Encurtamento do intervalo PR nos pacientes com taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica.
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- Irene Benedicta da Mota Lameira
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1 Encurtamento do intervalo PR nos pacientes com taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica. Leonid Makarov Tatiana Kyrileva Svetlana Chuprova Vera Komoliatova Anualmente, nos Estados Unidos morrem entre 5000 a 7000 crianças ou 1,5 a 8,0 de cada A Morte súbita (MS) cardíaca é responsável por 5% de todos os casos das mortes infantis, excluindo os pacientes com a Síndrome de Morte Súbita Infantil (SIDS, Sudden Infant Death Syndrome) (1). Habitualmente, se descobrem as causas cardiológicas ou não cardiológicas de MS em jovens e crianças, não obstante, em 18% dos casos, estas não são detectadas (1,2). Uma das causas principais de MS cardíaca em jovens e crianças sem cardiopatias subjacentes são as enfermidades elétricas primárias ou canalopatias. Atualmente, as canalopatias incluem: síndrome do QT longo, síndrome de Brugada, taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica, síndrome do QT curto e, com algumas restrições, displasia (cardiomiopatia) arritmogênica do ventrículo direito (2-9). Quase todas as canalopatias são síndromes clínicoeletrocardiográficas, cujo diagnóstico inicial, na maioria dos casos, surge de mudanças típicas no ECG e sintomas das canalopatias (síncopes, antecedente de casos de MS entre os familiares). Nos pacientes assintomáticos, o diagnóstico se baseia nas mudanças típicas do ECG (prolongamento ou encurtamento do QT, elevação do segmento ST, etc.). Para o diagnóstico diferencial dentro do grupo das canalopatias, podem ser utilizados os seguintes critérios eletrocardiográficos: padrões de ECG das distintas variantes da síndrome do QT longo (3), tipos de elevação do segmento ST da síndrome de Brugada (4), variantes do encurtamento do QT (típico ou pausa-dependente) (5). Foram determinados os critérios diagnósticos maiores e menores para displasia (cardiomiopatia) arritmogênica do ventrículo direito (VD) (6). De todas as patologias mencionadas, somente a taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica (TVPC) se diagnostica no momento do registro desta arritmia ventricular típica que pode transformar-se num transtorno fatal e provocar MS (7-12). Portanto, para a prevenção de MS nestes pacientes seria necessário desenvolver critérios de diagnóstico precoce e pré-clínico de TVPC. O propósito principal de nossa investigação é a avaliação das características específicas do ritmo sinusal nos pacientes com TVPC, que possam ajudar a detectar precocemente os grupos de alto risco, tanto na população geral, como entre os pacientes sintomáticos.
2 Material e métodos Foram avaliados 20 pacientes com TVPC, entre 3 e 7 anos de idade (média 10,6 ± 3,4 anos): 11 meninos e 9 meninas. Os critérios de inclusão, determinados pelo ECG, teste de esteira ou monitorização por Holter, foram os seguintes: salvas de taquicardia de 3 ou mais batimentos com QRS largo (> 120 mseg); como mínimo, 2 complexos de morfologia distinta dentro de um salva ; freqüência maior de 120/min ou superior a 25% da freqüência normal, correspondente à idade do paciente (13); dissociação AV dentro do salva. Foram excluídos os pacientes com cardiopatias subjacentes, síndrome do QT longo (QTс > 440 мс), elevação do segmento ST nas derivações precordiais direitas. Nenhum dos pacientes incluídos recebia digoxina. Para demonstrar o caráter idiopático das arritmias nos pacientes selecionados e descartar enfermidades cardíacas estruturais, coronariopatias, enfermidades crônicas concomitantes, transtornos eletrolíticos, utilizaram-se os seguintes métodos diagnósticos: história, exame físico, análise de laboratório (sangre e urina), ECG, radiografia e ecocardiografia. Em todos os pacientes foram efetuados ECG padrão de repouso e monitorização por Holter de 24h (aparelho Oxford Medilog, UK). Os dados obtidos foram comparados com as normas para ECG (13) e Holter (14), correspondentes à idade e o sexo dos pacientes. O intervalo QTс se calculou com a fórmula QTс = QT/ RR e o valor do intervalo QTc se considerou prolongado, quando superava os 440 mseg. Nos casos de arritmias sinusais, para o cálculo de QTc se utilizou um valor médio dos intervalos RR. Com os resultados da monitorização por Holter, se avaliaram os parâmetros temporais médios (time-domain) da variabilidade da freqüência cardíaca (VFC) e se calculou ou índice circadiano (IC), como a relação entre a média da FC diurna e noturna (4,15). Os cálculos estatísticos se efetuaram com o pacote de programas Statistica. Resultados Os primeiros episódios de TV polimórfica foram diagnosticados com os seguintes métodos: com a monitorização por Holter - 12 (60%), com o ECG de repouso - 6 (30%) e com teste de esteira 2 (10%). As arritmias registradas foram taquicardias ventriculares bidirecionais, com morfologias de hemibloqueios anterior e posterior transitórios nas derivações padrões e bloqueios de ramo direito nas derivações precordiais (Figura1).
3 Fig.1 Registro de taquicardia ventricular bidirecional com FC 140/min num menino de 1 ano de idade. Nas derivações padrões se evidenciam alternância do eixo elétrico dos complexos QRS e nas derivações precordiais, bloqueio de ramo direito. Em 13 (65%) pacientes estudados com um ECG de repouso ou monitorização por Holter, se detectou um encurtamento transitório do intervalo PR (PR < 0,11 seg.), sem sinais eletrocardiográficos da síndrome de Wolf-Parkinson-White (Fig.2). Além disso, em 6 destes pacientes, a síndrome de Wolf-Parkinson-White foi descartada com os estudos eletrofisiológicos invasivos ou não invasivos. Em 7 pacientes, o encurtamento do PR foi transitório, com normalização periódica da condução AV. Durante os estudos eletrofisiológicos, não se desencadeou TV, no entanto, se provocou uma taquicardia supraventricular por reentrada nodal, a qual foi ablacionada com radiofreqüência. Não obstante, nestes pacientes com monitorização por Holter se detectaram os episódios de TVPC.
4 А В Fig.2 No ECG de 12 derivações se evidencia bradicardia sinusal de 50/min (А) com encurtamento do intervalo PR (0,1s); no registro Holter (B), se detecta TV bidirecional com FC de /min, desencadeada com esforço físico em uma menina de 9 anos de idade. Em sua história clínica, todos os pacientes com TVPC apresentaram episódios sincopais provocados pelo esforço físico (dança, exercícios de musculação, atletismo, etc.) ou estresse emocional. Seis pacientes haviam recebido tratamento neurológico pelo suposto diagnóstico de epilepsia. Em um grupo sem encurtamento do intervalo PR, a freqüência dos episódios sincopais, antes de começar o tratamento, foi de 1 a 2 casos por ano (uma média de 0,6 ± 0,89 casos por ano); ao mesmo tempo, entre as crianças com o encurtamento do PR, esta freqüência constituiu 9,1 ± 9,2 casos por ano (3 a 36 casos por ano). Quatro pacientes com encurtamento do PR apresentaram antecedentes de MS e síncopes entre os familiares de primeira linha. Dois pacientes faleceram subitamente durante o seguimento. Entre os pacientes com encurtamento do PR, a FC em repouso foi de 56,3 ± 8,7 por minuto, para um valor médio normal (para sexo e idade) de 88 ± 11 por minuto. Nos pacientes com condução AV conservada, os valores correspondentes foram 78,1 ± 2,8 y 83,1 ± 16,8 por minuto (p>0,05). Um paciente com encurtamento do PR apresentou bloqueio completo de ramo direito. Durante a monitorização por Holter, em 6 pacientes (46,2%) se registraram episódios de TV bidirecional e, além disso, salvas de taquicardia paroxística supraventricular (TPS) e FA paroxística, que ocorreram de forma isolada e também antes, dentro ou depois dos episódios de TV (Figura 3). Três pacientes
5 (27,3%) apresentaram dissociação AV. Na figura 4 se mostra o perfil circadiano de 372 episódios de TV, registrados com Holter. Geralmente, estes episódios de TV ocorreram durante períodos de atividade dos pacientes, porém, algumas vezes, os episódios se registraram durante o sono (com freqüência de /min). Não foram detectadas diferenças no perfil circadiano das arritmias entre os pacientes com encurtamento do intervalo PR e com o PR normal. Fig.3 Registro Holter de uma menina de 11 anos de idade. Se observa TPS de 192/min e salvas de TV bidirecional de /min, dentro de TPS Р1 Hour Fig. 4. Perfil circadiano de 372 episódios de TV polimórfica bidirecional, registrados em 20 pacientes de 3 a 17 (10,6 ± 3,4) anos de idade, com monitorização por Holter.
6 Os valores de indicadores da VFC em todos os pacientes com encurtamento do PR foram aumentados, se comparados com os valores normais (segundo sexo e idade): Média 870,5 ± 125 mseg vs. 706 ± 46 mseg (р < 0,05); SDNN 237 ± 71mseg vs. 153 ± 26 mseg (р > 0,05); SDNNi 130 ± 45 mseg vs. 78 ± 14 mseg (р < 0,05); SDANNi 199 ± 68 mseg vs. 134 ± 34 mseg (р > 0,05); rmssd 117 ± 44 mseg vs. 60 ± 12 mseg (р < 0,05), pnn50 47 ± 12 % vs. 27 ± 12 % (р < 0,02); IC 1,49 ± 0,13 vs. 1,29 ± 0,03 (р < 0,05). Sob o tratamento com beta-bloqueadores (propranolol, atenolol, nadolol 1-2 mg/kg) e em um caso com propafenona (10 mg/kg) e combinação de atenolol e verapamil (3 mg/kg), se observou um aumento da Média (diminuição da FC), de 870,5 ± 114 mseg até 885,4 ± 113 mseg, o que habitualmente ocorre com o uso de beta-bloqueadores. No entanto, os outros indicadores da VFC apresentaram uma diminuição estatisticamente não significativa, com tendência à normalização. Discussão Nas publicações anteriores já foi demonstrada tendência à bradicardia nos pacientes com TVPC (7-12). Não obstante, não encontramos publicações sobre a associação entre a TVPC e o encurtamento do intervalo PR. Provavelmente, isto se deva a quantidade muito reduzida deste tipo de paciente. Portanto, é muito difícil avaliar as características clínico-eletrocardiográficas destes tipos de arritmias. Atualmente, o estudo de N. Sumimoto e colaboradores (8) é o mais importante. Este estudo incluiu 29 pacientes (idade média 10,3 ± 6,1 anos) com TVPC. Os pacientes incluídos não apresentavam síndrome de pré-excitação e seu intervalo PR médio foi de 0,13 ± 0,02s, o que pode ser considerado como um intervalo PR curto, sobretudo no contexto da FC de 59 ± 11/min. Nos pacientes que faleceram subitamente, o intervalo PR foi mais curto que entre os sobreviventes (0,131 ± 0,07 vs. 0,135 ± 0,023, respectivamente). A. Leenhard e colaboradores (7) apresentaram uma análise de 21 pacientes pediátricos com TVPC. Neste estudo se levou em conta critérios similares aos nossos: morfologia da TV, bradicardia sinusal, TPS, síncopes e antecedentes familiares de MS, intervalo QT, etc. No entanto, o encurtamento do intervalo PR não foi destacado como um sinal típico destes pacientes. No trabalho de H. Swan e colaboradores (12) foram avaliados 14 pacientes com TVPC, dos quais 9 pacientes apresentaram síncopes, induzidas por esforço físico. Em nenhum dos pacientes foi detectado transtornos de condução AV (nem no ECG, nem no estudo eletrofisiológico (EEF)). Vale destacar que o EEF invasivo não desencadeou arritmias ventriculares em nenhum dos casos, o que destaca um papel importante dos estudos eletrocardiológicos não invasivos para o diagnóstico deste tipo de arritmia.
7 Não obstante, foram publicadas algumas descrições de casos clínicos, cujos autores mencionaram o encurtamento do PR nos pacientes com TVPC. Também, no trabalho de D. Reid e colaboradores (16) se descreveu uma menina inglesa de 6 anos de idade com um episódio de TV bidirecional; seu intervalo PR foi curto (0,11 seg.). Houve também outras descrições do encurtamento do intervalo PR nos pacientes de distintas idades e grupos étnicos, que apresentaram episódios de TVPC (17-19). Tudo isto apóia nossa idéia sobre o encurtamento do intervalo PR, como um padrão eletrocardiográfico típico de algumas variantes de TVPC nas crianças. Os autores dos trabalhos mencionados não destacaram a associação entre o encurtamento do PR e TVPC, provavelmente, porque os casos descritos foram muito isolados. No entanto, nós consideramos esta associação como um fenômeno muito importante, já que foi demonstrado que este padrão eletrocardiográfico se observa frequentemente (maior do que se considerava antes) entre os pacientes com TVPC; e, além disso, não depende do grupo étnico do paciente (20). Em nosso estudo o grupo étnico não foi totalmente homogêneo, porém a maioria dos pacientes foram europeus do Este do continente. Ainda, está pouco estudada a relação entre o alentecimento da condução AV e os mecanismos de desenvolvimento das arritmias ventriculares malignas. É bastante típica a aparição das arritmias supraventriculares nos pacientes com encurtamento do intervalo PR (21). Este encurtamento também é típico para algumas enfermidades metabólicas congênitas (enfermidade de Pompe, Fabri) e distrofias (22-24). Não obstante, nosso estudo não incluiu pacientes com estas patologias. No estudo de S. Hang e colaboradores (25), o encurtamento do PR se manifestou com o aumento patológico da estimulação simpática em um paciente com feocromocitoma, o encurtamento mencionado foi desaparecendo após a extirpação deste tumor catecolaminérgico. O mecanismo de desenvolvimento de TV bidirecional está relacionado com exagerada sensibilidade do miocárdio aos estímulos adrenérgicos. Entre os indicadores de VFC, o que mais reflete o aumento da suscetibilidade às catecolaminas é o índice circadiano maior de 1,45 (15). A existência de vias acessórias em nossos pacientes se descartou com EEF (realizado em alguns de nossos pacientes) e com o caráter transitório do encurtamento do PR. Foram descritos diferentes tipos de TPS nos pacientes com TVPC (7-9), no entanto, o valor prognóstico de TPS nestes pacientes não está definido. Para o tratamento de nossos pacientes usaram-se beta-bloqueadores (1-2 mg/kg), nos casos de TPS, antagonistas de cálcio (verapamil) ou sua combinação com beta-bloqueadores. Em um único paciente, o tratamento foi iniciado com propafenona (10 mg/kg), que também possui características de beta-bloqueadores (26). Sob o tratamento mencionado, todas as crianças
8 apresentaram melhora em seu quadro clínico: os episódios sincopais e os de taquicardia ventricular, não se repetiram mais ou se repetiram com menor freqüência. Ao mesmo tempo, 2 pacientes com encurtamento transitório do PR morreram subitamente durante o período de seguimento. Definitivamente, as crianças com a forma sincopal de TVPC maligna apresentaram um padrão eletrocardiográfico típico que incluiu: encurtamento do intervalo PR, bradicardia sinusal e aumento da IC com monitorização por Holter. É conhecido que os pacientes com TVPC apresentan dois tipos de mutações genéticas: nos genes que codificam os receptores de rianodina 2 (RyR2) e calsecuestrina2 (CASQ2), localizados no cromossomo 1g42-g43. Estas mutações provocam liberação exagerada dos íons de Ca do retículo sarcoplasmático, o que produz uma sobrecarga de cálcio intracelular. O mecanismo mencionado é a base fisiopatológica da TVPC tipo 1; as taquicardias de tipo 2 (TVPC 2) se devem aos transtornos da calsequestrina (CASQ2), uma proteína importante para a captação do cálcio no retículo sarcoplasmático. Esta proteína tem uma relação funcional com os receptores RyR2 e também influem sobre a sobrecarga de cálcio intracelular (7-9). Os critérios clínicoeletrocardiográficos para o diagnóstico diferencial entre os distintos tipos de TVPC ainda não estão definidos. Diferente de outros grupos de investigação, nós demonstramos a associação entre o encurtamento do intervalo PR e a evolução maligna de TVPC. Seria necessário levar ao cabo outros estudos eletrofisiológicos e genéticos moleculares para correlacionar as mudanças clínico-eletrocardiográficas e os mecanismos fisiopatológicos de TVPC com transtornos genéticos específicos a nível dos cardiomiócitos. A ausência destes estudos genéticos foi uma das limitações importantes de nosso estudo. Conclusões: 1. Nas crianças, a VPC é um transtorno heterogêneo com diferentes apresentações de seu quadro clínico-eletrocardiográfico; 2. Uma das variantes de TVPC nas crianças se caracteriza por bradicardia sinusal e encurtamento do intervalo PR; 3. Em todos os pacientes com síncopes de etiologia não esclarecida, bradicardia e encurtamento do PR, para descartar a possibilidade de TVPC, se deveriam realizar: ECG, monitoração por Holter e/ou teste da esteira.
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