Construção dos geógrafos frente à natureza e sociedade
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- Vinícius Ferreira Sampaio
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1 O OLHAR DOS GEÓGRAFOS FRENTE ÀS MODERNIZAÇÕES NA AGRICULTURA E ÀS IMPLICAÇÕES AMBIENTAIS 1 Roberto Verdum 2 Departamento de Geografia/IG/UFRGS Para identificar o olhar dos geógrafos frente às modernizações na agricultura e suas relações no que se refere às implicações ambientais, inicialmente tratar-se-á da base conceitual utilizada por esses para abordar a relação sociedade-natureza, em seguida de como os geógrafos abordam esta relação na perspectiva do desenvolvimento rural e, finalmente, dos destaques dados por eles na pesquisa frente às degradações ambientais, que são o resultado concreto das opções adotadas no que se refere aos modelos de agricultura no país. Construção dos geógrafos frente à natureza e sociedade A base conceitual que os geógrafos operam para tratar da relação sociedade-natureza tem se alterado no transcorrer da produção científica. Inicialmente, pode-se considerar que a preocupação dos geógrafos era a de tratar a relação homem- natureza. Esta perspectiva de análise diferenciava a Geografia de outras áreas do conhecimento que, de um lado aquelas que analisavam as dinâmicas da natureza e, de outro lado as que se preocupavam com as dinâmicas sociais. No entanto, nesta abordagem da Geografia, baseada nos pressupostos de Descartes, era fundamental diferenciar o homem da natureza. A natureza era considerada como externa ao homem, analisada como sendo o conjunto dos elementos formadores da Terra (água, solo, ar,...). Por outro lado, o homem era visto como um ser biológico na relação com a natureza, podendo-se considerar como sendo uma forma de naturalização do homem. Assim, os geógrafos tinham dificuldades em construir um método que propunha analisar a unidade sociedade-natureza. Posteriormente, os geógrafos ao se aproximarem das abordagens desenvolvidas pelas ciências sociais (Antropologia, Ciência Política, Economia e a Sociologia) começam a elaborar noções que se enfatizam as relações sociais que se estabelecem entre os homens, tais como, a categoria comunidade. Nesta, associa-se a identidade social de um determinado grupo com os conceitos de lugar, território e 1 Artigo publicado em: Revista do Departamento de Geografia (USP), São Paulo, v. 1, n. 16, p , verdum@ufrgs.br
2 região. A Geografia passa a ser aquela ciência que não necessariamente estudaria a relação entre os homens, mas sim, os lugares, como referenciaria Vidal de la Blache. Essa aproximação com os referenciais construídos pelas ciências sociais criam a possibilidade dos geógrafos em alterar as bases para compreender a relação entre os homens e a natureza. O conceito de espaço geográfico é elaborado como sendo o resultado das formas de como os homens organizam sua vida e suas formas de produção. Nesta perspectiva, a natureza passa a ser vista como recurso à produção, o que aponta para uma limitação quanto a possibilidade analítica em relação às dinâmicas da natureza. Assim, analisando os referenciais teóricos-metodológicos e as práticas de pesquisa dos geógrafos, desse momento da produção científica, frente a relação sociedade-natureza, observa-se duas abordagens diferentes, uma que considera a natureza como recurso e outra que, considera a dinâmica da natureza como suporte da vida humana, com suas dinâmicas próprias. É na busca da ruptura desta dicotomia que os geógrafos experimentam criar novos suportes para estudar a relação sociedade-natureza. Neste sentido, algumas rupturas epistemológicas podem ser destacadas como referências para o desenvolvimento das práticas científicas dos geógrafos: - romper com a compreensão que considera o homem, exclusivamente, como um ser natural; - reconhecer que a cultura humana é cada vez mais vasta e diversificada, sendo carregada de elementos técnicos que permitem a esse homem modificar e, até mesmo (re)criar a natureza. A partir dessas rupturas pode-se reconhecer novas práticas do fazer geográfico que abordam as intervenções humanas na natureza como referenciadas nas diversas formas de organização social. Aos geógrafos não seria mais suficiente abordar, por exemplo, os impactos ambientais meramente como impactos antrópicos, situados numa esfera genérica de análise em relação aos detentores do poder e dos modos de produção na(s) sociedade(s) humana(s). Para desenvolver seus estudos na busca dessa relação sociedade-natureza são diversas as categorias de análise utilizadas pelos geógrafos, entre elas pode-se citar: meio ambiente, paisagem, ecossistema e recurso natural. Atualmente, na perspectiva de estudar as dinâmicas que se estabelecem na relação sociedadenatureza os geógrafos são confrontados a certos desafios, tais como: - reconhecer que a degradação ambiental no meio rural traz a marca de nossas opções no passado, tanto do desconhecimento que se tinha das dinâmicas da natureza e dos desdobramentos das intervenções sociais nessas dinâmicas, como no que se refere ao cinismo e a ganância produtiva;
3 - reconhecer o grau de estabilidade e o potencial geo-ecológico dos ambientes, isto é, os limites de tolerância que, quando ultrapassados alteram sua dinâmica, tornando a degradação gerada irreversível, isto é, nos próximos 25 anos, considerando-se o período de surgimento de uma nova geração; - planejar o espaço de tal forma que, os ecossistemas artificiais produzidos pelas diversas formas de modernizações da agricultura e, que fornecem os recursos para a sociedade, sejam capazes de funcionar sem degradações ambientais e, assim, permitam a continuidade do desenvolvimento dos processos produtivos. A trajetória dos geógrafos no reconhecimento das degradações ambientais no meio rural Pode-se afirmar que, o reconhecimento pelos geógrafos dos desastres ambientais ocorre no pósguerra, na intensificação do processo de colonização européia na África, quando foram adotadas práticas agrícolas de matrizes culturais produtivas dos países colonizadores. Já na década de 1940, por exemplo, a desertificação era reconhecida como um processo de degradação das terras pelas práticas agrícolas que guardavam na sua essência, as práticas realizadas em terras européias com características completamente distintas daquelas ocupadas no continente africano. Posteriormente a este período, geógrafos franceses como George Bertrand, Jean Tricart, André Cailleux, Jean Dresch e Pierre Gourou passaram a reconhecer, a partir de uma abordagem sistêmica, as mais variadas degradações, pela continuidade da adoção de modelos de produção agrícola incompatíveis com as dinâmicas da natureza local. Dinâmicas estas em grande parte desconhecidas pelos planejadores, que desconsideravam, tanto o grau de estabilidade e o potencial geo-ecológico dos ecossistemas como o limite de resiliência (resistência à mudança) de um determinado ecossistema para suportar determinadas alterações. No Brasil, geógrafos como Léo Waibel, Emanuel de Martonne, Orlando Valverde, Aziz Ab Saber e Manoel Correa de Andrade podem ser considerados os precursores em relação as transformações do espaço geográfico pelas diferentes modernizações por que passou a agricultura. Através da abordagem considerada como sendo a da paisagem cultural esses geógrafos são, na sua maioria, testemunhas vivas das opções de desenvolvimento rural brasileiro e das degradações ambientais, do Rio Grande do Sul à Amazônia. Apontam, até hoje, os malefícios das políticas agrícolas adotadas por nós brasileiros e as degradações que marginalizam as áreas de potencial produtivo, assim como, aquelas que se caracterizam como de identidade única no universo dos ecossistemas tropicais. Além disso, apontam a ignorância/desconhecimento de nós brasileiros, em relação ao potencial geo-ecológico desses ecossistemas e dos seus limites. Desta forma, há a necessidade de intensificar o debate sobre modelos produtivos e a de preservação/conservação ambiental. Estas devem considerar a
4 natureza e o patrimônio cultural, assim como na criação/adaptação de modelos de produção agrícola no mundo tropical. Sendo que o patrimônio cultural se insere numa história de ocupação e conformação do território brasileiro Como propostas para o presente e o futuro é fundamental reafirmar o debate sobre o combate a fome e as doenças associadas, a partir de um projeto de desenvolvimento que considere como essencial as potencialidades produtivas e a preservação/conservação ambiental. É importante afirmar a necessidade de sistematizar, na escala do território nacional e regional, o conhecimento do potencial produtivo e de seus limites para, inclusive definir políticas públicas e privadas relativas ao desenvolvimento rural. Considerase relevante também, definir esses potenciais e limites da produção referenciados na análise das capacidades tecnológicas, técnicas e de métodos atuais, que se modificam ao longo do tempo. Analisando a produção geográfica atual, percebe-se a elaboração de estudos que consideram diferentes abordagens construídas pelos próprios geógrafos, no que se refere a relação natureza-sociedade, tais como: paisagem, domínios morfoclimáticos, os geossistemas, a ecodinâmica, etc. O fundamental nestes estudos é que contribuem gradativamente para se reconhecer, a partir dos elementos herdados e das relíquias, as diferentes formas de propor medidas de proteção ambiental, quando reconhecidamente úteis, a fim de prolongar suas existências. Acredita-se que essa parcela de contribuição gerada pelos geógrafos deva servir como referencial nos questionamentos e nas decisões em relação a adoção de modernizações na agricultura, principalmente aquelas que levam exclusivamente em consideração os mecanismos econômicos e políticos, em detrimento das dinâmicas ambientais. Neste sentido, deve-se levar em conta que ao desconhecer a importância dessas dinâmicas, não só estaremos gerando fontes de degradação da natureza, mas certamente, dos fatores socioeconômicos que sustentam as relações humanas. Bibliografia BECKER, B. K. & outros (org.) Geografia e meio ambiente no Brasil. São Paulo: Editora Hucitec, CONGRESSO BRASILEIRO DE GEÓGRAFOS, 6, 2004, Goiânia. Anais... Goiânia: Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB), GONÇALVES, C. W. P. Geo-grafías. Mexico: Syglo veintiuno editors, 2001.
5 PROGRAMA NACIONAL DE MEIO AMBIENTE (PNMA) Os ecossistemas brasileiros e os principais macrovetores de desenvolvimento. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, SANTOS, M. Técnica Espaço Tempo globalização e meio técnico-científico informacional. São Paulo : Editora Hucitec, SIMPÓSIO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA FÍSICA APLICADA, 10, 2003, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Universidade Estadual do Rio de Janeiro, SIMPOSIO NACIONAL DE GEOMORFOLOGIA, 4, 2002, São Luis. Departamento de Geociências/NEPA/UFM e UGB, Anais... São Luis: SIMPOSIO NACIONAL DE GEOMORFOLOGIA, 5, 2004, Santa Maria. Anais... Santa Maria: Departamento de Geociências/UFSM e UGB, TRICART, J. Écogeographie des espaces ruraux. Paris : Editions Nathan, 1994.
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