, é uma fantasia feminina, é assim que os homens são vistos pelas mulheres. Para as mulheres, os homens passam de cama em cama, incolumemente, como Don Juan. Voltando à diferenciação estabelecida entre gozo do Outro e gozo fálico, ele diz: o que chamo propriamente de gozo do Outro, no que ele aqui só é simbolizado, é ainda coisa inteiramente outra, a saber, o não-todo que terei que articular. O gozo do Outro é esse gozo infinito, não barrado, masoquista propriamente dito, daí Lacan dizer que se goza mentalmente do Outro, mas que, na neurose encontra-se sempre barrado pelo significante. O significante é a causa do gozo. Sem ele, como poderíamos abordar essa parte do corpo? Aí surge uma questão bastante paradoxal: é por intermédio do significante que o sujeito goza, mas ao mesmo tempo é o próprio significante que barra o gozo. Ou seja, o significante ao barrar um gozo, propicia outro. Mas há ainda urna outra satisfação. No capítulo V do Seminário Mais,ainda, Lacan afirma: todas as necessidades do ser falante estão contaminadas pelo fato de estarem implicadas numa outra satisfação, à qual elas podem faltar sublinhem estas três últimas palavras. 19 Essa outra satisfação é a que se satisfaz no nível inconsciente, e o gozo de que depende se baseia na linguagem. Ela não se encontra no corpo, tendo a ver com a poesia, a pesquisa, a arte, coisas dessa ordem. Essa outra satisfação parece ser da ordem da sublimação, como um dos destinos da pulsão. Continua Lacan: a realidade é abordada com os aparelhos do gozo. Aí está mais uma fórmula que eu lhes proponho, já que não há outro aparelho senão a linguagem. É assim que no ser falante o gozo é aparelhado. 20 5
6 Finalmente, cada sujeito tem sua maneira absolutamente singular de gozar. Não cabe à psicanálise julgá-lo nem, tampouco, moralizá-lo; a sua tarefa é a de causar desejo e circunscrever o gozo, para que a urgência de viver que a morte nos impõe não seja perturbada pela postergação e pelo sofrimento neurótico. Sendo o gozo da ordem de uma satisfação, satisfação de urna pulsão, é ele que contrabalança o pouco de satisfação que a vida oferece. Gozar de alguma coisa, nem que seja só de uma pane do corpo, usufruir um bem ou uma arte, é o alento possível da condição humana. O que se tem como contraponto ao gozo é o desejo, sempre insatisfeito. A experiência do desejo é angustiante e insatisfatória. No momento em que realizamos um desejo, nesse exato momento, outro se abre, não há satisfação possível nesse campo. O desejo é sempre aberto, é o que nos impulsiona a viver, enquanto que o gozo oferece ao sujeito um momento de fechamento. A psicanálise tem como objetivo maior possibilitar que o sujeito possa sustentar seu desejo. Embora o gozo apresente um obstáculo a isso, não se pode descartá-lo, já que a falta dele repetindo é que faria vão o universo. Articular desejo e gozo corno situações contrastantes, sem que um elimine o outro, é o melhor que uma análise tem a oferecer. A psicanálise está totalmente apoiada na teoria do gozo. A clínica prova que se não há uma teoria do gozo na leitura dos fenômenos que se passam na transferência, não teremos mais que uma psicoterapia. Ignorar aquilo que faz retorno sempre ao mesmo lugar, o que não cessa de não se inscrever, que faz da repetição o inevitável, ignorar isso é se iludir que o amor, a boa vontade, e os bons conselhos, conjunto de predicados que participam das psicoterapias, possam ser capazes de levar a uma mudança possível. O sujeito não sai de uma situação que o embaraça porque não sabe como fazê-lo; a principal razão de sua permanência no mesmo lugar, o que o prende, é da ordem do gozo. Se assim não fosse, as psicoterapias seriam sempre breves. A longa duração de uma análise só pode ser entendida pela resistência aferrada que o gozo opõe ao processo analítico. (Texto publicado na Revista da Letra Freudiana, Pulsão e Gozo, Ano XI, nº 10/11/12, págs , edição esgotada). 6
7 BIBLIOGRAFIA: 1. FREUD, S. Totem e Tabu (1913) in: Edição Standart Brasileira, vol. XIII, op.cit.. 2. LACAN, J. A ética da psicanálise, Seminário VII ( ). Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1988, p Idem. 4. Ibidem, p Ibidem, p Ibidem, p LACAN, J. Subversão do sujeito in: Escritos, op.cit., p Idem. 9. Ibidem, p LACAN, J. Angústia, Seminário X ( ), inédito. 11. Subversão do sujeito in: Escritos, op.cit., p Saber do analista, Seminário ( ), inédito, dia 4 de novembro de LACAN, J. Mais, ainda, Seminário XX ( ), op.cit. 14. Função e campo da palavra in: Escritos, op.cit., p O saber do analista, Seminário ( ), inédito, dia 4 de novembro de Mais, ainda, Seminário XX ( ), op.cit., p Idem, p LACAN, J. Mais, ainda, Seminário XX ( ), op.cit. p Idem, p Ibidem. 7
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