UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI RENAN CLAUDINO VILLALON

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1 UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI RENAN CLAUDINO VILLALON ADAPTAÇÃO AO CINEMA: O Senhor dos Anéis e os Schemata Mediados SÃO PAULO 2017

2 RENAN CLAUDINO VILLALON ADAPTAÇÃO AO CINEMA: O Senhor dos Anéis e os Schemata Mediados Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, área de concentração em Comunicação Audiovisual da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação do Prof. Dr. Renato Luiz Pucci Junior. SÃO PAULO 2017

3 FICHA CATALOGRÁFICA

4 RENAN CLAUDINO VILLALON ADAPTAÇÃO AO CINEMA: O Senhor dos Anéis e os Schemata Mediados Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, área de concentração em Comunicação Audiovisual da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação do Prof. Dr. Renato Luiz Pucci Junior. Aprovado em 20/04/2017 Renato Luiz Pucci Junior Laura Loguercio Cánepa Marcel Vieira Barreto Silva

5 DEDICATÓRIA Aos meus pais, Solange Nogueira Claudino Villalon e Valdir Villalon Orosco, pelo apoio constante durante toda esta minha jornada de pesquisa e estudo. Em especial, dedico este trabalho ao meu pai, pois foi o primeiro que me incentivou a fazer mestrado, além do eterno apoio à minha produção escrita, sempre lendo e comentando os meus textos.

6 AGRADECIMENTOS Ao meu orientador Renato Luiz Pucci Junior, pela imensa ajuda a mim proporcionada em diversos momentos de dificuldade, sempre alimentando o meu sonho de ser mestre. Aos professores Sheila Schvarzman, Luiz Vadico, Rogério Ferraraz, Laura Loguercio Cánepa e Gelson Santana Penha, pelas importantes e prazerosas aulas durante o primeiro ano de mestrado, sempre atenciosos e preocupados com o conteúdo a ser transmitido, o que me ajudou muito no desenvolvimento deste estudo. Em especial, à prof.ª Laura e ao prof. Gelson, pelas precisas críticas que faziam-se necessárias à minha pesquisa durante a banca de qualificação, contribuindo tanto ao direcionamento quanto à reformulação desta dissertação. É igualmente importante o meu singular obrigado à minha banca de defesa da dissertação, composta pelos professores Marcel Vieira Barreto Silva (coordenador do PPGC/UFPB) e Laura Cánepa (coordenadora do PPGCOM/UAM), pois também contribuiu copiosamente para os detalhes e revisões finais que se faziam necessários ao estudo, exatamente através do debate de ideias, no qual pude explicar as minhas escolhas referentes à pesquisa. E aos meus colegas, das diversas matérias cursadas e dos grupos de pesquisa, que fizeram e/ou fazem parte da minha vida acadêmica a partir desse período de dois anos. A todos vocês, amigos, parceiros e/ou colegas de pesquisa, o meu mais sincero e sentimental obrigado.

7 O artista, não menos que o escritor, precisa ter um vocabulário antes de poder aventurar-se a uma cópia da realidade. (GOMBRICH, 1995, p.92)

8 RESUMO A presente dissertação é um estudo de reconhecimento de schemata imagéticos, identificados em obras da pintura e da gravura em fases da História da Arte, como forma de produção visual dentro do processo de adaptação ao cinema da obra The Lord of the Rings ( ), de Peter Jackson, referente ao livro homônimo de J.R.R. Tolkien. Tem como justificativa propor uma compreensão referente à parte dos processos cognitivos da mente humana, relacionada essencialmente com o armazenamento e recuperação de estruturas visuais (schemata), nesse caso com base em obras mediadas desde diferentes fases artísticas e históricas até o cinema mais atual na cultura pop. O objetivo é analisar como foi transposto o conteúdo literário do livro O Senhor dos Anéis para a trilogia fílmica, partindo do processo mencionado pela equipe de direção de arte, mas também abrangendo estruturas de schema sobreviventes no imaginário coletivo resgatadas pela mesma equipe artística da adaptação. O método utilizado foi empírico, com base em inferências a partir do corpus, através de uma fundamentação teórica cognitivista. Para este estudo, os principais conceitos pesquisados foram: schema (por Ernst Gombrich), script (por David Bordwell e Michael Ranta), mediação (por Marco Bastos), adaptação (por Linda Hutcheon), classicismo (por Annateresa Fabris), maneirismo (por Arnold Hauser) e romantismo (por Walter Zanini), além de demais pesquisas referentes a: estudos cognitivistas, fases artísticas e processos de adaptação na produção de The Lord of the Rings. A hipótese testada trata da possibilidade de modelos visuais, datados de fases artísticas já passadas, continuarem presentes em obras de adaptação de livros a filmes, como o corpus deste estudo, através de mediações de schemata identificados em obras imagéticas, ultrapassando a época da literatura e chegando a um período mais atual do cinema na cultura pop. Palavras-chave: Cinema. O Senhor dos Anéis. Adaptação Fílmica. Schema. História da Arte.

9 ABSTRACT The present thesis is a study of recognition of visual schemata, identified in works of painting and engraving in phases of the History of Art, as a form of visual production within the process of adaptation to the cinema of the work The Lord of the Rings ( ), by Peter Jackson, referring to the book of the same name by J.R.R. Tolkien. It has as justification to propose an understanding concerning the part of the cognitive processes of the human mind, essentially related to the storage and recovery of visual structures (schemata), and in this case based on works mediated from different artistic and historical phases to the most current cinema in culture pop. The objective is to analyze how the literary content of The Lord of the Rings was transposed for the film trilogy, starting from the process mentioned by the art direction team, but also covering surviving schema structures in the collective imaginary rescued by the same artistic team of the adaptation. I used the empirical method, based on inferences from the corpus, through a theoretical cognitivist substantiation. For this study, the main concepts researched were: schema (by Ernst Gombrich), script (by David Bordwell and Michael Ranta), mediation (by Marco Bastos), adaptation (by Linda Hutcheon), classicism (by Annateresa Fabris), mannerism (by Arnold Hauser) and romanticism (by Walter Zanini), besides other researches related to: cognitive studies, artistic phases and adaptation processes in The Lord of the Rings production. The hypothesis tested deals with the possibility of visual models, dated from past artistic phases, to continue present in works of adaptation of books to films, such as the corpus of this study, through schemata mediations identified in visual works, surpassing the period of literature and reaching a more contemporary period of cinema in pop culture. Keywords: Cinema. The Lord of the Rings. Film Adaptation. Schema. History of Art.

10 LISTA DE FIGURAS FIG. 1 Foto do Mont Saint-Michel (França) FIG. 2 Foto do Mont Saint-Michel (França) FIG. 3 Alan Lee. Ilustração de Minas Tirith FIG. 4 Alan Lee. Sketch de Minas Tirith FIG. 5 The Return of the King FIG. 6 The Return of the King FIG. 7 Fotos das ruas e da arquitetura de Siena (Itália) FIG. 8 - Alan Lee. Ilustração da arquitetura de Minas Tirith FIG. 9 - Alan Lee. Sketches da arquitetura de Minas Tirith FIG. 10 The Return of the King FIG. 11 The Return of the King FIG. 12 The Return of the King FIG. 13 Fotos da Piazza di San Pietro (Vaticano) FIG. 14 vista superior da Piazza di San Pietro (Vaticano) FIG. 15 Alan Lee. Sketch da planta arquitetônica do Pátio Alto de Minas Tirith FIG. 16 The Return of the King FIG. 17 Jardim do Getsêmani, Monte das Oliveiras (Jerusalém) FIG. 18 Capa de O Retorno do Rei FIG. 19 Alan Lee. Sketch da árvore de Minas Tirith FIG. 20 The Return of the King FIG. 21 Foto da Capela Palatina de Carlos Magno, Aachen (Alemanha) FIG. 22 Alan Lee. Sketch para a Ilustração de Gandalf e Pippin diante de Denethor FIG. 23 Alan Lee. Ilustração de Gandalf e Pippin diante de Denethor FIG. 24 The Return of the King FIG. 25 The Return of the King FIG. 26 Alan Lee. Ilustração dos Cavaleiros de Rohan nos Campos de Pelennor FIG. 27 The Return of the King FIG. 28 The Return of the King FIG. 29 The Return of the King FIG. 30 The Return of the King FIG. 31 Giulio Romano. La Battaglia di Zama FIG. 32 Alan Lee. Ilustração do confronto entre os rohirrim e os mûmakil... 77

11 FIG. 33 Gus Hunter. Estudo de Cor do confronto entre os rohirrim e os mûmakil FIG. 34 Gus Hunter. Estudo de Cor do confronto entre os rohirrim e os mûmakil FIG. 35 Henri-Paul Motte. Batalha de Zama FIG. 36 The Return of the King FIG. 37 The Return of the King FIG. 38 Bandeira de Rohan FIG. 39 Alan Lee. Ilustrações de Heorot (Beowulf) FIG. 40 Alan Lee. Sketch do exterior de Meduseld FIG. 41 The Two Towers FIG. 42 John Howe. Ilustração de Heorot (Beowulf) FIG. 43 Alan Lee. Sketches para a arquitetura interior de Meduseld FIG. 44 The Two Towers FIG. 45 The Two Towers FIG. 46 Alan Lee. Ilustração do interior de Heorot (Beowulf) FIG. 47 Jeremy Bennett. Estudo de Cor para o interior de Meduseld FIG. 48 Jeremy Bennett. Estudo de Cor para o interior de Meduseld FIG. 49 The Two Towers FIG. 50 Elmo resgatado da região de Sutton Hoo, em Suffolk (Inglaterra) FIG. 51 Daniel Falconer. Esboços em Cores para a armadura de Théoden FIG. 52 The Two Towers FIG. 53 Gareth Jensen. Esboços em Cores das estampas tecidas em Meduseld FIG. 54 The Two Towers FIG. 55 The Two Towers FIG. 56 The Two Towers FIG. 57 The Two Towers FIG. 58 The Two Towers FIG. 59 Theodore Géricault. Cheval gris au râtelier FIG. 60 Theodore Géricault. Cheval arabe blanc-gris FIG. 61 Theodore Géricault. Tête de cheval blanc FIG. 62 Theodore Géricault. Cheval noir sortant de l'écurie FIG. 63 Theodore Géricault. Mazeppa FIG. 64 Géricault. Officier de chasseurs à cheval de la garde impériale chargeant FIG. 65 Alan Lee e Gareth Jensen. Esboço em Cores para a selaria de Théoden FIG. 66 Warren Mahy. Esboço para as placas de rosto dos cavalos

12 FIG. 67 Gareth Jensen. Esboço em Cores da selaria de Éomer e da guarda real de Rohan 106 FIG. 68 The Two Towers FIG. 69 Gustave Doré. The Christian Army in the Mountains of Judea FIG. 70 Paul Lasaine. Estudo de Cor da chegada do povo no Abismo de Helm FIG. 71 The Two Towers FIG. 72 The Two Towers FIG. 73 Alan Lee. Ilustração da Batalha do Abismo de Helm FIG. 74 Doré. The Army of Priest Volkmar and Count Emicio Attack Merseburg FIG. 75 Jeremy Bennett. Estudo de Cor da Batalha do Abismo de Helm FIG. 76 Jeremy Bennett. Estudo de Cor da Batalha do Abismo de Helm FIG. 77 The Two Towers FIG. 78 The Two Towers FIG. 79 The Two Towers FIG. 80 The Two Towers FIG. 81 Gustave Doré. Apparition of St. George on the Mount of Olives FIG. 82 The Two Towers FIG. 83 The Two Towers FIG. 84 The Two Towers FIG. 85 John R.R. Tolkien. Rivendell FIG. 86 Village Lauterbrunnen, Canton Bern (Suíça) FIG. 87 Alan Lee. Ilustração do vale de Valfenda FIG. 88 Paul Lasaine. Esquema de Cores para o vale de Valfenda FIG. 89 Paul Lasaine, Gus Hunter e Wayne Haag. Pintura Digiral do vale de Valfenda FIG. 90 Gus Hunter. Pintura Digital do vale de Valfenda FIG. 91 Jeremy Bennett. Esquemas de Cores para o vale de Valfenda FIG. 92 Jeremy Bennett. Esquemas de Cores para o vale de Valfenda FIG. 93 Jeremy Bennett. Esboço em Preto e Branco para o vale de Valfenda FIG. 94 The Fellowship of the Ring FIG. 95 The Fellowship of the Ring FIG. 96 Alan Lee. Aquarela do vale de Valfenda FIG. 97 Jeremy Bennett. Esquema de Cores para a cena da sacada FIG. 98 Jeremy Bennett. Esquema de Cores para a cena da sacada FIG. 99 Paul Lasaine. Composição Digital e Live-Action para a cena da sacada FIG. 100 The Fellowship of the Ring

13 FIG. 101 Alphonse Mucha. Combinaisons Ornamentales FIG. 102 Alphonse Mucha. Combinaisons Ornamentales FIG. 103 Alphonse Mucha. Combinaisons Ornamentales FIG. 104 Alphonse Mucha. Documents Decoratifs FIG. 105 Alphonse Mucha. Documents Decoratifs FIG. 106 Alphonse Mucha. Ilustrações para Ilsee: Princesse de Tripoli FIG. 107 Alphonse Mucha. Ilustrações para Ilsee: Princesse de Tripoli FIG. 108 Alphonse Mucha. Ilustração para Ilsee: Princesse de Tripoli FIG. 109 Alphonse Mucha. Ilustração para Le Pater FIG. 110 Alan Lee. Sketch para a estrutura interior de Valfenda FIG. 111 Alan Lee. Sketch para a estrutura interior de Valfenda FIG. 112 Alan Lee. Sketch para a arquitetura do pavilhão de Valfenda FIG. 113 Alan Lee. Sketch para o artesanato do Trono de Elrond FIG. 114 Alan Lee. Sketch para a arquitetura da Câmara de Elrond FIG. 115 The Fellowship of the Ring FIG. 116 The Fellowship of the Ring FIG. 117 The Fellowship of the Ring FIG. 118 Francis Dicksee. La Belle Dame sans Merci FIG. 119 The Fellowship of the Ring FIG. 120 The Fellowship of the Ring FIG. 121 Edward Burne-Jones. The Wedding of Psyche FIG. 122 The Fellowship of the Ring FIG. 123 The Fellowship of the Ring FIG. 124 Edmund Blair Leighton. Abelard and his Pupil Heloise FIG. 125 Francis Dicksee. The End of Quest FIG. 126 The Fellowship of the Ring FIG. 127 The Fellowship of the Ring FIG. 128 The Fellowship of the Ring FIG. 129 The Fellowship of the Ring FIG. 130 The Fellowship of the Ring

14 SUMÁRIO INTRODUÇÃO METODOLOGIA, LEVANTAMENTO DE ESTUDOS E TEORIAS Metodologia de Pesquisa Levantamento de Material sobre o Corpus Principais Referenciais Teóricos BATALHAS MEDIEVAIS: DO CLASSICISMO AO PÓS-ROMANTISMO Guerras Mundiais: A Vivência do Autor presente na Guerra do Anel Minas Tirith: Os Schemata Históricos na Cidade Branca Campos de Pelennor: O Maneirismo e as Pinturas da Batalha de Zama Meduseld: Das Ilustrações de Beowulf ao Palácio Dourado Abismo de Helm: Romantismo e Gravuras da História das Cruzadas PERSONAGENS ÉPICOS: ART NOUVEAU E PÓS-ROMANTISMO Edith e Tolkien: Scripts para a União Élfica-Humana Valfenda: Do Imaginário Literário às Mediações pela Art Nouveau Arwen e Aragorn: Construção Narrativa e Pinturas Pré-Rafaelitas CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS

15 14 INTRODUÇÃO A obra literária de J.R.R. Tolkien comporta algumas das histórias de ficção mais conhecidas no mundo. A fantasia medieval, no que se refere principalmente à trajetória da história da Terra-Média 1, foi publicada em diversos livros escritos por Tolkien, com algumas de suas obras póstumas editadas por Christopher Tolkien, seu filho. Para apresentar apenas os títulos principais, temos: O Hobbit (1937) e O Senhor dos Anéis 2 ( ), e os livros póstumos do autor: O Silmarillion (1977), Contos Inacabados (1980) e Os Filhos de Húrin (2007). Como destaques da literatura de Tolkien, o sucesso de vendas e a intensa circulação das obras O Senhor dos Anéis e O Hobbit possibilitaram o interesse de diversos cineastas em trabalhar essas histórias que compõem a Terra-Média. Nas diversas adaptações já realizadas da obra, existem simples animações até os mais contemporâneos filmes em live-action, pelos quais podemos observar os escritos de Tolkien através de pontos de vista de alguns cineastas. Ao todo, existem nove títulos oficiais, os quais são: as animações The Hobbit e The Return of the King (1977 e 1980, respectivamente, ambos de Arthur Rankin Jr. e Jules Bass) e The Lord of the Rings (1978, de Ralph Bakshi), e as duas trilogias, em live-action, de Peter Jackson: The Lord of the Rings 3 ( ) e The Hobbit ( ). Entre esses filmes, para esta pesquisa será analisada a adaptação fílmica da trilogia The Lord of the Rings (de Jackson), observando um aspecto de sua produção com relação à direção de arte. O livro de Tolkien e a adaptação de Jackson contam a história da Guerra do Anel. Essa primeira trilogia do diretor neozelandês Peter Jackson possui pontos convergentes com a obra original, principalmente com relação à história, embora o processo de adaptação permita diversas mudanças do contexto do livro à visibilidade no cinema, de acordo com múltiplas e possíveis motivações narrativas. Segue abaixo, portanto, um breve resumo da trilogia fílmica, a partir de um aspecto geral referente à história que se manteve da narrativa literária à narrativa cinematográfica. Em The Fellowship of the Ring, a história se inicia com o aniversário do hobbit 4 Bilbo Baggins (interpretado por Ian Holm), tio do principal protagonista da narrativa, Frodo (Elijah 1 Continente ficcional, criado por Tolkien, que serve como lugar no qual ocorrem as histórias de seus principais livros medievais, como O Hobbit e O Senhor dos Anéis. 2 Em toda a dissertação, sempre que for escrito o título em português, trata-se do livro de J.R.R. Tolkien. 3 Em toda a dissertação, sempre que for escrito o título em inglês, trata-se da trilogia fílmica de Peter Jackson. 4 Hobbits são um povo tradicionalmente do campo. São seres humanos pequenos (de 60cm a 1,20m e que raramente chegam a 1,50m) com orelhas levemente pontudas, cabelos encaracolados e pés grandes (com relação ao seu tamanho) e peludos.

16 15 Wood), e quem possui um anel mágico há muito tempo guardado em sua casa, no Condado 5. Quando o mago Gandalf (Ian McKellen), amigo de ambos os hobbits, descobre que o anel de Bilbo é na verdade o Um Anel, artefato criado por Sauron (Sala Baker), um ser maligno, para dominar a Terra-Média, pede que Frodo parta do Condado e espere o contato do mago para saber o que deveria ser feito, pois Gandalf iria buscar ajuda com o chefe de sua ordem, o mago Saruman (Christopher Lee). Frodo parte com seu amigo hobbit Samwise (Sean Astin), que acaba sabendo por engano da história sobre o Um Anel, e com mais dois hobbits, Merriadoc (Dominic Monaghan) e Peregrin (Billy Boyd), outros amigos de Frodo que acabam entrando na história. Em Bree, os hobbits se encontram com o guardião Aragorn (Viggo Mortensen), que acaba conduzindo-os a Valfenda 6 após alguns problemas ocorrerem devido aos cavaleiros negros, enviados de Sauron, acabarem descobrindo o paradeiro do Um Anel. Em Valfenda, após um conselho que reuniu vários representantes da Terra-Média, a sociedade do anel é formada. À comitiva composta pelos integrantes: mago Gandalf, humanos Aragorn e Boromir (Sean Bean), elfo 7 Legolas (Orlando Bloom), anão 8 Gimli (John Rhys- Davies) e hobbits Frodo, Samwise, Merriadoc e Peregrin, é dada a missão de levar o Um Anel até a Montanha da Perdição, nas terras de Mordor 9, local onde o anel foi criado e o único lugar no qual pode ser destruído, o que encerraria a Guerra do Anel e derrotaria Sauron. Com isso, a jornada segue por diversificados lugares da Terra-Média com vários seres fantasiosos, como: as cavernas de Moria (uma cidade de anões destruída e invadida por goblins), a floresta de Lothlórien (outro lar élfico) e a cachoeira da Garganta de Rauros. No trajeto em meio a esses lugares, cada ambiente propõe um desafio novo aos viajantes. Durante a primeira parte da jornada dois integrantes morrem: o mago Gandalf, atacado por um imenso demônio em Minas Moria, e o humano Boromir, sendo atingido por muitas flechas no conflito com orcs que encerra a primeira parte da história. Ainda sobre esse término, os caminhos se 5 Terras de campo verde com variados montículos e áreas vegetativas. É o lugar onde habitam os hobbits, que utilizam os pequenos montes como casas (tocas) nesta região pacífica e simples da Terra-Média. 6 Um dos diversos lares élficos nas histórias da Terra-Média de Tolkien. Trata-se de um vale montanhoso e florestal, onde se encontra o refúgio de Elrond, rei do local. 7 Os elfos são um dos povos mais mágicos das narrativas de Tolkien. Possuem uma forte ligação com o divino (os seres espirituais benignos da Terra-Média), possuem poderes místicos e tem como características físicas: altura de homens comuns, pele muito clara, cabelos sempre longos e lisos, orelhas bem pontudas e olhos claros (normalmente), além de não envelhecerem fisicamente após chegarem à idade adulta. 8 Os anões podem ser reconhecidos como uma das representações, na literatura de Tolkien, mais próximas da ideia dos povos nórdicos da europa antiga. São pequenos em estatura (entre 1,20m e 1,50m), possuem pele clara e são peludos em demasia (barba e cabelos grossos, normalmente longos). 9 Terras malignas de Sauron, onde se encontram os exércitos de orcs, além de alguns dos lugares mais sombrios da Terra-Média cinematográfica (como a Torre do Olho de Sauron e a Montanha da Perdição). Tratam-se de terras áridas, cobertas por uma fumaça enegrecida nas nuvens e com constantes raios e relâmpagos no céu.

17 16 separam na comitiva, com Merriadoc e Peregrin sendo capturados pelos orcs, com Aragorn, Legolas e Gimli tentando salvá-los, e com Frodo e Samwise seguindo sozinhos para Mordor. Em The Two Towers, a trama inicial se subdivide em três narrativas principais: (1) a jornada dos hobbits Frodo e Samwise; (2) a trajetória dos hobbits Merriadoc e Peregrin; e (3) os caminhos seguidos por Aragorn, Legolas e Gimli. Na segunda parte da história, entre os lugares visitados pela separação da Sociedade do Anel, temos diversos ambientes a serem explorados durante a narrativa, como: as montanhas rochosas de Emyn Muil, a floresta sombria de Fangorn, as planícies do reino de Rohan 10, as fissuras em Isengard, o declive rochoso do Abismo de Helm, as cavernas e a floresta de Ithilien e a cidade em ruínas de Osgiliath. Observamos a pequena jornada na qual Aragorn, Legolas e Gimli seguem atrás dos orcs que capturaram Merriadoc e Peregrin, uma trilha que faz com que cheguem na floresta de Fangorn, onde encontram com a reencarnação do mago Gandalf, que retorna da morte devido às ameaças da iminente Guerra do Anel, que se iniciaria sobre o reino dos cavaleiros de Rohan. Gandalf, portanto, requisita os três companheiros a seguirem-no até as terras desse reino, enquanto os hobbits mantêm-se a salvo na floresta sob a proteção de Barbárvore (voz de John Rhys-Davies), uma gigantesca árvore com forma humana (a raça chamada ent). Em Rohan, os viajantes orientam o rei Théoden (Bernard Hill) sobre a traição do mago Saruman, que se tornou aliado de Sauron, e ajudam o rei durante a Batalha do Abismo de Helm, o primeiro dos embates que inicia a Guerra do Anel. Na batalha, as defesas humanas sobrevivem ao conflito contra os soldados orcs de Saruman, principalmente com o reforço da cavalaria de Éomer (Karl Urban), que é trazida à guerra através da busca de Gandalf pelos cavaleiros. Ao mesmo tempo, os hobbits Merriadoc e Peregrin induzem os ents a entrarem na guerra, com os gigantescos guardiões atacando Isengard, as terras de Saruman, e derrotando seus orcs. Enquanto isso, a jornada de Frodo e Samwise continua, com os hobbits se encontrando com Gollum (Andy Serkis), um hobbit que acabou tendo o seu corpo definhado devido à posse do Um Anel por centenas de anos e que, embora tenha o desejo de se tornar o mestre do artefato mágico, acaba guiando os hobbits por um caminho para Mordor. Em meio a esse objetivo, os três companheiros se encontram com Faramir (David Wenham), irmão de Boromir e capitão do reino de Gondor 11, que também seria ameaçado pelas forças de Sauron. Em alguns dos 10 Região campestre onde se encontra um gigantesco monte, no qual está presente o reino dos cavaleiros, com uma certa área destinada aos camponeses e com uma grande casa de homens, do rei Théoden, no topo do monte. 11 Região montanhosa e campestre onde se encontra uma fortaleza, com vários níveis que sobem parte das montanhas, referente ao principal reino dos homens na Terra Média, com uma cidadela no topo da extensa construção, governada por Denethor, regente do rei.

18 17 momentos finais da segunda parte da história, Faramir, que havia capturado os três hobbits por desconfiar que fossem espiões de Sauron em suas terras, acaba libertando-os após compreender a importância da demanda da Montanha da Perdição, permitindo que eles sigam com a jornada. Em The Return of the King, grande parte da comitiva se reúne antes de, novamente, se separar devido aos infortúnios na Guerra do Anel. Nesse momento da trama, a divisão da narrativa em três essenciais perspectivas permanece, e nelas temos: (1) Frodo, Sam e Gollum chegando às terras de Mordor; (2) Gandalf e Peregrin em sua jornada particular até Gondor; e (3) os desafios impostos a Aragorn, Legolas e Gimli, além do destino dos cavaleiros de Rohan. Nessa última parte da história fílmica, mais ambientes nos são apresentados, como: a fortaleza do reino de Gondor, a cidade maligna de Minas Morgul, as escadarias íngremes e a Torre de Cirith Ungol, a toca de Laracna, as montanhas das Sendas dos Mortos, as terras de Mordor e os Portos Cinzentos. Com a vitória no Abismo de Helm, e com a chegada de Gandalf, Aragorn, Legolas, Gimli e Théoden em Isengard, onde o mago Saruman se encontra derrotado, os novos destinos do ataque de Sauron acabam sendo revelados, quando Peregrin encontra a palantír, um objeto de poder pelo qual Saruman e Sauron se comunicavam. Devido a um acidente com esse artefato, Gandalf e Peregrin vão para Gondor, o mais importante reino dos homens, que está sob o governo do regente do rei, Denethor (John Noble), e aguardando a chegada do exército de Sauron, que tentará derrotar o reino. Em Gondor, Gandalf ajuda a compôr as defesas da fortaleza na Batalha dos Campos de Pelennor, e posteriormente é ajudado pelos cavaleiros de Rohan durante o embate, além do reforço final dos guerreiros fantasmas conclamados por Aragorn, que encerram com o conflito. Entretanto, essa segunda vitória apenas dá uma breve pausa na guerra. Frodo, Samwise e Gollum continuam a jornada para Mordor, passando por lugares sombrios e enfrentando condições aterrorizantes até chegarem à Montanha da Perdição, e durante esse caminho são traídos por Gollum, que revela suas reais intenções enquanto guiava os dois hobbits. Enquanto isso, os vencedores da batalha em Gondor compõem um exército para a batalha final em Mordor, com a intenção de desviar a atenção de Sauron enquanto Frodo e Samwise tentam destruir o anel. Os dois momentos ocorrem ao mesmo tempo, Frodo acaba sendo corrompido pelo poder do Um Anel e Gollum confronta-se com ele, ajudando a destruir o artefato mágico de Sauron devido a essa disputa. No desfecho da narrativa, após todo o mal ser destruído a partir da queda do anel em Mordor, todos os desfechos da história ocorrem sequencialmente.

19 18 Os integrantes da comitiva se reúnem novamente; Aragorn, o herdeiro do trono de Gondor, é coroado a rei e se casa com a elfa Arwen (Liv Tyler); e os quatro hobbits: Frodo, Samwise, Merriadoc e Peregrin, retornam ao Condado. No final da narrativa, Frodo ganha um presente pelos seus feitos na Guerra do Anel. Lhe é dada a oportunidade de partir para além da Terra-Média, juntamente com Gandalf, Bilbo e outros personagens, tomando uma embarcação élfica com rumo para as terras élficas e abençoadas de Valinor, o que encerra assim a história. Em linhas gerais, é assim que a Guerra do Anel é contada (livro) e mostrada (filme), em meio às divergências e convergências entre uma mídia e outra, adicionando, ignorando ou complementando elementos narrativos uma à outra. É importante ressaltar aqui que tanto o livro quanto os filmes contêm esses mesmos personagens (embora alguns do livro tenham sido excluídos na adaptação fílmica) e os mesmos eixos narrativos da história (embora no livro haja uma subdivisão mais individualizada de cada parte da narrativa, já que Tolkien trabalha um arco dramático por vez e não todos ao mesmo tempo e pouco a pouco, como nos filmes). Ainda assim, há uma forte proximidade entre as duas obras narrativas, das quais suas principais diferenças ficam pela poética de cada meio midiático. Observando alguns aspectos da produção fílmica, a primeira trilogia de Peter Jackson 12 passou por um longo processo de adaptação do texto literário até as telas de cinema. Parte desse trabalho pode ser conferido a partir dos vídeos do making of vendidos como parte integrante do box da trilogia estendida (embora vistos sempre com cuidado, pelo fato do making of, hoje, também ser uma forma de publicidade do produto), e dentro desse processo de adaptação, nos são apresentados diversos aspectos importantes referentes ao design conceitual da obra. Essa produção artística conduzida pela equipe de diretores de arte: Joe Bleakley, Dan Hennah, Philip Ivey, Rob Outterside, Mark Robins e Simon Bright foi responsável por trazer à forma fílmica uma concepção visual (tanto referente a ambientes quanto a personagens) que deveria permitir um reconhecimento do filme que servisse tanto como tradução canônica aos leitores e fãs de Tolkien 13, quanto como apresentação de um universo imagético para aqueles que nunca ouviram falar do escritor inglês. Podemos reconhecer duas decisões essenciais para a construção visual com base na imaginação permitida pelo livro (JACKSON et al., 2012): (1) a escolha de profissionais, responsáveis pela ilustração gráfica de algumas edições, para trabalharem na composição 12 Embora, para a trilogia fílmica aqui analisada, eu me refira muito como uma obra de Peter Jackson, isso ocorre apenas por economia verbal, pois sabemos que os filmes são a realização de muitos artistas e técnicos. 13 Aqui há uma ressalva, já que a ideia de fidelidade será mostrada na pesquisa em si como um aspecto de pouca credibilidade quando se trata de obras adaptadas da literatura.

20 19 artística da trilogia; e (2) a ideia de uma estruturação com base na História da Arte, principalmente na composição de cenário e caracterização de personagens. A primeira observação pode ser reconhecida como uma forma de trazer ao público fã e leitor de Tolkien um reconhecimento direto, ou, pelo menos, o mais próximo possível daquilo que observaram em alguns livros comercializados. São as contratações, portanto, dos ilustradores Alan Lee e John Howe para a equipe de Design Conceitual. Já a segunda decisão pode ser interpretada como parte da intenção de Jackson, mencionada por ele mesmo nas entrevistas de making of, em tratar os escritos de Tolkien como se eles fossem parte da história da humanidade, ou seja, como se realmente tivesse acontecido, em algum momento histórico, a trajetória da Terra- Média criada pelo escritor. Isso permitiria que certa parte do público-alvo, que não conhecia nada propriamente visto ou lido do universo a ser adaptado, não sentisse tamanho estranhamento de acordo com o visual fílmico, já que partindo de elementos próprios da História da Arte, alguns deles já teriam sido vistos pelo público em geral. Esses elementos estariam presentes no imaginário coletivo, mesmo de maneira inconsciente, a partir desse aspecto. Entretanto, mesmo essas duas informações, e suas respectivas interpretações possíveis, ainda são muito breves para uma compreensão do reconhecimento natural, ou com menor estranhamento, que o público-alvo pode ter com relação à obra fílmica, ou seja, carecem ainda de verificação e análise para um entendimento dessa ideia. Assim, chegamos à pergunta que direcionará esta pesquisa: como é possível, a diversos profissionais da área do cinema, construir imagens fílmicas em obras adaptadas de literaturas, já que suas referências visuais existem apenas na imaginação de seus escritores? Delimitando isso ao objeto de estudo, ao observarmos fatores como: (1) a extensa quantidade de povos medievais e/ou fantásticos; (2) as múltiplas culturas da literatura a serem visualizadas no filme; (3) a caracterização de personagens com grande diferença entre si; e (4) o fato de seu escritor já ter morrido (o que impede um possível trabalho de supervisão ao filme 14 ), compreendemos o desafio da equipe do cineasta. Um caminho, seguido aqui para tentar responder a essa inquietação, será a ideia da possibilidade de estruturas esquemáticas, a partir da ideia de schema (GOMBRICH, 1995, p.78), como forma de reconhecimento de imagens mediadas, com suas diversas origens em fases da História da Arte. Dessas imagens sobreviveriam, através de sua circulação, com o tempo, schemata visuais que permitiriam tanto uma forma de adaptação de temas variados, quanto o reconhecimento cognitivo do espectador, nessa ideia de mediação. Ou seja, a História 14 Aqui podemos lembrar, por exemplo, de J.K. Rowling (escritora dos livros de Harry Potter) na supervisão da produção das adaptações fílmicas de seus livros.

21 20 da Arte, através de suas imagens mediadas, permitiria formas estruturais que prevaleceriam no tempo por um processo de circulação contínuo de seus schemata? Esses schemata chegariam, com base em pesquisas de produção, à visibilidade de diversos artistas conceituais e, inclusive, a profissionais de direção de arte no cinema? Ou seja, estruturas visuais seriam identificadas, de maneira consciente e/ou inconsciente, por uma equipe de direção artística, a partir de pesquisa e/ou da constante circulação de imagens presentes na História da Arte para a produção de uma adaptação fílmica? Tendo em vista essas percepções, o objetivo da pesquisa é analisar a passagem do contexto imaginário dos livros, na literatura de Tolkien, à produção imagética dos filmes, na trilogia de Jackson. Isso a partir de estruturas de schemata que sobrevivem no imaginário coletivo e que aparecem na composição fílmica, pela direção de arte na produção de The Lord of the Rings, com base em referências visuais mencionadas, ou não, pela própria equipe do filme. Para isso, a principal das teorias usadas na pesquisa será sobre a ideia de schema, proposta por Gombrich em seus estudos, além de outras visões com base em pesquisas de cognitivismo. A partir dessa área acredita-se que há um caminho para a compreensão da ideia de mediação de imagens, indo desde as diversas fases da História da Arte até a época de produção do objeto de estudo da dissertação. A justificativa, na compreensão da motivação acadêmica do autor da dissertação, é de propor um estudo que sirva como base para pesquisas científicas sobre processos de adaptação fílmica de obras literárias, observando mais precisamente as possibilidades da produção visual através da direção de arte em meio à cultura pop. Esta proposta, com base também em pesquisas cognitivistas, pode ajudar a compreender a ideia de estruturas esquemáticas já presentes em nossos cérebros, mas com base em imagens mediadas desde as fases já passadas da História da Arte até a chegada das produções de cinema contemporâneas. Devido ao amplo universo medieval criado por Tolkien e adaptado por Jackson, tornouse necessário um recorte específico dos ambientes e construções narrativas que seriam interessantes para a dissertação, abrangendo aspectos e características que ajudassem a complementar a argumentação do autor desta pesquisa. Dessa forma, cada uma das escolhas dos reinos, personagens e momentos narrativos também carece de uma justificativa de acordo com o desenvolvimento deste estudo. O Senhor dos Anéis, por ser uma narrativa que trata, de forma geral, de uma intensa guerra medieval direcionada por motivações do bem ou do mal através dos variados reinos da Terra-Média, foi observada a importância de analisar a construção narrativa de algumas das batalhas entre esses povos, mas apenas as que são essenciais e que conduzem o principal arco

22 21 dramático da história. Nos direcionamos, assim, para o recorte presente nos capítulos que desenvolvem a argumentação principal na dissertação. Para o primeiro capítulo que trata da proposição referente ao corpus, foram escolhidas a Batalha do Abismo de Helm e a Batalha nos Campos de Pelennor exatamente por serem dois conflitos primordiais para a conclusão da Guerra do Anel na história literária e fílmica, pois o encerramento de cada um deles define como a história prosseguirá na sequência. No primeiro temos o embate das forças do aliado de Sauron, o mago Saruman, contra o reino do cavaleiros de Rohan, sendo essa a batalha que não apenas inicia a grande guerra medieval, mas que também define a restauração de Rohan, que é o principal aliado de Gondor, o reino que será o próximo alvo de Sauron durante a guerra. Assim, essa restauração se mostra importante na narrativa durante a segunda grande batalha na história, na qual temos diversas forças de Sauron contra as forças benignas da narrativa, que defenderão Gondor do ataque, sendo Rohan um dos essenciais reforços. Como conclusão nas narrativas (literária e fílmica), a vitória na segunda batalha permite que os sobreviventes tenham uma forma de ajudar Frodo e Samwise a salvarem a Terra-Média, para que eles destruam o Um Anel de Sauron. Devido ao sucesso nos dois conflitos, os líderes decidem formar um ataque suicida contra Mordor, as terras sombrias de seu inimigo, que é exatamente a distração que permite que Frodo e Samwise consigam chegar na Montanha da Perdição e destruir o artefato maligno, encerrando a grande guerra pela Terra-Média. Partindo dessa motivação em analisar as duas batalhas, foi decidido também observar a construção visual e imaginária dos dois reinos em que ocorrem essas batalhas, de acordo com a proposição deste estudo, nos quais foram identificados fatos da construção literária e fílmica que ajudaram na composição do capítulo. Isso observando também o imaginário do escritor e como ele pode ter sido utilizado e interpretado pela equipe de direção de arte de Peter Jackson. No capítulo seguinte, o recorte ocorreu não apenas pela motivação da proposição da dissertação em mostrar schemata mediados de fases artísticas históricas, mas também de demonstrar a ideia da não fidelidade presente no processo de adaptação do livro aos filmes, ao mesmo tempo em que algumas características estão fortemente ligadas ao cânone. O capítulo é iniciado através da construção visual e imaginária do reino de Valfenda, um dos lares élficos mais importantes da narrativa, observando tanto as motivações do escritor quanto as da equipe do cineasta neozelandês. Isso de maneira que mostre como o processo de adaptação possui uma ligação forte com o imaginário de Tolkien, inclusive pela ideia ilustrativa que o próprio autor possuía do reino fantasioso.

23 22 Já na sequência do capítulo, é observada e analisada a construção narrativa e visual do romance entre Arwen e Aragorn. Primeiro, por ser esta uma narrativa secundária que é importantíssima para o desfecho final da história e pelo desenvolvimento do personagem Aragorn, no qual ele se tornará o rei dos homens na Terra-Média. Segundo, pela forma da construção narrativa pensada pela equipe de Jackson, que utilizou de motivações literárias presentes em duas obras de Tolkien para criar a sensação de fidelidade, aos leitores do cânone, ao mesmo tempo em que construíram, praticamente, uma narrativa própria ao casal, inclusive dando mais visibilidade à personagem Arwen, em comparação com a sua versão literária. Para a metodologia, na análise aqui desenvolvida, foi utilizado um método empírico, com base em inferências a partir da trilogia fílmica, através de uma fundamentação teórica cognitivista. É, dessa forma, através de um trabalho de observação e comparação, analisado como que alguns schemata de obras pictóricas, resultantes de duas principais fases artísticas (classicismo e romantismo), aparecem em algumas representações visuais na adaptação, como se essas diversas obras servissem como tradução imagética do conteúdo literário à composição fílmica. Nos referenciais teóricos escolhidos para a dissertação estão pesquisadores dentro da área do cognitivismo, como Ernst Gombrich, David Bordwell e Michael Ranta, que trabalham teorias cognitivistas desde questões referentes a obras pictóricas até produções ao cinema. Além desses, também foram trazidos, devido às problemáticas da adaptação e da mediação, téoricos como Linda Hutcheon, Marco Bastos e Vinzenz Hediger, com pesquisas que propõem conceitos identificados como pertinentes de acordo com o método utilizado na pesquisa. Além desse referencial, e devido à necessidade de estudar fases artísticas específicas, foram utilizados alguns livros que fazem parte da Coleção Stylus, organizada por Jacó Guinsburg, com conceitos e informações que contribuíram à dissertação devido à ampla pesquisa mostrada pelos autores na coleção teórica. Assim como também está presente, no desenvolvimento, pesquisas diversas sobre História da Arte, por diversos autores. Por fim, a hipótese a ser testada é a possibilidade do reconhecimento de schemata visuais dentro do processo de adaptação fílmica de O Senhor dos Anéis, mostrando a aplicação desses schemata a partir de imagens mediadas, o que pode comprovar se esses modelos visuais continuam, ou não, vigentes em meio às produções mais atuais para a cultura pop. Lembrando que esta pesquisa não visa identificar, diretamente, as referências usadas pela direção de arte, mas sim alguns schemata visuais em imagens mediadas durante o processo de adaptação. Imagens que estariam datadas em fases artísticas já passadas, atravessando o período do livro original e chegando na época da adaptação fílmica.

24 23 1. METODOLOGIA, LEVANTAMENTO DE ESTUDOS E TEORIAS 1.1. Metodologia de Pesquisa O corpus escolhido para a dissertação é a obra The Lord of the Rings Extended Edition (produzida de 2001 a 2003, mas exibida nos cinemas apenas em 2004), de Peter Jackson, e trata, conforme dito na Introdução, da adaptação fílmica da obra de mesmo nome escrita por J.R.R. Tolkien, aqui em uma versão que complementa a montagem principal da trilogia. A partir dessa escolha, relacionada também com o amplo material visual, tanto narrativo quanto referente ao making of, presente no processo de adaptação da obra cinematográfica, foram observados aspectos referentes à essa produção adequados à proposição desta dissertação. Observando de maneira geral, há ideias nessa edição que visam aproximar ainda mais o espectador do universo medieval adaptado, seguindo motivações relacionadas diretamente com o cânone, embora haja diversas ideias próprias na característica recriação da obra durante a transposição do livro aos filmes. Há, durante esta narrativa: (1) histórias particulares, de alguns personagens, mais exploradas; (2) ambientes trabalhados de maneira mais abrangente; e (3) mais momentos relacionados com a literatura, o que pode nos levar a acreditar que a edição estendida foi, de fato, e também por razões mercadológicas, direcionada aos fãs de Tolkien. Entretanto, mesmo que a obra possua essa possível intenção de aproximação com o cânone, há todo um processo de adaptação que permite que a História da Arte esteja presente através de schemata mediados de diversas fases artísticas. E dessa forma, buscando identificar essas estruturas visuais que sobrevivem no tempo, mostrando relações entre obras pictóricas e cenas específicas na versão estendida, trabalho aqui através de um método empírico com base em inferências a partir dos filmes, com o fundamento teórico cognitivista. Em primeiro lugar, para o início da pesquisa foi resgatado o material literário referente às principais obras literárias de Tolkien, os livros: O Silmarillion, O Hobbit e O Senhor dos Anéis, para reconhecimento do material principal, a obra homônima à trilogia fílmica, e dos demais escritos periféricos ao livro base, exatamente por conter possíveis indicações que aparecem, repentinamente, durante a história mostrada na versão do cinema. O material foi lido e analisado de acordo com as necessidades da pesquisa devido ao que precisava ser identificado para o desenvolvimento deste estudo, referente ao aspecto da adaptação. Além desse material, também foi resgatado o registro histórico da vida do escritor presente no livro As Cartas de J.R.R. Tolkien, que trata de transcrições de cartas do autor escritas antes, durante e após a produção de seus livros, com indicações referentes a esse processo.

25 24 Em sequência, foi buscado o material em making of, produzido pela própria equipe do cineasta Peter Jackson, referente à construção da obra fílmica, que partiu da pesquisa da vida de Tolkien, passando pela escrita do roteiro adaptado, pela produção cinematográfica sendo realizada na Nova Zelândia e pela pós-produção em diversos estúdios da equipe. Esse material em vídeo foi assistido e observado de acordo com as referências visuais, que são reveladas pela direção de arte, e com as indicações da vida do escritor, que poderiam aparecer enquanto motivação temática durante a produção visual. Ainda para a pesquisa sobre a direção de arte, também foram buscados livros referentes ao processo de criação visual da trilogia, abrangendo diversos tipos de artes conceituais utilizadas na produção, resgatadas neste estudo como fonte para identificação de temas e schemata visuais dentro do processo de adaptação. Em seguida, foi pesquisado o principal referencial teórico a ser utilizado na dissertação. Os autores Linda Hutcheon e Ernst Gombrich foram os primeiros identificados, a primeira referente à uma teoria da adaptação entre mídias e o segundo dentro do conceito de schema, que foi amplamente utilizado na argumentação deste estudo. Posteriormente, como resultado do levantamento de pesquisas estrangeiras sobre cognitivismo, encontrei outros autores importantes, como: David Bordwell, Michael Ranta e Vinzenz Hediger, com conceitos referentes às ideias de estruturas narrativas e schemata visuais, isso de acordo com estudos sobre o funcionamento cognitivo mental. Esses conceitos se mostraram importantes à esta pesquisa exatamente pela análise de schemata que aparecem durante os filmes. Como complemento, também foi utilizado o conceito de mediação trabalhado por Marco Bastos, principalmente por estar na proposta desta dissertação identificar schemata mediados de fases artísticas históricas a um período mais atual do cinema na cultura pop, o que indicaria um processo de interação entre emissor e receptor da obra. Houve também uma pesquisa sobre fases da História da Arte, e entre os diversos autores encontrados, os principais utilizados foram: Annateresa Fabris, Arnold Hauser e Walter Zanini, com estudos referentes ao classicismo, maneirismo e romantismo, respectivamente. Estudando esses períodos artísticos, com foco nas obras pictóricas de cada fase, foram identificados e analisados schemata relacionáveis com algumas composições visuais em cenas da obra The Lord of the Rings. Para o método empírico aqui utilizado, o processo de análise foi iniciado através de uma conferência cuidadosa dos temas e motivações artísticas presentes na adaptação, mostradas tanto pela produção (conferida pelos materiais de making of) quanto pela obra em si (da qual foi verificada a sua edição estendida). Após parte dessas indicações, foram pesquisadas fases artísticas que mostrassem temas ou ideias convergentes aos momentos fílmicos reconhecidos

26 25 durante a verificação da trilogia, uma pesquisa na qual foram reconhecidos o classicismo e o romantismo como fontes históricas a serem pesquisadas obras pictóricas. A partir dessa identificação, foi realizada uma pesquisa ampla sobre pinturas e gravuras presentes nessas fases artísticas, na qual apareceram obras relacionadas: à pintura maneirista (fase consequente do período tardio do classicismo italiano), à pintura pré-rafaelita (movimento artístico resultante do romantismo) e à gravura pós-romântica (referente às ilustrações encontradas em livros desse período). Assim, embora a primeira identificação tenha sido nas fases do classicismo e romantismo, as principais obras pictóricas aqui utilizadas são de momentos periféricos dessas fases, descobertas resultantes do processo de estudo. Portanto, tendo em vista as cenas fílmicas e as diversas obras pictóricas, através de um processo de observação e comparação, foram identificadas relações esquemáticas entre as composições visuais em movimento (filmes) e estáticas (obras pictóricas), partindo do conceito de schema (segundo Gombrich), ao mesmo tempo em que dispensava imagens que não atendiam aos schemata fílmicos. Nesse processo foram encontradas as obras de: Giulio Romano (maneirista) e Gustave Doré (gravurista), além de: Francis Dicksee, Edmund Blair Leighton e Edward Burne-Jones (pré-rafaelitas), das quais identifiquei schemata que possuem relação com a adaptação, através da disposição dos motivos visuais em suas estruturas imagéticas. Dessa forma, foi desenvolvido um texto que partiu sempre da construção narrativa e das indicações presentes no processo de escrita de Tolkien, propondo assim inferências em sua escrita a partir das informações resgatadas sobre a sua vida pessoal e acadêmica. Posteriormente, caminhou-se para as referências utlizadas pela equipe de direção de arte, isso para a adaptação dos ambientes da Terra-Média literária, da cultura dos povos medievais nesses escritos e para o desenvolvimento da história adaptada do livro, observando as motivações da equipe fílmica de Peter Jackson e analisando a sua forma de construção. Na sequência, os capítulos sobre a proposição principal são desenvolvidos mostrando as pesquisas das fases artísticas, com suas aplicações na trilogia cinematográfica, e encerrados com as análises de schemata visuais presentes na composição fílmica, através de obras pictóricas. É proposto neste estudo, portanto, um caminho para a análise e interpretação imagéticas da trilogia fílmica, buscando uma compreensão de acordo com a área do cognitivismo, partindo do autor do cânone e adentrando na direção artística da adaptação.

27 Levantamento de Material sobre o Corpus Para uma verificação do momento atual no qual se encontra a pesquisa sobre The Lord of the Rings, podemos fazer um breve percurso através de alguns dos estudos apresentados, desde perspectivas acerca do processo de escrita do livro (por Tolkien) até algumas afirmações sobre as escolhas visuais utilizadas para a adaptação fílmica (de Jackson). As pesquisas mostram algumas das diversas abordagens pelas quais as obras literária e/ou cinematográfica podem ser estudadas e analisadas. Sobre esse aspecto, cito aqui quatro dos principais estudos verificados neste levantamento. Uma abordagem sociocultural sobre a literatura de Tolkien, relacionada diretamente às intenções do escritor, é o foco do estudo no artigo Tolkien: Uma Voz Dissonante em meio à Modernidade Inglesa (TEIXEIRA, 2013). Nesse estudo, Teixeira analisa de que forma o imaginário coletivo é observável através da escrita de Tolkien em sua literatura, um imaginário sempre carregado de maneira peculiar através das perspectivas do escritor. Como o autor é influenciado por aquilo que o cerca, segundo Teixeira, automaticamente isso o coloca em uma condição de misturar aquilo que é, de fato, um aspecto histórico (enquanto possível alegoria na narrativa), quanto aquilo que é fictício (imaginado pelo escritor, de fato criado por ele para a sua narrativa). Sobre essa ideia, Teixeira nos apresenta dois instantes em sua análise da produção literária: (1) a questão da individuação (uma visão particular que dificulta ao historiador a identificação do que é representação de algo fora da literatura); e (2) a ideia da construção social (relação do autor com o seu redor, que interfere na elaboração de seu texto literário). Ou seja, percebe-se aqui a ideia da articulação de discursos (TEIXEIRA, 2013, p.62) presente em obras, independentemente da intenção do autor em se criar, ou não, uma alegoria 15. Ao percebermos a época na qual Tolkien escrevera O Senhor dos Anéis, já pode nos parecer clara a ideia de algumas escolhas e formas de análise histórica de sua obra. Seria bem improvável que os acontecimentos à volta do autor não repercutissem de alguma forma na escrita, já que escreveu a história em meio ao período da Segunda Guerra Mundial, no qual seus filhos estavam como soldados nos embates bélicos. Teixeira nos indica que a ideia da leitura das cartas de Tolkien 16 já desmente o fato de haver apenas a articulação de mitos nórdicos e 15 Esse aspecto é bem interessante se observarmos o fato que a equipe de Peter Jackson afirma, com clara veemência, que o escritor inglês nunca criou uma alegoria, ou mesmo que sua ideia de criatividade e/ou genialidade depende dessa observação referente à sua obra literária (JACKSON et al., 2012). Ou seja, nem sempre são incontestáveis as afirmações encontradas em materiais de making of. 16 Uma compilação desses escritos pode ser encontrada no livro As Cartas de J.R.R. Tolkien (2010), de Humphrey Carpenter (org.).

28 27 ingleses na literatura, e coloca que no texto literário de Tolkien há muito do que estava presente na sua vida, uma forte relação entre ficção e realidade na obra 17 (TEIXEIRA, 2013, p.64-70). Como conclusão ao estudo, o pesquisador nos indica como que a ideia de se observar um contexto social, através de uma literatura contemporânea à sua época, pode nos permitir um olhar crítico, um tanto distanciado mentalmente daquilo que vivemos no dia-a-dia, (TEIXEIRA, 2013, p.85). Continuando os estudos verificados, além da abordagem mais sociocultural e individual na relação entre escritor e obra, outras abordagens nos mostram com mais precisão as possibilidades e diferenças entre os diversos meios de comunicação, e uma delas é o artigo Poética Literária e Poética Cinematográfica: Um Confronto nas Terras Médias de O Hobbit (SOUSA; PONTE, 2015). Observando mais a fundo a ideia da adaptação em si e o que ela implica em meio à sua transição entre mídias distintas, Sousa e Ponte, na análise da transição do livro O Hobbit para o filme homônimo, fazem um trajeto em sua pesquisa desde as adaptações para rádio, TV e cinema até a chegada da produção da trilogia The Hobbit. Partindo do conceito de Tolkien sobre fantástico e sobre contos de fadas, com forte ligação à ideia de mundos imaginários (SOUSA; PONTE, 2015, p.74), as pesquisadoras nos mostram as principais características desses tipos de contos, analisadas por elas como: a necessidade de um final feliz, a ideia da libertação do prisioneiro ou mesmo a eucatástrofe 18. Assim, com base nas definições de Tolkien e de sua visão particular sobre narrativa e arte visual, há alguns questionamentos, como a ideia da poética fundada pela imagem sendo vista como algo distanciado da poética através da escrita (SOUSA; PONTE, 2015, p.77). As autoras mostram como a adaptação fílmica compreende formas de observação da história de maneira que se perde, categoricamente, parte das possibilidades na linguagem escrita: a transposição da poética literária para a poética cinematográfica compromete o carácter ativamente imaginário que o texto literário exige do seu leitor, em contraste com a imposição a que o texto cinematográfico dá lugar (SOUSA; PONTE, 2015, p.77). E, segundo as autoras, isso é algo que implicaria, portanto, um impacto ao leitor-espectador, devido à mudança poética através das mídias, e nesse aspecto de estudo também percebemos uma ideia mais conectada aos objetivos desta dissertação: a questão da visualização, do tornar visível aquilo que [...] não teria correspondente real (SOUSA; PONTE, 2015, p.78). Nesse aspecto, elas complementam a ideia a partir da questão tecnológica e digital do cinema contemporâneo (da produção de Na parte do texto intitulada como O problema da tecnologia, Teixeira indica várias ideias correlatas, sobre um aspecto sociopolítco peculiar da vida de Tolkien, que estariam presentes na literatura de O Senhor dos Anéis. 18 Termo usado por Tolkien que diz respeito, exatamente, ao momento da reviravolta feliz na história.

29 28 a 2014) como um caminho para uma melhor transposição do imaginário ao imagético, saindo, portanto, da ideia de fidelidade entre livros e filmes (SOUSA; PONTE, 2015, p.79), um aspecto de análise que também se mostra importante nesta dissertação. Um aspecto paralelo, que pode ser observado também nesta dissertação, é a identificação de algumas formas de mito, isso a partir das fontes literárias, de algumas imagens, sob uma relação mítica semelhante às cenas fílmicas nas quais identifico as mesmas estruturas esquemáticas. E, no artigo Discurso e Mito no filme O Senhor Dos Anéis: A Sociedade Do Anel (BARROS; JESUS, 2014), nos são apresentados alguns tipos de mitos e discursos variados por dentro da narrativa da trilogia The Lord of the Rings, observando com precisão o primeiro filme: The Fellowship of the Ring. Nesse aspecto, as autoras mostram a presença do mito de uma língua antiga como algo que está no centro da narrativa fílmica (BARROS; JESUS, 2014, p.173), reconhecendo, assim, a propagação linguística através da dicotomia entre uma língua benevolente (élfico) e malevolente (língua sombria), como reconhecimento dos lares élficos e das terras de Mordor. Tolkien era filólogo, e uma das formas de compor a sua narrativa se dava, exatamente, através da criação de línguas e escritas próprias de cada povo, além das peculiares formas culturais que podem ser verificadas nos mais variados ambientes em O Senhor dos Anéis. Entretanto, as duas línguas mencionadas possuem a ideia de bem e mal (BARROS; JESUS, 2014, p.173-5) através da representação de seus respectivos povos e pela ideia de poder presente nessas línguas gerando uma hierarquia através da língua de cada povo 19, na qual as autoras reconhecem o mito da Torre de Babel. Outro percurso que Barros e Jesus fazem é a menção de temas múltiplos através do texto narrativo de Tolkien, ao recorrer a mitos e lendas que ajudam a figuratizar a origem do mundo (BARROS; JESUS, 2014, p.175), mas há também a base nas novelas de cavalaria. E na transposição da literatura ao cinema, há, segundo as autoras, uma releitura de modo ressignificado, remetendo a discursos circulados na sociedade ocidental. [...] essa releitura salvaguarda a influência do gênero literário novela de cavalaria 20. (BARROS; JESUS, 2014, p.176). Indo mais além, Barros e Jesus chegam à ideia do Paraíso Perdido (outro mito bíblico, assim como o da Torre de Babel) pegando como base o maniqueísmo do bem contra o mal 19 Complementando a ideia de hierarquização a algumas línguas na Terra-Média, as autoras associam a simbologia do Um Anel com o poder do discurso, ao citarem uma frase de Foucault que diz que o anel designa, simbolicamente, aquilo de que todos querem se apoderar: o discurso (BARROS; JESUS, 2014, p.175). 20 Isso é mostrado, no texto, através: da relação entre Aragorn e o Rei Arthur, da identificação do mito do Santo Graal, da simbologia da espada e da adição da oposição Deus x Homem (relacionamento entre Arwen e Aragorn).

30 29 presente na obra fílmica, relacionando-o em algumas vertentes 21. A conclusão essencial da pesquisa de Barros e Jesus trata-se dessa evidenciação de mitos variados que se complementam na criação de Tolkien e na recriação de Jackson, imbricando mito e ideologia através da reatualização de mitologias e discursos que circulam no senso comum, ou seja, que já estão propensas a uma rápida compreensão pelos espectadores. Esse aspecto também influencia na ideia da representação imagética que identificamos quando assistimos a um filme, e com um texto aberto a diversas possibilidades de concepção visual 22, como é o de Tolkien, seria possível identificar no cinema, dependendo da adaptação fílmica, uma segunda obra de arte, ao invés de uma obra secundária? O artigo O Senhor dos Anéis na Literatura e no Cinema: Diálogos de Artes e Imagens (VIEIRA, 2013) pode nos propor uma visão mais voltada à ideia da produção imagética na trilogia de Jackson. No estudo, Vieira também trabalha a questão da problemática na adaptação fílmica, exatamente no mesmo ponto da pesquisa anterior aqui reconhecida, no sentido da transição do caráter imaginário da literatura à imposição audiovisual do cinema. Exemplificando, copiosamente, de acordo com esta ideia de que há a necessidade dos cineastas traduzirem em imagens todo um aspecto imaginário (e por isso, segundo Vieira, livre ), é afirmado que a imaginação individual é inversamente proporcional àquilo que é dado, e pré-estipulado, no cinema, e que isso acaba por influenciar na imaginação do leitor que queira reler a obra após assistí-la no cinema (VIEIRA, 2013, p.1726). Um dos problemas apontados por Vieira trata exatamente de algumas mudanças na história divergindo do livro, como ocorre na sequência de abertura. No início do filme, a personagem Galadriel (Cate Blanchett) narra os principais fatos que levaram à forja dos grandes anéis de poder, dos quais se encontra o Um Anel. Entretanto, Vieira aponta isso como um problema pelo fato das afirmações na narração não corresponderem ao que está na literatura: Quando ela apresenta a história do Anel, fica a ideia de que Sauron, o Senhor do Escuro, forjou todos os anéis de Poder e, assim, distribui-os entre os elfos, anões e homens. 23 (VIEIRA, 2013, p.1727). Isso além do exemplo colocado sobre a exclusão total de um capítulo sobre um 21 Por exemplo: Um Anel como símbolo próximo à ideia da Maçã (bíblica), Abundância versus Devastação (Lothlórien e Isengard, na ideia de bem e mal), representação do capitalismo industrial como algo terrível (Isengard) ou de um paraíso ecológico (moradas élficas), além da representação do inferno (Mordor). 22 Observar, por exemplo, a diferença na imagética, tanto na representação dos ambientes quanto na dos personagens, do Reino dos Elfos de Mirkwood, nos filmes The Hobbit (1977) e The Hobbit: The Desolation of Smaug (2013). Embora ambos sejam adaptações do mesmo livro, a representação imagética é bem diferente. 23 Segundo a narrativa literária, Sauron teria na verdade direcionado alguns ferreiros élficos para produzirem os anéis, ao mesmo tempo em que, na Montanha da Perdição, ele forjava aquele que seria o Um Anel (VIEIRA, 2013, p.1727). O anel que, como é mencionado no livro, possui os seguintes dizeres: Um Anel para a todos governar, Um Anel para encontrá-los, Um Anel para a todos trazer e na escuridão aprisioná-los (TOLKIEN, 2002a, p.69).

31 30 personagem que se mostra peculiar na versão literária: Capítulo VII: Na Casa de Tom Bombadil. Isso é usado como base para alguns questionamentos do autor: como ficaria tal implicação para o espectador apenas da adaptação? Teria esta a mesma poética ou seria prescindível ao conhecimento da obra como um todo? (VIEIRA, 2013, p.1727). Para exemplificar sua problemática através de um aspecto fílmico, Vieira usa da figura de Sauron (no cinema) para demonstrar como seu reconhecimento visual influencia no tratamento imagináro da obra literária. Exatamente por ser um personagem escondido na trama literária (nunca nos são descritas as características físicas do antagonista no livro), há as necessidades imagética e sonora do personagem a serem criadas no cinema, para que o espectador tenha uma referência da figura de Sauron. Assim, pela análise de Vieira, o caráter inefável (livro) de Sauron contribui para uma melhor imaginação do antagonista ao leitor, enquanto o caráter presencial (filme) de Sauron contribui para uma melhor imagética do antagonista ao espectador (VIEIRA, 2013, p.1730), e isso estaria relacionado às necessidades poéticas de cada meio. Assim, Vieira nos afirma que a obra do cinema é compreendida como uma segunda obra-de-arte e isso porque é dependendo [das] escolhas [do cineasta] que o público pode julgar sua qualidade poética em relação à obra como um todo (VIEIRA, 2013, p.1730). Como última afirmação, Vieira nos coloca que o diretor de cinema deve fazer o mesmo papel solitário do autor literário, isso devido ao fato de precisar escolher como representar ou mostrar determinadas ideias de acordo com a poética que o cinema possui, assim como o escritor precisa decidir como contar sua história de acordo com a poética que a literatura possui. Ou seja, da mesma forma que o escritor toma decisões sobre a forma que irá escrever e colocar cada fato da história em uma narrativa literária, o cineasta (embora em conjunto com uma equipe) deve tomar decisões sobre a composição audiovisual do filme. Assim, embora cada meio caminhe para um tipo de obra de arte, o cineasta trabalha a poética cinematográfica com uma preocupação semelhante àquela que o escritor possui sobre poética literária. Esse fator das escolhas, colocado pela última pesquisa, já começa a se aproximar mais do estudo nesta dissertação, mas aqui é importante ressaltar que esse aspecto, pelo qual analisarei o corpus, estará fortemente ligado às pinturas ou gravuras encontradas na História da Arte (de acordo com variadas observações históricas). Sobre essa perspectiva para uma possibilidade de adaptação, apoiada não por questões de fidelidade ao original literário mas sim por aspectos de mediação de imagens, podemos começar a tratar do referencial teórico escolhido para esta pesquisa.

32 Principais Referenciais Teóricos A primordial referência aqui utilizada é a teoria de schema de Ernst Gombrich, mas quando tratamos da ideia da não fidelidade entre as obras, devido à poética de cada mídia, nesse ponto podemos pensar também numa possível relação desta pesquisa com a teoria da adaptação de Linda Hutcheon, pesquisadora que segue uma linha de raciocínio que não é a de Gombrich. A autora foi escolhida especialmente devido às suas seis formas de análise sobre obras adaptadas: (1) O quê? (referente ao objeto de estudo: a literatura de Tolkien); (2) Quem? (o autor da adaptação: Peter Jackson); (3) Por quê? (a motivação do autor: diretor enquanto fã, leitor e cineasta); (4) Como? (a mídia utilizada e de que forma, aqui relacionada com a construção da estrutura visual do filme com base em schemata de obras de pintura e de gravura); (5) Onde? (o local de origem da obra original, Inglaterra, para o local de produção, Nova Zelândia, e com destino para Hollywood); e (6) Quando? (da época da escrita/publicação literária, em , para a época da produção/recepção do filme, em ) (HUTCHEON, 2013, p.21). Todos esses processos para a adaptação de uma obra (de uma mídia a outra) analisados pela autora como indicação da forma de leitura de um livro dos anos 1950 transposto para uma representação audiovisual nos anos Através dessa construção de pensamento de Linda Hutcheon, reconhecido pelo seu livro Uma Teoria da Adaptação (de 2011), uma das principais questões colocadas pela autora, o Como?, é o questionamento utilizado, nesta pesquisa, para tentarmos compreender como parte da estrutura visual do filme pode ter sido criada a partir de seu imaginário na obra literária. Uma primeira ideia trabalhada por Hutcheon, nesse pensamento, é a questão da adaptação ser, de fato, uma forma de repetição com diferenciações do conteúdo original, de forma que traga ao espectador (principalmente no caso do leitor do original) um contato com algo o qual ele já conhece, o que o define enquanto parte de um público conhecedor (HUTCHEON, 2013, p.166). Ao mesmo tempo, esta adaptação pode proporcionar um contato diferenciado com a obra, através dos elementos necessários e peculiares à mídia escolhida para a divulgação (novamente, a ideia das escolhas para a poética do meio). algo mais acontece com as adaptações em particular: há tanto uma diferença inevitável quanto repetição. Considere as palavras do [...] adaptador para musicais e filmes, Terrence McNally (2002, p. 19): o triunfo de óperas e musicais de sucesso está no modo como reinventam e revitalizam o familiar. O mesmo poderia ser dito de qualquer adaptação bem-sucedida. Focar somente a repetição, em outras palavras, é sugerir apenas o elemento potencialmente conservador na reação do público à adaptação. [...] talvez o

33 32 verdadeiro conforto esteja no simples ato de quase repetir, porém sem fazê-lo, na revisitação de um tema com variações. (HUTCHEON, 2013, p.159) Isso pode ser um ponto de partida para a ideia intertextual presente nas adaptações, nos propondo a possibilidade de irmos além das características no original, pois permite que a transposição do livro ao filme possa ter outras relações de referência. Isso possibilita, também, que a adaptação seja realizada a partir de uma construção com base em várias ideias visuais, o que nos leva à proposta de schemata presentes em cenas da obra fílmica, através de seu reconhecimento em imagens datadas, mas em mediação. Esse é o prazer intertextual da adaptação que alguns consideram elitista e outros veem como enriquecedor. Tal como a imitação clássica, a adaptação estimula o prazer intelectual e estético (DUQUESNAY, 1979, p. 68) de compreender a interação entre as obras, de abrir os possíveis significados de um texto ao diálogo intertextual. A adaptação e a obra adaptada juntam-se na compreensão do público em torno de suas complexas interações. (HUTCHEON, 2013, p.161) Embora esse pensamento esteja, através da mídia da adaptação, ligado a possibilidades quase infinitas de trabalho na criação de uma estrutura visual, cada adaptação, por mais diferenciada do original que seja e/ou por mais inovadora possível, possui sempre expectativas já aguardadas pelo público da mídia a ser escolhida (HUTCHEON, 2013, p ). Ligadas a uma tradição artística do meio, é importante lembrar que, independentemente dos referenciais imagéticos buscados pela equipe de cineastas, há sempre uma forma tradicional já aguardada a ser retrabalhada pela adaptação, através do escrito original juntamente com a forma tradicional, que permitem ou dão limites à criação (HUTCHEON, 2013, p.176). Portanto, os cineastas adaptadores não trabalham apenas com as expectativas dos leitores, mas igualmente de todo um público já inserido na forma estética do gênero a ser abrangido por esta adaptação, ao mesmo tempo em que podem, ou não, recriar o universo de maneira quase particular, buscando também uma autoria artística no meio. A obra é construída com base em paradigmas ligados às mentalidades próprias do meio e do gênero a serem explorados pela história adaptada, embora esses não sejam totais e/ou imutáveis: O contar exige do público um trabalho conceitual; o mostrar solicita suas habilidades decodificadoras perceptivas. (HUTCHEON, 2013, p.178). Aqui cabe, portanto, uma singular citação da autora: Quando lemos, acumulamos detalhes sobre a narrativa, os personagens, o contexto e os demais elementos, de forma gradual e sequencial; quando assistimos a um filme [...], percebemos os múltiplos objetos, relações e signos

34 33 significativos simultaneamente, ainda que o roteiro, a música ou a trilha sonora sejam absolutamente lineares. (HUTCHEON, 2013, p.178) Quando compreendemos os limites e as possibilidades imagéticas para as adaptações, podemos prosseguir, nesta pequena revisão teórica, às ideias presentes a partir dos possíveis schemata visuais que se mantêm com o tempo, sendo trabalhados diretamente ou indiretamente através da equipe de direção de arte cinematográfica. Este seria o momento de compreendermos, basicamente, o conceito de schema. Gombrich, o principal autor, é retratado de acordo com seus quatro caminhos para a interpretação da arte: (1) Os Limites da Semelhança ; (2) Função e Forma ; (3) A Participação do Observador ; e (4) Invenção e Descoberta (GOMBRICH, 1995, p.vii-viii). Entretanto, compreendendo esses pensamentos do autor como amplos e sobre diversos aspectos, nesta pesquisa serão trabalhadas as indicações de cada capítulo apenas de acordo com a teoria de schema (GOMBRICH, 1995, p.78). A ideia de se basear em uma forma-modelo, visualmente próxima do imaginário coletivo, que sob o domínio do artista permitirá que o público-alvo se aproxime imageticamente da obra, através de uma relação de reconhecimento, mesmo inconsciente, do motivo passado em uma obra mais atual. Esse pensamento pode ser compreendido como adentrado nos estudos do cognitivismo. Com base no pensamento do autor através de sua obra teórica Arte e Ilusão: Um Estudo da Psicologia da Representação Pictórica (edição original de 1959), essa ideia parte, igualmente, da necessidade da equipe de direção de arte buscar referenciais imagéticos para a construção do visual fílmico. Entretanto, esta pesquisa não possui o intuito de encontrar e definir quais obras artísticas foram usadas como base imagética à equipe, mas sim o intuito de reconhecer estruturas visuais (schemata) possíveis de serem reconhecidas em cenas dos filmes. Dentro dessa ideia está a noção da mediação de imagens. Algumas estruturas, escolhidas pelos artistas para uma representação imagética, permitem o direcionamento da obra com base em referências encontradas na História da Arte, mas, indo além disso, há ideias visuais já naturalizadas, já comuns tanto ao cineasta quanto ao espectador que observará a obra, e o ponto de ligação entre artista, arte e visualizador se torna importante e imprescindível para a compreensão da obra (principalmente quando presente no mercado da cultura pop). Se colocarmos esse pensamento dentro da ideia de uma adaptação (de livro a filme), observa-se que os autores cineastas, partindo de algo que foi construído com base na imaginação de um autor literário, buscarão ideias já formadas e convenções já presentes na História da Arte, adaptando o conteúdo literário através de uma estrutura visual criada sob

35 34 schemata possíveis ao entendimento cognitivo do público. Em seu livro, Gombrich coloca a importância da existência e utilização de um schema, pelo artista, para algo que ele queira representar em sua obra, definindo que esse artista podia sustentar que não faz sentido olhar para um motivo [imagético] se não se aprendeu a classificá-lo e enquadrá-lo na rede de uma fórmula esquemática (GOMBRICH, 1995, p.78). Ele afirma que essa ideia é uma conclusão a qual chegaram os psicólogos, isso ao investigar o procedimento que uma artista qualquer adota quando pretente copiar o que é chamado de figura sem sentido, como um borrão de tinta não-estruturado, digamos, ou qualquer mancha irregular (GOMBRICH, 1995, p.78). A escolha de um schema, em sua teoria, se mostra essencial para adequar esse borrão à uma representação da realidade que seja legível visualmente pelo espectador da futura obra. Desse ponto de partida, segundo Gombrich, nos é colocada a ideia principal do conceito de schema da seguinte maneira: De modo geral, ao que parece, o procedimento é sempre o mesmo. O desenhista começa por classificar o borrão, enquadrando-o em algum esquema familiar [...]. Tendo escolhido um esquema que se adapta aproximadamente à forma, procurará ajustá-lo melhor, por assim dizer [...]. O ato de copiar [...] prossegue num ritmo de esquema e correção. O esquema não é produto de um processo de abstração de uma tendência a simplificar, mas representa uma primeira categoria, aproximada e pouco rígida, que aos poucos se estreitará para adaptar-se à forma a ser reproduzida. (GOMBRICH, 1995, p.78) Simplificando, quando colocamos essa citação em analogia às representações imagéticas para a construção de uma visibilidade fílmica, derivada de uma literatura, podemos pensar no seguinte paralelo conceitual: a literatura enquanto o borrão, a equipe artística como o desenhista e as imagens mediadas como base para schemata familiares. Com base na composição e/ou disposição visual de motivos imagéticos, identificados nos schemata das imagens escolhidas pela direção de arte, as figuras serão trabalhadas durante o ato de cópia na adaptação, fazendo com que os motivos sejam adequados às necessidades visuais do filme. Além disso, independentemente do fato do público-alvo conhecer ou não as imagens referentes, é possível haver uma estrutura imagética que se mantenha pelas artes, desde imagens em mídias escritas (como representações visuais através de figuras ou gravuras em livros e/ou graphic novels), passando pelas mídias imagéticas (cinema, teatro e/ou pintura) e chegando nas mídias participativas (videogames, parques temáticos e/ou realidades virtuais). Diretamente ou mesmo de maneira não intencional, há sempre a possibilidade dos cineastas trabalharem através de mediações artísticas além daquelas tradicionais pelo meio cinematográfico, já que sobrevivem no imaginário coletivo estruturas de imagens já vistas pelo

36 35 público ou mesmo pelos cineastas, através da circulação das mesmas (muitas vezes, pela própria cultura pop). Isso também pode permitir, assim, que os schemata imagéticos continuem vigentes, pois há sempre uma ideia psicanalítica (GOMBRICH, 1995, p.111) de procurarmos proximidades com algo comum àquilo que vemos de diferente à nossa frente, e o cinema é uma arte com grandes possibilidades de trazer, em suas obras, schemata de outras formas de arte. Os cineastas promovem, assim, a sua própria poética com base em estruturas visuais já prédefinidas e passíveis de serem vistas e decodificadas pelos seus espectadores essa pode ser uma ideia muito próxima do ponto de vista de Gombrich em relação aos schemata. Com base nessa escrita de Gombrich, e procurando uma continuidade dela através de estudos cognitivistas, há também um levantamento sobre pesquisas americanas acerca desta área de estudos, abrangendo outras conceituações, desde a ideia central de cognitivismo até uma possível observação desse aspecto relacionado a meios de comunicação. Um dos estudiosos pelos quais podemos compreender o cognitivismo como uma forma de compreender e estudar cinema é David Bordwell. Em seu artigo A Case for Cognitivism 24, Bordwell nos coloca como o cognitivismo pode ser utilizado em estudos cinematográficos, mas parte, primeiramente, de seu aspecto mais amplo em ciência: Em geral, a teoria cognitiva quer entender tais atividades mentais humanas como reconhecimento, compreensão, inferência, interpretação, julgamento, memória e imaginação. Pesquisadores dentro deste quadro propõem teorias sobre como tais processos funcionam, e analisam e testam as teorias de acordo com cânones de investigação científica e filosófica. Mais especificamente, a estrutura cognitiva de referência coloca o nível de atividade mental como algo irredutível para explicar a ação social humana. Como a maioria das vertentes da teoria contemporânea do cinema, a teoria cognitiva rejeita um relato comportamental estrito da ação humana. [...] as teorias cognitivas sustentam que, para entender a ação humana, devemos postular tais entidades como percepções, pensamentos, crenças, desejos, intenções, planos, habilidades e sentimentos. Ou seja, existe uma lacuna entre a ação humana inteligível e intencional e os mecanismos fisiológicos que a executam. De acordo com a tradição cognitivista, essa lacuna é preenchida por algum tipo de ação. 25 (BORDWELL, 2008, p.2, tradução do autor) 24 Artigo publicado no site de Bordwell: 25 In general, cognitive theory wants to understand such human mental activities as recognition, comprehension, inference-making, interpretation, judgment, memory, and imagination. Researchers within this framework propose theories of how such processes work, and they analyze and test the theories according to canons of scientific and philosophical inquiry. More specifically, the cognitive frame of reference posits the level of mental activity as an irreducible one in explaining human social action. Like most strands of contemporary film theory, cognitive theory rejects a strict behavioristic account of human action. [...] cognitive theories hold that in order to understand human action, we must postulate such entities as perceptions, thoughts, beliefs, desires, intentions, plans, skills, and feelings. That is, there is a gap between intelligible and intentional human action and the physiological mechanisms which execute it. According to the cognitivist tradition, this gap is filled by mentation of some sort.

37 36 Com esse primeiro reconhecimento fundamental sobre a área, Bordwell já nos propõe a ideia de que o cognitivismo tenta explicar, basicamente, os processos da mente humana buscando compreender a forma como o homem age e reconhece processos em sociedade. Mas, se direcionarmos essa ideia para construções audiovisuais, podemos tentar compreender a ideia de schemata de representação que permanecem na mente humana. Para mostrar que é possível aplicar o cognitivismo no campo das ciências humanas, Bordwell nos coloca três observações para a sua utilização: (1) as ciências físicas e naturais não buscam a verdade absoluta (embora tenham intenção de se aproximar dela); (2) não há desvantagem maior do cognitivismo quando este é creditado como também possível através das ciências humanas (em relação a outras ciências); e (3) que há muitos teóricos de cinema que colocam as suas disciplinas de acordo com outros tipos de ciências (não ficando dentro apenas do campo das ciências humanas), e nessa ideia Bordwell menciona que a única forma deles descartarem essas outras ciências seria se fossem consideradas como ficcionais e/ou lúdicas (BORDWELL, 2008, p.3-4). Continuando sua afirmação sobre a aplicabilidade desses estudos ao cinema, Bordwell ainda nos coloca a estrutura cognitiva como algo vantajoso por não ser uma grade hermenêutica e também por não poder ser alegorizada, afirmando que, como toda teorização, ela faz a pergunta kantiana: Dadas certas propriedades de um fenômeno, quais devem ser as condições que as produzem? Em seguida, procura explicações causais, funcionais ou teleológicas dessas condições. 26 (BORDWELL, 2008, p.4, tradução do autor). Ou seja, ao observarmos um certo fenômeno, desde um simples fato social até uma obra artística, e identificando cada uma de suas propriedades, busca-se uma compreensão do que o produz através de diversos tipos de explicações de acordo com as condições. Por exemplo, levando essa ideia a uma transposição narrativa de livro a filme, ao observarmos a adaptação fílmica, e se conseguirmos identificarmos cada uma de suas propriedades de acordo com a poética do meio, buscaremos explicações acerca de quais condições estão presentes em sua poética e em como isso atinge cognitivamente o espectador. Bordwell, bem próximo do pensamento de Gombrich, trabalha a teoria de schema através da ideia de representações mentais, e esse pode ser o ponto mais forte, encontrado neste levantamento de material, no sentido da aplicabilidade dos pontos de vista de Gombrich e Bordwell em relação direta ao cinema. Bordwell mostra como os estudiosos cognitivos normalmente examinam três aspectos sobre a representação mental: (1) o conteúdo semântico da representação (sobre as propriedades atribuídas a algo); (2) a estrutura da representação 26 all theorizing, it asks the Kantian question: Given certain properties of a phenomenon, what must be the conditions producing them? It then searches for causal, functional, or teleological explanations of those conditions.

38 37 (relacionado ao padrão no qual está presente este algo); e (3) o processamento de representações mentais (relacionado a atividades que produzirão julgamentos perceptivos, construção de memórias, resolução de problemas ou extração de inferências) (BORDWELL, 2008, p.7). Partindo dessa primeira proposição do autor sobre as representações mentais, Bordwell mostra uma compreensão da ideia de schema em si (na perspectiva de condições padrão) e, de acordo com a mesma proposição de Gombrich sobre a possibilidade de padrões familiares, aplica esse pensamento através do cognitivismo. É a procura mental na compreensão de uma representação de uma história através de schemata cognitivos encontrados em outras narrativas, ou mesmo em um grande padrão já conhecido: O apreendedor seleciona o schema de recursos que parecem mais apropriados para a tarefa em mãos (ou seja, entender a história). Se o caso em questão não se encaixa na estrutura canônica, outras estratégias devem ser implementadas para dar sentido a ela. Seria possível, no entanto, tratar schemata de história como instâncias de processamento algorítmico. Roger Schank, que originou a idéia de scripts mentais (schemata para eventos familiares, como ter uma refeição em um restaurante), procurou produzir modelos AI de compreensão de histórias 27 (BORDWELL, 2008, p.9, tradução do autor) Embora nesta citação o autor se relacione mais à ideia de compreensão de schemata sociais na aplicação mental, do apreendedor (da pessoa que observa a história), à narrativa que está enxergando na sua frente, Bordwell também afirma que, na compreensão da estrutura audiovisual do cinema, Como toda ação intencional, ler um filme deve ser mediado por representações mentais. 28 (BORDWELL, 2008, p.10, tradução do autor). Essa colocação do autor será vista, aqui na dissertação, através de duas ideias: (1) do reconhecimento dos scripts narrativos, na relação entre o cânone literário e a adaptação fílmica; (2) e através de representações mentais, identificáveis por schemata visuais, em obras de pintura ou gravura de fases artísticas já passadas, presentes em cenas da trilogia fílmica. Dessa forma, apenas para não continuar me estendendo aqui nesta aproximação entre os dois téoricos, uma última citação mostra, essencialmente, a escolha de Bordwell para esta dissertação, na ligação entre o pensamento cognitivo e a teoria de schema de Gombrich: 27 The perceiver selects the schema those features that seem most appropriate to the task at hand (that is, understanding the story). If the case at hand does not fit the canonical structure, then other strategies must be deployed to make sense of it. It would be possible, however, to treat story schemata as instances of algorithmic processing. Roger Schank, who originated the idea of mental "scripts" (schemata for familiar events like having a meal in a restaurant), has sought to produce AI models of story comprehension 28 Like all intentional action, "reading" a film ought to be mediated by mental representations.

39 38 Seria igualmente possível estudar a história da teoria contemporânea do cinema como uma revisão em curso de schemata herdados. [...] Em outras palavras, pode-se considerar a história da teoria cinematográfica como Gombrich trata a história da arte visual ou, mais recentemente, como alguns estudiosos têm tratado a história da ciência (Miller, 1986, Giere 1988): como um processo pelo qual imagens vívidas ou metáforas são disseminadas, reformuladas, preenchidas, mapeadas em diversos fenômenos e elaboradas para atender a propósitos institucionais específicos. Se A história do pensamento é a história de seus modelos (Jameson 1972, p. V), a perspectiva cognitiva sugere algumas formas de apreender a dimensão social desses modelos. 29 (BORDWELL, 2008, p.11, tradução do autor) Mais pontos relevantes acerca de estudos cognitivistas serão apresentados no decorrer da dissertação, de acordo com a necessidade desta pesquisa. Já de acordo com a História da Arte, são trabalhados conceitos e definições referentes a fases artísticas, aqui escolhidas, através de fontes historiográficas que servirão como pesquisa dos períodos para a busca de imagens (relacionadas com as artes pictóricas) com schemata mediados à estrutura visual do corpus. A partir dessas fontes historiográficas, são observados os conceitos de cada fase e os aspectos peculiares de cada uma, dependendo da necessidade para cada capítulo da dissertação. A abordagem referente à História da Arte, nesta pesquisa, está de acordo com a estética das imagens encontradas, observando a sua estrutura visual (schema) e a possibilidade de sua aplicação em recortes de cenas e/ou sequências fílmicas, devido ao seu aspecto de mediação. Tendo em vista, portanto, a importância das fases artísticas para a análise e interpretação das possíveis obras mediadas à produção cinematográfica, escolheu-se para esta dissertação seguir a ordem cronológica referente à História da Arte, ao invés de seguir a ordem cronológica da narrativa fílmica ou literária. Essa decisão também se deu a partir da observação de que muitas referências, em diferentes fases artísticas, vão se intercalando excessivamente durante a linha narrativa da história nos filmes, o que poderia dificultar a compreensão do leitor mais do que a apresentação de uma única fase artística por vez, analisando em quais cenas ou sequências seus schemata podem ser identificados e analisados. Tentarei, portanto, através das condições aqui colocadas, analisar parte da direção artística da trilogia The Lord of the Rings, buscando uma possível compreensão do extenso processo de construção visual dos filmes, nessa transposição da poética literária à poética cinematográfica, um aspecto fortemente presente através do mercado da cultura pop. 29 It would likewise be possible to study the history of contemporary film theory as an ongoing revision of inherited schemata. [...] In other words, one might consider the history of film theory much as Gombrich renders the history of visual art or, more recently, some scholars have treated the history of science (Miller 1986; Giere 1988): as a process whereby vivid images or metaphors are disseminated, recast, filled in, mapped onto diverse phenomena, and elaborated to fit specific institutional purposes. If "The history of thought is the history of its models" (Jameson 1972, p. v), the cognitive perspective suggests some ways of grasping the social dimension of those models.

40 39 2. BATALHAS MEDIEVAIS: DO CLASSICISMO AO PÓS-ROMANTISMO 2.1. Guerras Mundiais: A Vivência do Autor presente na Guerra do Anel O extenso livro de Tolkien, O Senhor dos Anéis, é uma história medieval desenvolvida ou que, pelo menos, depende de construções de situações que tragam contextos de grandes batalhas, permitindo que a narrativa sempre tenha um ponto de alta tensão e dramaticidade de acordo com o seu desenvolvimento. É importante lembrar que muitos dos embates bélicos nos capítulos do livro são copiosamente relacionados às lembranças de Tolkien sobre a Primeira Guerra Mundial e, não obstante, ao fato de também ter vivenciado tão proximamente a Segunda Guerra Mundial, pois observou seus filhos combaterem os nazistas 30. Essas lembranças, vivências e experiências se encontram quase como uma fonte histórica e pessoal transpassada, ou mesmo adaptada, à fantasia medieval de Tolkien, como já foi mencionado aqui através do levantamento de pesquisa sobre o processo de escrita do autor em meio à sua contemporaneidade 31. Nos registros pessoais do autor, em As Cartas de J.R.R. Tolkien, é possível identificar, por exemplo, como ele relacionava muito a sua vida particular com a sua escrita literária, gerando diversos momentos em sua narrativa como alegorias não apenas de sua visão da sociedade atual, mas igualmente de suas experiências em torno dos grandes conflitos mundiais presentes em sua época (TOLKIEN, 2006, p.93-95). Ou seja, é indispensável a ideia de Tolkien utilizar de schemata pessoais algo próximo da ideia de scripts 32 (BORDWELL, 2008, p.9), essencialmente aqueles particulares na sua vida, para a construção de sua narrativa, o que exclui uma possível ideia do escritor ter criado tudo do zero. Essa ideia de schemata pessoais parte da ideia do autor resgatar fatos da sua vida no caso de Tolkien, isso estaria relacionado à sua vivência em viagens e pela experiência em 30 Uma breve explicação sobre a participação de Tolkien e de seus filhos nas Primeira e Segunda Guerras Mundiais pode ser conferida no artigo Por que a Primeira Guerra Mundial está no coração de Senhor dos Anéis?, escrito por John Garth (autor de uma das mais importantes biografias sobre Tolkien: Tolkien and the Great War), disponível em: < Acesso em: 20 fev Artigo Tolkien: Uma Voz Dissonante em meio à Modernidade Inglesa (TEIXEIRA, 2013). No artigo, conforme aparece no levantamento de pesquisa na Introdução desta dissertação, Teixeira exemplifica como que alguns aspectos pessoais da vida de Tolkien aparecem como motivações narrativas ao livro O Senhor dos Anéis. 32 Aqui é necessário uma observação mais cuidadosa. Bordwell, em seu texto, relaciona essa ideia cognitivista de scripts ao fato da compreensão natural, do homem, sobre esquemas para eventos familiares, no processo mental do ser humano em buscar na sua consciência por narrativas particulares para a compreensão de uma situação equivalente que se depara à sua frente (BORDWELL, 2008, p.9). Aqui, observo esse mesmo aspecto de reconhecimento particular, agora relacionado à Tolkien, como uma forma do autor utilizar de sua própria experiência de vida para a composição dos eventos à sua literatura. Assim, ao invés de observar o aspecto de Bordwell como uma forma de compreender uma narrativa que aparece diante de Tolkien, penso nessa ideia como uma forma de ter uma base cognitiva para a criação de outra narrativa, no caso, seus livros sobre a Terra-Média.

41 40 guerras como reconhecimento de narrativas particulares, ou seja, próprias do escritor, a serem adaptadas por ele, consciente ou inconscientemente, à sua literatura. Isso explicaria o aspecto dos personagens hobbits possuírem tamanhas características próprias de Tolkien, especialmente pelo desejo de grandes aventuras em grandes viagens. Alguns aspectos da vida de Tolkien se mantêm na adaptação fílmica dos anos Na produção de The Lord of the Rings, tanto a equipe do cineasta Peter Jackson como os atores demonstram que muitas das possíveis interpretações, de passagens literárias da escrita de Tolkien, permaneceriam direta ou indiretamente na construção visual e sonora da adaptação. Podemos destacar, brevemente, ideias relacionadas a ambientes fílmicos e à forma de comportamento que alguns atores adotaram em suas interpretações. Um exemplo de transposição das lembranças de Tolkien para o seu livro e, como referência imaginária a se tornar imagem, para a direção de arte fílmica é o ambiente dos Pântanos Mortos. No livro, trata-se de um lugar sombrio que possui diversos corpos submersos em meio a um caminho tortuoso, por ser completamente instável, no qual apenas Gollum, companheiro de Frodo e Sam nesse momento da narrativa, conhece os meios de atravessar o grandioso pântano. Com relação aos corpos, estes são ex-guerreiros (elfos, humanos e orcs) dos quais seus espíritos, como se estivessem amaldiçoados, permanecem naquele lugar, além de seus corpos aparecerem sob a água enlamaçada do pântano, adornados por luzes verdes, conforme a descrição de Tolkien: Logo tudo ficou completamente escuro: o próprio ar parecia negro e pesado de se respirar. Quando luzes apareceram, Sam esfregou os olhos: teve a impressão de que sua cabeça estava ficando estranha. Primeiro viu um com o canto do olho esquerdo, um fogo fátuo de brilho opaco que desapareceu; mas outros apareceram logo depois: alguns semelhantes a uma fumaça de brilho fraco, outros como chamas enevoadas piscando lentamente sobre velas invisíveis; aqui e ali se retorciam como lençóis fantasmagóricos desfraldados por mãos ocultas. (TOLKIEN, 2002b, p.315) [...] Nas poças, quando as velas estão acesas. Jazem em todas as poças, rostos pálidos, nas profundezas das águas escuras. Eu os vi: rostos repugnantes e maus, e rostos nobres e tristes. Muitos rostos altivos e belos, e ervas em seus cabelos prateados. Mas todos nojentos, podres, todos mortos. Há uma luz terrível neles. (TOLKIEN, 2002b, p ) Essa passagem literária é interpretada pela equipe de Peter Jackson como uma representação dos extensos campos de lama e lodo nos quais Tolkien vivenciou, nas trincheiras durante a Primeira Guerra Mundial, a morte de diversos soldados durante muita destruição em

42 41 extensos ataques bélicos 33 (JACKSON et al., 2012). No filme, os Pântanos Mortos possuem o mesmo tipo de ambiente descrito por Tolkien, com todos os elementos identificáveis na narrativa do livro, embora ainda há um extenso trabalho da direção de arte para reconstruir o imaginário literário. Já com relação a alguns personagens, uma observação permanece bem representada durante a trilogia fílmica. Refiro-me à forma da interpretação do personagem Saruman através do ator Christopher Lee. Saruman O Branco é um dos antigos e sábios magos da Terra-Média. Era amigo de Gandalf, além de ser seu superior na ordem dos magos, e decidiu trair a confiança de diversos povos quando se uniu a Sauron para subjugar a Terra-Média, embora tivesse, em seus planos, a intenção de superar até mesmo o poder desse seu novo mestre. Com a traição, o mago branco se torna, no livro, Saruman de Muitas Cores uma interpretação poética de Tolkien sobre o fato da sede de poder do mago 34. Observando ainda o livro, principalmente no capítulo intitulado A Voz de Saruman, após o mago ter suas tropas derrotadas na Batalha do Abismo de Helm, alguns dos heróis que venceram o confronto vão ao encontro dele, e a forma como ele tenta ainda manipular a vontade dos cavaleiros se faz através da sua voz. Na narrativa de Tolkien, a voz de Saruman possui, exatamente, esse poder de dominação e de forte influência diante de variados povos que escutem o mago falar. Se observarmos um breve conselho de Gandalf, um dos heróis da batalha e aquele quem conduz o trajeto ao encontro de Saruman, identificamos o alerta que ele coloca aos seus companheiros, antes da conversa com o mago: A última coisa é a mais provável, se você se dirigir à porta dele com o coração desprevenido disse Gandalf Mas não há como saber o que ele fará, ou o que decidirá tentar. Não é seguro se aproximar de um animal selvagem acuado. E Saruman tem poderes que você nem imagina. Tomem cuidado com a voz dele! (TOLKIEN, 2002b, p.240) Esse poder de dominação pela voz é observado, pelo ator Christopher Lee, como semelhante à intensidade da fala que Adolf Hitler possuía em seus discursos sobre os ideais nazistas. Da mesma forma pela qual Hitler mostrava-se imponente e fortemente vívido, em suas palavras e através da força de sua voz, Lee interpreta que essa possa ter sido uma herança da Segunda Guerra Mundial trazida por Tolkien na construção do mago Saruman (JACKSON et 33 É possível que uma das referências do imaginário do autor para esse capítulo de As Duas Torres seja a Batalha do Somme (01/07/1916 a 18/09/1916 Primeira Guerra Mundial), na qual houve mais de um milhão de baixas durante o combate. Até hoje, segundo o site Seu History, permanecem cadáveres e armas a serem ainda encontrados no local. Informação disponível em: < Acesso em 20 fev Como curiosidade, nesse mesmo combate, Tolkien e Hitler se econtravam em lados opostos, como soldados. 34 Não por acaso, se pensarmos em conceituações da física, todas as cores do espectro visível (cores do arco-íris), quando unidas, compõem a luz branca. Afirmação que ficou clara através do experimento do Prisma de Newton.

43 42 al., 2012). Na trilogia fílmica, a cena referente ao capítulo A Voz de Saruman (em The Return of the King) não nos mostra esse tamanho poder de dominação através da voz do mago nesse momento do filme observamos mais um ex-líder vencido mantendo a sua arrogância e o seu orgulho diante da derrota. Entretanto, durante a cena que prenuncia a ida do exército uruk-hai 35 para o Abismo de Helm, o discurso de Saruman, em uma voz imponente e maliciosa (com auxílio da pós-produção sonora), e com palavras diretas e objetivas, é quando podemos reconhecer a ideia da voz do mago ter realmente uma forte relevância, instigando o desejo de batalha e de morte a diversos tipos de exércitos 36. Observamos assim que, tanto na construção literária quanto na adaptação fílmica, o imaginário coletivo presente nas Guerras Mundiais permanece como forte indício de referência visual e sonora na transposição do livro aos filmes. Essencialmente sobre a composição narrativa na literatura de Tolkien, é visível que diversas das suas memórias pessoais são uma das formas pelas quais podemos compreender a construção de suas histórias medievais. Entretanto, abrangendo o aspecto visual das escolhas da direção de arte para a produção fílmica, é possível que a equipe de Jackson tenha buscado diversificadas referências para a construção visual da narrativa, com outras fontes também se tornando importantes para a adaptação no cinema. Assim, analisarei outros aspectos como referências imagéticas, isso enquanto possibilidade de schemata visuais vigentes na cultura pop, chegando também a composições através de imagens mediadas 37 de fases artísticas passadas. Pensando nos possíveis schemata a serem encontrados na produção visual dos embates bélicos reconhecidos na adaptação fílmica, a análise é feita especialmente sobre duas das mais importantes batalhas medievais encontradas tanto na narrativa literária quanto na cinematográfica: (1) a Batalha do Abismo de Helm (início dos confrontos bélicos na história); e (2) a Batalha dos Campos de Pelennor (principal, deciviso e mais extenso embate entre as forças do bem e do mal na história). 35 Tipo de orc criado pelo maléfico mago Saruman. Na história, Saruman cruza homens com orcs para formar os uruk-hai, estes tipos de guerreiros com uma força descomunal e com uma aparença humanóide melhor definida do que a dos orcs normais, mas com a pele escurecida, rostos tensos e maliciosos, e com o agir muitas vezes ligado a uma forma animalesca (com urros e respiração de animais selvagens). 36 É importante lembrar que, o mago branco, no filme, ainda manipula povos bárbaros contra o reino de Rohan, aquele o qual Saruman pretende vencer no início da Guerra do Anel. 37 Sobre essa ideia, trabalho aqui (assim como em toda a dissertação) com os estudos encontrados no livro Mediação & Midiatização (JACKS; JANOTTI JÚNIOR; MATTOS, 2012). Podemos observar o capítulo Medium, media, mediação e midiatização: a perspectiva germânica (BASTOS, 2012), no qual o autor trabalha o conceito de mediação de acordo com Martín-Barbero, definindo-a como algo que compreende uma vasta gama de intersecções entre cultura, política e comunicação e equaciona as diferentes apropriações, recodificações e ressignificações que ocorrem na produção e recepção dos produtos comunicacionais. [...] produção, recepção, meio e mensagem só podem ser pensados como um processo contínuo as mediações posição de onde é possível compreender a interação social entre emissão e recepção. (BASTOS, 2012, p.63-64).

44 43 Essas duas batalhas conduzem alguns dos momentos de ápice, ou de alta tensão, nos filmes The Two Towers no qual a fortaleza do Abismo de Helm aparece ameaçada pelas forças de Isengard e The Return of the King em que vemos a defesa da cidade de Gondor diante da ameaça dos exércitos de Mordor, portanto, são compreendidas como dois dos principais confrontos da Guerra do Anel. Conforme dito na Introdução, foi optado para esta dissertação a ordem cronológica das fases artísticas, ao invés da ordem cronológica da narrativa fílmica, nas quais identificarei os schemata em imagens mediadas, dependendo dos aspectos observados em cada momento da história e das necessidades que surgiram durante o processo de análise Minas Tirith: Os Schemata Históricos na Cidade Branca A Guerra do Anel é, de maneira geral, um grande confronto bélico subdividido em três principais momentos, os quais conduzem boa parte de algumas das linhas narrativas da história, tanto por parte da literatura quanto por parte do filme. Entretanto, não contradizendo mas propondo outras formas de reconhecer a história e seus referenciais imagéticos, a ideia de que não há apenas elementos das Guerras Mundiais na base da construção das batalhas pela Terra- Média é essencial para esta parte do texto. Isso não apenas pelo fato da possibilidade das obras literária e cinematográfica terem abrangido outros schemata de referência visuais, mas principalmente pela possibilidade de observar o quão amplas podem ser obras fílmicas a partir do imaginário presente em suas respectivas narrativas literárias. Parte desse imaginário (oriundo da narrativa literária em processo de transposição para a imagem fílmica, e relacionado a uma ampla gama de referências em sua construção visual) pode ser compreendido nas escolhas realizadas pela direção de arte para a representação da cidade de Gondor, o principal reino dos homens na época da narrativa literária e fílmica. Gondor é descrita por Tolkien como um reino, da parte Sul da Terra-Média, oriundo dos sobreviventes fiéis das terras de Númenor, Elendil e seus filhos: Isildur e Anárion. Como pode ser lido nos apêndices do livro O Retorno do Rei na seção I. Os Reis Númenorianos: (i) Númenor o reino de Númenor era conhecido como o maior dos homens, presente em uma ilha no mar do Oeste da Terra-Média.

45 44 Sendo uma grande sociedade marítima em seus anos de ouro, Númenor possuiu uma extensa linhagem de reis, até que traíram os povos das Terras Imortais 38, o que provocou a destruição de suas terras, engolidas pelo mar que envolvia a grande ilha. Não houve apenas traidores entre os númenorianos, e os fiéis às Terras Imortais (Elendil e seus filhos) foram poupados da destruição, chegando com embarcações na Terra-Média, onde construiriam os reinos de Arnor (Norte da Terra-Média, do qual Elendil seria o rei) e Gondor (Sul da Terra- Média, que ficou com o comando de seus filhos). No primeiro volume, A Sociedade do Anel, Tolkien nos apresenta parte dessa história através do relato do rei Elrond, pelo qual fala... de Númenor, de sua glória e queda, e do retorno dos Reis dos Homens à Terra- Média, vindos das profundezas do mar, carregados pelas asas da tempestade. Então Elendil, o Alto, e seus poderosos filhos, Isildur e Anárion, tornaram-se grandes senhores, e fundaram o Reino do Norte em Arnor, e o Reino do Sul em Gondor, sobre a foz do Anduin. Mas Sauron de Mordor os atacou, e eles fizeram a última Aliança de Elfos e Homens, e as tropas de Gil-galad e Elendil foram reunidas em Arnor. (TOLKIEN, 2002a, p.336) Com o passar das gerações, as grandes linhagens dos reis númenorianos, no Norte e no Sul, foram decaindo, e pouco tempo depois da queda do reino do Norte 39, o reino do Sul (Gondor) não demorou muito para que sua linhagem real fosse também impedida de seguir em frente (embora alguns descendentes do Norte ainda estivessem vivos 40 ), ocasionando a extensa linhagem de governantes regentes ao reino. Embora sua posição política apareça fragilizada na narrativa, também devido à ausência de um rei legítimo, há uma forte glorificação da cidade pela escrita de Tolkien. Não apenas a história fantasiosa sobre a origem e a linhagem númenoriana em Gondor, mas também, e 38 As Terras Imortais são chamadas de Aman na literatura de Tolkien. Trata-se de um lugar que representa aquilo que seria o paraíso terrestre no mundo de Tolkien (uma alegoria referente ao paraíso bíblico cristão), onde tudo que é belo e bom é eterno, exatamente por ser o local da morada dos seres imortais nas narrativas do escritor inglês. É o continente no qual está presente o Reino de Valinor, com as terras mais belas do mundo, um lugar etéreo e glorioso. Essas informações foram retiradas do site Valinor, no artigo Aman ou Valinor: As Terras Imortais ou a Terra Abençoada, disponível em: < Acesso em: 20 fev Aqui refiro-me a Arnor, no qual sobraram apenas os líderes dos dúnedain Homens do Oeste em sindarin, uma das línguas élficas criadas por Tolkien após sua queda, dos quais descenderia Aragorn, um dos protagonistas da narrativa. 40 Isso se dá devido aos dúnedain do Norte não terem recebido o poder, através da decisão dos povos sulistas, para reivindicar o trono de Gondor. É contado na história de Arnor e Gondor que, após a morte de toda uma casa de reis em Gondor (Ondoher e seus dois filhos), houve uma tentativa de reivindicação do trono do Sul por Arvedui, então rei do Norte naquele momento. O Conselho de Gondor (dúnedain do Sul) decidiu que ele não deveria ser o rei sucessor sulista, isso por acreditarem que apenas descendentes diretos de Anárion que permaneceu no comando de Gondor após Isildur ir governar o Norte, devido à morte de Elendil deveriam ter o poder de usar a coroa desse reino. A ideia de um descendente nortista governar o Sul foi possível apenas após a vitória de Aragorn, na Guerra do Anel, contra Sauron, ato que lhe deu o direito de reivindicar o trono não apenas de Gondor, mas também de Arnor.

46 45 principalmente, a descrição sobre o ambiente de uma das cidades do reino do Sul, aparecem como uma forma de observarmos a importância desse lugar dada por Tolkien na narrativa. Na descrição a seguir nos é caracterizada Minas Tirith, a cidade gondoriana vista como uma das últimas esperanças aos povos da Terra-Média: E no ponto onde as Montanhas Brancas de Ered Nimrais chegavam ao fim ele viu, como Gandalf prometera, a massa escura do Monte Mindolluin, as sombras púrpuras e escuras de seus altos vales, e sua alta face branqueando no dia que avançava. E sobre o seu joelho protuberante ficava a Cidade Guardada, que com suas sete muralhas de pedra, tão fortes e antigas, não dava a impressão de ter sido construída, mas sim esculpida por gigantes nos próprios ossos da terra. No momento em que Pippin olhava boquiaberto, as muralhas passaram de um cinza indistinto para um tom branco, levemente rosado pela aurora; e de repente o sol subiu acima da sombra do leste e enviou um raio que bateu na face da Cidade. Então [...] a Torre de Ecthelion, erguendo-se altiva dentro das muralhas mais altas, brilhou contra o céu, reluzindo qual esporão de pérola e prata, alta, bela e elegante, com seu pináculo faiscando como se fosse de cristais; e bandeiras brancas se abriram e tremularam nos baluartes ao compasso da brisa da manhã, e alto e distante Pippin ouviu um toque cristalino, que parecia sair de trombetas de prata. (TOLKIEN, 2002c, p.10-11) Observando essa descrição poética como a base imaginária para as imagens de Alan Lee sobre essa cidade de Gondor, temos a representação imagética através das pinturas, presentes na arte conceitual da adaptação fílmica (JACKSON et al., 2012), pelas quais compreendemos como que o artista interpretou o imaginário do escritor. A partir das imagens aqui reconhecidas (Figs. 1 à 4), já temos parte da base visual para o exterior da cidade de Minas Tirith, produzida a partir do referencial imagético de uma construção já existente de uma época medieval antiga. Uma das principais referências que foram usadas como schemata visuais para a arte conceitual da fortaleza, segundo Alan Lee, foi a estrutura arquitetônica do Mont Saint-Michel, localizado na França, no rio Couesnon (Figs. 1 e 2), pela qual podemos comparar, copiosamente, a visibilidade do monte francês, a pintura e o esboço de Lee (Figs. 3 e 4) e a composição final do filme referente a Minas Tirith (Figs. 5 e 6).

47 46 FIG. 1 Foto do Mont Saint-Michel (França). FONTE: site Google Images FIG. 2 Foto do Mont Saint-Michel (França). FONTE: site Google Images

48 47 FIG. 3 Alan Lee. Ilustração de Minas Tirith. FONTE: JACKSON et al., 2012 FIG. 4 Alan Lee. Sketch de Minas Tirith. FONTE: RUSSEL, 2004a, p.90

49 48 FIG. 5 The Return of the King Grande plano geral da chegada à cidade de Minas Tirith. Observação da estrutura da fortaleza. FIG. 6 The Return of the King Plano em plongée da subida dos níveis da cidade de Minas Tirith. Detalhe para os anéis da arquitetura. A fortaleza na qual foi construído o santuário, como forma de homenagem ao arcanjo São Miguel, possui uma proximidade na estrutura visual de Minas Tirith. Isso vai além da sua forma transposta ao design conceitual da cidade, na qual se encontra uma característica construção em vários níveis, ou andares, que vão se complementando na subida ao santuário. Retornando aos escritos de Tolkien, o autor nos descreve como que se comporta a arquitetura interna da cidade, na qual encontramos vários círculos concêntricos que vão subindo em meio à construção das ruas, casas, torres e edifícios para a cidade: O modelo de Minas Tirith era tal que a Cidade fora construída em Sete níveis, cada um cavado no flanco da colina, e ao redor de cada nível se erguia uma muralha, e em cada muralha havia um portão. Mas os portões não eram

50 49 alinhados [...] e assim, ora de um lado, ora do outro, dispunham-se os portões na subida, de modo que o caminho pavimentado que ia na direção da Cidadela virava-se primeiro para um lado e depois para o outro pela encosta da colina. E, cada vez que o caminho passava pela linha do Grande Portão, atravessava um túnel em arco, perfurando um vasto pilar de rocha cujo corpo enorme e protuberante dividia em dois todos os círculos da Cidade, com a exceção do primeiro. Pois, em parte devido ao formato inicial da colina, e em parte ao oficio e trabalho árduo dos antigos, ali se erguia, por detrás do amplo pátio além do Portão, uma alta fortaleza de pedra, com sua borda pontuda como a quilha de um navio voltada para o leste. A fortaleza subia até o nível do círculo superior, e ali era coroada por um baluarte, de forma que os habitantes da Cidadela, como marinheiros num navio muito alto, podiam observar do topo, numa linha vertical, o Portão que ficava mais de duzentos metros abaixo. (TOLKIEN, 2002c, p.11-12) Ainda observando ideias e fatos mencionados pela produção fílmica, e partindo dessa extensa descrição no texto de Tolkien, um dos pensamentos para referências visuais trata exatamente da forma de construção da cidade de Minas Tirith. Mencionada como a Roma da Terra-Média (JACKSON et al., 2012), grande parte da arquitetura e disposição espacial das miniaturas (a serem filmadas para a adaptação, como extensas maquetes), além das construções em locação, possuem sua produção visual oriunda de referências medievais italianas. Essa correlação colocada pela equipe cinematográfica, relacionando Gondor com Roma, não é algo distante de Tolkien, e pode ser um forte indício da equipe de produção querer se aproximar o máximo possível do imaginário do escritor, já que o próprio autor relaciona sua imaginação e o desenvolvimento literário de Minas Tirith com precisas referências italianas. Em duas cartas escritas por Tolkien, alegoricamente, ele: (1) relembra Gondor em uma de suas visitas a Veneza, com costumes observados por ele como semelhantes aos dos gondorianos; (2) sugere um posicionamento regional de Minas Tirith de acordo com regiões italianas; e (3) propõe uma analogia entre o poder da Roma Antiga e o da restabilização de Gondor (de acordo com o final do livro) (TOLKIEN, 2006, p.214; TOLKIEN, 2006, p ). É possível reconhecer uma continuidade do imaginário cognitivo de Tolkien na arquitetura da cidade gondoriana para a adaptação fílmica. A construção das ruas como se fossem labirintos em vários níveis consecutivos advém da estrutura visual da região da Toscana, mais precisamente em Siena (Fig. 7), com suas ruas estreitas e com seus arcos de pedra adornando passagens e entradas de propriedades. Isso além de schemata visuais sob a ideia de temas heráldicos e ornamentos/decorações nas portas das casas de cada profissão exercida na cidade. Isso possibilitou que a criatividade dos designers se expandisse a partir do schema identificado na composição de Siena, e muito disso se deve também à pintura e aos sketches

51 50 arquitetônicos de Alan Lee 41 (Figs. 8 e 9), que se tornariam a arquitetura gondoriana de Minas Tirith (Figs. 10 à 12). Sobre Alan Lee, é muito significativo uma de suas citações, em que fala sobre as diversas necessidades e temas escolhidos no processo de adaptação: Não sei se Tolkien teve em mente os últimos estágios do desmoronamento do Império Romano quando pensava em Gondor sob os Regentes, mas parecia um ponto de referência apropriado para nós. 42 (RUSSEL, 2004b, p.25, tradução do autor). FIG. 7 Fotos das ruas e da arquitetura de Siena (Itália). FONTE: site Google Images 41 Uma das curiosidades sobre a produção é a construção de ruas e/ou de propriedades com temas que dificilmente seriam reconhecidos em meio às cenas fílmicas. Ruas com propriedades de profissões específicas e decorações sobre as portas foram algumas das ideias para o visual de Minas Tirith. 42 I don t know if Tolkien had the latter stages of the crumbling Roman Empire in mind when he was thinking about Gondor under the Stewards, but it seemed an appropriate reference point for us.

52 51 FIG. 8 Alan Lee. Ilustração da arquitetura de Minas Tirith. FONTE: JACKSON et al., 2012 FIG. 9 Alan Lee. Sketches da arquitetura de Minas Tirith. FONTE: LEE, 2005, p

53 52 FIG. 10 The Return of the King Plano de conjunto da sequência da subida de Minas Tirith. Observação da arquitetura. FIG. 11 The Return of the King Plano geral da mesma sequência. Detalhe para o tema heráldico no lado direito da imagem. FIG. 12 The Return of the King Plano plongée da mesma sequência. Detalhe para a forma estreita da rua da cidade.

54 53 Entretanto, analisando os sketches das estruturas arquitetônicas com maior precisão, é possível encontrarmos referenciais imagéticos além daqueles mencionados pela direção de arte, e a aplicação da ideia de schema (GOMBRICH, 1995, p.78) continua se mostrando possível, e isso de acordo com a área de estudos do cognitivismo. A sequência fílmica de The Return of the King na qual observamos a chegada de Gandalf e Pippin a cavalo, em um trajeto no qual vão avançando os diversos níveis da cidade (Figs. 10 à 12), é o momento principal de apresentação de Minas Tirith. Tendo como função mostrar o espaço no qual ocorrerá parte da mais importante batalha da trilogia, esse trajeto de Gandalf e Pippin coloca ao espectador uma visibilidade completa da cidade, desde a sua apresentação exterior (Figs. 5 e 6), passando pela sua arquitetura interior (Figs. 10 à 12) e chegando ao Pátio Alto, no qual está presente o palácio da cidadela de Minas Tirith (Fig. 16). Tolkien, no livro, nos descreve o final desse momento da seguinte forma: A entrada para a Cidadela também dava para o leste, mas era cavada no coração da rocha. Ali uma longa rampa iluminada conduzia ao sétimo portão. Dessa forma os homens atingiam finalmente o Pátio Alto, e a Praça da Fonte diante dos pés da Torre Branca: alta e elegante, noventa metros da base até o pináculo, onde a bandeira dos Regentes tremulava trezentos metros acima da planície. (TOLKIEN, 2002c, p.12) [...] Gandalf atravessou depressa o pátio pavimentado com pedras brancas. Uma fonte suave brincava ali no sol da manhã, e um gramado verde-claro jazia ao redor dela; mas na névoa, inclinando-se sobre o lago, havia uma árvore morta, e gotas pingavam tristemente de seus ramos secos e quebrados, caindo de novo na água límpida. (TOLKIEN, 2002c, p.13-14) Como pode ser perceptível, embora haja uma forte relação do imaginário do escritor chegando, até mesmo, à visibilidade fílmica sobre a construção arquitetônica, nesse momento do texto não há nenhuma indicação do formato pelo qual podemos imaginar o Pátio Alto (além da já mencionada fortaleza rochosa na forma de uma quilha de navio). E isso se observa mesmo com os diversos elementos que descrevem o local: a fonte na cidadela, a torre branca, o pátio pavimentado com pedras brancas, o gramado verde-claro e a árvore morta. Partindo dessa ideia, quando vemos o sketch de Alan Lee (Fig. 15), utilizado para a construção do desenho da planta do Pátio Alto, e o desenho arquitetônico encontrado no filme, podemos observar uma mesma relação de schema entre um plano fílmico (Fig. 16), o sketch de Lee e o formato da Piazza di San Pietro, localizado no Vaticano (Figs. 13 e 14):

55 54 FIG. 13 Fotos da Piazza di San Pietro (Vaticano). FONTE: site Google Images FIG. 14 vista superior da Piazza di San Pietro (Vaticano). FONTE: site Google Maps FIG. 15 Alan Lee. Sketch da planta arquitetônica do Pátio Alto de Minas Tirith. FONTE: LEE, 2005, p.135

56 55 FIG. 16 The Return of the King Grande plano geral da chegada de Gandalf e Pippin no Pátio Alto da Cidadela de Minas Tirith. O que se observa, enquanto estrutura esquemática, é exatamente o mesmo tipo e forma de desenho arquitetônico da praça no Vaticano, no qual reconhecemos, através da História da Arte, sua construção projetada pelo arquiteto barroco Gian Lorenzo Bernini. O projeto da Piazza di San Pietro, iniciado no século XVII pelo arquiteto, tratava de estipular um formato para um dos locais mais religiosamente tradicionais relacionados à igreja católica. Dentro da responsabilidade dada a Bernini, seu projeto foi possível devido ao Papa Alessandro VII que, durante a época de seu pontificado, faz o convite ao arquiteto, pelo qual também deixou a sua marca na cidade-estado do Vaticano: Fabio Chigi, nasceu em Siena em 1599, filho de uma influente família de banqueiros de Siena e sobrinho neto do Papa Paulo V, foi o 237º papa. Durante seu pontificado convida novamente Bernini para projetar a Praça de São Pedro com as famosas colunatas dóricas que abraçam os peregrinos (Bracciata de Bernini), a praça é construída em forma oval que simbolizaria a Igreja como Mãe e que abraça seu filhos. Além das duas fontanas que o arquiteto faz junto ao projeto das colunatas, a praça já possuía o Obelisco central com 40 metros incluindo a base e a cruz, datado do século I d. C. que permanece no mesmo lugar desde 1585 quando o Papa Sisto V colocou um dos pedaços originais da cruz de Cristo. (ELIAS JÚNIOR, 201-?, p.7-8) Quando identificamos, através da citação acima, algumas das questões simbólicas e religiosas da Piazza di San Pietro, podemos relacionar, primeiramente, a ideia da Bracciata de Bernini sob a sua forma circular, forma que também é identificada no Pátio Alto gondoriano. A ideia da estrutura oval simbolizar a Igreja como uma mãe aos seus fiéis, quando interpretada sob uma mesma visibilidade simbólica de acordo com a importância da cidadela de Minas

57 56 Tirith, pode trazer uma identificação correlata, quando vista como um possível tema, sobre a última cidade gondoriana da Terra-Média. Essa ideia poderia ser reinterpretada, de acordo com a literatura e com sua adaptação fílmica, como um desenho arquitetônico para Minas Tirith que demonstraria o quanto os povos humanos da Terra-Média ainda se mostram dependentes do posicionamento sociopolítico de Gondor, o único reino pelo qual ainda existiria esperança diante das ameaças presentes na Guerra do Anel. O schema se mantém ao percebermos o desenho circular (da Bracciata de Bernini e da Praça da Fonte) sendo complementado com uma longa extensão triangular (referente à rua que dá para a Piazza di San Pietro e/ou à muralha rochosa em forma de quilha de navio em Minas Tirith 43 ). Enquanto que, na outra extremidade, temos a Basilica di San Pietro e o Palácio gondoriano mostrando a mesma estrutura visual nos dois desenhos arquitetônicos, mas isso referente ao posicionamento de cada parte das arquiteturas, pois a planta da basílica e do palácio em si são diferentes. Continuando este processo do ato de copiar, que prossegue num ritmo de esquema e correção (GOMBRICH, 1995, p.78), teríamos, de maneira correlata, a substituição do elemento do obelisco (da Piazza di San Pietro) pela árvore morta (do Pátio Alto) na estrutura visual da planta para Minas Tirith. Dessa forma, retornaremos aos referenciais imagéticos mencionados pela direção artística em The Return of the King, pela qual é colocada uma relação visual e simbólica entre a árvore de Minas Tirith e as oliveiras da época de Cristo (Fig ). A conceituação original da árvore gondoriana, pegando o aspecto literário de Tolkien, parte do princípio dela ser como uma forma de representação da linhagem dos reis de Númenor, tanto que a árvore branca com sete flores e sete estrelas (Fig ) é o símbolo de Gondor, estampado nos uniformes de soldados ou de importantes representantes do reino. Passando para a produção fílmica, Grant Major (designer de produção) cita a forma estrutural das antigas e simbólicas oliveiras de acordo com o desenho para a arte conceitual de Alan Lee (Fig. 19) que se tornaria a árvore de Gondor (JACKSON et al., 2012), construída fisicamente para o set de filmagem de Minas Tirith (Fig. 20): 43 Sobre a extensão da muralha, segundo os produtores fílmicos ao seguir a literatura de Tolkien e a arte conceitual de Alan Lee, o desenho do pátio estaria estruturado de acordo com uma perspectiva forçada, pela qual, dependendo do ponto de vista, a proa do navio apareceria como uma estrada infinita. 44 Sobre essas árvores, presentes hoje no Jardim de Getsêmani (no sopé do Monte das Oliveiras), embora possa não existir certeza ou comprovação científica de que sejam as mesmas da época de Jesus Cristo, as árvores são uma parte muito simbólica do escrito bíblico referente ao lugar no qual Jesus teria sido preso. 45 Essa imagem é oriunda da capa do livro O Retorno do Rei, uma publicação dos três volumes do livro de Tolkien que contou com capas impressas com base nos desenhos do autor. Nesse desenho em particular, temos no centro a árvore com sete flores e sete estrelas, que era o emblema do númenoriano Elendil e de seus herdeiros. Um estudo mais detalhado sobre a composição dessa capa pode ser encontrado no artigo Significados das Capas d O Hobbit e O Senhor dos Anéis feitas por Tolkien, disponível em: < Acesso em: 20 fev. 2017

58 57 FIG. 17 Jardim do Getsêmani, Monte das Oliveiras (Jerusalém). FONTE: site Google Images FIG. 18 Capa de O Retorno do Rei. FONTE: TOLKIEN, 2002c

59 58 FIG. 19 Alan Lee. Sketch da árvore de Minas Tirith. RUSSEL, 2004a, p.95 FIG. 20 The Return of the King Plano de meia figura da árvore branca de Minas Tirith. Talvez com o intuito de trazer uma maior proximidade religiosa para a cidadela de Gondor (lembrando que se trata da última esperança dos homens na Terra-Média), Major permite não apenas uma visibilidade reconhecível através das árvores antigas, mas propõe um conteúdo simbólico pela ideia religiosa existente sobre a época à qual a forma visual foi referenciada, que pode estar no inconsciente do imaginário dos espectadores. Dessa maneira, como o leitor pode ter percebido, menciono muito aqui a ideia de símbolo, e sendo assim é

60 59 importante ressaltarmos o significado dessa ideia quando tratamos de estudos cognitivistas. Segundo Bordwell: os pesquisadores cognitivos normalmente examinam três aspectos da representação mental. Há o conteúdo semântico da representação, o que é sobre : as propriedades espaciais atribuídas à minha cozinha, as propriedades acústicas atribuídas às notas em uma melodia, a proposição de que um pisco de peito vermelho é um pássaro. Há, em segundo lugar, a estrutura da representação: o padrão de objetos percebidos no espaço ou de notas musicais percebidas no tempo, a relação conceitual pela qual a categoria robin inclui a subcategoria de aves. Terceiro, há o processamento de representações mentais, em que atividades top-down e bottom-up 46 produzem julgamentos perceptivos, constroem memórias, resolvem problemas ou extraem inferências de nível superior. 47 (BORDWELL, 2008, p.7, tradução do autor) E ao tratar de símbolos e/ou relações simbólicas, o autor dá a seguinte explicação: Por exemplo, lembrar a informação de que um robin é um pássaro pode ser considerado em parte uma questão de ter acesso a domínios de conhecimento armazenados na memória sob a forma de símbolos. Para o teórico cognitivo, os símbolos pertencem a estruturas maiores de conhecimento ou crença. Como símbolos, eles não são menos representacionais do que quaisquer outros símbolos em qualquer outro sistema. 48 (BORDWELL, 2008, p.7-8, tradução do autor) Ao analisar a árvore de Gondor sobre essa perspectiva, temos a ideia de uma representação mental pela qual a árvore (devido ao fato de ser desenhada para o filme sob a forma das oliveiras de Cristo) se encaixaria nos aspectos cognitivistas da seguinte forma: (1) no conteúdo semântico das propriedades de uma árvore; (2) na estrutura representativa referente às oliveiras antigas; e (3) no processamento representativo mental através do que simboliza, religiosamente, as oliveiras da época de Cristo. Com a ideia do pensamento cristão 46 Sobre esses processos, Bordwell explica que há duas formas de concepção de inferências (ação de inferir, na ideia de conclusão e/ou indução): as atividades bottom-up (rápidas e obrigatórias, normalmente sensoriais e que são direcionadas pelos dados de algo) e as atividades top-down (nas quais o processo de atividades é direcionado pelo conceito de algo), ambas dentro da percepção de atividades mais deliberativas, volicionais, como resolução de problemas e julgamento abstrato. (BORDWELL, 2008, p.4, tradução do autor). 47 cognitive researchers typically examine three aspects of mental representation. There is the semantic content of the representation, what it is "about": the spatial properties ascribed to my kitchen, the acoustic properties assigned to notes in a melody, the proposition that a robin is a bird. There is, secondly, the structure of the representation: the pattern of objects perceived in space or of musical notes perceived in time, the conceptual relation whereby the category robin includes the subcategory birds. Third, there is the processing of mental representations, whereby top-down and bottom-up activites produce perceptual judgments, construct memories, solve problems, or draw higher-level inferences. 48 For instance, to recall the information that a robin is a bird can be considered partly a matter of having access to knowledge domains stored in memory in the form of symbols. For the cognitive theorist, the symbols belong to larger structures of knowledge or belief. As symbols, they are no less "representational" than are any other symbols in any other system.

61 60 enquanto uma forma de crença, esse tipo de conhecimento armazenado na memória do espectador cria um símbolo correlato entre a forma da árvore no filme e a sua possível lembrança das oliveiras antigas. Isso tornaria a árvore como um símbolo já presente e mediado no imaginário coletivo, ressignificando, através de um simples schema (mas dentro de uma perspectiva ampla), a árvore da cidadela gondoriana, referente à literatura de Tolkien 49. Ao observarmos o palácio de Minas Tirith temos a visibilidade de um local que representa toda a centralização de poder político do reino, e mesmo que essa força política esteja deteriorada, nesse momento da história, através do governo regente de Denethor 50, a herança histórica do reino se mantém forte. Da forma como aparece descrito no livro de Tolkien, quando Gandalf e Pippin entraram no palácio... Pippin divisou um grande salão. Era iluminado por janelas profundas ao longo dos amplos corredores dos dois lados, atrás das fileiras de altos pilares que sustentavam o teto. Monolitos de mármore negro, eles se erguiam até grandes capitéis esculpidos na forma de muitas figuras estranhas de animais e folhas: bem acima, na sombra, a ampla abóbada reluzia num ouro pálido, combinado com esculturas de muitas cores. [...] entre os pilares erguia-se um exército de altas imagens gravadas na pedra fria. De repente Pippin lembrou-se das rochas esculpidas dos Argonath, e ficou tomado de admiração, olhando aquela avenida de reis há muito mortos. Na extremidade, sobre uma plataforma de muitos degraus, erguia-se um trono alto sob um dossel de mármore, que tinha a forma de um elmo coroado. [...] Mas o trono estava vazio. Ao pé da plataforma, sobre o degrau inferior, que era largo e profundo, havia uma cadeira de pedra preta e sem adornos, e nela estava sentado um velho que olhava para o próprio colo. (TOLKIEN, 2002c, p.15) Mesmo com as estátuas dos grandes reis da linhagem gondoriana, na composição do grande salão, sendo alguns dos monumentos entre os principais elementos que demonstram a importância política em Minas Tirith, há ainda outra referência artística, além da descrição de Tolkien. Seguindo a ideia de representação mental através de algo que simbolize uma ideia já datada na História da Arte, temos a arquitetura interna do palácio gondoriano referenciada, 49 Esta proposição religiosa e cristã não seria uma escolha aleatória pela equipe cinematográfica, já que há diversas temas e ideias literárias, no texto de Tolkien, sobre as quais há relações diretas com o pensamento cristão estipulado por diversos textos bíblicos. Outro exemplo é a forma como a equipe de Peter Jackson relaciona o escrito de Tolkien da queda do reino de Númenor com as inspirações do escritor referentes à história cristã e judaica de Adão e Eva (JACKSON et al., 2012), pela qual a desobediência humana é o fator que faz tanto com que Númenor seja destruída quanto com que Adão e Eva sejam expulsos do Paraíso. 50 O último dos regentes governantes na história presente em O Senhor dos Anéis, que é sucedido pelo protagonista Aragorn, caracterizando o terceiro subtítulo da adaptação fílmica e do volume literário: O Retorno do Rei. Na narrativa, Denethor perde a força e o controle políticos em Minas Tirith pelo fato da constante e crescente ameaça de Mordor sobre o seu governo, da qual, quando se torna ciente, decide render a si e todo o seu povo à destruição e ao caos esperados pela invasão das forças de Sauron, senhor de Mordor.

62 61 segundo os artistas conceituais, à Capela Palatina de Carlos Magno, uma das heranças históricas da arte medieval, além de um símbolo de poder político da Renascença Carolíngia. Apenas para contextualização da importância política desse momento histórico e artístico, no artigo O Império de Carlos Magno e a Renascença Carolíngia (PIMENTA, 201-?) nos é explicado que ao imperador romano Carlos Magno, coroado pelo Papa Leão III em 800, foi dada a missão, primeiramente orientada pela igreja, de restaurar o Império do Ocidente e de transferir o Império Romano do Oriente para o Ocidente isso principalmente de acordo com a visão de um Império Cristão (PIMENTA, 201-?, p.2). Entretanto, a importância e a força política de Magno se estenderam muito acima de seus superiores eclesiásticos 51. Considerava a si próprio como um escolhido por Deus para a salvação do povo e tinha a intenção de transplantar para o mundo a Civitas Dei 52 (PIMENTA, 201-?, p.3), incorporando a si próprio a missão de proteger e difundir a cristandade. Carlos Magno ao se tornar o principal soberano franco, dá prosseguimento às ações de Pepino, buscando atribuir ordem e unidade aos territórios sob sua tutela. Guizot salienta que... no reinado de Carlos Magno, seja qual for o aspecto debaixo do qual o estudemos, encontraremos sempre o mesmo caracter; a saber, a luta contra o estado bárbaro e a manifestação do espírito de civilização. É o que se torna bem patente no ardor com que funda escholas, anima os sábios, protege os eclesiásticos, e em geral tudo o que lhe afigura que pôde influir sobre a sociedade ou sobre o homem. (GUIZOT apud Vitoretti, 2004, p. 86). E foi com este espírito que empreendeu um verdadeiro renascimento cultural a chamada renascença carolíngia. (PIMENTA, 201-?, p.4) Assim, dentro da Renascença Carolíngia se encontra a capela palatina de Carlos Magno, situada em Aachen, na Alemanha (Fig. 21), outra das referências imagéticas para a arquitetura gondoriana e que, ao ser reconhecida historicamente como uma construção de importante representação política da época, pode trazer esse significado simbólico à imagem do grande salão de Gondor. Tratando do mesmo schema imagético encontrado na arquitetura da capela palatina, temos a ideia dos arcos que compõem o local e da escadaria para o trono do rei como referências próximas do que é reconhecido no palácio gondoriano. Se observarmos o sketch de Alan Lee sobre o encontro de Gandalf e Pippin com Denethor (Fig. 22), ja temos a ideia tanto dos arcos como da escadaria, que se mostra como um dos destaques da imagem, a ser utilizada 51 Isso é percebido, essencialmente, através do ponto de vista de Alcuíno, quem concebeu a ideia do imperium christianum. (PIMENTA, 201-?, p.3). 52 Segundo a autora: é a cidade eterna e imortal apontada por Cristo quando estava na cruz. Segundo Santo Agostinho, o homem não deveria se cingir à vida terrena, mas visar a salvação no reino de Deus. Carlos Magno realizou uma política de cristianização dos povos sob sua tutela com vistas a realizar na Terra a Cidade de Deus. (PIMENTA, 201-?, p.3).

63 62 na composição final. Encontramos, consecutivamente, a pintura de Lee de acordo com o esboço (Fig. 23), que já mostra algumas ideias mais aproximadas da descrição do livro, mas com um tom enegrecido e sombrio colocado sobre toda a pintura. Na finalização deste processo de transposição, temos a imagem final do interior do castelo como um lugar construído com mármore branco, com detalhes e objetos mais enegrecidos (como nos arcos e no trono do regente, além das pilastras) e com um tom muito mais claro e iluminado (Figs. 24 e 25) do quê se é visto na pintura de Lee. Assim, mesmo dentro de um processo de construção com referências pré-estipuladas, observamos a constante mudança de uma imagem a outra, um contínuo processo de readaptação da imagem anterior vista, até chegarmos na construção definitiva para o set de filmagem. FIG. 21 Foto da Capela Palatina de Carlos Magno, Aachen (Alemanha). FONTE: site Google Images

64 63 FIG. 22 Alan Lee. Sketch para a Ilustração de Gandalf e Pippin diante de Denethor. FONTE: LEE, 2005, p.141 FIG. 23 Alan Lee. Ilustração de Gandalf e Pippin diante de Denethor. FONTE: JACKSON et al., 2012

65 64 FIG. 24 The Return of the King Plano de conjunto da cena de Gandalf, Pippin e Denethor. Detalhe para a escadaria do trono do rei. FIG. 25 The Return of the King Plano de conjunto da mesma cena. Detalhe para os arcos na arquitetura do grande salão do rei. Com esta multiplicidade de referências dentro da construção de Gondor, embora se observe um direcionamento mais centralizado à cultura e ao ambiente romano e/ou italiano, é possível perceber como há um trabalho de acordo com o imaginário do escritor, em conjunto com as ilustrações do livro e os esboços para a direção de arte, chegando à imagem fílmica final. Sobre esse aspecto observamos o tamanho da importância cultural e histórica dada à visibilidade na construção medieval fílmica, já que o ambiente gondoriano é composto por schemata datados de importantes momentos, estruturas e pensamentos artísticos, localizados em regiões hoje conhecidas como França, Itália e Alemanha. Ainda assim, uma parte mais presente na história do Império Romano pode ser fortemente interpretada através de alguns dos momentos na Guerra do Anel. Passamos então para a análise visual e, consequentemente,

66 65 histórica de acordo com uma possível relação mediada entre uma das mais intensas batalhas romanas e os momentos do confronto em Gondor Campos de Pelennor: O Maneirismo e as Pinturas da Batalha de Zama Em The Return of the King (terceiro título da trilogia fílmica) temos a intenção de Sauron, senhor de Mordor, em dominar completamente o que restou da cidade de Gondor, aproveitando-se da fragilidade do povo e dos soldados presentes em Minas Tirith, que possui sua força bélica diminuída devido à crise no governo de Denethor. Nesse ponto da história, Sauron, após ter a sua primeira grande derrota no Abismo de Helm, que ocorre no segundo título de triloga (The Two Towers), direciona o seu contra-ataque através de diversas forças bélicas contra o reino de Gondor, pois caso a fortaleza caísse, não haveria mais esperança aos povos da Terra-Média de derrotarem Sauron, pois o reino representava essa ideia na guerra. Na história literária e fílmica, a Batalha dos Campos de Pelennor é o mais grandioso e importante embate entre as forças do bem e do mal, caracterizando em si todo o contexto da Guerra do Anel. Situada como a batalha que contextualiza o momento entre o confronto inicial (no Abismo de Helm) e o conclusivo na história (nos Portões de Mordor), nos Campos de Pelennor ocorre o embate entre as principais forças dos exércitos humanos contra os exércitos sombrios, pelo qual serão definidas não apenas a defesa da cidade humana como também as decisões que levariam ao confronto final em Mordor. Há três tipos de exércitos que compõem cada força (do bem e do mal) para a batalha. Pelo lado do ataque sombrio de Sauron, temos: (1) o exército das criaturas malignas de Mordor (orcs, trolls e Nazgûl 53 ) liderados por um dos cavaleiros negros; (2) o exército dos homens das terras de Harad (chamados de haradrim); e (3) um exército marítimo de corsários. Já pelo lado das defesas humanas, estão: (1) a infantaria de Gondor liderada pelo mago Gandalf; (2) os cavaleiros das terras de Rohan (chamados de rohirrim) liderados pelo rei Théoden; e (3) o exército fantasmagórico das montanhas dos mortos liderados pelo futuro rei Aragorn. A batalha, no entanto, não se desenvolve com os seis exércitos se confrontando ao mesmo tempo, e cada uma das forças benignas e malignas vai adentrando na batalha 53 Espectros do Anel, na literatura de Tolkien. Tratam-se de nove dos antigos reis homens da Terra-Média, que aceitaram presentes de Sauron (anéis de poder) quando o inimigo se mostrava amigável com os demais povos medievais. Acontece que isso fazia parte do plano de Sauron, já que em segredo ele criava o Um Anel, que teria o poder de governar todos os outros anéis de poder, o que fez com que os reis se tornassem servos de Sauron, virando espectros que buscam o Um Anel para o seu mestre obscuro.

67 66 vagarosamente e uma por vez. De maneira aproximada, a descrição a seguir pode ser relacionada ao que seria um cerco diante de um castelo na Idade Média, e essa ideia é próxima até mesmo pela maneira como Tolkien nomeia um dos capítulos de O Senhor dos Anéis, que descreve o confronto, intitulado O Cerco de Gondor. Entretanto, refiro-me aqui à forma como o ataque aparece representado na história fílmica, abrangendo alguns dos elementos dos variados exércitos identificados na descrição da obra literária. O primeiro ataque é direcionado pelo exército negro de Mordor contra as defesas da infantaria de Gondor, um ataque que começa no entardecer e percorre durante toda a noite, com grande parte dos exércitos sombrios conseguindo sobressair diante das defesas humanas. No alvorecer em meio à batalha é quando surge o contra-golpe humano, isso com a chegada dos cavaleiros de Rohan no momento em que os níveis da cidade começam a ser mais constantemente invadidos pelo exército de Sauron. Na chegada dos cavaleiros, eles dominam o exército de criaturas maléficas de Sauron, expulsando-os dos Campos de Pelennor e impedindo que continuem invadindo a cidade. Nesse momento, chegam os exércitos de Harad, guerreiros montados em torres de batalha acima de imensos seres selvagens: os mûmakil 54. Propondo outro ataque advindo dos exércitos sombrios, os guerreiros em seus mûmakil atacam e devastam grande parte dos rohirrim, ocasionando uma intensa luta entre as duas forças, com a maioria das baixas ocorridas no exército de Rohan. Com os instantes finais da batalha chegando, os corsários da Terra-Média avançam para os portos de Gondor, e em meio ao seu trajeto marítimo são surpreendidos por Aragorn, Legolas e Gimli em conjunto com os soldados fantasmas das Sendas dos Mortos 55, que vencem e dominam rapidamente as embarcações piratas. Portanto, a chegada nos portos gondorianos é com os navios adentrados pelo exército fantasma. Assim, direcionados por Aragorn, invadem os Campos de Pelennor e os níveis da cidade de Minas Tirith, e por serem seres fantasmagóricos, a infantaria orc e troll, os Nazgûl e os haradrim não conseguem deter a força dos espíritos. A chegada de Aragorn encerra, dessa forma, a Batalha em Pelennor. Os contextos de grandes batalhas já passadas e vivenciadas pela humanidade, em meio a diversos tipos de guerras e conflitos políticos, são momentos históricos que se mantêm vivos através da mídia. Exemplos como o da guerra causada pelo nazismo, mas também de confrontos 54 São os olifantes um nome dado, no livro, aos enormes elefantes dos haradrim com gigantescas e extensas torres de guerra em seus lombos. São uma das principais forças bélicas dos povos orientais da Terra-Média. 55 Local amaldiçoado em meio a um vale sombrio nas montanhas (chamado de estrada de Dimholt no livro). Na obra fílmica, as Sendas dos Mortos situam-se após essa estrada, com uma entrada para a montanha que está adornada com crânios humanos e com a seguinte descrição: O caminho está fechado. Foi feito pelos que estão mortos. E os mortos o guardam. (JACKSON et al., 2012).

68 67 bélicos advindos de diversos impérios medievais, como o Romano, se mantêm não apenas como registros no tempo, através de pinturas históricas, mas como possíveis fontes de pesquisa para novas obras artísticas. Antes de chegarmos, portanto, a essas pinturas históricas, podemos compreender algumas das fases artísticas que permitiram que suas representações fossem esboçadas, desenhadas e pinceladas, produzindo um processo artístico contínuo com circulação e reinterpretação das imagens e temas até os dias de hoje. A primeira das análises aparecerá com referenciais imagéticos dentro de uma fase artística denominada como maneirismo. O maneirismo é oriundo do período de crise do Renascimento italiano 56, pelo qual diversos artistas se sentiram direcionados a tratar a arte de uma forma menos preocupada com os padrões estéticos e paradigmáticos do classicismo renascentista. No capítulo O Classicismo nas Artes Plásticas (FABRIS, 1999), presente no livro O Classicismo (GUINSBURG, 1999), temos a professora Annateresa Fabris trabalhando a ideia da fase da Renascença através das concepções de Wölfflin 57 : O estilo clássico, próprio do Renascimento, é caracterizado por Wölfflin como um momento no qual predominam uma concepção tátil do desenho, que faz da linha o elemento que determina o contorno e o plano, que enfatiza o limite das coisas, isolando os objetos percebidos como valores concretos e tangíveis; uma visão em superfície; uma forma autocontida, regida pela simetria ou pelo princípio de reciprocidade entre as duas partes do quadro; uma preocupação analítica, pela qual os vários componentes da obra são válidos por si, mesmo se relacionados com o todo; a sensação plástica como manifestação total da forma. (FABRIS, 1999, p.268) O Cinquecento da Renascença, período da época do século XVI, foi a fase final de um longo processo de construção do classicismo na Itália, e o momento pelo qual outras ideias começariam a divergir da ideia principal e essencial da fase da Alta Renascença: a partir da terceira década do Cinquecento prevaleceram peculiaridades estilísticas comuns às obras dos artistas mais variados, e isso justifica o conceito de um estilo individual claramente distinguível do renascentista e do barroco. (HAUSER, 1976, p.26). O maneirismo visava ir contra muito daquilo que se observara na Renascença, propondo uma arte mais livre, menos paradigmática, menos direcionada por valores idealizados e mais através de uma tensão espiritual (HAUSER, 1976, p.23), permitindo uma maior liberdade artística na literatura e nas artes visuais, como a 56 Reconhecido como o berço do classicismo italiano, a Renascença foi um período subdividido em três fases: Trecento, Quattrocento e Cinquecento (respectivamente: séculos XIV, XV e XVI), nas quais o pensamento idealizado da fase artística se iniciou, desenvolveu e entrou em crise, juntamente com outros aspectos socioculturais da época, principalmente os relacionados à religião católica. 57 Historiador, professor universitário e escritor sobre a área da História da Arte. Um dos pesquisadores, presente na transição do século XIX e XX, que influencia muitas formas de pensamento teórico (WÖLFFLIN, 2012, p.19).

69 68 pintura. No livro Maneirismo: A Crise da Renascença e a Origem da Arte Moderna (HAUSER, 1976), ao conceituar o período maneirista, Arnold Hauser nos apresenta, logo de início em seu livro, o pensamento da fase artística: o maneirismo constituía um afastamento muito mais radical do ideal clássico, e sua aceitação e aprovação envolviam o impiedoso destronamento das doutrinas estéticas baseadas nos princípios de ordem, proporção, equilíbrio, economia de meios, e de racionalismo e naturalismo na interpretação da realidade. (HAUSER, 1976, p.16) Esta fase enquanto revolução na História da Arte deu-se a partir do desenvolvimento do maneirismo através de sua deliberada, e de certa forma inédita à época, divergência artística em relação à natureza, mesmo com a arte antinaturalista e não-naturalista já existentes mas sem uma consciência tão vívida de seu desvio (HAUSER, 1976, p.16). Entretanto, segundo o autor, não é correto colocar que o período clássico da Renascença tenha terminado exatamente com a morte de Rafael Sanzio (em 1520, Cinquecento), e o autor ainda menciona a ideia de que nem mesmo a morte de Rafael e o estabelecimento de sua escola como um corpo independente ou com o final de Michelangelo e o desenvolvimento do michelangelismo (HAUSER, 1976, p.17) causaram, de fato, a mudança de estilo. Adicionado a isso, é também afirmado que o maneirismo trata, essencialmente, de uma compreensão do estilo enquanto um produto dentro de uma tensão e/ou união de opostos, como: entre o classicismo e anticlassicismo, naturalismo e formalismo, racionalismo e irracionalismo, sensualismo e espiritismo, tradicionalismo e inovação, convencionalismo e revolta contra o conformismo (HAUSER, 1976, p.21). Sobre o estilo nas artes, há uma peculiar característica da ideia de paradoxo, devido à tensão entre os opostos (conforme citado acima), que seria uma das bases para a formação de uma definição de maneirismo, mas isso como algo que cobrisse grande parte do fenômeno e, ao mesmo tempo, promovesse justiça em relação aos traços estilísticos positivos e originais e não demonstrasse apenas um contraste entre eles e outros estilos de arte (HAUSER, 1976, p.21). As essenciais características observáveis na arte maneirista, portanto, são: À primeira vista é uma qualidade excêntrica e picante, jamais ausente em qualquer trabalho maneirista, por mais profundo e sério que seja, que se expressa no paradoxo. Um certo quê picante, uma predileção pelo sutil, pelo estranho, pelo rebuscado, pelo confuso e estimulante, pelo pungente, pelo audacioso e pelo provocante, são características da arte maneirista em todas as suas fases e constituem a marca definitiva dos mais diversos de seus representantes. (HAUSER, 1976, p.21)

70 69 Sobre a ideia de picante, há esse aspecto como um desvio galhofeiro e compulsivo do normal, uma qualidade alegre, agitada, ou um trejeito atormentado (HAUSER, 1976, p.21), e isso como aquilo que primeiro denuncia, segundo o autor, uma natureza maneirista observada em um trabalho. Além disso, ele alega que o virtuosismo se torna um grande contribuidor em meio à malícia maneirista, e isso demonstra grande parte da grandiosidade dessas obras, durante o trabalho de sua arte em meio ao paradoxo: Uma obra de arte maneirista é sempre uma peça de bravura, um truque triunfante de prestidigitação, uma exibição de fogos de artifício com centelhas e cores volantes. O efeito depende do desafio do instintivo, do ingenuamente natural e racional e da ênfase dada ao obscuro, ao problemático, e da natureza ambígua, incompleta do manifesto que aponta para seu oposto, o elo latente e faltante na corrente. Uma beleza demasiado bela torna-se irreal, uma força demasiado forte torna-se acrobática, demasiado conteúdo faz perder todo o significado, uma forma independente de conteúdo torna-se uma concha vazia. (HAUSER, 1976, p.21) É de acordo com as influências vívidas, essencialmente durante o Cinquecento renascentista, através de um seguidor de Rafael Sanzio, que encontraremos um dos possíveis referenciais imagéticos num dos momentos da batalha nos Campos de Pelennor. Retornando aos escritos de Tolkien sobre o segundo momento fílmico da batalha em Gondor (chegada dos rohirrim), temos uma ideia poética sobre a chegada do rei Théoden e de seus cavaleiros, e que nos conta, consequentemente, sobre a morte e debandada de parte do exército de Mordor: De repente o rei gritou para Snawmana, e o cavalo disparou. Atrás dele sua bandeira tremulava ao vento, corcel branco sobre um campo verde, mas o rei era mais veloz. Depois vieram numa carreira desabalada os cavaleiros de sua casa, mas o rei sempre se mantinha à frente. [...] a vanguarda do primeiro éored rugia como uma onda enorme que se arrebenta em espuma na praia, mas não se podia alcançar Théoden. Parecia um condenado à morte, ou então a fúria da batalha de seus antepassados corria como um fogo novo em suas veias, e ele ia montado em Snawmana como um deus antigo [...]. Seu escudo dourado estava descoberto e era surpreendente ver seu brilho como uma imagem do Sol, e a relva se incendiava verde ao redor dos pés de seu corcel. Pois a manhã chegara, a manhã e um vento do mar; a escuridão fora removida, e os exércitos de Mordor gemeram, tomados de terror, fugiram e morreram, pisoteados pelos cascos da ira. E então todo o exército de Rohan irrompeu numa canção, e cantando enquanto matavam, pois a alegria da batalha estava neles, e o som de sua música, que era belo e terrível, chegava até a Cidade. (TOLKIEN, 2002c, p ) Da descrição do autor inglês, temos uma das diversas representações imagéticas de Alan Lee, ligada às ilustrações do livro O Retorno do Rei, nas quais observamos, como

71 70 anteriormente, a interpretação visual de Lee enquanto leitor e ilustrador de algumas narrativas de Tolkien. Através da pintura (Fig. 26) identificamos um dos momentos do embate entre os rohirrim e os haradrim. FIG. 26 Alan Lee. Ilustração dos Cavaleiros de Rohan nos Campos de Pelennor. FONTE: JACKSON et al., 2012 Diferentemente da narrativa fílmica, no terceiro volume do livro temos as tropas em mûmakil avançando anteriormente à cavalaria dos rohirrim, em um momento que se concretiza na chegada e ataque dos portões de Gondor por parte destes imensos olifantes. Na ilustração de Lee enxergamos o momento referente ao Capítulo VI A Batalha dos Campos do Pelennor, no qual temos a representação dos cavaleiros de Rohan, dominando quase que completamente a pintura de Lee, guiados pela tradicional bandeira do reino (cavalo branco sobre manto verde), com alguns dos enormes olifantes, e suas torres de guerra, observados no fundo da imagem. Essa interpretação visual com base na literatura pode ser referente ao momento no qual Éomer, no livro, conduz os rohirrim após a morte recente de Théoden, com um intenso e forte ataque dos cavaleiros derrotando uma parte das tropas de orcs. Mas também existem os

72 71 haradrim a serem vencidos, e Tolkien nos descreve que onde quer que surgissem os mûmakil, por ali os cavalos não passavam, recuando e desviando; os grandes monstros continuavam invictos, e erguiam-se como torres de defesa (TOLKIEN, 2002c, p.151). Entretanto, a representação na adaptação fílmica (Figs. 27 à 30) nos mostra uma violência através do contragolpe dos haradrim de maneira muito mais intensa e impactante, enquanto espetáculo visual daquilo que se é lido no texto de Tolkien. Isso porque o escritor também se concentra em diálogos dos principais personagens nesse momento da batalha, de acordo com os pontos de vista de cada um deles, sendo que no filme de Peter Jackson é possível destacarmos mais a ação e a dinâmica no embate dos haradrim contra os rohirrim. FIG. 27 The Return of the King Plano geral dos rohirrim observando a chegada dos haradrim nos Campos de Pelennor. FIG. 28 The Return of the King Plano de conjunto do embate entre os rohirrim e os haradrim nos Campos de Pelennor.

73 72 FIG. 29 The Return of the King Plano geral do embate entre os rohirrim e os haradrim nos Campos de Pelennor. FIG. 30 The Return of the King Plano de meia figura do cavaleiro Éomer se preparando para atacar um dos condutores dos mûmakil. No processo da adaptação encontraremos referenciais imagéticos e históricos. Conforme mencionado sobre o período artístico do maneirismo, ficamos conhecendo que, consequentemente à época de crise renascentista, há uma essencial influência deixada pelo mestre Sanzio a Escola de Rafael promoveu discípulos que continuariam o pensamento maneirista. A obra maneirista que pode ser uma das bases da representação imagética para os mûmakil nos Campos de Pelennor é a pintura La Battaglia di Zama (1521), executada pelo discípulo de Rafael e maneirista Giulio Romano 58 (Fig. 31). 58 Um dos mais importantes pintores maneiristas que vieram da escola de Rafael Sanzio: Giulio Romano é o único discípulo direto de Rafael que com seu maneirismo promoveu formas completamente novas, independentes dos objetivos de seu mestre. Seu uso de coloração escura sempre produzira um efeito ligeiramente estranho na escola de Rafael (HAUSER, 1976, p.128).

74 73 Na obra, observamos o embate de uma tropa em cavalaria e infantaria, armada com lanças e arcos com flechas, ao contra-atacar elefantes com torres de combate sobre os seus ombros, sobre os quais estão homens também armados com arcos e flechas, atirando contra os cavaleiros. O caos se define em três instantes: (1) os cavaleiros sendo atingidos por alguns elefantes (além das flechadas de seus guerreiros nas torres); (2) as torres de guerra recebendo lanças e flechas (do exército armado ao redor das figuras dos elefantes); (3) e os próprios animais virando-se contra seus donos (detalhe para a tromba de um gigante ao fundo, que faz derrubar, propositalmente, a torre de suas costas), com uma aparente desordem se iniciando. FIG. 31 Giulio Romano. La Battaglia di Zama Museu Pushkin, Moscou (Rússia) Tratando historicamente de uma intensa e violenta batalha medieval das Guerras Púnicas 59, a pintura de Giulio Romano nos permite visualizar e imaginar um dos grandes confrontos devido às invasões do Império Romano nas regiões de outros povos, dentro da história da Roma Antiga. Segundo o livro Os Inimigos de Roma De Aníbal a Átila, o Huno (MATYSZAK, 2013), na batalha que dá nome ao quadro de Romano, temos sua narrativa 59 Consequentes embates dos líderes de Roma e de Cártago durante a fase de expansão do Império Romano. Custosa para os dois lados, romanos e cartagineses defrontaram-se durante 118 anos, até o dia da Batalha de Zama, na qual o exército romano de Cipião derrotou as feras elefantes do general Aníbal.

75 74 dividida em três partes, colocando a histórica derrota de Aníbal, general cartaginês, diante do contra-ataque de Cipião O Africano, general romano. Em 202 a.c., perto de um local chamado Zama [...], os romanos de Cipião confrontaram os cartagineses comandados por Aníbal. [...] Aníbal abriu a batalha com um ataque de elefantes, na esperança de desorganizar os romanos que nunca haviam visto nada semelhante. As tropas bem treinadas de Cipião abriram suas fileiras para deixar que os elefantes passassem e os atormentaram com as lanças arremessadas pela infantaria leve. Os elefantes fugiram de volta e semearam confusão nas tropas que vinham atrás deles. Essa confusão foi aumentada por um ataque bem-sucedido da cavalaria romana. A cavalaria romana agora superava o número de cavaleiros cartagineses, pois o rei numídio, Massinissa, havia desertado e levado seus homens para Cipião. Cerca de soldados cartagineses morreram e aproximadamente o mesmo número foi aprisionado. Essa derrota acabou com a guerra e provou que, afinal de contas, Aníbal podia ser derrotado. (MATYSZAK, 2013, posição 595) Com esse primeiro aspecto, exatamente sobre o confronto que terminaria definitivamente com as Guerras Púnicas, é possível encontrarmos, entre: a pintura maneirista, a ilustração de Alan Lee e a sequência fílmica sobre a batalha dos Campos de Pelennor, uma convergência entre suas fontes literárias. Essa possibilidade aparece exatamente pelo mesmo fato de um dos exércitos adversários utilizar da força física de tipos de elefantes, juntamente com torres de batalha sobre os ombros dos animais, como forma de ataque ao exército alheio. Isso permite que, novamente, o Império Romano apareça enquanto referência histórica para a construção imaginária (de Tolkien) da sociedade de Gondor, estendendo-se, agora, à cavalaria de Rohan. Algo que se mostra ainda mais possível quando propomos uma convergência entre o registro histórico de Matyszak e a forma como os rohirrim se defendem do ataque haradrim na narrativa fílmica. Se observarmos o momento da batalha é possível compreender uma ideia de alegoria ao fato histórico na citação de Matyszak, isso caso realmente a forma como a Batalha de Zama ocorreu tenha sido transposta, utilizando dos fatos históricos como estruturas narrativas (scripts), para a construção visual da batalha de Pelennor. Colocando lado a lado registro histórico e construção fílmica, identifica-se situações convergentes: (1) os haradrim promovem um intenso ataque, logo de início, para dispersar, desorganizar e destruir os rohirrim (assim como os cartagineses pretendem contra os romanos); (2) os rohirrim abrem caminho entre o avanço dos mûmakil e atiram flechas contra os animais selvagens, sob ordem do rei Théoden

76 75 (assim como Cipião, líder romano, conduz seus soldados); (3) um dos condutores, ao ser atingido por uma lança em seu peito através do arremesso de Éomer, um dos rohirrim, faz com que o guerreiro machuque o olifante que conduzia, fazendo com que o animal atinja outro olifante (assim como os elefantes em Zama, quando fogem e/ou se voltam contra as suas próprias tropas de Cártago); e (4) a chegada de Aragorn com o exército dos espíritos dos mortos como o ataque final ao exército sombrio (assim como a chegada da cavalaria romana, ultrapassando o número dos cartagineses e vencendo-os no final da batalha em Zama). Copiosamente se observa uma mesma sequência de ações que serviria como um script, uma ideia que também é apontada como parte do pensamento cognitivista no artigo Stories In Pictures (And Non-pictorial Objects): A Narratological And Cognitive Psychological Approach (RANTA, 2011). A ideia de script é tratada como um aspecto referente a reconhecimentos narrativos: sugiro que a cognição consiste basicamente no armazenamento e recuperação de scripts ou esquemas de ação, ou seja, estruturas narrativas, que podem ocorrer em vários níveis de abstração. Esses esquemas incorporam conhecimento generalizado sobre seqüências de eventos, como a ordem em que acontecerão eventos específicos, relações causais, habilitadoras ou convencionalizadas entre esses eventos, e que tipo de eventos ocorrem em determinadas seqüências de ação. 60 (RANTA, 2011, tradução do autor) A proposição de Ranta, chegando bem próxima da concepção de Bordwell (2008, p.9), trata essencialmente de processos sociais comuns na vida humana 61. Entretanto, quando essa ideia é aplicada a fatos históricos sendo repetidos ou quase que copiados para uma narrativa artística, que não é diretamente relacionada a um registro histórico (The Return of the King), pensamos na importância do espectador possuir determinada lembrança em sua memória, isso para total imersão ou percepção histórica na obra ficcional e fílmica. Entretanto, se o espectador não possuir esse conhecimento da Batalha de Zama, como é possível que a obra faça-o reconhecer um schema narrativo já naturalizado em sua consciência, mesmo que inconscientemente? Como ele poderia, ao mesmo tempo, sentir-se surpreso e de certa forma familiar diante da possível referência histórica? A resposta pode ser encontrada através da constante circulação de imagens (pinturas, gravuras, desenhos ou demais 60 I suggest that cognition basically consists of the storage and retrieval of action scripts or schemata, that is, narrative structures, that may occur on various levels of abstraction. These schemas incorporate generalized knowledge about event sequences, such as the order in which specific events will take place; causal, enabling, or conventionalized relations between these events, and what kind of events occur in certain action sequences. 61 Isso é, naturalmente, como ir ao dentista e identificar, após a primeira visita, fatos e/ou aspectos que se repetem no processo da consulta odontológica, criando assim um script mental no paciente.

77 76 representações virtuais), algo já comum à nossa época devido à reprodutibilidade técnica das imagens 62. Dessa forma, a partir do registro histórico da Batalha de Zama, a circulação de imagens referentes ao confronto permite uma característica lendária (às Guerras Púnicas) que pode sobreviver no tempo, com a mediação dessas imagens através dessa reprodutibilidade técnica constante. Além do registro no livro de Matyszak, temos o estudo A Batalha dos Elefantes em Betzacaria à Luz das Informações dos Autores Antigos (KIPPER, 1977), que trata da imagem dos elefantes equiparada ao poderio militar na época de pesquisa de Kipper. Em seu texto, trabalhado com base em diversos registros históricos, ele nos coloca uma forma de enxergar os animais como uma força de batalha além de sua imponência física: os cartagineses empregaram estes animais nas guerras. Nas casamatas de Cártago havia estrebarias para 300 elefantes. Asdrúbal em 250 a.c. pôs em campo 130 em Panormus (Palermo), de modo que no triunfo Cecílio Metelo podia apresentar 120 deles, e Aníbal partiu de Cartagena, na primavera de 218, com 37 elefantes para a sua famosa marcha pelos Alpes, sem falar dos 80 de Zama, já mencionados. Pelo exposto bem se vê que naqueles séculos estes animais equivaleriam aos nossos tanques de guerra. Por isso também não é de admirar que com tanto apreço por estes animais eles entrassem nas lendas. (KIPPER, 1977, p ) A construção deste imaginário sobre os elefantes, colocando-os como lendas bélicas, mostra-se observável também quando retornamos aos sketches de Alan Lee e em seus diversos estudos para a composição visual do segundo momento da batalha em Pelennor. A partir dos esboços, dos estudos de cor e das pinturas que prenunciam o CGI dos mûmakil, encontramos a ideia de imponência e a representação visual daquilo que Kipper nos propõe ao mencionar a entrada dos elefantes para as lendas das batalhas medievais. No livro The Lord of the Rings Skecthbook (LEE, 2005) temos alguns dos esboços e pinturas de Alan Lee do processo da ilustração dos livros à arte conceitual da adaptação fílmica, como fonte de algumas de suas artes conceituais usadas na trilogia fílmica. Nesse aspecto, ao observarmos o comentário de Lee sobre um de seus esboços para os mûmakil (Fig. 32), temos o aspecto lendário também identificado pelo artista para trabalhar o esboço dos olifantes: Histórias de batalhas cataclísmicas nas quais criaturas sobrenaturais ou monstruosas são organizadas umas contra as outras, ao lado de combatentes humanos, ocorrem na maioria das culturas e na literatura épica, desde a 62 Essa ideia pode ser conferida na leitura do texto A Obra de Arte na Época de sua Reprodutibilidade Técnica, de Walter Benjamin, republicado no livro Magia Técnica, Arte e Política (1987).

78 77 Batalha Celta das Árvores até o Mahabharata. Elas invocam a interação das forças primitivas e da calamidade natural, mas provavelmente também são memórias mitologizadas de guerras e conflitos entre diferentes tribos ou sociedades, nas quais uma nova arma, ou a deidade potente invocada por um oponente, faz uma impressão duradoura sobre aqueles mais feridos pelo encontro. 63 (LEE, 2005, p.163, tradução do autor) FIG. 32 Alan Lee. Ilustração do confronto entre os rohirrim e os mûmakil. FONTE: LEE, 2005, p A partir da lembrança das memórias ditas como mitologizadas pelo artista, podemos observar um de seus sketches representando os olifantes em desenhos que se tornariam artes conceituais através dos estudos de cores por Gus Hunter, artista conceitual de The Return of the King (Figs. 33 e 34). Nas imagens, que mostram certa continuidade da ideia de Lee, Hunter faz um schema para o CGI fílmico bem próximo da pintura de Giulio Romano (embora não tenha sido encontrado por mim nenhum registro ou mesmo alguma menção do artista dele ter se baseado na pintura maneirista). Pela pintura digital de Hunter podemos reconhecer, basicamente, a mesma estrutura e posicionamento das tropas haradrim em mûmakil (como os cartagineses em seus elefantes) e dos cavaleiros rohirrim (como os romanos em seus cavalos), sem contar os demais elementos, como as lanças, as flechas atiradas contra os elefantes, as 63 Stories of cataclysmic battles in which supernatural or monstrous creatures are ranged against each other, alongsidehuman combatants, occur in most cultures and epic literature, from the Celtic Battle of the Trees to the Mahabharata. They invoke the interplay of primal forces and natural calamity, but are probably also mythologized memories of wars and skirmishes between different tribes or societies, in which a new weapon, or the potent deity invoked by an opponent, makes a lasting impression on those most bruised by the encounter.

79 78 peculiares torres de guerra e as multidões de guerreiros, em meio ao caos durante o embate das duas forças (isso aparece mesmo pelo fato dos ângulos, nas pinturas de Hunter, serem diferentes do ângulo da pintura de Giulio). FIG. 33 Gus Hunter. Estudo de Cor do confronto entre os rohirrim e os mûmakil. FONTE: RUSSEL, 2004b, p.151 FIG. 34 Gus Hunter. Estudo de Cor do confronto entre os rohirrim e os mûmakil. FONTE: RUSSEL, 2004a, p.212 Além da imagem maneirista do Cinquecento, quando tratamos da ideia de mediação do tema da Batalha de Zama encontramos diversificadas representações que ilustram o embate entre cartagineses e romanos, atravessando diversas épocas até a concepção artística em The Return of the King. Um exemplo que chega bem próximo de um dos quadros fílmicos é a pintura realizada por Henri-Paul Motte, na qual retrata a marcha dos gigantescos elefantes ao encontro dos romanos (Fig. 35). Essa pintura, datada de 1890, ou seja, bem depois da época maneirista,

80 79 é uma das imagens que mais se aproxima, através de seu schema, das imagens sobre a chegada dos mûmakil na narrativa fílmica (Figs. 36 e 37). FIG. 35 Henri-Paul Motte. Batalha de Zama FONTE: site Google FIG. 36 The Return of the King Plano de conjunto da cena no início do ataque dos mûmakil. Schema invertido ao da pintura de Motte. FIG. 37 The Return of the King Plano de conjunto da mesma cena. Mais um schema comparável ao da pintura de Motte.

81 80 É possível também entendermos que esta não seria a última representação visual da batalha, já que é possível encontrarmos imagens mais próximas da época da adaptação fílmica, como ilustrações ou pinturas de artistas online ou mesmo reproduções visuais das imagens aqui identificadas 64. Embora isso não signifique, diretamente, que alguém da equipe de direção de arte tenha utilizado das imagens aqui encontradas como referência, indica que a mediação de pinturas com base na história da Batalha de Zama é existente bem antes da narrativa literária e fílmica, e torna possível que alguns espectadores tenham já observado o tema (com seus schemata nas imagens) em algum momento de suas vidas. Continuando este pensamento cognitivo, se para a literatura o fato histórico pode ter servido como inspiração a Tolkien, existe a possibilidade em se pensar nos schemata aqui demonstrados como indícios da circulação constante da histórica batalha, servindo de inspiração aos artistas conceituais. Dessa forma, nesta primeira parte do texto observamos como que o imaginário de Tolkien, no qual também se encontram fatos particulares da sua vida, pode aparecer como um dos aspectos de sua literatura. Continuando, analisei, através do conhecimento da história de Tolkien e de suas referências dentro da literatura da Terra-Média, como que a equipe do cineasta produziu uma construção visual partindo do literário, mas com referenciais imagéticos variados e diversificados, embora estes também possam estar por dentro do imaginário de Tolkien. Continuando essas ideias, o pensamento cognitivo pela ideia de schema aparece novamente através da mediação de pinturas, visualmente presentes no meio do processo de transposição midiática entre livro e filmes. Isso é analisado a partir do reconhecimento de um dos momentos das batalhas pela Terra-Média (Campos de Pelennor) e pensado devido ao referencial imagético também ser construído através da circulação do registro histórico carregado pelas imagens, possibilitando scripts ao mesmo tempo em que as pinturas nos trazem schemata reconhecíveis entre as obras pictóricas e cinematográfica. A seguir, veremos mais possibilidades de identificação de schemata, mas agora com gravuras que, assim como as pinturas aqui reconhecidas, também nos trazem registros históricos como base de suas construções visuais, enquanto representações de antigas batalhas medievais. 64 Tanto a pintura de Giulio Romano quanto a de Henri-Paul Motte aparecem em capas de livros digitais. A pintura de Romano aparece na capa do livro Os Inimigos de Roma De Aníbal a Átila, o Huno (MATYSZAK, 2013) e a pintura de Motte aparece, sob um tom sépia, no livro Aníbal El Orgulho del Cártago (DURHAM, 2008).

82 Meduseld: Das Ilustrações de Beowulf ao Palácio Dourado A Batalha do Abismo de Helm é aquela que inicia os grandes confrontos pelo futuro da Terra-Média, isso tanto no segundo volume literário quanto no segundo título fílmico. Ao nos contar o primeiro dos embates da Guerra do Anel, no qual somos apresentados à parte das forças malignas de ataque e das forças humanas de defesa, serve como um presságio à batalha em Pelennor da mesma forma como promove a grandiosidade pela qual tomaria a luta contra o poder de Sauron. Entretanto, para tratarmos desse primeiro confronto e da forma como ele se desenvolve imageticamente, de acordo com a teoria de schema, podemos observar um trajeto histórico sobre a construção literária de Rohan, reino com os maiores cavaleiros da Terra- Média, e a forma como essa criação pode se mostrar próxima da fase artística do romantismo, da qual poderemos chegar a mais representações históricas e medievais. A sociedade fantasiosa e medieval de Rohan refere-se a um povo que possui a sua cultura muito ligada a uma simbólica união entre cavalo e cavaleiro, entre homem e animal, pela qual se sustenta a ideia cultural da sociedade desses cavaleiros na literatura de Tolkien. Podemos reconhecer a história desse povo através dos apêndices encontrados em O Retorno do Rei, mais precisamente nos Anais dos Reis Governantes, dentro do trecho II A Casa de Eorl. Nessa parte do apêndice, Tolkien nos conta toda a história desse povo, pela qual ficamos conhecendo a linhagem dos reis, a região pertencente ao reino e a maneira como foi formada a aliança entre o povo de Rohan e o de Gondor (que se mostra importante no momento da Batalha dos Campos de Pelennor, no livro e nos filmes). A forma simbólica pela qual se forma a cultura de Rohan pode ser ligada às histórias lendárias de seu povo, pelas quais reconhecemos o símbolo do reino: o cavalo branco sobre manto verde (Fig. 38): FIG. 38 Bandeira de Rohan. FONTE: site Google Images

83 82 Uma das principais lendas é com relação ao rei Eorl O Jovem, o primeiro dos reis de Rohan após a união política de seu povo com o reino de Gondor. Tolkien nos conta que o povo de Eorl, antes mesmo da união com os gondorianos, já apreciava as planícies e possuíam uma forte ligação com os seus cavalos, fazendo com que toda a cultura do povo fosse baseada na figura desses animais. O rei anterior, nessa época, se chamava Léod, pai de Eorl. Conta a lenda que o rei era um domador de cavalos selvagens e que um dia capturou um potro branco, que futuramente desenvolveu-se e tornou-se um cavalo imponente e altivo. Entretanto, esse cavalo era um dos mearas cavalos albinos que possuíam uma longevidade comparável à vida dos homens comuns da Terra-Média, além de serem animais que não permitiam-se serem dominados pelo homem, e assim, o cavalo de Léod não deixava ninguém montá-lo. Segundo a lenda, quando Léod decidiu montar no animal, ele o levou a uma longa distância, posteriormente derrubandoo e fazendo com que o rei morresse. Isso gerou um sentimento de vingança em Eorl, que por todas as planícies, campos e desfiladeiros de Rohan caçou o animal, no intuito de honrar a morte de seu pai, o que se tornou a sua principal motivação para domá-lo. Segundo a lenda, Eorl consegue encontrar e domar o animal com as seguintes palavras: Venha cá, Ruína do Homem, e receba um novo nome! [...] Eu o nomeio Felaróf. Você amava a sua liberdade, e não o culpo por isso. Mas agora você me deve uma grande compensação, e deverá entregar sua liberdade a mim até o fim de sua vida. (TOLKIEN, 2002c, p.464). Dessa forma, Eorl uniu-se a Felaróf, montando no animal sempre sem rédeas e sem cela, e o cavalo compreendia os homens, tornando-se amigo dele e não uma propriedade. Desse tratado de honra entre os dois pode-se compreender a possível origem do símbolo da Casa de Eorl (a bandeira de Rohan). É reconhecido que Tolkien teria criado essa ideia simbólica entre cavalo e cavaleiro devido, entre outras ideias, à sua experiência particular na Primeira Guerra Mundial. O escritor inglês era preparador de cavalos para os soldados da guerra, e assim, sempre que preparava um animal tinha que entregá-lo e já preparar outro, o que era uma situação frustrante para Tolkien, pois afeiçoava-se aos cavalos (JACKSON et al., 2012). Além disso, é mencionado que Tolkien compreenderia naquela guerra como que o poderio passaria para o uso do maquinário, substituindo os cavalos, o que fazia com que toda a nobreza da guerra se perdesse, para o escritor, quando se tratava da morte à distância, banalizando-a 65 (JACKSON et al., 2012). 65 Isso se complementa à sua experiência durante a Batalha de Somme, na qual Tolkien testemunhou a morte de milhares de soldados através do maquinário bélico.

84 83 É possível que a experiência trágica não tenha sido a única referência para a criação da Terra dos Cavaleiros. Além da simbólica união homem/animal, Rohan é um dos reinos criados por Tolkien que melhor representariam, de maneira imaginária e até mesmo cultural, a visibilidade dos povos anglo-saxões da Europa. A base imaginária do escritor parte muito da elaboração de algumas das línguas criadas para a sua literatura e da forma como Tolkien construiu a nomenclatura para os seus povos. Dentro desse processo do autor, o idioma dos eorlingas 66 também aparece entre as diversas línguas criadas, e com uma relação fundamental com o idioma anglo-saxão, o qual é visto não apenas como um campo fértil, mas o único campo no qual se procurar a origem e o significado de palavras ou nomes pertencentes à fala da Terra dos Cavaleiros (TOLKIEN, 2006, p ). Partindo da origem do povo através, também, dessa forma como Tolkien construiu sua nomenclatura, temos o imaginário do escritor sendo interpretado pela equipe de Peter Jackson, e nesse ponto chegando bem próximo à sua proposição sobre os anglo-saxões. Reconhecido igualmente pela equipe do cineasta como uma nação fictícia ligada a esses povos germânicos antigos e também, categoricamente, como se fossem uma comunidade viking, mas com cavalos ao invés das grandes embarcações (JACKSON et al., 2012), Rohan foi representada através de uma busca por referências visuais dentro da mesma ideia trabalhada sobre a língua criada pelo escritor. Identificada pela equipe de Peter Jackson, temos a ideia de Meduseld 67, por exemplo, baseada na história de Beowulf, poema épico traduzido da língua anglo-saxã por Tolkien, e de acordo com essa língua também podemos analisar outro aspecto da criação do escritor. Tratase da ideia dos principais nomes dos personagens de Rohan estarem ligados foneticamente à palavra eoh 68 (JACKSON et al., 2012), que no inglês arcaico significa cavalo, o que complementa a percepção das sociedades anglo-saxãs, da Idade Média, estarem presentes no imaginário da criação de Rohan. Quando unidas tais idealizações em conjunto, percebemos a importância da escrita de Beowulf nessa recontextualização de suas motivações à criação literária, tanto por sua qualidade medieval quanto por uma cultura baseada nas línguas antigas, o que é aqui observado como um 66 A forma como foi chamado o povo de Eorl após terem firmado aliança com Gondor, pois foi nessa época em que receberam as terras em que estão presentes na narrativa de Tolkien, chamando-as de Terra dos Cavaleiros (nomeada como Rohan, em Gondor) e recebendo o nome de eorlingas (chamados de rohirrim pelos gondorianos). Rohirrim significa, na língua criada por Tolkien, Senhores dos Cavalos (TOLKIEN, 2002c, p ). 67 Assim é chamado o Palácio Dourado de Rohan. A palavra dourado nomeada por Tolkien através do ponto de vista do elfo Legolas, ao observar o palácio na literatura, se dá não pela ideia de que o palácio do rei Théoden fosse completamente dourado, mas sim pela composição do palácio estar repleta de adornos dourados, além do teto composto também por palha, que ao receber os raios do Sol dão a impressão do teto ser feito de ouro. 68 Apenas citando alguns nomes: Théoden, Théodred, Éomer, Eowyn, Eorl e assim por diante.

85 84 aspecto que se relaciona, ainda que brevemente, com a teoria de schema (GOMBRICH, 1995, p.78). Essa compreensão da ideia de schema se daria pelo fato do imaginário de Tolkien, sobre Rohan, ter a sua base no poema anglo-saxão de Beowulf, traduzido por ele antes da escrita de O Senhor dos Anéis. Há alguns elementos da narrativa de Beowulf que se relacionam, paralelamente, à forma pela qual escreve os conflitos e as motivações narrativas em Rohan, no livro As Duas Torres, e isso mostra que Tolkien teria seguido o mesmo schema ou tema narrativo do poema para a sua literatura. Na seguinte citação, referente ao registro 183. Notas sobre a crítica de W.H. Auden de O Retorno do Rei, Tolkien nos explica o porquê de sua obra não conter, essencialmente, um conteúdo político como base. Ele coloca que sua história, de maneira geral, é mais direcionada por motivações humanas, especialmente sobre seu personagem Frodo, do que por uma motivação política (TOLKIEN, 2006, p.231). Assim, explica ainda como que os diversos romances medievais e fantásticos sobreviveriam, ou mesmo permaneceriam com maior intensidade dramática, exatamente por não terem seu maior foco na questão política embora muitos deles insiram um contexto político de fundo por baixo das motivações de seus personagens. Sobre isso, ele nos coloca que... os feitos de armas no (digamos) Romance Arthuriano, ou em romances ligados àquele grande centro de imaginação, não precisam se adequar a um padrão politicamente vantajoso. Assim o era nas primeiras tradições arthurianas. Ou, pelo menos, essa linha de imaginação primitiva porém poderosa era um elemento importante nelas. Como também em Beowulf. Auerbach deveria aprovar Beowulf, pois no poema um autor tentou adequar um feito de vagar em um complexo campo político: as tradições inglesas das relações internacionais da Dinamarca, Gotland e Suécia em dias antigos. Mas essa não é a força da história, sendo na verdade a sua fraqueza. Os objetivos pessoais de Beowulf em sua viagem à Dinamarca são precisamente aqueles de um Cavaleiro posterior: seu próprio renome e, acima disso, a glória de seu senhor e rei; porém, a todo momento vislumbramos algo mais profundo. Grendel é um inimigo que atacara o centro do reino e trouxera para dentro do salão real a escuridão exterior, de maneira que apenas durante o dia pode o rei sentar sobre o trono. Isso é algo bem diferente e mais horrível do que uma invasão política de iguais homens de outro reino similar (TOLKIEN, 2006, p.232) Essas notas nos exemplificam como que diversos romances de cavalaria poderiam ter influenciado Tolkien em sua construção literária, já que até mesmo a ideia do feito do vagar dentro de uma perspectiva de honra e devoção de um cavaleiro ao seu rei mostram-se idealizadas de maneira muito intensa pela cultura dos cavaleiros de Rohan, em sua narrativa. Assim, o tema e a cultura anglo-saxã de Beowulf podem ser reconhecidas como schemata para a construção do ambiente do palácio de Rohan. Isso é perceptível quando observamos o

86 85 contexto sombrio e ameaçador, que paira sobre Rohan, com uma peculiar similaridade ao contexto interpretado por Tolkien da narrativa de Beowulf. Nessa parte da história temos os personagens: Gandalf, Aragorn, Legolas e Gimli chegando no palácio do rei Théoden, que está sob uma atmosfera decadente e estranha, com seu governante debilitado e impotente: Os quatro companheiros avançaram, passando pela chama viva que ardia sobre a longa lareira no meio do salão. Então pararam. Na outra extremidade da casa, além da lareira e virado para o norte na direção das portas, estava um estrado com três degraus; no meio do estrado havia uma grande cadeira dourada. Nela sentava-se um homem tão curvado pela idade que quase parecia um anão; mas seus longos cabelos eram brancos e grossos, caindo em grandes tranças que surgiam de um fino diadema de ouro que lhe cingia a fronte. No centro da testa, brilhava um único diamante branco. A barba caía-lhe sobre os joelhos como neve, mas em seus olhos ainda queimava uma luz clara, que faiscou quando olharam para os forasteiros. [...] Nos degraus aos pés do rei sentava-se a figura mirrada de um homem, com um rosto pálido e sábio e pálpebras caídas. (TOLKIEN, 2002b, p.148) Na descrição é possível retornar à ideia cognitivista dos scripts, através de sua definição por Bordwell (2008, p.9), quando o autor coloca a sua ideia de que a mente humana retoma narrativas particulares para o reconhecimento de eventos que se deparam à sua frente. Mas aqui devemos lembrar que a ideia de script estaria ligada à forma como Tolkien se baseia no contexto de Beowulf para criar um ambiente equivalente, através de sua narrativa literária, quando escreve sobre Rohan. Isso se mostra possível quando identificamos um mesmo schema temático, presente no contexto de Meduseld similarmente à forma como é interpretado pelo escritor ao analisar o Salão do rei Hrothgar, chamado de Heorot no poema Beowulf. Na carta número 183, Tolkien exemplifica como há um clima sombrio e caótico em Heorot devido a um mal trazido do exterior do reino através da figura monstruosa de Grendel. Já no texto de As Duas Torres, de acordo com o contexto também sombrio e caótico em Rohan, temos o palácio do rei Théoden sob o mesmo clima aterrorizante de Heorot, entretanto a figura que causa o mal externo que invade o reino dos cavaleiros não é um monstro, mas sim o mago Saruman, aliado de Sauron, que pretende subjugar o reino dos cavaleiros. Entretanto, para a observação externa do palácio, antes dos viajantes perceberem o clima terrível no qual se encontrava o reino, temos a descrição de Meduseld tendo como foco um possível vislumbre da estrutura, que nos é colocada pelo autor da seguinte forma, usando o ponto de vista de um de seus personagens, o elfo Legolas:

87 86 no meio, sobre uma plataforma verde, ergue-se imponente uma grande casa de homens. E parece aos meus olhos que o teto é de ouro. A luz dele brilha por sobre toda a região. Dourados, também, são os batentes das portas. Ali diviso homens vestidos em malhas metálicas brilhantes; mas todos os outros dentro dos pátios ainda estão dormindo. (TOLKIEN, 2002b, p.140) Dessa maneira, como resultado das diversas referências, temos os sketches da arte conceitual de Alan Lee, para o palácio de Meduseld, baseadas nas construções medievais do norte europeu durante a Idade das Trevas, e o próprio artista comenta sobre a importância da influência de Beowulf, assim como a descrição literária (TOLKIEN, 2002b, p.140), dentro do processo de composição visual do palácio para a obra fílmica: Os edifícios de Rohan são de madeira e baseados brevemente em nossa ideia de estruturas que teriam existido no norte da Europa durante a Idade das Trevas. A descrição do Salão de Hrothgar, Heorot, no poema anglo-saxão Beowulf foi útil como as próprias palavras de Tolkien ao evocar o tipo de lugar que queríamos criar. Queríamos que ele fosse percebido como antigo e forte, revestido com ferro e fortemente decorado. Adotamos o motivo sunburst 69 como algo que parecia apropriado para um povo seminômade que habita planícies, e, claro, usamos muitas esculturas de cavalos em frontões e portões. 70 (RUSSEL, 2003, p.72, tradução do autor) Essa citação de Lee é diretamente relacionada ao seu sketch para a arquitetura externa do Palácio (Fig. 40). Entretanto, há ainda outra relação importante sobre essa construção imagética, como será visível através das ilustrações de Alan Lee e John Howe de Heorot para o poema Beowulf. Vejamos, primeiro, o processo de construção externo de Meduseld. 69 Referente ao emblema solar encontrado no sketch de Alan Lee (Fig. 40). 70 The buildings of Rohan are wooden and based loosely on our idea of structures that would have existed in northern Europe during the Dark Ages. The description of Hrothgar s Hall, Heorot, in the Anglo-Saxon poem Beowulf was probably as useful as Tolkien s own words in evoking the kind of place we wanted to create. We eanted it to feel ancient and strong, bound with iron and heavily decorated. We adopted the sunburst motif as something that felt appropriate for a plainsdwelling, seminomadic people, and, of course, we used lots of carvings of horses on gables and gateways.

88 87 FIG. 39 Alan Lee. Ilustrações de Heorot (Beowulf). FONTE: THE GOLDEN HALL, 2014 FIG. 40 Alan Lee. Sketch do exterior de Meduseld. FONTE: RUSSEL, 2004a, p.85 FIG. 41 The Two Towers Plano geral da chegada ao palácio de Meduseld. Detalhe para a arquitetura externa da estrutura.

89 88 Temos, nessas imagens, algumas das bases conceituais para a representação do palácio de Meduseld. Sobre o sketch de Alan Lee (Fig. 40), o artista menciona ter se baseado não apenas em estruturas da Idade Média, mas também tanto nas descrições do salão Heorot (Beowulf), como na descrição de Tolkien do palácio em Rohan. Referente à descrição em Beowulf temos, igualmente, a possibilidade das próprias ilustrações de Alan Lee, do castelo do poema anglosaxão (Fig. 39), como fontes de schemata para a construção de Meduseld. Se compararmos seu esboço do palácio de Meduseld e suas ilustrações para Beowulf, reconhecemos schemata comparáveis, pois a imagem referente ao exterior de Meduseld possui o mesmo tipo de arquitetura e ângulo de desenho das artes referentes ao exterior de Heorot. Outra ideia é o emblema solar como forma de relembrar a bandeira do reino, que também possui essa imagem como símbolo algo que fica melhor caracterizado se observarmos a estrutura do palácio na obra fílmica (Fig. 41). Na obra literária, quando os viajantes Gandalf, Aragorn, Legolas e Gimli entram no palácio, Tolkien descreve o interior de Meduseld com vários detalhes em sua arquitetura. Sobre esse aspecto, podemos identificar uma ideia que o autor coloca sobre os elementos decorativos do palácio, que nos ajudam a identificar a realeza de Rohan, embora o clima que paira sobre o reino, no momento narrativo, seja caótico e sombrio, conforme lemos na descrição: Conforme desviaram os olhos, os viajantes perceberam que o chão era pavimentado com pedras de várias tonalidades; runas trabalhadas e estranhos objetos se entrelaçavam sob seus Pés. Viram nesse momento que os pilares eram ricamente entalhados, reluzindo veladamente em ouro e cores meio imperceptíveis. Muitas estampas tecidas pendiam das paredes, e sobre seus amplos espaços marchavam figuras de lendas antigas, algumas apagadas pelos anos, algumas escurecidas pela sombra. (TOLKIEN, 2002b, p.147) Com base nessa última descrição e seguindo também as ideias relevantes às imagens simbólicas do reino de Rohan, temos, consequentemente, os sketches sobre a figura do cavalo enquanto decoração aos ambientes internos da arquitetura de Meduseld (Fig. 43). Sketches que foram unidos, neste processo de esquema e correção (GOMBRICH, 1995, p.78), de acordo com outra ilustração do salão Heorot (Fig. 42) que foi criada antes da época da produção fílmica pelo artista John Howe, outro dos principais integrantes da equipe de Peter Jackson. Sob uma mesma ideia devido ao schema, observa-se os temas heráldicos e os adornos externos da ilustração de Howe copiados no esboço de Lee para os temas de Meduseld, que foram usados para a arquitetura fílmica (Fig. 44).

90 89 FIG. 42 John Howe. Ilustração de Heorot (Beowulf). FONTE: THE GOLDEN HALL, 2014 FIG. 43 Alan Lee. Sketches para a arquitetura interior de Meduseld. FONTE: LEE, 2005, p.94 (Fig.45) e p.96 (Fig. 46)

91 90 FIG. 44 The Two Towers Plano de meia figura da sequência de chegada no palácio de Meduseld. Detalhe para os temas heráldicos e os ornamentos presentes como decoração no portão e nas colunas da estrutura. Nessa última imagem é possível perceber, até mesmo, como que o posicionamento dos soldados, em frente ao portão do palácio, se relaciona à composição artística de Howe (Fig. 42), novamente com um schema comparável, agora diretamente, entre a imagem fílmica e a ilustração de Beowulf. E no plano geral seguinte (Fig. 45), identificamos as estampas tecidas da descrição de Tolkien, mais um elemento copiosamente transposto do livro ao filme. Isso nos mostra que, enquanto houve a possibilidade da base nas ilustrações de Beowulf para a direção de arte, havia também uma preocupação em manter elementos que permitissem que o leitor de Tolkien reidentificasse o momento narrativo do reino de Rohan. FIG. 45 The Two Towers Plano geral da cena de encontro dos viajantes com o rei de Rohan. Detalhe para a figura equina enquanto decoração para a arquitetura interior do palácio, no topo das pilastras.

92 91 Ainda com relação a essa segunda imagem fílmica (Fig. 45), como pode ser perceptível pelos sketches (Fig. 43) em comparação com esse plano geral, além dos temas heráldicos e dos adornos, que ajudam a decorar a estrutura do palácio na obra do cinema, mais um elemento copiosamente repetido, dos sketches, é a figura simbólica do cavalo ao reino, que aparece nas pilastras de maneira contínua durante todo o salão real. Isso além do tema do sunburst (emblema solar), que aparece acima do trono real de Rohan, repetindo-se na arquitetura interna do palácio. Portanto, neste processo de análise sobre os schemata, com a identificação da arquitetura interna e externa de Meduseld, na forma como aparece no filme (Figs. 44 e 45), temos o palácio de Meduseld sob o mesmo schema identificado em Heorot por dois aspectos: (1) arquitetura externa (Fig. 39 em comparação à Fig. 41); e (2) temas heráldicos para os adornos dourados (Fig. 42 em comparação à Fig. 44), além da disposição dos soldados em frente às portas, conforme mencionado. Entretanto, isso não impede, conforme visto pelos sketches de Alan Lee (Figs. 40 e 43) que a figura equina apareça como um tema copiosamente transposto dentre toda a arquitetura de Meduseld para a obra fílmica, além do sunburst (RUSSEL, 2003, p.72) enquanto destaque na entrada do palácio (Fig. 41), e repetido acima do trono do rei Théoden (Fig. 45). Outra função importante da direção de arte é ajudar a definir a colorização e a iluminação da fotografia no filme, elementos essenciais para a criação do visual da imagem cinematográfica, que ajudará o espectador a compreender e a adentrar melhor na narrativa. Sobre esse aspecto começamos a observar outras possíveis referências oriundas das ilustrações de Beowulf na produção do palácio de Meduseld. Retornando a Tolkien, quando os viajantes chegam no palácio de Théoden, parte do clima caótico é devido à forma como o lugar se mostra aos viajantes, descrito pelo o autor da seguinte maneira: Os viajantes entraram. O interior parecia escuro e quente, depois do ar claro sobre a colina. O salão era comprido e largo, e cheio de sombras e meiasluzes; pilares poderosos sustentavam o teto alto. Mas em alguns pontos a luz do sol caía em raios bruxuleantes das janelas orientais, altas sob os profundos beirais. Através das gelosias do teto, sobre os fios tênues de fumaça que subiam, o céu se mostrava claro e azul. (TOLKIEN, 2002b, p.147) Novamente de acordo com as possíveis referências a partir das ilustrações de Beowulf, observamos seu tema caótico através das cores que foram utilizadas por Lee na ilustração do interior de Heorot (Fig. 46), e ela é comparável, pela tonalidade e intensidade, aos estudos de cores de Jeremy Bennett (Figs. 47 e 48), outro dos artistas conceituais de The Two Towers, referente ao ambiente no qual Gandalf e sua companhia encontrariam-se quando chegassem em

93 92 Meduseld (TOLKIEN, 2002b, p.147). Entretanto, há uma grande diferença quando vemos o tratamento final da imagem fílmica, isso através do interior sombrio e dessaturado do palácio (Figs. 49 e 50), e isso nos levará a outra possibilidade de compreensão diante das possíveis referências de Beowulf. FIG. 46 Alan Lee. Ilustração do interior de Heorot (Beowulf). FONTE: THE GOLDEN HALL, 2014 FIG. 47 Jeremy Bennett. Estudo de Cor para o interior de Meduseld. FONTE: RUSSEL, 2004a, p.27

94 93 FIG. 48 Jeremy Bennett. Estudo de Cor para o interior de Meduseld. FONTE: RUSSEL, 2004a, p.27 FIG. 49 The Two Towers Plano de conjunto da cena da chegada dos viajantes ao grande salão do palácio de Meduseld. Detalhe para a diferença da paleta de cores de Bennett, mantendo-se apenas o schema de iluminação. É possível identificar que, enquanto Bennett utilizou, aparentemente, de uma mesma paleta de cores reconhecível na ilustração de Lee (Beowulf) chegando, até mesmo, mais próximo do escrito de Tolkien do que o visual fílmico, observamos na adaptação o trabalho para o ambiente através da iluminação utilizada no set de filmagem, que embora se mantenha sob o mesmo schema de luz das pinturas de Bennett com as mesmas fontes de luz (oriundas das janelas) seguidas de suas artes conceituais, se torna diferente por não usar de suas cores na colorização final da adaptação do cinema. Observa-se assim que há uma aproximação maior por parte da interpretação de Tolkien sobre o clima de horror em Heorot (TOLKIEN, 2006, p.232) do que pela pintura de Bennett, e talvez isso nos coloque que o script narrativo utilizado pelo escritor inglês tenha servido como

95 94 base também para a equipe de Peter Jackson, com a direção de fotografia trabalhando a mesma característica para o filme. Passamos, agora, para a forma como foram construídas outras representações da cultura de Rohan, partindo de elementos presentes na literatura até a sua visibilidade fílmica, e, posteriormente, para os schemata de registros ilustrativos presentes na primeira grande batalha da Guerra do Anel Abismo de Helm: Romantismo e Gravuras da História das Cruzadas Para a adaptação fílmica, o modelo resgatado pela direção de arte para a representação visual da cultura de Rohan partiu das civilizações nórdicas, escandinavas e daquelas pertencentes ao norte europeu, como base imagética (JACKSON et al., 2012). Entretanto, nesta aproximação e certo distanciamento do escrito literário o processo de esquema e correção (GOMBRICH, 1995, p.78), também surgiria a ideia de vikings nas planícies 71, como forma de transposição de algo pertencente ao imaginário coletivo para a visibilidade dos rohirrim. Ao identificarmos, por exemplo, o design das armaduras e armas do reino, somos apresentados a mais referências imagéticas dos povos anglo-saxões, mas sempre em mistura com a cultura equina oriunda da narrativa de Tolkien. Com a ideia de uma armadura norteeuropéia, céltica e viking, com metal em sua composição, um exemplo dos diversos figurinos que possuem tanto a ideia dos antigos anglos-saxões quanto da figura do cavalo é a armadura de Théoden, o rei de Rohan. Conforme mencionado por Daniel Falconer (artista conceitual), responsável pelos esboços em cores da armadura do rei, a composição do figurino de batalha de Théoden precisaria destacar a figura do rei perante os rohirrim. Sendo assim, há múltiplas referências na formação de sua armadura (Fig. 51). Seu elmo é elaborado com base no material que já havia sido resgatado em escavações na região de Sutton Hoo, em Suffolk (Inglaterra) (Fig. 50), utilizando de sua forma, composta por placas de metal, mas adicionando elementos como a cabeça de cavalo na parte de cima do capacete, envolvendo a fronte do acessório, emblemas solares e uma ondulação celta (RUSSEL, 2003, 71 Essa ideia dos vikings é observada apenas como uma característica pela equipe de direção de arte da adaptação. É uma das formas pelas quais os integrantes da equipe definiram a sociedade de Rohan. Isso se dá porque a civilização viking colocava seus navios como principal meio de vida, mas se abrangermos Rohan, esta necessidade à sociedade se mostra através dos altivos cavalos dos rohirrim substituindo as grandiosas embarcações vikings, levando-os, consequentemente, dos oceanos em alto mar às planícies em terra firme. Não encontrei nenhum registro que comprovasse a influência das sociedades vikings diretamente na construção imaginária dos rohirrim por Tolkien, embora a ideia da influência de Beowulf remeta, brevemente, ao imaginário coletivo sobre os vikings.

96 95 p.63) como forma de destacar o elmo do rei. Com um forte detalhismo no tronco da armadura, temos não apenas referências culturais de Rohan há repetidas cabeças de cavalos nas partes do peito, braços e canelas da armadura do rei, mas também sua ideia histórica, como se contasse fatos sobre o reino (RUSSEL, 2003, p.63). De mesma forma icônica de acordo com a cultura do reino, temos o escudo do rei com o emblema solar ao centro, referência à bandeira de Rohan, segundo Falconer, e a espada de Théoden com duas cabeças de cavalo esculpidas na travessa de sua arma, individualizando-a de demais armas (Fig. 52). A cultura rohirrim e as influências múltiplas que a compõe, da literatura às pesquisas da direção de arte, se mostram representadas no esboço em cores de Falconer, identificando as diversas referências para a construção da cultura de Rohan. E isso se mostra igualmente presente ao identificarmos demais elementos que aparecem dentro do palácio em Meduseld, como as já mencionadas estampas tecidas (Fig. 53), usadas como forma decorativa e também para mostrar as diversas subdivisões dentro do reino de Rohan (JACKSON et al., 2012). FIG. 50 Elmo resgatado da região de Sutton Hoo, em Suffolk (Inglaterra). FONTE: site Google Images

97 96 FIG. 51 Daniel Falconer. Esboços em Cores para a armadura de Théoden. FONTE: RUSSEL, 2003, p.63 FIG. 52 The Two Towers Plano detalhe no momento da entrega da espada ao rei Théoden. Detalhe para a travessa da espada, esculpida na forma de duas cabeças de cavalo, com uma diante da outra.

98 97 FIG. 53 Gareth Jensen. Esboços em Cores das estampas tecidas em Meduseld. FONTE: RUSSEL, 2003, p Mesmo com a cultura de Rohan sendo baseada em culturas anglo-saxãs e em parte do poema de Beowulf, uma peculiaridade nesse momento da narrativa, que se encontra na composição do contexto literário e na produção visual fílmica, é a ideia do cavalo enquanto uma figura que simboliza a cultura de Rohan. A história lendária de Eorl, que termina com a amizade e a união simbólica entre o cavaleiro e o cavalo, é um indício literário que é transposto à narrativa fílmica, aproximando-a da obra literária. Essa relação de proximidade entre homem e animal é representada de variadas formas nas narrativas. Como um aspecto geral desse momento da história, tanto no livro quanto nos filmes, os cavalos ganham uma presença mais próxima dos protagonistas, tornando-se personagens secundários na trama, mas com uma peculiar personalidade como característica para eles. Se na literatura de Tolkien temos a história de Eorl e a presença dos cavalos mearas e/ou dos equinos de Rohan com uma proximidade poética com os seus cavaleiros, mais como amigos do que como donos, no cinema observamos cenas que representam essa amizade/união entre homem e animal. Como exemplo, podemos citar momentos como: (1) a cena da primeira aparição do cavalo Scadufax pelo chamado de Gandalf (Figs. 54 e 55), no momento em que o mago convoca Aragorn, Legolas e Gimli a irem com ele para Meduseld; ou (2) a sequência na qual Aragorn é resgatado pelo cavalo Brego nas margens de um rio onde estava desmaiado (Figs. 56 à 58), além de ser conduzido pelo animal até a fortaleza do Abismo de Helm. Nas cenas mencionadas, os cavalos aparentam comunicar-se com os personagens.

99 98 FIG. 54 The Two Towers Plano geral da cena da chegada do cavalo Scadufax ao encontro de Gandalf. FIG. 55 The Two Towers Plano em close-up do personagem Gandalf junto a Scadufax, na mesma cena. FIG. 56 The Two Towers Plano em close-up de Aragorn na cena em que o personagem é resgatado pelo cavalo Brego.

100 99 FIG. 57 The Two Towers Plano de conjunto da mesma cena. Detalhe para o relacionamento entre homem e animal. FIG. 58 The Two Towers Plano de meia figura da mesma cena. Assim, é perceptível que, nas duas narrativas, encontramos essa ideia simbólica contada ou mostrada. Isso mostra uma união entre homem e animal, entre ser humano e ambiente, e essa peculiar união simbólica é um dos temas que pode ser encontrado na fase artística do romantismo na pintura. Podemos tentar observar, portanto, parte da teoria sobre esse momento artístico e, posteriormente, a forma como pode estar presente na história medieval criada por Tolkien e na representação dela pela direção de arte da trilogia fílmica. O romantismo pode ser compreendido como uma fase artística na qual tomaria-se densidade, pela primeira vez, valores de notável independência de espírito, além de ter sido preparado por teorias filosóficas [...] que realçam a moral do sentimento (Shaftesbury) (ZANINI, 2013, p.185). Ocasionado também pelos ideais revolucionários dos séculos XVIII e

101 100 XIX, este direcionamento através dessa arte propõe combater o racionalismo, dogmático e canônico, indo contra os paradigmas da arte pura (na época: o neoclássico), tida como perfeita em seus ideais pré-determinados. Atingindo diversas vertentes de pensamento, o romantismo, segundo Walter Zanini em seu texto A Arte Romântica, é visto também como uma consequência da filosofia de Rousseau, com um pensamento e uma ação que levariam as novas gerações à prática de uma moral em rebeldia (ZANINI, 2013, p.186). Isso, segundo Zanini, repercutiria profundamente nas esferas social e política, em conjunto com a linguagens artísticas e das letras. Através da cosmogonia romântica a arte mostra-se capaz de integrar a concretude dos valores temporais do homem à sua realidade, exatamente como no vasto quadro histórico de ocorrência do movimento, o indivíduo, rompendo com os cânones racionalistas pós-renascimentais, investe-se de nova responsabilidade de consciência. A quebra de uma estrutura repressiva da liberdade individual, corresponde na arte à superação de mandamentos estéticos que davam uniformidade às escolas do passado. (ZANINI, 2013, p.186) É colocado pelo autor, igualmente, a ideia da adoção das normas classicistas pelos artistas românticos, entretanto, tal aspecto não impediria que a arte caminhasse de fato para uma presença correlata com as transformações históricas que ocorriam nos séculos, pelas quais são observáveis características que dariam o ponto de partida à sociedade moderna (ZANINI, 2013, p.188). Com a fase artística localizável, historicamente, em três momentos: Pré-Romantismo ( ), Romantismo ( ) e Pós-Romantismo (pós-1850) embora essa divisão temporal não impeça a localização do temperamento romântico (ZANINI, 2013, p.195) em outros momentos históricos, quando chegamos na pintura (uma das principais artes da fase artística), observa-se alguns porquês do espírito revolucionário sentimental. Com a possibilidade do espírito romântico ser reconhecido em diferentes momentos históricos, como nos séculos XVI e XVII através de algumas obras de Giorgione, Tintoretto, Rubens, Rembrandt, Claude Lorrain e Ruisdael (ZANINI, 2013, p.186) primeiros temas: melancolia, temperamento dramatizado e natureza em devoção, observamos valores de sensibilidade com forte concentração e altamente dominante sobre a mente artística, segundo o autor. A pintura romântica é a demonstração do sentimento dos pintores ao mundo físico natural, ao mesmo tempo no qual colocam-se como provocadores de um clima apaixonado de revivescências históricas e legendárias (ZANINI, 2013, p.186). Abrangem pensamentos utópicos, mas, da mesma forma, também pensamentos fantasmagóricos, além do forte apego sentimentalista e a anedotas pitorescas (ZANINI, 2013, p ). Com a sua perspectiva

102 101 também conectada às questões sociopolíticas da época na qual ascendia seu temperamento, sua arte, ao mesmo tempo influenciadora e influenciada pelo momento histórico, tomou um aspecto peculiar no sentido da multiplicidade de temas. Isso se tornou possível através dos múltiplos sentimentos que eram trazidos, reerguidos ou contemporaneizados pelos artistas, através da tríade romântica 72 : sentimentalismo, individualismo e liberdade. Dentro das inúmeras possibilidades de trabalho por eles, a ideia da transdisciplinariedade do movimento romântico é algo importante a ser colocado neste estudo, e é reconhecido como a presença do espírito de Gesamtkunstwerk 73 (ZANINI, 2013, p.188). muitos pintores românticos pensavam em termos transdisciplinares, de uma real aproximação entre as artes [...]. Exerciam-se noutras linguagens, como a poesia e a música [...] ou procuravam fazer suas cores e formas serem captadas também enquanto música e literatura. O alargamento dos meios técnicos constitui outro traço da época (experimentação de novas cores, empastamento das tintas, entusiasmo pela aquarela, invenção da litografia, retomada de antigos processos da gravura, etc): trata-se de um primeiro passo para as grandes inovações dos tempos contemporâneos. (ZANINI, 2013, p.188) Outra forma de tratar a realidade, através do surgimento da fotografia, também se torna um elemento que constitui o pensamento romântico, e isso por duas vertentes: por um lado, (1) a possibilidade de não necessitar mais ser excepcionalmente fiel (a pintura) ao que se vê externamente à tela (característica dos retratos como fotografias pintadas, por exemplo), e por outro, (2) a ideia de enaltecimento da mistificação dos quadros, através dos traços evanescentes, das cores vivas, dos climas caóticos ou mesmo da forma das pinceladas. Nesses aspectos trandisciplinares, compreendemos que a pintura romântica é algo que se mostrou em contínua transformação, atravessando diversos tipos de motivações imagéticas e baseada em conceitos oriundos desde os ideais dos gregos e romanos antigos até a ultrapassagem dos artistas pós-renascentistas, uma arte pela arte (ZANINI, 2013, p.188) que se auto-observava. Nessa abordagem, tanto a pintura quanto a gravura são as bases da arte imagética romântica, e dentro dessas duas formas, outros pequenos movimentos periféricos ao romantismo surgiram, como: o retrato caricaturesco, o paisagismo, o realismo, o pré-rafaelismo e o impressionismo. Um dos temas trabalhados por alguns artistas românticos, como Théodore Géricault e Eugène Delacroix trata-se exatamente da figura do cavalo e do cavaleiro em meio às suas representações da realidade. Ambos são parte da geração de pintores adentrados no que é 72 Esse termo, peculiarmente, é proposto através de minha interpretação particular sobre a fase artística durante a minha pesquisa, a partir das leituras e estudos de acordo com a arte do romantismo. 73 Alemão traduzido: Obra de Arte Total.

103 102 chamado romantismo explosivo 74 (ZANINI, 2013, p.199). O momento trata muito da chegada definitiva de um romantismo com forte passionalidade, baseada na arte de Francisco de Goya e que, ao ser trabalhada por Géricault e Delacroix, ganha observações mais heróicas, abrangendo parte daquele caos visível pela pintura do espanhol, mas com um intenso idealismo heróico ligado ao período vivente pelos franceses. Quando tratamos, mais incisivamente, de parte da obra artística de Géricault, encontramos diversificados quadros que nos mostram a imagem do cavalo como um tema fortemente trabalhado pelo pintor. Isso aparece tanto pela figura equina em si (Figs. 59 à 61), quanto por sua imagem em relação ao ambiente e/ou ao homem (Figs. 62 e 63), e chegando ao tema da cavalaria (Fig. 64). FIG. 59 Theodore Géricault. Cheval gris au râtelier Musée du Louvre, Paris (França) FIG. 60 Theodore Géricault. Cheval arabe blanc-gris Musée des Beaux-Arts de Rouen, Normandia (França) 74 Trata da época em que a escola neoclássica confrontaria as formas românticas. Indo de encontro ao academicismo da época, os recursos emocionais possíveis através da cor tornaram-se outra forma de busca, isso a uma arte que também era intencionada a dialogar com as questões sociopolíticas dos séculos XVIII e XIX.

104 103 FIG. 61 Theodore Géricault. Tête de cheval blanc Musée du Louvre, Paris (França) FIG. 62 Theodore Géricault. Cheval noir sortant de l'écurie Musée Condé em Chantilly, Oise (France) FIG. 63 Theodore Géricault. Mazeppa Coleção Particular

105 104 FIG. 64 Géricault. Officier de chasseurs à cheval de la garde impériale chargeant Musée du Louvre, Paris (França) Essa utilização do animal enquanto tema artístico e romântico é identificado no texto de Zanini como uma das diversas peculiaridades de Géricault: Na linha de frente desse romantismo explosivo aparecem Théodore Géricault e mais ainda Delacroix, artistas que depositam uma convicção absoluta na importância da originalidade. Géricault, de cuja formação participam Michelangelo e Gros, é um dos primeiros contestadores da escola de David 75. Seu escopo é realizar uma amálgama entre o fervente clima romântico e o comentário realista. Sua obra engloba a figuração de soldados, cavalos (onipresentes da iconografia romântica), retratos de loucos (ZANINI, 2013, p.199) Dessa forma, ao identificar o tema dos cavalos na pintura de Géricault, encontramos uma ideia simbólica que pode ser relacionada com o referencial da cavalaria rohirrim, presente na obra de Tolkien, e com obras próximas das relações de estudo sobre a figura do cavalo (da equipe de design conceitual), até a forma pela qual os animais são representados no cinema. Pensando primeiro pela relação da construção imagética realizada a partir de esboços e/ou de estudos de cores para a obra cinematográfica, temos os desenhos de Gareth Jensen, Warren Mahy e Alan Lee (Figs. 65 à 67) como uma forma de estudo comparável às ideias buscadas para algumas pinturas de Géricault (Figs. 59 à 61). Através do pintor romântico temos estudos mais bem elaborados, indo além de uma simples característica de esboço em cores, em 75 Um dos principais e mais importantes artistas que trabalhou o neoclássico, a arte rival do romantismo.

106 105 que vemos os animais também em perfil, mas com sua composição trabalhada através de luz e sombra e com referência ao ambiente no qual estão presentes, em cada obra. Já pelos desenhos dos artistas conceituais, para os cavalos de Rohan, se observa um estudo para a individualização dos animais de acordo com a posição social do cavaleiro perante o reino temos os estudos para o cavalo de Théoden e Éomer, membros da realeza, e da base para a guarda real. FIG. 65 Alan Lee e Gareth Jensen. Esboço em Cores para a selaria de Théoden. FONTE: RUSSEL, 2003, p.76 FIG. 66 Warren Mahy. Esboço para as placas de rosto dos cavalos. FONTE: RUSSEL, 2003, p.76

107 106 FIG. 67 Gareth Jensen. Esboço em Cores da selaria de Éomer e da guarda real de Rohan. FONTE: RUSSEL, 2003, p.77 Entre as obras de Géricault, podemos identificar a figura do cavalo albino como um possível subtema trabalhado pelo artista (Figs. 60 e 61), imagens pelas quais há representações mais realistas dos cavalos com características semelhantes a de uma fotografia em relação às suas composições de luz e sombra e que podem remeter à ideia de pureza e espiritualidade da figura do animal. Essa ideia pode se relacionar com a figura do cavalo branco Scadufax (Fig. 54), mas quando observamos outro possível subtema do artista, agora sobre a figura do cavaleiro, identificamos obras que colocam a proximidade do animal com o homem através de diversas ideias. Isso se mostra desde uma situação mais simples (Fig. 62), passando também por uma representação de um poema (Fig. 63), até a chegada de uma visibilidade mais icônica sobre essa relação (Fig. 64). Essas relações, entre cavalo e cavaleiro, também estão presentes na forma pela qual os equinos nos são mostrados na trilogia de Peter Jackson, principalmente no título The Two Towers (Figs. 54 à 58), no qual a imagem do animal é mais destacada. Sendo assim, os cavalos de Géricault possuem um destaque peculiar na sua obra, tornando sua figura simbólica um dos aspectos mais importantes no romantismo explosivo (ZANINI, 2013, p.199) e trazendo-os ainda mais próximo de um protagonismo, com algumas das pinturas mostrando uma personalidade aos cavalos (Figs. 63 e 64), seja pela atitude do animal no quadro (Fig. 63) ou pela expressão de outro na tela (Fig. 64). Quando esses aspectos são relacionados à ideia dos cavalos, da forma como aparecem no livro e nos filmes de O Senhor dos Anéis, é possível termos, novamente, a ideia de símbolo (BORDWELL, 2008, p.7-8), um aspecto e/ou um ideal sobre a cavalaria, na fase romântica, que percorreu décadas e que ressurge atualmente em diversas obras artísticas. Ainda que, nesse caso específico, sejam mais direcionados a partir das interpretações possíveis que os leitores/espectadores possam ter sobre a história do livro ou do filme, sobre Rohan.

108 107 A ideia de diversificados temas, na composição de um momento ou de uma ideia para transposições de imaginários literários a produções fílmicas, pode ultrapassar os contextos das antigas novelas de cavalaria, ou mesmo das ilustrações de romances medievais, das diversificadas pinturas românticas, além das proposições do próprio autor da obra a ser adaptada. A pesquisa da direção de arte, conforme já mencionada aqui, também pode ser direcionada a partir de schemata presentes na sociedade através de mediações de imagens históricas, ou com referência a momentos históricos. Portanto, dependendo da importância dada ou da forma pela qual as imagens atingem o imaginário coletivo, elas podem estar presentes dentro de uma obra da cultura pop através de seus schemata, mesmo que a obra em si não tenha uma relação direta com o tema ou com a ideia dos quais surgiram as imagens antigas. No livro As Duas Torres somos apresentados à Batallha do Abismo de Helm, esta que é o primeiro grande confronto pela Terra-Média na narrativa de Tolkien. Entretanto, são apenas nos apêndices de O Retorno do Rei que o escritor nos revela a base literária, utilizada por ele, para a construção e a preparação da batalha que escreveria no segundo volume da Guerra do Anel. Tolkien cria uma das lendas que conta a parte mais obscura, intensa e sofrida, da trajetória do reino de Rohan, a história de queda e superação de Helm Mão-de-Martelo. A lenda trata do antigo rei Helm, um homem imponente, que possuía mãos enormes e extremamente fortes, das quais viriam a alcunha Mão-de-Martelo, sendo aquele que conduziu o povo durante sua época mais terrível. Durante o reinado de Helm, Freca, um homem rico e com uma fortaleza própria, pediu a mão da filha de Helm para seu filho. Entretanto, quando Helm recusou a mão de sua filha ao rapaz, Freca ameaçou a autoridade de Helm, que acabou matando-o com os seus próprios punhos. Dessa resolução, o filho e os homens de Freca foram considerados inimigos de Rohan, sendo expulsos da região ocidental da Terra dos Cavaleiros (em que Freca havia construído sua fortaleza), obrigando-os a fugirem. Anos mais tarde, o filho de Freca, liderando três esquadras de corsários, guerreou contra todo o litoral dos rohirrim e conquistou o reino completamente, forçando Helm e seus remanescentes a fugirem para os vales montanhosos. Isso fez com que o povo de Rohan ficasse sitiado no Forte da Trombeta 76. Sequencialmente vieram anos difíceis, com muito sofrimento ao povo de Rohan, nos quais passou por inúmeras necessidades. Essa situação tornou o coração de Helm sombrio, feroz e rancoroso, e a lenda conta que, vestido de branco, sozinho e apenas com sua força peculiar, ameaçava os acampamentos de seus inimigos, assim como matava muitos deles, tornando-se um exército de um único homem. 76 Uma fortaleza localizada em uma área de precipício que é a principal defesa do povo de Rohan.

109 108 O medo que Helm causava também partia de sua trombeta, pois quando soava, advindo seu clangor do abismo onde seu povo estava refugiado, seus inimigos já temiam pela sua presença. E então, após uma noite na qual os soldados do rei ouviram sua trombeta tocar, encontraram pela manhã o corpo de seu rei parado acima da região do abismo, como se fosse uma estátua que protegia todos os remanescentes de Rohan. As ações de Helm são honradas quando o filho de sua irmã reconquista Meduseld e, como honra ao mérito do rei morto, conduz o seu corpo ao túmulo da região do reino. Com essa lenda, o Forte da Trombeta se tornou o refúgio ideal ao povo de Rohan, e o precipício recebeu o nome de Abismo de Helm, um declive, em meio às montanhas, que representa a força e a superação de um dos períodos mais difíceis do povo dos cavaleiros. Tolkien nos descreve todo o Abismo de Helm da seguinte maneira em As Duas Torres: no lado oposto do Vale do Folde Ocidental, ficava uma garganta verde, uma grande reentrância no meio das montanhas, que se transformava num precipício entre elas. Os homens daquela região deram-lhe o nome de Abismo de Helm, em homenagem a um herói de antigas guerras que se refugiara ali. Partindo do norte, a garganta afundava, cada vez mais íngreme e estreita dentro das sombras do Thrihyme, até o ponto onde os penhascos ocupados por corvos assomavam como torres poderosas dos dois lados, bloqueando a luz. No Portão de Helm, diante da entrada do Abismo, havia um esporão de pedra que o penhasco ao norte projetava para fora. Ali, na sua extremidade, erguiamse altas muralhas de pedra antiga, e dentro delas via-se uma torre alta. Os homens diziam que nos tempos longínquos da glória de Gondor os reis dos mares tinham construído ali sua fortaleza com mãos de gigantes. Chamava- se Forte da Trombeta, pois se tal instrumento fosse tocado na torre o som ecoava no Abismo atrás dela, como se exércitos há muito esquecidos estivessem marchando para a guerra, vindo das cavernas sob as colinas. Os homens de antigamente também tinham construído uma muralha, que ia desde o Forte da Trombeta até o penhasco ao sul, barrando a passagem para a garganta. Abaixo dela, através de uma larga galeria, passava o Riacho do Abismo. (TOLKIEN, 2002b, p ) A partir da lenda é que advém a principal base, de Tolkien, em um processo de autorreferência à própria ficção, para a construção da Batalha do Abismo de Helm, servindo também como referência à construção cinematográfica do confronto, assim como o local em si onde ocorre a batalha (Fig. 68).

110 109 FIG. 68. The Two Towers Grande plano geral da apresentação da fortaleza do Forte da Trombeta, no Abismo de Helm. O início da Guerra do Anel trata-se do embate entre as forças guerreiras sombrias, conduzidas pelo mago Saruman, contra as defesas do povo dos cavaleiros, conduzidas pelo rei Théoden. No contexto das narrativas do segundo volume literário e do segundo título fílmico, Rohan está debilitando pela má influência de Saruman no reino, que dominou a mente do rei e enfraqueceu o seu comando e governo. Esse é o contexto que nos mostra o porquê do clima sombrio e caótico do local, e também explica a consequência (na obra do cinema) do grupo mais forte dos cavaleiros de Rohan terem ido embora do reino, devido ao domínio de Saruman. Com esse autoexílio, Gandalf vai em busca dos cavaleiros para ajudarem a defender o reino 77. Em ambas as obras (livro e filme), o povo de Rohan, debilitado e buscando forças para defender-se das tropas de Saruman, repetem a história do rei Helm, indo para os vales montanhosos em busca das defesas do Forte da Trombeta, e é nesse ambiente que ocorre a Batalha do Abismo de Helm. Na obra cinematográfica The Two Towers, a batalha noturna é subdividida em quatro momentos, de acordo com o desenvolvimento das forças de ataque e de defesa durante o confronto. Pelas forças do mago Saruman, temos a sua tropa com um extenso número de guerreiros que chegam para destruir a fortaleza do Abismo. Do outro lado, temos os guerreiros 77 No livro, Gandalf também parte em uma missão solitária de busca, mas é com relação aos soldados do líder Erkenbrand, um personagem que não é representado na obra fílmica, mas que, com um papel semelhante àquele que teria Éomer ao final da batalha fílmica no precipício, seria responsável por trazer a vitória contra o exército negro de Saruman, derrotando seus soldados através da força e do medo que causam no inimigo. Tolkien, através do ponto de vista de Théoden, cita que em Erkenbrand reviveu o valor de Helm, o Mão-de-Martelo. (TOLKIEN, 2002b, p.714), o que nos mostra, novamente, a ideia de autorreferência pela qual o escritor tratou a sua narrativa.

111 110 remanescentes de Rohan, sem os principais cavaleiros, com o apoio de alguns guerreiros élficos 78, que se tornam a principal linha de defesa da muralha. No primeiro momento da batalha, temos os soldados negros partindo contra as muralhas do forte, enquanto os arqueiros élficos e humanos defendem o ataque. Em meio a esse primeiro embate, o exército sombrio traz longas escadas para atingirem o topo da muralha, com alguns deles conseguindo tal objetivo. No segundo momento vemos seu ataque por mais duas vertentes: (1) pelo passadiço que leva ao portão do forte; e (2) com uma bomba, fabricada por Saruman, destruindo parte da muralha e permitindo que a fortaleza seja invadida. O terceiro momento se concentra nas ações diante do portão do Forte da Trombeta, o qual parte dele é destruído enquanto que, pela abertura da muralha, as defesas não conseguem mais conter a invasão das forças malignas. Nesse momento, o exército sombrio ataca novamente com escadas ainda maiores e mais extensas, atingindo o topo da fortaleza. O quarto e final momento da batalha é através do ponto de vista dos principais líderes. Nesse momento, Aragorn convence Théoden a cavalgar contra os soldados invasores 79, e assim eles fazem, descendo o passadiço e derrotando vários soldados negros. Entretanto, quando os últimos cavaleiros estão lutando na base do Abismo de Helm, Gandalf e Éomer surgem no topo do dique, promovendo um ataque final contra as tropas malignas, derrotando a maioria e fazendo com que o restante fugisse do dique. Embora um dos principais ideais da fase artística do romantismo (temas de cavalos e cavaleiros, na obra de Géricault) apareça representado quando identificado do contexto literário à direção de arte sobre o povo de Rohan, registros visuais sobre confrontos medievais podem aparecer nas sequências da Batalha do Abismo de Helm, dependendo das imagens mediadas. Voltando ao aspecto da mediação temos, novamente, o pensamento da percepção de schemata relacionáveis, e isso pode ser explicado, por exemplo, através do artigo What do we know when we know where something is? World Cinema and the Question of Spatial Ordering (HEDIGER, 2013), pois o autor nos coloca a par de estudos sobre o funcionamento do cérebro humano através de aspectos como: neurociência perceptiva, neuroética ou neuroestética: a enorme diversidade de obras criadas no curso da história da arte, bem como todas as considerações sobre os mistérios do processo criativo e os prazeres 78 Os reinos élficos de Lothlórien e Valfenda enviam parte de suas tropas como ajuda à defesa do Abismo de Helm. Esse fato, que faz parte apenas da narrativa na adaptação fílmica, foi uma decisão, segundo a equipe de Peter Jackson, que romantizou a obra, correlacionando esse momento com a Batalha da Última Aliança (TOLKIEN, 2002a, p ), em que houve a última união, entre guerreiros elfos e homens, para defender a Terra-Média. 79 Aragorn faz isso, na obra fílmica, quando se lembra que Gandalf havia lhe dito para esperar pela cavalaria na manhã do terceiro dia após a sua partida, que era exatamente naquela manhã em que se encerrava a batalha no Abismo de Helm.

112 111 da experiência estética, pode ser resumida e explicada de forma coerente pelo estudo do funcionamento do cérebro em particular, o cérebro visual. 80 (HEDIGER, 2013, tradução do autor) Embora nessa primeira citação tenhamos uma ideia mais generalizada do conceito proposto por Hediger, que pode ser compreendido como próximo da ideia de circulação de imagens artísticas, há o direcionamento do autor para o aspecto cinematográfico, colocando a neurociência como uma das formas de compreender o mercado dos grandes conglomerados de cinema: teóricos de cinema e filósofos de filmes [...] têm atraído deliberadamente a pesquisa neurocientífica para entender a estética do cinema. [...] Os teóricos cognitivos de cinema [...] tendem a ver o cérebro como uma entidade conectada, e os esquemas perceptivos ativados no cérebro são préconstituídos, ao invés de serem flexíveis e maleáveis. Ao invés do filme moldar o cérebro, o cérebro forma o filme. Na verdade, de acordo com a teoria cognitiva sobre o cinema, uma das razões para o sucesso global de Hollywood é que a estrutura narrativa e os padrões estilísticos do cinema de Hollywood são particularmente bem adaptados à forma como o cérebro processa informações e modela o mundo exterior. Onde Deleuze está convencido de que os maus filmes de Hollywood degradam o seu cérebro, para a teoria cognitiva sobre cinema, o cinema de Hollywood é, de certo modo, o cinema natural, o mais em sintonia com o cérebro normal 81 (HEDIGER, 2013, tradução do autor) Se compreendermos que uma das formas do espectador moldar o mundo ao seu redor parte também da quantidade e possibilidade da circulação de obras artísticas diversificadas, como um repertório natural para o cérebro humano, entendemos que há muito mais do que a ideia de temas artísticos que se mantenham vigentes durante as décadas. Há a possibilidade de termos em nossos cérebros schemata visuais já pré-estipulados, já naturalizados em nossas mentes, que nos permitam identificar e reconhecer processos visuais, assim como permite aos cineastas ideias imageticamente mais naturalizadas, que nos orientam na identificação de demais obras artísticas, provavelmente interligadas através dos schemata. 80 the enormous diversity of works created in the course of the history of art, as well as all considerations about the mysteries of the creative process and the pleasures of aesthetic experience, can be summed up and coherently explained by studying the workings of the brain in particular, the visual brain. 81 film theorists and philosophers of film [ ] have liberally drawn on neuroscientific research to understand the aesthetics of cinema. [ ].Cognitive films theorists [ ] tend to view the brain as a hardwired entity, and the perceptual schemata activated in the brain are preconstituted, rather than being flexible and malleable. Rather than the film shaping the brain, the brain shapes the film. In fact, according to cognitive film theory, one of the reasons for the global success of Hollywood is that the narrative structure and stylistic patterns of Hollywood cinema are particularly well adapted to the way the brain processes information and models the outside world. Where Deleuze is convinced that bad Hollywood films degrade your brain, for cognitive film theory, Hollywood cinema is, in a way, the natural cinema, the one most in tune with the normal brain.

113 112 Para analisar os momentos da Batalha do Abismo de Helm através de schemata oriundos de registros peculiarmente fantasiosos, sobre acontecimentos históricos, observaremos uma das obras ilustradas por Gustave Doré. O pintor, escultor, ilustrador e desenhista, dentro da época do pós-romantismo 82, possui um repertório visual que circula até hoje em livros de história. Doré foi um dos principais artistas, ilustrador de grandes obras literárias, em sua época de produção, trabalhando tanto em livros de ficção quanto em escritos destinados a registros históricos sobre importantes momentos da história mundial. No livro O Romantismo (GUINSBURG, 2013), Doré é colocado como o conhecido ilustrador de Dante, Cervantes e Shakespeare: uma artista prolífero quanto desigual. (ZANINI, 2013, p.203), mas é no livro História das Cruzadas com Ilustrações de Gustave Doré (VOLTAIRE, 2015), na Introdução à Edição Brasileira, que identificamos um histórico mais completo sobre a obra de Doré, citado pelo editor Wagner Costa como um artista do qual seu estilo se caracteriza pela inclinação para a fantasia, mas [que] também produziu trabalhos mais sóbrios, como os notáveis estudos sobre as áreas pobres de Londres (VOLTAIRE, 2015, p.16). Assim, há os aspectos realista e fantástico, ao mesmo tempo, na ampla obra do artista. Sua popularidade é reconhecível também através dos mais de 120 trabalhos produzidos, pelos quais é lembrado até hoje, principalmente pelas obras: Divina Commedia (Dante), The Tempest (Shakespeare), Don Quijote de la Mancha (Cervantes), assim como outras tão conhecidas popularmente, como: La Grande Bible de Tours (Doré), Paradise Lost (Milton), The Raven (Poe), ou mesmo pelos trabalhos aos contos de fadas de Charles Perrault, como: Le Petit Chaperon Rouge, Le Chat Botté, La Belle au bois Dormant e Cendrillon. Entretanto, aqui para este estudo serão reconhecidas, por dentro da narrativa da batalha em The Two Towers, as ilustrações feitas por Doré com relação à época das Cruzadas 83. A representação do ilustrador sobre o período de expedições militares criou um repertório que 82 Lembrando que esse local histórico e artístico está de acordo com o registro cronológico da fase do romantismo aqui proposto, o que não significa, necessarimente, que Doré tenha sido um pós-romântico. 83 Período no qual a igreja católica organizou expedições militares com o intuito de recuperar as terras de Jerusalém, observando o islamismo como uma religião inimiga devido à invasão e tomada dos turcos sobre essas terras (que anteriormente estavam sob o domínio árabe), pois impediam que os povos cristãos fizessem peregrinações à chamada Terra Santa (Jerusalém). Os soldados que iam nessas expedições possuíam uma cruz vermelha desenhada no peito de seus uniformes brancos, caracterizando também o porquê de serem chamados de cruzados. Com o total de oito expedições militares dos povos cristãos nas terras de seus adversários dos quais também fizeram parte os judeus, os cristãos ortodoxos e os mongoles, entre outros há a compreensão que mais do que uma missão para retornar à Terra Santa, as cruzadas possuíam o intuito de unificar e expandir a crença religiosa da igreja católica. Essas informações estão nos sites: Conceito.de: < e Brasil Escola: < Ambos com acesso em: 22 fev

114 113 circula até os dias de hoje no mercado literário, já que o tema das Cruzadas também já foi explorado por diversificados produtos da cultura pop 84, independentemente de suas ilustrações. As imagens produzidas por Doré, especificamente, são publicadas e republicadas em variados tipos de livros históricos. São datadas da publicação da edição póstuma do livro de Joseph Michaud: Histoire des Croisades 85, pela qual, dividida em dois volumes, possui todas as 100 ilustrações do artista sobre alguns dos principais momentos das oito expedições das Cruzadas (MICHAUD, 1877). Outra publicação de acordo com os escritos de Michaud é a tradução em inglês de William Robson: History of the Crusades 86 (de 1881 e digitalizada em 2015), uma reedição completa em três volumes e que também possui as 100 ilustrações (MICHAUD, 2015). Outras divulgações do trabalho de Doré estão presentes nas publicações de Dore s Illustrations of the Crusades (primeiro em 1997 e reimpressa, além de digitalizada, em 2013), da editora Dover Publications, um livro ilustrado que conta os principais fatos históricos, mas tem como principal objetivo a divulgação da obra do ilustrador (DORÉ, 2013). Outra publicação sob o mesmo intuito é o livro digital Gustave Doré Galerie des illustrations de Histoire des Croisades et La Bible, da V.E.R.N. Editions, que conta com o trabalho sobre as Cruzadas e sobre a Bíblia (DORÉ, 2016). Um último exemplo, que nos mostra a permanência do trabalho de Doré mesmo através de escritos além dos de Michaud, é a edição brasileira História das Cruzadas 87, de Voltaire, que possui a tradução do livro do filósofo iluminista com a adição do trabalho visual de Doré (VOLTAIRE, 2015). Como pode ser percebido, é clara e constante a circulação cultural do trabalho de Doré, permitindo que suas ilustrações sejam mediadas para diversas obras artísticas. Partimos então para a observação possível de seus schemata na obra de Peter Jackson. Conforme citado, a batalha fílmica do Abismo de Helm possui quatro peculiares momentos que nos mostram o desenvolvimento do embate, desde a chegada dos uruk-hai, pela ordem de Saruman, até o retorno do rohirrim, pela busca de Gandalf, que caracteriza o fim do confronto. Veremos que, diante de cada um dos momentos fílmicos, há possíveis temas e/ou mediações resgatadas pela equipe de direção de arte, isso devido à forma de construção do imaginário coletivo através da cognição mental. 84 Como alguns exemplos, temos o primeiro jogo da franquia Assassin s Creed (2007, da Ubisoft Montreal), no qual o protagonista, a ser controlado pelo jogador, se vê no meio dos embates nas Cruzadas, ou mesmo o filme Kingdom of Heaven (2005, de Ridley Scott), que também possui o contexto histórico das Cruzadas como um aspecto fortemente presente na história do protagonista. 85 Primeira publicação no ano de A tradução do livro por William Robson foi publicada, primeiramente, em 1853, em New York. 87 A primeira publicação dos escritos de Voltaire sobre as Cruzadas é em Não há, entretanto, nenhum dado encontrado por mim que caracterize essa tradução brasileira como referente à primeira publicação.

115 114 É importante ressaltar também que não serão buscados, essencialmente, aspectos convergentes possíveis entre o contexto das Cruzadas (nas obras de Voltaire e Michaud) e o contexto da batalha pela Terra-Média. O intuito é focar na ideia das estruturas visuais através de schemata em imagens, que liguem a imagem fílmica da batalha às ilustrações de Doré. Na obra fílmica, antes mesmo do início da batalha na fortaleza, já há um tema trabalhado por Doré relacionável à ideia da peregrinação do povo, de Meduseld até a fortaleza no Forte da Trombeta. A imagem identificada aqui é a ilustração The Christian Army in the Mountains of Judea (Fig. 69) que se refere a uma das peregrinações dos cruzados, essa em meio a um vale estreito nas montanhas da Judéia, em que os cristãos enfrentam a exaustão e o forte calor oriundo do local (DORÉ, 2013, posição 353). Na imagem, observamos os soldados em um longo caminho traçado em meio às grandes montanhas. Embora a legenda se refira a soldados, a imagem também nos mostra ações mais comuns desses homens, aparentemente humanizandoos (note que o cavalo de um deles, em primeiro plano na imagem, aparenta estar de cabeça baixa, como se também estivesse correspondendo-se à difícil peregrinação), além dos desenhos da longa trilha de homens e das montanhas que os envolvem. Um schema sob as mesmas motivações imagéticas aparece, primeiramente, no estudo de cores de Paul Lasaine para imagens que compõem o Abismo de Helm, exatamente em uma que representa a chegada do povo de Rohan na fortaleza (Fig. 70), que serviu como schema também para a construção imagética do mesmo momento no segundo título fílmico (Fig. 71 e 72). Da mesma forma como aparece na ilustração de Doré, temos aqui a longa peregrinação mostrada pela linha de pessoas, que na história estão sendo guiadas pela personagem Éowyn (Miranda Otto), o motivo dos vales montanhosos, apenas com a presença da muralha e do forte como principais diferenças da ilustração, e, até mesmo, a ideia de sofrimento e angústia devido à jornada aparece repetida em meio ao processo de produção visual.

116 115 FIG. 69 Gustave Doré. The Christian Army in the Mountains of Judea FONTE: DORÉ, 2013, posição 353 FIG. 70 Paul Lasaine. Estudo de Cor da chegada do povo no Abismo de Helm. FONTE: RUSSEL, 2003, p.138

117 116 FIG. 71. The Two Towers Plano de conjunto da cena da chegada do povo de Rohan no Abismo de Helm. Detalhe da ideia de uma longa trilha de pessoas peregrinando, relacionável à trilha dos soldados na ilustração de Doré. FIG. 72. The Two Towers Grande plano geral que mostra o povo adentrando na fortaleza. Detalhe para os mesmos motivos imagéticos identificados na ilustração de Doré: a trilha de pessoas e a fissura entre as montanhas. Nessas imagens, particularmente, o schema aparece melhor representado através do estudo de cores de Lasaine, mas quando observamos a batalha no Abismo reconhecemos uma proximidade maior não apenas das artes conceituais, mas também da imagem fílmica. Conforme mencionado anteriormente, a batalha fímica é subdividida em quatro momentos: (1) chegada e ataque das tropas negras pelas escadas; (2) o ataque pelo passadiço e a explosão da muralha; (3) o Forte sendo invadido por escadas e pela destruição do portão principal; e (4) a cavalgada do rei com seus homens e o retorno dos cavaleiros com Gandalf. Do primeiro ao terceiro momentos, um dos principais destaques sobre o ataque urukhai é a utilização das escadas como forma de atingirem o topo da muralha e facilitar a invasão

118 117 no forte. Na obra de Tolkien, a invasão é descrita de uma forma bem semelhante ao que se observa na adaptação fílmica: Contra a Muralha do Abismo, as tropas de Isengard rugiam como um mar. Orcs e homens das colinas pareciam um enxame ao redor de sua base, de ponta a ponta. Cordas com ganchos foram jogadas por sobre o parapeito tão rápido que os homens não conseguiam cortá-las ou jogá-las todas de volta. Subiram centenas de longas escadas. Muitas caiam destruídas, mas eram substituídas por muitas outras, e os orcs subiam por elas como os macacos das escuras florestas do sul. Diante da base da muralha, os mortos e feridos se empilhavam como os destroços de uma tempestade; cada vez mais altos ficaram os horrendos montes, e ainda assim o inimigo avançava. (TOLKIEN, 2002b, p.180) De um trecho posterior, no livro, é possível identificar o segundo momento fílmico, no qual há a explosão da bomba, destruindo parte da muralha enquanto as escadas continuam sendo erguidas e derrubadas: houve um estrondo e um clarão de fogo e fumaça. As águas do Riacho do Abismo jorraram, assobiando espumando: não estavam mais bloqueadas, um buraco fora escancarado na muralha. Uma tropa de figuras negras começou a invadir o lugar., e sobre esse instante, enquanto Aragorn ia defender a abertura, uma centena de escadas foram levantadas contra as ameias. Sobre a muralha e sob a muralha, o último ataque veio varrendo tudo como uma onda negra numa colina de areia. (TOLKIEN, 2002b, p.183). Dessa descrição identificase a ilustração de Alan Lee (Fig. 73) como uma das bases para a adaptação fílmica. FIG. 73 Alan Lee. Ilustração da Batalha do Abismo de Helm. FONTE: LEE, 2005, p.103

119 118 Ainda assim, ao analisarmos as ilustrações de Doré, encontramos na imagem The Army of Priest Volkmar and Count Emicio Attack Merseburg (Fig. 74) um schema possível de ter sido transposto à obra fílmica. A ilustração se refere à batalha de Merseburg 88, na qual os cruzados pretendiam invandir o local e se observam surpreendidos e em pânico quando algumas de suas escadas caem sobre o exército cristão (DORÉ, 2013, posição 138). Na ilustração são identificáveis os motivos principais que permitem que ela tenha relação com alguns planos fílmicos dos três primeiros momentos da batalha (Figs. 77 à 80), como: as escadas, os soldados defensores e invasores e a muralha, além do tema caótico através da visualização do embate. Seguindo essa ideia, temos aspectos que vão além dessa primeira observação, como: a ideia de movimento na ilustração com algumas das escadas suspensas no ar, caindo ou sendo erguidas, como no primeiro e terceiro momentos (Figs. 77, 79 e 80), além do embate corpo-acorpo entre defensores e invasores, que aparece no segundo momento (Fig. 78) e, principalmente, a perspectiva pelo ponto de vista, com um ângulo de visão muito próximo, que temos na ilustração em relação com um dos planos fílmicos (Fig. 77). Categoricamente, mais do que a direção de arte utilizar a descrição do autor para a construção da batalha, existem, na forma da transposição ao filme, elementos que se adequam ao schema e aos motivos imagéticos contidos na ilustração de Doré. E isso é possível independentemente dos estudos de cores de Jeremy Bennett (Figs. 75 e 76), nos quais também aparecem elementos visuais seguidos pela narrativa fílmica, além de schemata. 88 Também chamada de Batalha de Riade, trata-se de um confronto travado entre os homens do rei Henrique e os magiares em algum local não identificado do Norte da Turíngia, próximo ao rio Unstrut, no dia 15 de março de 933. A luta ocorreu após a decisão do Sínodo de Erfurt (932), que previa o fim do pagamento de tributo anual aos magiares. Tal taxação ocorreu entre 924 e 931, como consequência da derrota de Henrique após a invasão magiar da Saxônia em 924. (BIRRO, 2016, p.92). Nessa batalha, o imperador Henrique O Passarinheiro teria estimulado, ou mesmo induzido, seus soldados a acreditar que Deus os ajudaria, como se estivessem protegidos pela ordem divina o imperador havia gravado um enorme estandarte com a imagem de São Miguel Arcanjo, que estava sempre à frente desse líder, conforme cita Widunkind de Corvey (BIRRO, 2016, p.83).

120 119 FIG. 74 Doré. The Army of Priest Volkmar and Count Emicio Attack Merseburg FONTE: DORÉ, 2013, posição 353 FIG. 75 Jeremy Bennett. Estudo de Cor da Batalha do Abismo de Helm. FONTE: RUSSEL, 2003, p.139 FIG. 76 Jeremy Bennett. Estudo de Cor da Batalha do Abismo de Helm. FONTE: RUSSEL, 2003, p.162

121 120 FIG. 77 The Two Towers Plano geral no primeiro momento da batalha no abismo. Detalhe para os motivos imagéticos e para o posicionamento deles no quadro, com um schema muito próximo da ilustração de Doré. FIG. 78 The Two Towers Plano em contra-plongée no segundo momento. Mantém-se os elementos visuais do schema de Doré. FIG. 79 The Two Towers Plano geral em contra-plongée no terceiro momento da batalha. Os motivos imagéticos continuam.

122 121 FIG. 80 The Two Towers Plano de conjunto no terceiro momento. Aqui, temos a inversão do schema identificado em Doré. A ação individual dos personagens é outro dos principais aspectos trabalhados na construção cinematográfica, e diante dessa perspectiva observaremos mais uma ilustração com seu schema próximo da imagem fílmica. No quarto momento da batalha temos, tanto na ação literária quanto fílmica, o ataque suicida dos cavaleiros restantes no Abismo de Helm contra os guerreiros uruk-hai de Saruman, uma ação vista como um último esforço diante da derrota inevitável na batalha noturna. Quando a esperança nesse momento da narrativa se mostra quase nula, eis que surge a figura de Gandalf como a de um cavaleiro branco, pois encontrou e trouxe os últimos soldados de Rohan para encerrar o confronto. Tolkien nos descreve a chegada do mago dessa forma: Ali, de repente, sobre uma cordilheira apareceu um cavaleiro, vestido de branco, brilhando ao sol. Sobre as colinas baixas as trombetas soavam. Atrás dele, descendo depressa as longas encostas, vinham mil homens a pé, brandindo suas espadas. Entre eles avançava um homem alto e forte. Seu escudo era vermelho. Quando chegou à borda do vale, colocou nos lábios uma grande trombeta negra e emitiu um clangor retumbante. Erkenbrand! os Cavaleiros gritavam. Erkenbrand! Vejam o Cavaleiro Branco gritou Aragorn. Gandalf está de volta! (TOLKIEN, 2002b, p.189) A principal mudança com relação a esse retorno, na adaptação, é o fato que Éomer, e não o lendário Erkenbrand, é quem se encontra atrás do mago branco nesse momento da narrativa. Dessa forma, isso também influencia, de maneira mais romantizada, o final do confronto, já que ao invés de termos os soldados de Erkenbrand a pé, vemos os cavaleiros de Rohan, que fazem os malignos soldados debandarem e/ou serem derrotados como uma nuvem

123 122 preta acossada por um vento forte (TOLKIEN, 2002b, p.190), o que contribui para um encerramento ainda mais simbólico de acordo com a sociedade e a cultura de Rohan. O mesmo schema visual da adaptação, que serve copiosamente como uma tranposição da chegada do mago à narrativa fílmica, pode ser identificado na ilustração Apparition of St. George on the Mount of Olives (Fig. 81), na qual temos a representação de uma revelação espiritual de São George no monte das oliveiras, sobre o exército dos cruzados, em meio a uma batalha na qual estavam presentes Godofredo de Bulhão 89 e Raimundo 90, dois dos líderes da primeira Cruzada (DORÉ, 2013, posição 184). Na imagem, que representa uma típica aparição milagrosa, temos São George montado em um cavalo branco, erguendo sua espada e escudo, em cima de uma alta colina, sendo observado pelos cruzados abaixo dela, que respondem à aparição do santo com o erguer de suas espadas, honrando sua presença espiritual. Ao colocarmos, lado a lado, a imagem de Doré e o momento que nos prepara para observarmos o ataque final dos cavaleiros (Fig. 82 à 84), identificamos, através dos planos fílmicos, uma estrutura esquemática quase perfeita à identificada na aparição do santo. Tanto na ilustração quanto nos frames, reconhecemos: o posicionamento do cavalo e do cavaleiro, a presença física do cavaleiro no topo da colina, a multidão de soldados e guerreiros aos pés do declive e a ideia mística da luz celestial atingindo as presenças físicas do santo e do mago, os cavaleiros brancos. FIG. 81 Gustave Doré. Apparition of St. George on the Mount of Olives FONTE: DORÉ, 2013, posição Duque de Brabant e fundador do Reino de Jerusalém, em 1099 (VOLTAIRE, 2015, p.102). 90 Conde de Toulouse, senhor de Langudoc e de uma parte da Provença (VOLTAIRE, 2015, p.36).

124 123 FIG. 82 The Two Towers Plano geral da chegada de Gandalf no dique. Mesmo posicionamento da aparição na imagem de Doré. FIG. 83 The Two Towers Contra-plano do ponto de vista de Gandalf na mesma cena. Observação dos soldados e da mesma disposição dos motivos imagéticos em relação ao schema da ilustração de Doré. FIG. 84 The Two Towers Grande plano geral do ataque de Gandalf e dos cavaleiros de Rohan contra os uruk-hai de Saruman.

125 124 Percebemos assim, nesta segunda e final parte do capítulo, como que uma cultura fantasiosa, criada para uma literatura e transposta ao cinema, pode conter elementos referenciais que, embora tenham a sua origem através do imaginário e da experiência particular do escritor, sejam mantidos e direcionados a aspectos visuais os quais a literatura permite ser possível. A partir do indício deixado por Tolkien em sua obra, a criação de uma língua baseada nos povos anglo-saxões, identificamos a equipe de Peter Jackson construir uma cultura que possuía elementos que faziam referência a esses povos. Devido ao imaginário do autor ligado a um poema que traduziu antes de escrever O Senhor dos Anéis (Beowulf), temos a arquitetura de Rohan também com base em ilustrações realizadas para essa obra, retrabalhadas conceitualmente pela direção de arte até a construção do palácio de Meduseld. Ainda assim, essas constatações não nos impedem de ir mais a fundo na ideia cognitiva que abrange toda a cultura de Rohan. Assim, chegamos ao ideal da união simbólica entre homem e natureza, cavalo e cavaleiro, através da fase artística do romantismo, que, em seu principal e mais explosivo período, é trabalhada por um de seus artistas através de um tema particular: a figura do cavalo, o que nos liga copiosamente à cultura de Rohan. Com isso, chegamos também a uma observação mais direcionada à proposta de schema trabalhada nesta dissertação, encontrando em uma única obra temática, direcionada a acontecimentos históricos e medievais, schemata que são relacionáveis ou que, de fato, aparecem copiados /repetidos de acordo com a imagem fílmica. E isso aparece sem a intenção de excluir ou de ignorar a base literária, tanto pela história nos parágrafos quanto pela sua base autorreferencial e simbólica na literatura, de acordo com o momento da narrativa. Da mesma forma, a proposição não exclui o fato de que imagens já realizadas para e sobre a obra literária (ilustrações e estudos de cor) mostrem-se ainda como algumas das fontes de schemata mais seguidas pela produção fílmica, embora isso também não exclua a possibilidade de outras mediações estarem presentes no processo cinematográfico.

126 PERSONAGENS ÉPICOS: ART NOUVEAU E PÓS-ROMANTISMO 3.1. Edith e Tolkien: Scripts para a União Élfica-Humana Os personagens que compõem a história de O Senhor dos Anéis conduzem o arco dramático da obra, no qual cada um, peculiarmente, deve ser responsável por uma ideia necessária a essa narrativa, com funções próprias que ajudarão a história a caminhar de um ponto a outro no livro. Entretanto, isso não impede que cada personagem, fantasioso ou realista, possua a sua história particular, um arco dramático pessoal, que se interpõe à narrativa principal, podendo ser observado como uma história paralela que acompanha os essenciais acontecimentos na literatura. Dessa forma, a composição dessas narrativas particulares isso desde o passado anterior à história que se é lida, referente aos personagens nos mostra as motivações deles, relacionadas também com a sua função na narrativa. Ainda assim, é sempre possível que, durante o processo de construção imaginária, o escritor tenha como base a sua história de vida peculiar, que possibilita que cada personagem em sua narrativa seja resultado de experiências pessoais. Isso acontece através dos arcos dramáticos particulares dos personagens de Tolkien, pelos quais diversos deles nos mostram fatos, ideias ou mesmo o ponto de vista que o próprio autor possuía sobre a sua vida, transformando esses aspectos em scripts (RANTA, 2011) identificados nos personagens. Um exemplo pelo qual podemos reconhecer esse processo imaginário é a visibilidade que Tolkien tinha sobre o seu casamento com Edith Mary Tolkien, já que sua mulher é reconhecida pelo próprio escritor como a grande inspiração para a principal história em O Silmarillion (TOLKIEN, 2006, p ), o Capítulo XIX: De Beren e Lúthien. Esta história romântica, em diversas partes da narrativa, nos mostra a mesma ideia de estrutura para os acontecimentos da história de Arwen e Aragorn, em O Senhor dos Anéis, servindo como uma base em que Tolkien se autorreferenciou para uma das linhas narrativas do livro. O capítulo XIX de O Silmarillion conta a história do guerreiro humano, chamado Beren, que, após ter encontrado a princesa élfica Lúthien ao acaso em uma floresta, se apaixona por ela perdidamente, e, com o seu amor correspondido pela elfa, ambos começam a se encontrar furtivamente, aproveitando o amor juvenil que possuíam. Entretanto, o rei élfico Thingol, pai de Lúthien, descobre o romance secreto, e por ter um enorme desprezo pelos homens, como se fossem uma raça inferior aos elfos, coloca um desafio para que Beren pudesse desposar a sua

127 126 filha: recuperar uma das pedras élficas chamadas de Silmarils 91, que se encontravam nas terras sombrias do grande inimigo dos elfos e da Terra-Média naquela época: Morgoth. No desenvolvimento da história, Beren e Lúthien recuperam uma das Silmarils, o humano toma a mão da elfa no trono de seu pai e, posteriormente, a princesa deixa a sua imortalidade, própria de sua raça, para a mortalidade humana, compartilhando assim do mesmo destino após a morte que os homens possuem. Retornando a Tolkien e aos seus registros, reconhece-se que muito do que havia pensado sobre a personagem Lúthien parte, copiosamente, da forma como enxergava e contemplava Edith, sua esposa. A história de amor entre Edith e Tolkien se tornaria a de Lúthien e Beren e também a de Arwen e Aragorn, em sua narrativa posterior. As três histórias são colocadas em um mesmo patamar, e observadas como uma das principais referências para a construção amorosa entre elfos e homens para a literatura, quando se observa a história do relacionamento entre Edith e Tolkien (JACKSON et al., 2012). Com as cartas escritas pelo autor inglês, identificamos, primeiramente, como Tolkien observava a história de Lúthien e Beren, e de acordo com essa particularidade do autor já é compreendida a importância que a história do casal possui para a composição de sua literatura. A escrita da parte central da mitologia, a questão de Lúthien Tinúviel e Beren (TOLKIEN, 2006, p.213) pode ser identificada como uma preparação para as eras da Terra-Média imaginadas por Tolkien mais a frente, isso devido à ideia do escritor de inserir um contato entre homens e elfos (TOLKIEN, 2006, p.145). Isso se dá através de dois aspectos em sua literatura (segundo o próprio autor). Primeiro, pelo tema constante de que há no ser humano um traço de sangue élfico, uma base hereditária dos elfos, da qual seria a fonte para a arte e a poesia humana, embora tal afirmação são seja a forma lendária de se observar os elfos (TOLKIEN, 2006, p.145). E segundo, pela interpretação de que os grandes atos políticos da humanidade viriam não a partir das decisões dos governantes ou dos deuses, mas sim das ações dos mais fracos e desconhecidos, complementando que isso seria devido à vida secreta que há na criação, e à parte incompreensível a toda a sabedoria, 91 As Silmarils são três gemas na forma de pedras preciosas, feitas com o cristal de diamantes, aparentemente segundo a ficção de Tolkien, mas com maior dureza do que qualquer um, já que nada poderia danificá-las no mundo. Há, ainda, um fogo interior nas Silmarils criado a partir da fusão da luz das Árvores de Valinor, e, mesmo em meio à escuridão, as gemas brilhavam sem a necessidade de serem iluminadas. Nenhum homem, ou mãos impuras, nem nada que fosse maculado conseguiria tocar nas Silmarils sem queimar ou murchar (TOLKIEN, 2009, p.61). No capítulo referente, as gemas se encontram sob o poder do inimigo Morgoth, que havia roubado-as (TOLKIEN, 2009, p.61-62).

128 127 exceto a do Um 92, que reside nas intrusões dos Filhos de Deus no Drama (TOLKIEN, 2006, p. 119). Tolkien, em uma de suas cartas 93, cita a história como... um romance de fadas heróico (belo e poderoso, na minha opinião), receptível por si só, mesmo com apenas um conhecimento geral muito vago do pano de fundo. Mas ela é também um elo fundamental no ciclo, privada de seu pleno significado devido ao seu lugar nele. (TOLKIEN, 2006, p.146) Caso observássemos as motivações pessoais de Tolkien, poderíamos encontrar ideias de que o seu romance de fadas seria quase uma herança de seu relacionamento com a sua esposa, Edith. Primeiro, pela constante aproximação que o escritor demonstrava, em alguns registros, entre sua literatura e sua vida particular, criando diversas analogias entre seus personagens literários e a história de amor com a sua esposa (TOLKIEN, 2006, p ). Segundo, por constatar, de maneira muito peculiar, que Edith foi a grande inspiração para a história de amor de Lúthien e Beren (TOLKIEN, 2006, p.397). Esse pensamento genético entre vida e obra em Tolkien, independentemente de seus estudos filológicos, ou da sua leitura crítica sobre diversos romances medievais, nos coloca que nas experiências do dia-a-dia desse escritor também podese identificar grande parte da origem de seu imaginário ficcional. Portanto, relembrando brevemente o capítulo um desta dissertação, não são apenas os fatos relacionados às Guerras Mundiais que aparecem na obra original de O Senhor dos Anéis, e a proposição no capítulo dois tentará analisar outros aspectos alegóricos de Tolkien, em seu processo criativo, que também serviram como base para a adaptação de Peter Jackson. No primeiro momento da escrita, será analisado como um dos reinos élficos da literatura, intitulado Valfenda, foi adaptado ao filme, de acordo com a forma pela qual a equipe de Peter Jackson compreendeu a cultura dos elfos de Tolkien, produzindo elementos arquitetônicos e artesanais que traduzissem as motivações imaginárias referentes ao ambiente élfico. Na sequência, analiso os aspectos estruturais presentes no arco dramático amoroso entre Arwen e Aragorn, de acordo com a proposta de fases artísticas presentes na composição fílmica, mas agora relacionado com o casal, continuando a ideia de schemata mediados através de pinturas. 92 Compreende-se aqui que o autor se refira ao deus de sua literatura: Eru O Único, em alegoria ao monoteísmo cristão, e não ao Um Anel de Sauron, também chamado de Um. 93 Na carta nº 131. Para Milton Waldman, Tolkien escreve um breve esboço sobre o principal dos materiais ligados à sua construção imaginária, e faz isso com a intenção de mostrar, na época, a importância da publicação conjunta de O Senhor dos Anéis e O Silmarillion, isso pelos livros dependerem um do outro para total compreensão e imersão do leitor na história, o que evitaria capítulos extensos e explicativos em O Senhor dos Anéis, como O Conselho de Elrond, citado pelo autor (TOLKIEN, 2006, p ). Waldman era editor da Collins, e a principal esperança de Tolkien para a publicação de seus livros, em conjunto, pela editora londrina.

129 128 A narrativa paralela de Arwen e Aragorn, em O Senhor dos Anéis, possui uma importância de acordo com a história da vida de Tolkien (pois se refere diretamente à narrativa de Lúthien e Beren), sendo uma das maneiras pela qual o escritor nos mostra uma representação amorosa de acordo com a sua vida particular. Já na adaptação fílmica, diferentemente do original que segue mais a linha narrativa de Aragorn nas batalhas pela Terra-Média, temos uma visibilidade maior de Arwen, influenciando a narrativa principal, e uma motivação dramática mais presente na história. Esses aspectos e sua importância quanto ao filme serão melhor desenvolvidos durante o segundo momento do capítulo. A análise do arco dramático desses personagens é realizada da seguinte maneira: (1) observando a trajetória do escritor sobre a criação dos elfos e da narrativa amorosa entre Arwen e Aragorn; (2) identificando e explorando os referenciais imagéticos, mencionados pela equipe de Peter Jackson, para a transposição dos ambientes élficos do livro ao cinema; e (3) propondo a identificação de outros schemata, de acordo com proposta desta dissertação, observando possíveis estruturas esquemáticas mediadas a partir de uma fase específica da História da Arte. As obras pictóricas estariam presentes na composição visual da adaptação fílmica, particularmente nessa linha narrativa do casal na trilogia. Observaremos, assim, como algumas das motivações mais pessoais de Tolkien podem ter sido representadas através da identificação de mediações de fases artísticas históricas, propondo uma ideia além das alegorias reconhecíveis pelos scripts na vida do autor e identificando schemata presentes no filme através de pinturas Valfenda: Do Imaginário Literário às Mediações pela Art Nouveau Um aspecto pelo qual a literatura de Tolkien pode ser analisada é a ideia de alegoria que se reconhece na escrita, e não somente pelos fatos da vida do escritor, mas também pelo aspecto mítico e místico que o autor inseriu em sua literatura e que faz parte das motivações de alguns dos personagens. Isso está ligado à formação religiosa de Tolkien, e de acordo com esse aspecto é que reconhecemos a criação dos diversos povos élficos na literatura da Terra-Média. Os elfos são os seres mais gloriosos presentes no imaginário de Tolkien. São criaturas com a forma e o tamanho comparáveis aos seres humanos comuns, mas possuem características próprias, como as orelhas pontudas e os cabelos sempre muito longos e lisos, dos mais variados tons de loiro, castanho, ruivo ou preto. Embora a sua aparência e maneira de agir possam ser muito próximas às mesmas dos homens, sua espiritualidade e ligação com o divino são únicas,

130 129 podendo ser considerados como seres iluminados, o que lhes dão habilidades peculiares de poder em relação aos outros povos da Terra-Média, reconhecidas como a magia élfica 94. Outro aspecto que faz parte dessas criaturas é o fator de sua imortalidade, o que faz com que toda a cultura das sociedades élficas tenha um caráter de transcendentalidade sobre o tempo e o mundo medievais relacionados com a Terra-Média. De acordo com a carta 104. Para Milton Waldman, Tolkien descreve, minuciosamente, os aspectos, fatos e a cultura presentes na História dos Elfos 95 (TOLKIEN, 2006, p.143), que faziam parte de seu desejo de criar um corpo de lendas dedicado exclusivamente à Inglaterra (TOLKIEN, 2006, p.114). Tolkien explica a importância da ideia de alegoria na construção de uma literatura, embora confesse que ter essa ideia relacionada com a sua criação não fosse de seu agrado 96. Desagrada-me a Alegoria a alegoria consciente e intencional; todavia, qualquer tentativa de explicar o propósito dos mitos ou dos contos de fadas deve empregar uma linguagem alegórica. (E, é claro, quanto mais vida uma história tiver, mais facilmente ela será suscetível a interpretações alegóricas, ao passo que quanto melhor uma alegoria deliberada for feita, mais prontamente ela será aceitável apenas como uma história.) (TOLKIEN, 2006, p.142) Pode-se reconhecer, já nesse ponto, um aspecto cognitivo na observação do autor inglês. Existe uma possível ideia, em sua afirmação, que seria sobre a característica do ser humano possuir uma mentalidade que o leva a procurar outras narrativas para compreender aquela que se depara à sua frente, a ideia cognitiva trabalhada pelos scripts de acordo com o ponto de vista de Bordwell (2008, p.9). Esse aspecto, entre as diversas e possíveis interpretações da obra de Tolkien, se mostra presente também devido à maneira como o autor utilizou aspectos religiosos para O Silmarillion, com diversos elementos que nos remetem aos escritos cristãos, como a Bíblia propriamente dita. O próprio autor nos revela isso na carta, quando explica como construiu seu próprio mito cosmogônico, presente na primeira parte do livro: 94 Podemos citar trechos do livro nos quais a magia élfica aparece presente nas moradas dos elfos, como: a enchente comandada por Elrond, para defender Frodo dos Nazgûl na entrada de Valfenda (TOLKIEN, 2002a, p ); ou os poderes de cura de Elrond, que salvam Frodo de se tornar um Nazgûl (TOLKIEN, 2002a, p ); Embora reconhecido por outros povos da Terra-Média como magia, tal termo é questionado pela rainha élfica Galadriel, isso quando observa que os demais povos utilizam a mesma palavra tanto às artes élficas quanto aos artifícios de Sauron (TOLKIEN, 2002a, p ). 95 Outra forma, segundo Tolkien, de chamar O Silmarillion. 96 O escritor inglês buscava evitar que fosse usada a palavra alegoria em referência ao conteúdo de sua obra.

131 130 Os ciclos começam com um mito cosmogônico: a Música dos Ainur. Deus 97 e os Valar (ou poderes: vertidos por deuses) são revelados. Estes últimos são o que chamaríamos de poderes angelicais, cuja função é exercer uma autoridade delegada em suas esferas (de domínio e governo, não de criação, fazer ou refazer). São divinos, isto é, originalmente estavam fora e existiam antes da criação do mundo. Seu poder e sua sabedoria são derivados de seu Conhecimento do drama cosmogônico, o qual perceberam primeiramente como um drama (ou seja, de certo modo como percebemos uma história composta por outra pessoa) e posteriormente como uma realidade. Pelo lado do simples artifício narrativo, isso assim se dá, é claro, para proporcionar seres da mesma ordem e beleza, poder e majestade que os deuses de uma mitologia maior que ainda assim podem ser aceitos bem, digamos grosseiramente por uma mente que creia na Santíssima Trindade. (TOLKIEN, 2006, p.143) Desse indício, com escritos presentes em O Silmarillion que podem ser reconhecidos a partir de scripts (estruturas narrativas) próximos do gênesis bíblico, Tolkien explica a História dos Elfos, a qual relaciona com o mundo real, mas observado por um ponto de vista dito por ele como semimítico, que seria a ideia de criaturas racionais em formas humanas comparáveis às do ser humano real (TOLKIEN, 2006, p.143). Através desse resgate proposto aqui compreendido por mim como necessário devido à complexidade dos povos élficos na literatura de Tolkien, percebe-se a forte ligação entre os escritos bíblicos, pelos seus scripts, e a construção da história dos elfos em O Silmarillion. Ainda assim, se nos direcionássemos mais a fundo nesse processo de construção literária, seria importante lembrar que temos a idealização de uma ou mais línguas, sempre criadas por Tolkien com base em seus estudos filológicos, antes da formulação de cada povo ou sociedade em sua literatura. Isso nos coloca a par da importância das línguas quenya e sindarin 98, que se tornariam a base para a criação dos povos élficos, já que, como algo que também aparece na narrativa fílmica, a língua élfica é significativa quando se trata das artes (magias) produzidas por esses seres. Observa-se assim que a filologia também está no berço da criação de Tolkien. Essa afirmação também aparece através da produção sonora no making of de The Lord of the Rings, principalmente pela composição de melodias e canções relacionadas com o povo élfico (JACKSON et al., 2012), aproximando os filmes e o livro, algo que pode ser percebido pelos fãs do escritor. Entretanto, ao identificar e analisar os ambientes recriados visualmente pela direção de arte, começamos a observar aspectos mais amplos sobre a representação dos reinos 97 Na literatura de Tolkien, Deus é chamado de Eru O Único. Pelos elfos, é chamado de Ilúvatar. 98 A língua quenya é uma mistura de latim (base), finlandês e grego (integrantes principais). A língua sindarin é derivada do quenya, entretanto possui mudanças orientadas para dar-lhe um caráter linguístico que se aproximaria do galês britânico (TOLKIEN, 2006, p.170).

132 131 élficos no cinema, indo além da presença das línguas sindarin e quenya e partindo para fases artísticas históricas, com base em seus temas e schemata. Observando as moradas élficas de acordo com a forma pela qual o próprio autor imaginava, temos a principal intenção do escritor quando criou esses lugares, explicando a motivação narrativa dos reinos élficos presentes na Terra-Média: Queriam a paz, a bem-aventurança e a lembrança perfeita do Oeste 99 e ainda assim permanecer na terra comum, onde seu prestígio como o povo mais elevado [...] era maior do que na base da hierarquia de Valinor. Tornam-se assim obcecados com o desvanecer, o modo pelo qual as mudanças do tempo [...] eram percebidas por eles. Tornam-se tristes e sua arte (digamos) antiquada, e seus esforços na verdade são todos uma espécie de embalsamento embora eles também tenham mantido o antigo motivo de sua espécie, a ornamentação da terra e a cura de suas feridas. Ouvimos falar de um reino tardante, no extremo Noroeste, mais ou menos no que sobrara das antigas terras de O Silmarillion [...]; e de outros povoados, tais como Imladris (Valfenda) junto a Elrond (TOLKIEN, 2006, p.148) Nos debruçaremos agora sobre o reino de Valfenda, da forma como foi representado na adaptação fílmica de Peter Jackson. Em The Fellowship of the Ring, primeiro título da trilogia, temos o início da jornada de Frodo, após descobrir que um anel que seu tio guardava era o temido Um Anel de Sauron, utilizado por esse inimigo na tentativa de dominar toda a Terra-Média. Quando o mago Gandalf revela a Frodo esse fardo que se colocava sobre o hobbit, lhe dá a missão de ir até Bree 100, enquanto Gandalf buscaria auxílio com Saruman, o mago e chefe de sua ordem, diante da ameaça do anel. Dessa forma, Frodo e seu amigo hobbit Samwise, que acaba entrando na missão devido à sua curiosidade, começam a jornada ao vilarejo. Essa primeira viagem da história é ainda invadida por mais três personagens, dois deles são os hobbits Merriadoc e Peregrin, que são encontrados por Frodo e Samwise quando os dois primeiros hobbits estavam atravessando as fronteiras do Condado. Esses dois amigos de Frodo também aceitam fazer parte da missão, após perceberem que alguns cavaleiros negros de Sauron, chamado de Os Nazgûl, perseguiam Frodo e Sam. Quando chegam na estalagem do Pônei Saltitante, o local onde Gandalf pediu que Frodo o encontrasse, o mago demora a chegar, e quando por um breve acidente a presença do Um Anel acaba por ser percebida, os quatro companheiros são surpreendidos por Passolargo 101, um guardião, que os protege dos Nazgûl e decide conduzí-los até Valfenda, o local da morada do rei élfico Elrond. 99 Aqui se refere a Valinor, a morada eterna e abençoada dos elfos. 100 Um vilarejo no qual homens de estatura normal e hobbits vivem em conjunto. 101 Na verdade, Passolargo é o guardião chamado Aragorn, aquele que se tornaria rei após a Guerra do Anel.

133 132 Durante o caminho, Aragorn e os hobbits ainda enfrentam a presença dos cavaleiros negros, quando Frodo acaba sendo perfurado por uma das espadas sombrias deles, adoecendo rapidamente. Nesse momento, na história fílmica, recebem a ajuda de Arwen, princesa elfa e filha de Elrond, que leva Frodo a cavalo até a presença de seu pai no reino de Valfenda, para que ele pudesse ser curado da ferida da lâmina do Nazgûl. Referente a esse reino élfico e às motivações imagéticas que fazem parte da sua cultura e estrutura visual, na obra fílmica, é que observaremos sua tradução visual a partir do escrito de Tolkien. O vale montanhoso e florestal dos elfos, pelo qual corre um rio alimentado por várias cachoeiras, trata-se de um local no qual a natureza se mostra presente e importante enquanto elemento que o compõe. A primeira descrição publicada do vale, em O Hobbit (1937), já nos mostra essa importância do lugar, onde se encontra um dos secretos refúgios dos elfos na Terra- Média, utilizado por diversos viajantes em suas jornadas: Viram um vale lá embaixo. Conseguiam ouvir a voz da água correndo num leito pedregoso; a fragrância das árvores se espalhava no ar e havia uma luz na encosta do vale, do outro lado do rio. Bilbo jamais esqueceu como derraparam e escorregaram na meia-luz, descendo o ziguezague íngreme da trilha que conduzia ao vale secreto de Valfenda. O ar ficava mais quente à medida que desciam, o cheiro dos pinheiros deixava-o sonolento, e de vez em quando ele cabeceava e quase caía ou batia com o nariz no pescoço do pônei. O ânimo de todos melhorava à medida que desciam. As árvores eram agora faias e carvalhos, e havia uma sensação confortável no crepúsculo. (TOLKIEN, 2012, p.47) A partir dessa descrição já podemos começar a identificar uma ideia de schema. A primeira ilustração feita do local onde se encontra o reino élfico (Fig. 85) é de autoria do próprio autor literário, pois Tolkien, além de ser escritor, também era ilustrador de suas obras 102. Entretanto, para a arte sobre Valfenda é curioso retornarmos à viagem que fizera no ano de 1911, presente no escrito 306. De uma carta para Michael Tolkien (TOLKIEN, 2006, p.370), pelo qual revela ao seu filho os lugares que passou na viagem que se tornaria a motivação para a escrita de O Hobbit. Na carta, Tolkien cita um lugar chamado Lauterbrunnen (Suíça) (Fig. 86), que visitou com os seus companheiros. 102 Há trabalhos de Tolkien, enquanto desenhista, para algumas de suas principais obras, como O Hobbit e O Senhor dos Anéis, além de outras publicações. Para mais informações sobre o repertório de ilustrações de Tolkien, acessar o artigo Os livros de arte de J. R. R. Tolkien, disponível em: < Acesso em: 22 mar

134 133 FIG. 85 John R.R. Tolkien. Rivendell. FONTE: TOLKIEN, 2012, p.50-a FIG. 86 Village Lauterbrunnen, Canton Bern (Suíça). FONTE: STARK, 2013 No artigo do site Tolkien Brasil, intitulado Lauterbrunnen, a Valfenda da vida real (STARK, 2013), nos são mostradas provas de estudiosos referentes à possibilidade de Lauterbrunnen ter sido a principal inspiração de Tolkien para Valfenda, e isso passa pelos seguintes aspectos, segundo a pesquisadora Marie Barnfield:

135 134 não há apenas semelhança entre a pintura de Tolkien de Rivendell (Valfenda) e o Vale de Lauterbrunnen, mas também: a) que Tolkien visitou Lauterbrunnen em b) que ele tinha tinha descido para o vale por uma rota incomum que espelha exatamente a rota perversa que seus personagens insistiram em ir até Rivendell (Valfenda). c) que Lauterbrunnen essencialmente significa o mesmo que Greyflood (Rio Cinzento) e Hoarwell (Fontegris). d) que Tolkien se espelhou no som do nome Lauterbrunnen propriamente no Inglês e os nomes Élficos para os rios de Rivendell (Valfenda): Loudwater (Ruidoságua) e Bruinen 103 (STARK, 2013) Segundo o estudo do artigo, que também aponta a comparação de imagens diante da referência física, ao analisarmos o ponto que serve como cartão postal da região (Fig. 86) e a ilustração de Tolkien referente ao vale élfico (Fig. 85) chegamos a uma primeira ideia de schema entre as imagens. Não apenas o formato da paisagem se mostra copiosamente adaptado ao livro, mas também a presença da natureza no vale, montanhosa e florestal, aparece enquanto tema transposto à história literária, de acordo com a descrição do vale de Valfenda. Quando chegamos, portanto, à produção fílmica de The Lord of the Rings, mais precisamente ao primeiro título da trilogia, temos o mesmo tema retrabalhado, primeiramente através de uma das ilustrações de Alan Lee (Fig. 87), que foram a base para a construção visual de Valfenda na trilogia. Através da imagem verificamos a pintura que o autor produziu para a edição ilustrada de O Senhor dos Anéis, da qual reconhece-se ainda grande parte dos motivos imagéticos utilizados por Tolkien em sua ilustração para O Hobbit (Fig. 85). Embora a imagem esteja mais na vertical, enquanto a primeira ilustração possua uma forma mais quadriculada, temos: (1) o formato da fissura, na qual está presente o reino élfico, sob a mesma ideia de estrutura em ambas as imagens; (2) o motivo imagético da casa de Elrond, que representa o reino de Valfenda, seguindo o schema visual da imagem do escritor, embora o desenho da casa seja diferente; e (3) o rio que corta o vale na pintura (Alan Lee) no mesmo schema do desenho (Tolkien), inclusive com uma ponte por cima das águas, embora o formato do rio não seja exatamente o mesmo nas duas ilustrações. 103 No volume A Sociedade do Anel, conhecemos dois rios presentes em Valfenda: Ruidoságua (em inglês: Loudwater) e Bruinen (mesmo nome no original). Pela ideia de sua ortografia, ou mesmo da origem dos nomes, estar ligada à palavra Lauterbrunnen, através da utilização de algumas sílabas que compõem a palavra, é possível concluir também que Tolkien se baseou em sua pronúncia para a criação dos rios élficos, como afirma Barnfield.

136 135 FIG. 87 Alan Lee. Ilustração do vale de Valfenda. FONTE: JACKSON et al., 2012 O mesmo schema se mantém e aparece readaptado pelo esquema de cores de Paul Lasaine (Fig. 88), no qual, reconhecido no livro The Lord of the Rings: The Art of The Fellowship of the Ring (RUSSEL, 2002), identificamos a ideia de schema através da legenda da ilustração: Antes de iniciar o trabalho em composições digitais, Paul pintou este esquema de cores para Peter [Jackson]. Isso lhe deu uma idéia de como a luz caía sobre o refúgio dos Elfos, situado como era em um vale íngreme. Paul baseou esta imagem na pintura de Alan Lee que aparece na edição ilustrada para O Senhor dos Anéis. 104 (RUSSEL, 2002, p.55, tradução do autor) 104 Before work began on the digital composites, Paul painted this color scheme for Peter. This gave him an idea of how light would fall on the Elven refuge, situated as it was in a steep-sided valley. Paul based this picture on the Alan Lee painting that appears in the illustrated edition of The Lord of the Rings.

137 136 FIG. 88 Paul Lasaine. Esquema de Cores para o vale de Valfenda. RUSSEL, 2002, p.55 A partir desse esquema de cores, portanto, chegamos às composições finais ligadas já à arte conceitual utilizada para a adaptação fílmica (Figs. 89 e 90), baseadas não apenas nas cores de Lasaine (Fig. 88), mas também em outras maneiras de trabalhar a iluminação. Colocando a fonte de luz do Sol em outro ponto, na imagem digital, há a proposta de diferentes formas de observar a luz sobre o vale de Valfenda, como pode ser visto nas artes de Lasaine, Gus Hunter e Wayne Haag (Figs. 89 e 90 em comparação à Fig. 88). Outro detalhe referente à forma do vale, nas figuras abaixo, é a ideia de sua extensão, se comparada às artes anteriores (Figs. 87 e 88), ganhando maior profundidade e destacando a ideia de um vale em meio a uma fissura montanhosa, quase que completamente composta por uma vegetação que se mistura com o ambiente rochoso.

138 137 FIG. 89 Paul Lasaine, Gus Hunter e Wayne Haag. Pintura Digiral do vale de Valfenda. FONTE: RUSSEL, 2002, p FIG. 90 Gus Hunter. Pintura Digital do vale de Valfenda. FONTE: RUSSEL, 2002, p.54 De acordo com os trabalhos de esquemas de cor, também é importante destacar o de Jeremy Bennett (Figs. 91 e 92), que não apenas estudou a base de cor que aparece na proposta de Lasaine, como também desenhou um dos esboços que foram seguidos para a composição do vale de Valfenda (Fig. 93). O desenho já nos mostra um dos primeiros schemata referentes à forma pela qual o vale seria criado digitalmente para o filme, do qual se destaca o mesmo ponto de vista e forma da imagem que seria vista na adaptação, nos grandes planos gerais de Valfenda.

139 138 FIG. 91 Jeremy Bennett. Esquemas de Cores para o vale de Valfenda. FONTE: RUSSEL, 2002, p.47 FIG. 92 Jeremy Bennett. Esquemas de Cores para o vale de Valfenda. FONTE: RUSSEL, 2002, p.47

140 139 FIG. 93 Jeremy Bennett. Esboço em Preto e Branco para o vale de Valfenda. FONTE: RUSSEL, 2002, p.50 FIG. 94 The Fellowship of the Ring Grande plano geral na cena de apresentação do vale de Valfenda. FIG. 95 The Fellowship of the Ring Grande plano geral na cena de despedida, da Sociedade do Anel, do vale de Valfenda.

141 140 Quando observamos o ambiente, de maneira geral, na obra fílmica (Figs. 94 e 95), identificamos a paleta de cores proposta e seguida pelos schemata de Lasaine (Figs. 88, 89, 91 e 92), baseadas na forma da ilustração de Alan Lee (Fig. 87), as iluminações das pinturas digitais (Figs. 89 e 90), e o schema da forma do vale idealizado por Bennett (Fig. 93). Dessa forma, compreendemos que o vale foi resultado da união de diversos schemata, desde a sua ilustração literária até a sua imagem fílmica. Ainda assim, embora o vale em si seja um dos ambientes mais importantes na obra do autor, o maior destaque fica pela morada do rei Elrond. A casa, ou refúgio, é uma gloriosa construção fundada pelo mestre élfico e que serve enquanto descanso, cura ou como um lugar para importantes conselhos diante de grandes tarefas. Conforme descrito por Tolkien em A Sociedade do Anel, a morada élfica era a... última Casa Amiga a Leste do Mar. Essa casa era, como Bilbo tinha dito muitas vezes, uma casa perfeita, para quem gosta de comer ou dormir, de contar histórias ou de cantar, ou apenas de se sentar e pensar nas coisas, ou ainda para quem gosta de uma mistura agradável de tudo isso. A simples estada ali representava uma cura para o cansaço, o medo ou a tristeza. (TOLKIEN, 2002a, p.311) A partir dessa descrição começaremos a identificar imagens que nos aproximam, cada vez mais, dos temas e motivações no processo de adaptação dos reinos élficos aos filmes. Seguindo tanto a ideia descrita acima quanto as motivações que estavam na base do imaginário de Tolkien referente às moradas élficas que desejavam preservar a paz, a bem-aventurança e a lembrança do Oeste, além da ornamentação da terra e a cura de suas feridas (TOLKIEN, 2006, p.148) a primeira sequência de Valfenda, pela qual somos apresentados à casa de Elrond, é a observação imagética ideal de todas as motivações imaginárias do escritor. Não observamos apenas Frodo acordar e ter seu ferimento já curado 105, mas também toda a ambientação do lugar, vista como um típico paraíso ou oásis na Terra-Média, de acordo com os temas de alegria, paz e tranquilidade escritos por Tolkien em A Sociedade do Anel. Um destaque curioso sobre essa apresentação do lugar é que, em meio aos encontros dos hobbits, vemos vários planos gravados em slow motion, como se traduzissem uma ideia de eternidade referente à morada. Isso nos remete novamente ao registro de Tolkien de acordo com o que o escritor pensava sobre os locais élficos, pois menciona a ideia do desvanecer, no sentido da 105 No momento da história, o hobbit havia sido resgatado por Arwen, filha de Elrond, após ter o ombro esquerdo perfurado pela espada de um dos cavaleiros negros, que buscavam recuperar o anel na posse de Frodo.

142 141 forma como os elfos compreendiam o tempo, e do embalsamento de seus esforços, uma ideia que pode referir-se ao prolongamento da estadia dos elfos na Terra-Média. Quando observarmos mais atentamente a estrutura arquitetônica da morada élfica, identificamos a ideia de que todo o ambiente possui árvores, plantas, folhas ou flores em sua composição, e mais ainda, que essas formas da natureza se misturam à arquitetura do lugar, trazendo um aspecto vívido de união entre as formas e os locais do refúgio élfico. Uma primeira imagem que pode nos remeter a essa ideia, ainda que brevemente, é a aquarela de Alan Lee (Fig. 96) que compreende-se como uma das primeiras ilustrações conceituais, pelas quais a direção de arte pensaria, como um todo, nos motivos imagéticos para o vale de Valfenda e para a casa de Elrond (RUSSEL, 2002, p.68). Embora ainda se mostre ligada à ilustração de Tolkien (Fig. 85), essa aquarela de Lee já nos mostra, se dela aproximarmos o olhar, a ideia de ornamentação à edificação da casa de Elrond, algo que identifica-se melhor nas imagens que nos mostram a arquitetura de Valfenda de maneira mais próxima. FIG. 96 Alan Lee. Aquarela do vale de Valfenda. FONTE: RUSSEL, 2002, p.50 De acordo com essa afirmação, outro estudo de cores, novamente de Bennett (Figs. 97 e 98), nos mostra uma breve ideia de ornamentação em meio à união característica entre a

143 142 arquitetura e o ambiente do vale, oriunda das ideias de Alan Lee, em uma imagem com colorização sépia, resultado de variados estudos de cores através dos demais artistas conceituais (Lasaine, Hunter e Haag). O estudo é a base visual da curta cena da sacada em Valfenda, na qual Frodo, após despertar e começar a caminhar pelo local, chega a esse lugar do lar élfico que nos mostra a extensa paisagem do vale e também parte da arquitetura do refúgio. FIG. 97 Jeremy Bennett. Esquema de Cores para a cena da sacada. FONTE: RUSSEL, 2004, p.17 FIG. 98 Jeremy Bennett. Esquema de Cores para a cena da sacada. FONTE: RUSSEL, 2002, p.48 Se comparado à composição digital de Lasaine (Fig. 99), vemos o mesmo schema utilizado, inclusive o mesmo ponto de vista, embora a paisagem e a arquitetura finais sofram breves mudanças é possível observar uma ornamentação mais presente na arquitetura da imagem digital, além da exploração da paisagem natural de maneira mais rica em sua composição, principalmente pelas cores da flora.

144 143 FIG. 99 Paul Lasaine. Composição Digital e Live-Action para a cena da sacada. FONTE: RUSSEL, 2002, p.49 As mudanças mais próximas da imagem fílmica (Fig. 100) nos são mostradas pelo schema presente na composição digital, entretanto, a colorização cinematográfica está de acordo com os estudos de Bennett: FIG. 100 The Fellowship of the Ring Cena da sacada no lar élfico em Valfenda. Sobre esse processo na adaptação podemos reconhecer, em uma citação de Bennett, a ideia que nos leva à observação de um estilo da arte moderna como o principal tema seguido pelos artistas conceituais. O artista afirma que, em seu trabalho com Alan Lee para a sacada élfica, há diversas influências, como: o tipo de arquitetura de Praga, motivos italianos e muito art nouveau, que se misturam com um design celta (RUSSEL, 2002, p.48). Dessa forma, conforme aparece citado e mostrado na arte conceitual da casa de Elrond, a art nouveau é o tema artístico pelo qual observamos as principais referências à cultura élfica,

145 144 essencialmente à arquitetônica na trilogia, embora haja uma mistura de variadas influências em sua edificação e objetos (como armas e utensílios), além da vestimenta (mantos, armaduras e adornos). Portanto, observamos agora os principais conceitos desse estilo ornamentado. A art nouveau foi uma curta fase artística, propagada entre o fim do século XIX até os anos iniciais do século XX, pela qual a ornamentação, através das formas da natureza, seria a temática do estilo, amplamente difundido e explorado por diversos países. O tema artístico é estudado e analisado por diversos pesquisadores. Segundo Guerreiro, Oliveira e Varum (2009, p.2), o que gerou a art nouveau foram as mentalidades oriundas do desenvolvimento tecnológico a partir da revolução industrial, que permitiram o desenvolvimento da cultura e o surgimento de variadas correntes artísticas. Conforme afirmam esses três autores, sua presença na Europa foi rápida, entretanto, isso não impediria a sua intensa propagação por diversos países, assim como não evitaria que a sua forma artística tivesse o seu ápice (GUERREIRO; OLIVEIRA; VARUM, 2009, p.2). A fase teve seu início através do arquiteto Victor Horta, em Bruxelas (Bélgica), devido à edificação da Casa Tassel, entre os anos , mas seu apogeu ocorre no ano de 1900 através da Exposição Universal de Paris (GUERREIRO; OLIVEIRA; VARUM, 2009, p.2). Assim, a art nouveau teve seu principal desenvolvimento nas artes arquitetônicas, decorativas (em interiores) e nas artes aplicadas, com sua temática explorada por grande parte da Europa 106 (GUERREIRO; OLIVEIRA; VARUM, 2009, p.2). Segundo suas citações, a ornamentação ligada à natureza é a grande motivação dos artistas: Com inspiração no mundo das plantas, a principal característica da Arte Nova é a sua linha ondulante, assimétrica, terminando com um movimento cheio de energia por vezes associado à ponta de um chicote [Madsen, T.; 1967]. Está patente o fascínio pelo movimento, empregando uma ornamentação expansiva e pululante, com cores vivas, geralmente contrastantes. Utiliza elementos naturais, como a flor-de-lis, íris, nenúfares a árvore jovem e o botão de flor [Neves, A.; 1997]. Na arquitectura, manifesta-se pelo arredondamento suave de todos os ângulos, com exposição dos elementos construtivos, sobretudo o ferro, tornando-os visíveis. Outra característica é a utilização dos arcos japoneses que constituem grandes aberturas em arco abatido, terminando em curva na direcção do pavimento [Madsen, T.; 1967]. (GUERREIRO; OLIVEIRA; VARUM, 2009, p.2-3) Sobre as características mais gerais e peculiares da fase artística, segundo Bassalo (2008, p.16), a típica e nova forma de arte teria, em meio à Belle Époque, a sua base na arte 106 Alguns países citados são: França, Bélgica, Alemanha, Holanda, Áustria, Itália e Reino Unido (GUERREIRO; OLIVEIRA; VARUM, 2009, p.2).

146 145 pré-rafaelita e nos simbolistas, além de se aproximar também do japonisme, com sua origem estética propagada por lugares além da Europa. Através de suas denominações praticamente recebia um nome novo em cada país no qual sua arte chegava 107, a art nouveau possuía ainda um caráter individualista por parte de seus artistas, se tornando a primeira das escolas de design: o novo estilo, de natureza cosmopolita, recebeu pelo menos dez denominações. Isso se explica não só por ter florescido em uma pluralidade de países, mas também pela busca de originalidade e pela complexidade que encerra, enquanto estilo. Aproximado ao impressionismo, ao esteticismo, ao sintetismo e aos movimentos pré-rafaelitas de artes e ofícios, ainda constituiu um prenúncio da Bauhaus, na Alemanha. Essa foi a primeira escola de desenho industrial moderno cuja principal proposta era eliminar a distinção entre artesão e artista. Além dos vários nomes, a nova estética, já de si bastante variável e diversificada, assumiu características próprias de acordo com o país a que estava vinculada, e se manifestava, de modo geral, em quase todas as artes. (BASSALO, 2008, p.16-17) Bassalo nos coloca também a par da importância da temática da natureza, uma das principais e essenciais características da art nouveau, que praticamente é responsável por conduzir a forma de seu estilo na Belle Époque. Com isso, através da constante mistura da fauna e da flora através das mãos dos artistas, os efeitos expressivos surgiam, trazendo mobilidade, flexibilidade e fragilidade (BASSALO, 2008, p.22). Era do conhecimento desses artistas que a natureza ignora formas retilíneas e simétricas, e assim, com essas características, seus elementos se tornavam propensos a transformarem-se em composições decorativas e adaptadas a um objeto, conforme o que pretendiam evidenciar (BASSALO, 2008, p.22). A autora exemplifica o significado do uso da flora para a busca dos ornamentos da art nouveau, colocando-nos a sua ideia emblemática relacionada ao princípio passivo dessa arte (BASSALO, 2008, p.25). Para Bassalo, o desabrochar do espírito é representado a partir do desenvolvimento da flora, com origens terrestres ou marítimas, já que ela possui essa essência passiva, e assim, nos coloca que a flor simboliza a perfeição, o amor, a harmonia que caracteriza a natureza primordial (BASSALO, 2008, p.25), o que significa, para a autora, que a art nouveau humanizou a natureza e a tornou algo do qual o homem dependesse, na época. A união entre as formas femininas e a flora (um dos aspectos mais trabalhados pelo design gráfico com base na art nouveau) é uma característica muito rica e presente nas 107 A art nouveau recebeu diversificados nomes através dos países nos quais a arte era reconhecida e explorada: Art Nouveau (França, Brasil e Itália); Arte Jovem, Modernista ou Stile Gaudí (Espanha); Jugendstil (Alemanha); Modern Style (França e Inglaterra); Stile Nuovo e Style Liberty (Inglaterra e Itália); Style Metro (França); e Style Tiffany (Estados Unidos) (BASSALO, 2008, p.14-16).

147 146 representações artísticas durante a Belle Époque. A constante e diversificada mistura entre as linhas do corpo da mulher e as linhas das flores e/ou plantas, em geral, resultava na união entre homem e natureza através da ornamentação na art nouveau. Referente a essa importante área da fase artística, Bassalo destaca como os artistas observavam e pensavam a figura feminina em relação de proximidade com a flora ornamentada: As mulheres e as flores unem-se nas representações artísticas e são estilizadas vistas não pela ótica impressionista, que tentava captá-las a começar das sensações luminosas, momentâneas, efêmeras que o mundo exterior desperta na visão dos homens, mas pela ótica científica. Como se fossem botânicos, os artistas analisavam a mulher e a flor em seus mínimos detalhes para, em seguida, deformarem não uma ou outra isoladamente, mas a própria natureza, transformando-a, estetizando-a nas mais diversas formas. [...] As plantas, com suas folhagens, caules, ramos e nós eram alongadas, esticadas, leve ou fortemente contorcidas, de acordo com as necessidades da criação arrebatadora e original. (BASSALO, 2008, p.27-28) A autora ainda afirma a intenção dos artistas com a figura feminina, quando trata do apogeu do estilo: em torno da virada do século XIX para o XX, os artistas representaram as jovens em composições mais diversificadas. Quando estas se combinavam era para realçar o olhar esfuziante, perturbador, cheio de vida ou lânguido, os cabelos longos que se enrolavam em volutas. Destacava-se a graça, a leveza, a suavidade descontraída da mulher de tenra idade, de braços torneados, de vestidos compridos, finos, esvoaçantes, transparentes, que modelavam e acompanhavam as linhas e os volumes dos seus corpos. Adquiriu-se uma elegância sensual diferente daquela moldada pelos antigos e duros espartilhos. (BASSALO, 2008, p.35) A partir desse trabalho destacando a figura feminina, e com a sua abrangência artística através das linhas florais, surgiria a categórica mulher-flor (BASSALO, 2008, p.37), emergida no fim do século, que tinha como principal aspecto a libertação da rigidez em padrões estéticos, exemplificável, segundo a autora, pelas artes de Jules Chéret, Alphonse Mucha e/ou Gustav Klimt. De acordo com a obra de Mucha é que trataremos algumas das formas de se reconhecer o tema da art nouveau em Valfenda. Portanto, com essas informações, podemos observar uma das várias especificidades pelas quais a art nouveau foi explorada, como o seu tema através do design gráfico, por exemplo. De acordo com Hennes e Xenofonte (2015, p.1361), o desenvolvimento tecnológico, a partir da revolução industrial, também permitiu um amplo trabalho capitalista através das impressões gráficas, o que tornou-o, consequentemente, um período com importante

148 147 significado para a história do design gráfico do ocidente. A sociedade moderna, com inovações no setor gráfico através dos novos maquinários, permitia que a meta na época a reprodução de fotografias e ilustrações com baixo preço e melhor qualidade fosse cada vez mais próxima e real (HENNES; XENOFONTE, 2015, p.1361). Outro fator era a demanda que existia na época, pela qual existia um público altamente consumidor devido ao crescimento das elites urbanas, crescimento este não manifesto, que desejavam impressos variados especialmente pela produção de revistas ilustradas (HENNES; XENOFONTE, 2015, p ). Com base em diversificados pesquisadores, Hennes e Xenofonte nos colocam a importância da temática para o campo do design, e nos afirmam que o fato da art nouveau ser conhecida, adotada e estudada internacionalmente se deve por ela ter se tornado um repertório e/ou estilo gráfico próprio, que fora desenvolvido e também aplicado em variados campos artísticos e comunicacionais 108 (2015, p.1362). Essa característica que também permite que o estilo seja compreendido através da sua constante circulação em vários países 109, e, devido a isso, dentro da ideia de mediação de imagens é analisada através das seguintes citações: Hurlburt (1986) considera que este movimento foi o primeiro orientado para o Design, já que os pintores renomados deste período são mais comumente reconhecidos pelos pôsteres, campanhas publicitárias ou objetos de decoração por eles desenvolvidos, do que pelas obras de caráter essencialmente artístico. Sobre esse aspecto, o autor (Hulburt, 1986) enuncia que O Art Noveau é importante para o artista gráfico por causa do estilo que fixa para a página impressa; por sua influência na criação de formatos de letras e de marcas comerciais; por sua criação e primeiro desenvolvimento dos modernos pôsters (Hurlburt, 1986: 16). [...] Segundo Meggs&Purvis (2009), o Art Noveau vai muito além de um estilo decorativo e essa visão superficial, muitas vezes atribuída ao movimento, menospreza seu papel fundamental na evolução de todos os campos do design, com destaque para o design gráfico, campo que evoluiu concomitantemente aos setores da tecnologia da comunicação, produção gráfica e transportes. (HENNES; XENOFONTE, 2015, p.1362) Esse breve resumo referente à época é apenas para compreendermos a importância e a propagação do trabalho oriundo de Alphonse Mucha, um dos principais artistas gráficos presentes na Belle Époque, além de ser exponencial à art nouveau trabalhada para impressos comerciais (HENNES; XENOFONTE, 2015, p.1363). O artista desenvolveu diversos trabalhos gráficos de acordo com a temática: jornais como Le Petit Illustré, livros como Les Contes de 108 São citados: arquitetura, pintura, arte comercial, cerâmica, mobiliário, ornamentação, moda e design de impressos (HENNES; XENOFONTE, 2015, p.1362). 109 Os autores citam outras nomenclaturas ao estilo, como: Style Nouille (Estilo Macarrônico), na França, e Style Coup de Fouet (Estilo Golpe de Chicote), na Bélgica (HENNES; XENOFONTE, 2015, p ).

149 148 Grand-Méres e Scenes Et Episodes de L histoire D allemagne, entre outras obras, e sua principal contribuição à art nouveau: o Estilo Mucha, seria evidenciado após um calendário produzido pelo artista à Lorilleux (1892) (HENNES; XENOFONTE, 2015, p.1363). Entretanto, os autores afirmam que seria a partir do seu contrato com a atriz Sarah Bernhardt 110, e através da produção de pôsteres, joias e vestimentas para a atriz, que Mucha construiria a sua fama em âmbito internacional, sempre com trabalhos gráficos comerciais, produzindo pôsteres, uma de suas principais artes, como também propagandas e calendários, o que ajudou a consagrar o Estilo Mucha (HENNES; XENOFONTE, 2015, p.1363). De acordo com Santos e Xavier (2014, p.6) o Estilo Mucha tem como um de seus elementos mais característicos a ideia da linha trabalhada em curvas e contracurvas, de maneira serpenteada ou mesmo chicoteada, o que promove, assim, a sua organicidade e dinamismo, instigando o desejo do espectador. Outras características citadas são: (1) a opção do artista por uma paleta maior de cores harmônicas; (2) a mulher enquanto principal elemento, trabalhada em serenidade, com suas minúcias exploradas e beirando à estaticidade, além de serem divinizadas, com um colorido mais suave e seu desenho mais ornamentado; e (3) o equilíbrio dicotômico entre dinamicidade e estabilidade, completado através das tipografias sem serifa e simplificadas (SANTOS; XAVIER, 2014, p.11-12). O Estilo Mucha é uma das vertentes da art nouveau pela qual podemos buscar temas e schemata relacionáveis ao ambiente de Valfenda. Uma das identificações de referências que podem nos mostrar uma ideia de schema, a partir da art nouveau trabalhada por Mucha, são alguns de seus trabalhos para impressões de livros. Por exemplo: as combinaisons ornamentales (Figs. 101 à 103), que nos mostram alguns de seus estudos para ornamentação, ou alguns dos documents decoratifs (Figs. 104 e 105), pelos quais vemos a flora combinando-se com as formas ornamentais. 110 Mucha produziu um pôster para a atriz relacionado com o seu espetáculo Gismonda, que representou, consequentemente, um marco na carreira de Mucha, pelo fato de ter instaurado um estilo próprio que revolucionou a estética das artes gráficas publicitárias da época. (HENNES; XENOFONTE, 2015, p.1363).

150 149 FIG. 101 Alphonse Mucha. Combinaisons Ornamentales FONTE: MUCHA, 1980, p.103 FIG. 102 Alphonse Mucha. Combinaisons Ornamentales FONTE: MUCHA, 1980, p.103 FIG. 103 Alphonse Mucha. Combinaisons Ornamentales FONTE: MUCHA, 1980, p.103

151 150 FIG. 104 Alphonse Mucha. Documents Decoratifs FONTE: MUCHA, 1980, p.109 FIG. 105 Alphonse Mucha. Documents Decoratifs FONTE: MUCHA, 1980, p.109

152 151 Outras imagens, que nos orientam a uma percepção ligada à arquitetura, são algumas das cromolitografias 111 criadas para o livro Ilsee: Princesse de Tripoli (Figs. 106 à 108). Através desse trabalho, não reconhecemos apenas a natureza e a ornamentação misturadas, mas também a figura feminina inserida na arte, tanto em uma imagem isolada (Fig. 108) quanto naquelas que servem como enquadramento ou decoração ao texto literário (Figs. 106 e 107). FIG. 106 Alphonse Mucha. Ilustrações para Ilsee: Princesse de Tripoli FONTE: MUCHA, 1980, p.92 FIG. 107 Alphonse Mucha. Ilustrações para Ilsee: Princesse de Tripoli FONTE: MUCHA, 1980, p Litografias coloridas (SANTOS; XAVIER, 2014, p.1).

153 152 FIG. 108 Alphonse Mucha. Ilustração para Ilsee: Princesse de Tripoli FONTE: MUCHA, 1980, p.93 Também dentro dessa característica está uma das diversas imagens de Le Pater (Fig. 109), que nos mostra não apenas os aspectos aqui já mencionados referentes à obra de Mucha, mas também a sua relação com a religião cristã, já que se trata de uma edição ilustrada e comentada, por Mucha, que observa e analisa a reza cristã do Pai Nosso 112. FIG. 109 Alphonse Mucha. Ilustração para Le Pater FONTE: MUCHA, 1980, p Essa informação é citada e comentada na breve descrição, da edição, encontrada no site Mucha Foundation, disponível em: < Acesso em: 22 mar

154 153 Através das ilustrações, reconhecemos a ideia da ornamentação, a da ligação com a flora (essencialmente), a idealização da figura feminina, que se mistura às duas primeiras características, e também uma ideia de espiritualidade em suas composições, todos esses elementos que também caracterizam a cultura visual (filmes) e imaginária (livro) dos elfos. Essa pode ser uma das explicações para o porquê da utilização da art nouveau, de maneira tão característica, nos ambientes élficos da Terra-Média no cinema. De acordo com essa primeira observação, diante do extenso trabalho de Mucha, já pode ser identificada a ideia de ornamentos em meio à arquitetura do reino élfico de Valfenda. Isso nos coloca a ideia de algumas das principais características da art nouveau, reconhecíveis como uma forma de representação visual para a cultura literária dos elfos, nesse processo de adaptação do imaginário de Tolkien à imagem fílmica. O artista conceitual Alan Lee, por exemplo, nos cita a importância das formas da natureza estarem misturadas com a arquitetura das paisagens élficas: A ideia da construção aninhada entre as árvores, coexistindo com a natureza, realmente me atraiu, e todas essas árvores estão bem orgânicas em meio a um ambiente pedregoso. 113 (RUSSEL, 2002, p.51, tradução do autor). Essa ideia de Lee, de acordo com alguns sketches seus para a arquitetura élfica como um todo (Figs. 110 e 111), ainda não nos revela a ornamentação na construção: FIG. 110 Alan Lee. Sketch para a estrutura interior de Valfenda. FONTE: RUSSEL, 2002, p The idea of the building nestling among the trees, coexisting with nature, really appealed to me, all these trees being very organic within the stony surroundings.

155 154 FIG. 111 Alan Lee. Sketch para a estrutura interior de Valfenda. FONTE: RUSSEL, 2004, p.70 Entretanto, ao observarmos os sketches para: o pavilhão de Valfenda (Fig. 112), ou o trono e a câmara de Elrond (Figs. 113 e 114), já é possível identificar a ornamentação própria de uma construção com base na art nouveau: FIG. 112 Alan Lee. Sketch para a arquitetura do pavilhão de Valfenda. FONTE: LEE, 2005, p.50

156 155 FIG. 113 Alan Lee. Sketch para o artesanato do Trono de Elrond. FONTE: RUSSEL, 2002, p.56 FIG. 114 Alan Lee. Sketch para a arquitetura da Câmara de Elrond. FONTE: RUSSEL, 2004, p.70

157 156 Referente aos desenhos do trono e da câmara de Elrond, Alan Lee nos explica os motivos imagéticos utilizados por ele nas composições, embora nem tudo tenha sido mantido no filme: Esta foi uma ideia para o trono de Elrond, incorporando-o a essas raízes de árvore, dando-lhe uma sensação muito áspera e terrena. Se situa no meio da árvore ao invés de ser esculpido fora dela, e eu gostei muito disso, mas no final o cenário foi um pouco menos intrincado, menos complicado, eu acho. 114 (RUSSEL, 2002, p.56, tradução do autor) [...] Acima e abaixo estão os esboços para a Câmara de Elrond, para que os estucadores e construtores tivessem algumas ideias bem específicas e detalhadas pelas quais pudessem iniciar o trabalho. À direita está a Câmara do Conselho mais uma vez, com um pássaro como motivo imagético. Eles aparecem muito em Valfenda, algo que adicionei frequentemente ao seu interior eu queria adicionar cisnes, entre outras coisas, em algumas de minhas pinturas originais de Tolkien, os pássaros parecem apropriados para o simbolismo élfico. 115 (RUSSEL, 2002, p.57, tradução do autor) Assim, através dessa citação acima de Lee podemos observar mais motivações imagéticas do autor ligadas à temática da art nouveau, pois ele menciona a ideia da figura dos pássaros 116 na composição da arquitetura para o simbolismo élfico, além de mostrar a intenção de ligar a natureza com as construções artesanais do local, conforme o exemplo do trono de Elrond. Temos, dessa maneira, o estilo reconhecido nos ambientes élficos da adaptação fílmica (Figs. 115 à 117), mostrando-nos a utilização do tema artístico, conforme identificado na cena da sacada (Fig. 100). 114 This was an idea for Elrond s throne which incorporated these tree roots, giving it a very rough and earthy feel. It s sitting amid the tree rather than actually carved out of it and I quite like this, but in the end the final setting was a little less intricate, less complicated, I think. 115 Above and below are roughs for Elrond s Chamber so that the plasterers and builders could have some very specific and detailed ideas to work from. To the right is the Council Chamber once again, with a bird motif. They turn up quite a lot in Rivendell, something I often added in I tended to add swans and things to some of my original Tolkien paintings birds seem appropriate for Elven symbolism. 116 Se compreendermos a ideia da fauna, e não apenas da flora, para as composições ligadas à temática da art nouveau, temos os pássaros como uma das principais figuras trabalhadas nesse estilo (BASSALO, 2008, p.26).

158 157 FIG. 115 The Fellowship of the Ring Cena de Frodo acordando em um dos quartos em Valfenda. Destaque para o artesanato ornamentado. FIG. 116 The Fellowship of the Ring Cena do Conselho de Elrond em sua Câmara em Valfenda. Destaca-se a ornamentação na arquitetura. FIG. 117 The Fellowship of the Ring Cena que pressagia a despedida da Sociedade do Anel em Valfenda. Destaque para o amplo trabalho na arquitetura, com a ornamentação se misturando com a vegetação do local.

159 158 Observados e analisados esses aspectos, podemos passar para outra fase artística, agora relacionada com a pintura, da qual podemos reconhecer schemata identificáveis em alguns dos momentos do arco dramático do casal élfico-humano na adaptação de Peter Jackson Arwen e Aragorn: Construção Narrativa e Pinturas Pré-Rafaelitas A fase artística é referente à Irmandade Pré-Rafaelita, uma sociedade de pintores que iniciou uma forma de trabalhar a arte plástica remetendo-a a aspectos artísticos anteriores da obra de Rafael Sanzio por isso o nome pré-rafaelismo, que era uma entre as maneiras mais seguidas de se produzir pintura pelos acadêmicos na época da irmandade. A primeira característica a ser identificada é a sua forte ligação com a temática da art nouveau, já que a pintura desses artistas foi uma das inspirações para o surgimento da arte conduzida ao design. Henrique Marques-Samÿn, no artigo A Modernidade na Pedra (2003), também caracteriza a art nouveau de acordo com a urgência na qual se via necessitada a sociedade moderna na transição dos séculos XIX e XX, mas ligada, principalmente, à ideia de que a referência para a arte, na modernidade, é a própria interioridade humana. (MARQUES- SAMŸN, 2003, p.7). Para ele, a art nouveau é a primeira das manifestações modernas, na arte, sobre essa relação entre o homem e a sua época, isso pelo simples fato de seu tema e/ou estilo não ter sido limitado ao campo das artes (MARQUES-SAMŸN, 2003, p.7) no sentido mais tradicional (arquitetura, pintura, escultura, etc), mas se tornando uma nova forma de se viver. E, nessa ideia, o autor afirma: A Art Nouveau não estava apenas nas telas, mas no mundo de todos aqueles que a abraçaram. [...] Não era preciso ir às galerias para contemplar a Art Nouveau; vivia-se dentro dela e rodeado por ela. (MARQUES-SAMŸN, 2003, p.7-8), usando desse aspecto para mostrar sua conexão com o pré-rafaelismo: Sintomaticamente, não houve sequer uma variação artística relacionada à Art Nouveau que não fosse a legítima expressão de um ethos, de uma forma de vida. Aqueles que pintavam cenas dos Caf concs, os cafés-concerto como o Moulin Rouge ou o Eldorado, estavam pintando suas próprias vidas, e em certa medida fazendo uma apologia desta havia ali uma defesa de valores, uma afirmação axiológica. Da mesma forma, os Pré-Rafaelitas estavam, em suas telas, a defender os valores sobre os quais edificavam suas próprias vidas. (MARQUES-SAMŸN, 2003, p.8) Ao afirmar a impossibilidade de se observar o idealismo da art nouveau sem mencionar sua referência ao pré-rafaelismo, embora escreva isso com ressalvas, Marques-Samÿn coloca a

160 159 arte pré-rafaelita como um movimento artístico que vai muito além de seu anti-academicismo. Tem sua base no teórico John Ruskin, que apontou a arte enquanto ligada a um medievalismo diferenciado, mencionado como uma construção idealizada do que seria a arte medieval 117 (MARQUES-SAMŸN, 2003, p.9). Assim, Marques-Samÿn coloca em igualdade a art nouveau e o pré-rafaelismo, já que a arte anterior àquela orientada ao design teria, da mesma forma, tentado se colocar enquanto uma reforma social, no sentido de se resgatar princípios, valores e ideais (MARQUES-SAMŸN, 2003, p.9) algo que, segundo ele, é enfatizado através de William Morris, visto pelo pesquisador como a grande ponte entre as duas artes. Com isso, Marques-Samÿn nos propõe a compreensão de que o pré-rafaelismo teria influenciado a art nouveau de duas formas: diz respeito tanto ao medievalismo, no tocante ao resgate do artesanato e na construção de uma nova arquitetura [...], quanto no tocante à própria temática desenvolvida por alguns de seus representantes na pintura e na gravura. (MARQUES-SAMŸN, 2003, p.10). Partimos, agora, para alguns aspectos e características referentes a essa arte antiacadêmica e pós-romântica. O pré-rafaelismo foi uma fase artística que ascendeu na época da Era Vitoriana 118 (Inglaterra), com sua arte explorada de meados do século XIX a meados do século XX. Fora direcionada, inicialmente, por um grupo de artistas que promoveram um tipo de sociedade pela qual, conforme já dito, possuíam interesses antiacadêmicos através de uma arte que idealizava a Idade Média, mas de acordo com os anseios modernos de sua época. Esses determinantes anseios são alguns dos fatores pelos quais podemos identificar o porquê de compreendermos o pré-rafaelismo enquanto um movimento pós-romântico. Vejamos, então, alguns deles, a partir de pontos de vista por diversificados pesquisadores. Segundo Vasconcelos (2004), o século XIX na Inglaterra foi um momento histórico de grande diversidade cultural, pela qual o entendimento oriundo do Império britânico da época da rainha Vitória ( ) se dava a uma dimensão quase universalista [...], aliada ao entendimento que sucessivas gerações de intelectuais, artistas e políticos vieram a reflectir não só do passado, mas também da sua contemporaneidade (p.297). Com a chegada da revolução industrial, também mencionada por Vasconcelos, o pensamento social se modificou excessivamente, permitindo a exploração e a busca das pessoas por diferentes maneiras de 117 Isso é devido à afirmação de Ruskin com base na ideia de que as convenções artísticas e a devoção religiosa, separadas, segundo ele, na época da arte de Rafael Sanzio, agora estariam novamente em harmonia (MARQUES- SAMŸN, 2003, p.9). 118 O período é assim nomeado devido à época do governo da rainha Vitória.

161 160 reconhecerem a si mesmas enquanto sociedade, ou mesmo de tentarem entender e/ou reviver, de maneira nostálgica, o seu passado medieval, ou a ideia que faziam dele. Reviver o passado, revisitá-lo, ao jeito tão próprio de todos os vitorianos, foi uma espécie de culto peregrinatório em busca de ideais e mitos, supostamente perdidos e enterrados, que urgia recuperar para então se poder sublimar o tempo e, com ele, sublimar a identidade desintegrada do homem, da sociedade, do povo, da nação. Num plano mais superficial, mas nem por isso menos significativo, porque sintomático de um estado de espírito generalizado, revisitar o passado tornava-se já uma moda, um aligeiramento lúdico e pleno de vitalidade da nostalgia profunda de consciências mais graves. É este o panorama que tão bem souberam explorar os romancistas vitorianos (VASCONCELOS, 2004, p ) Dessa forma, uma das principais artes exponenciais da época vitoriana, em uma relação específica com essa realidade inglesa, é de fato a literatura, pela qual o retorno e a idealização medieval através de contos, lendas, mitos ou histórias tornou o seu público-alvo, ávido por uma compreensão de seu passado (ainda que simbólico e não realista), um observador de si próprio. Diversificados autores trabalharam a literatura vitoriana por um aspecto social e político, amplamente preocupados com a forma simbólica pela qual imaginavam a época medieval, mas também buscando formas de traduzí-la, ou mesmo de contemporaneizá-la, aos desejos de sua época. Ao inventarem e readequarem o imaginário medieval a partir da literatura, vários códigos, relacionados a várias ordens de valores (ideológicos, éticos e religiosos), acabam por serem descortinados (VASCONCELOS, 2004, p.298), e isso faz com que não apenas a economia e a política sejam repensadas, mas também a cultura e a arte. Como uma das mais importantes narrativas que ajudam a instaurar a pintura pré-rafaelita, as lendas arturianas aparecem como uma das diversas fontes literárias para a construção desse tipo de arte pictórica, tratando não apenas de uma idealização da Idade Média, mas também das características religiosas que a circulavam, sempre relacionadas aos questionamentos da época: Em Inglaterra não pode deixar de referir-se a singularidade do mito do Santo Graal, preconizado através da lenda Arturiana e dos Cavaleiros da Távola Redonda, no conflito essencial entre a religiosidade céltica pagã dos druidas e das sacerdotisas da Natureza e o Cristianismo invasor dos saxões. O triângulo amoroso que une e separa o rei Artur, a rainha Guinevere e o fiel cavaleiro Lancelot, inscreve em si a mais expressiva alegoria das várias modulações do conflito, ao dar conta, ao longo da saga tecida de destinos individuais, da grandeza épica e trágica do destino de uma nação e de um povo. (VASCONCELOS, 2004, p.301)

162 161 Chegamos, assim, à raiz do pré-rafaelismo, que trata, ao mesmo tempo, de ideais medievais repensados, de representações figurativas pelas quais algumas obras demonstram a religiosidade e/ou a espiritualidade da época, além de representarem, também, uma idealização sobre o amor medieval, em parte trágico, sob a imagem da mulher, muitas vezes vista como uma figura mítica ou mística. Vasconcelos, continuando, também nos propõe uma visão sobre a necessidade do mito, como figura de completude, e do símbolo, para recuperar o passado e torná-lo arte, imaginando-o, o que é o mesmo que dizer: torná-lo em imagem (VASCONCELOS, 2004, p.298), aspecto esse importante ao pré-rafaelismo: O mito traz de volta o passado enquanto esquema de possibilidades, não em bruto, e pode então ser assimilado às estruturas do presente, fazendo com que este recupere, ainda que parcialmente, ainda que precária e transitoriamente, a estabilidade perdida. Sentidos mistos e controversos de completude e desintegração, unidade e alteridade, fazem parte da mesma essência do homem, do artista, do poeta, da arte e da poesia vitorianas, que vêem a história não como mero artifício decorativo ou exercício nostálgico, mas como possibilidade de refazer, de preencher todos os vazios que as revoluções ideológicas, políticas e sociais dos finais do século XVIII tinham produzido. (VASCONCELOS, 2004, p.302) Acima de tudo, o pré-rafaelismo é também a busca por uma resposta às crises do fim do século XVIII, um século do qual surgiriam muitos questionamentos sociopolíticos, além do interesse, da sociedade, pelas tradições e culturas mais primitivas na Inglaterra, e dessa curiosidade é que podemos identificar o resgate das lendas arturianas (MARTINS, 2011, p.12), ainda na época do romantismo. De acordo com Martins (2011, p.12), o revivalismo da Inglaterra Vitoriana, em sua busca pelo passado nacional, aparece ao mesmo tempo no qual ocorrem enormes mudanças literárias, intelectuais e político-sociais que despontariam o romantismo. A pesquisadora afirma que, como o romantismo fora uma fase com inspirações como o mundo natural, a magia, os mitos antigos e a época medieval (MARTINS, 2011, p.13), a sociedade assistiria ao ressurgimento das ficções arturianas, com a obra Le Morte D Arthur (1485), de Thomas Mallory, sendo um dos principais escritos interessados pela sociedade inglesa. Em meio a essa circulação da obra em outras formas artísticas, identifica-se sua exploração pela Irmandade Pré- Rafaelita, fundada por Dante Rossetti, William Hunt e John Millais Segundo Proust (2008), sendo eles poetas e pintores, os três estudaram nas mais importantes academias inglesas, e o modelo desse movimento foi um grupo de pintores que criou, em Viena, em 1809, a Irmandade São Lucas, conhecido também como Os nazarenos, transferindo-se mais tarde para Roma. (p.339). Estes últimos resgatavam pinturas medievais da Itália e da Alemanha como fonte de inspiração às suas obras, que, assim como seus sucessores, propunham o retorno à arte anterior ao período renascentista (PROUST, 2008, p.339).

163 162 A primeira fase do que, mais tarde, seria reconhecido como o movimento Pré- Rafaelita inicia-se em 1848, data do início da Irmandade Pré-Rafaelita (Pre- Raphaelite Brotherhood, PRB). A PRB ambicionava inovar em diversos campos procurando associar-se a um período histórico e artístico muito particular, o da era antes de Rafael, ou seja, a Idade Média. Todavia, a visão destes [...] Pré-Rafaelitas 120 é a de um passado idealizado, pois a Idade Média era para eles um período harmonioso durante o qual o Homem e a natureza viviam em equilíbrio. Além disso, a PRB identifica-se com os ideais de cavalaria, em especial os princípios de lealdade, fraternidade e coragem perpetuados pelas narrativas sobre os cavaleiros da Távola Redonda. Utilizando, maioritariamente, Le Morte D Arthur, mas também os poemas de Lord Tennyson, os Pré-Rafaelitas dedicar-se-ão a representar nos seus quadros cenas descritas pelos dois escritores. (MARTINS, 2011, p.13) Essa primeira fase, que deu a origem ao movimento, se encerraria em 1854 (MARTINS, 2011, p.13), entretanto, seu legado permaneceria pelos seus seguidores, que mantiveram os ideais estipulados pelos primeiros artistas, dando continuidade às pinturas. A segunda fase foi promovida por: Edward Burne-Jones, John Waterhouse, William Morris, Evelyn De Morgan e Frederic Sandys, e a irmandade continuou a influenciar a produção artística de outros diversos pintores, além de ter a sua perspectiva romântica enquanto dominante da ficção européia e americana durante o século XX (MARTINS, 2011, p.13). Ainda assim, é importante ressaltar que há um individualismo por parte dos artistas, e embora tivessem uma mesma base, também demonstravam seus próprios desejos, sentimentos e anseios de acordo com a diretriz pré-estipulada e propagada por eles. Isso aparece desde o início da irmandade, sobre a qual Proust (2008) caracteriza particularidades às obras pictóricas: A divisão [...] diz respeito aos temas sociais e realistas, [...] nas pinturas de Millais e Hunt, e aos temas medievais inspirados em Dante Aligheri, lendas do Rei Arthur, com uma dose forte de misticismos, nas pinturas de Rossetti e Edward Burne-Jones. (2008, p.339). É através de alguns pintores desse momento artístico que reconheceremos schemata de suas obras em cenas da narrativa de Arwen e Aragorn no cinema. Observamos, portanto, a forma pela qual o escritor construiu esse arco dramático, e como ele ganhou outro aspecto narrativo através da adaptação fílmica, indo além da referência literária. A história fictícia desenvolvida por Tolkien trata do encontro, da união e da morte de Arwen e Aragorn, construindo assim uma das principais histórias de amor entre homens e elfos na Terra-Média, embora seja a única fatualmente contada pelo escritor em O Senhor dos Anéis. Em linhas gerais, no contexto literário, a história do casal é contada da seguinte maneira: 120 Martins se refere aos artistas: (1) William Hunt, (2) John Millais, (3) Dante Rossetti, (4) Thomas Woolner, (5) James Collinson, (6) Frederic Stevens e (7) William Rossetti (irmão de Dante Rossetti) (MARTINS, 2011, p.13).

164 163 Arwen e Aragorn se conheceram em Valfenda, há muitos anos antes da narrativa encontrada em O Senhor dos Anéis. Aragorn, após a morte de seu pai, foi levado por sua mãe para que fosse criado, em segredo, em Valfenda, pois ela sabia, assim como Elrond, que Sauron, que havia sido derrotado por Isildur (antepassado de Aragorn), caçaria o último herdeiro de sua casa caso soubesse de sua existência. Dessa forma, Aragorn é criado entre os elfos. Na época quando o seu nome verdadeiro lhe é revelado por Elrond, seu tutor em Valfenda, ele conhece a sua filha, Arwen, por quem se apaixona perdidamente, tendo seu amor correspondido pela elfa. Entretanto, Elrond, quando descobre o amor do guardião pela sua filha, o adverte que Aragorn não deveria desposar a filha de nenhum homem, exatamente porque seu futuro lhe guardava grandes missões. Continuando sua advertência, quando fala sobre Arwen, lhe diz que sua filha estaria muito acima do guardião, sendo ele um simples jovem diante dos demasiados anos de existência da elfa, que embora mantivesse sua beleza de quando ainda era jovem, era muitos anos mais velha do que Aragorn. Ainda assim, o amor entre os dois permanece, e quando Aragorn, em meio às suas jornadas e missões particulares, passa por um dos reinos élficos (Lothlórien) e reencontra a sua amada nessa morada, ambos acabam por se comprometerem, formalizando a sua união através do amor que sentiam um pelo outro. Isso deixa Elrond triste, exatamente porque o rei sabia que tal decisão colocaria Arwen sob o mesmo destino que Lúthien teve na época dos dias antigos, pois ela também deixou a sua imortalidade para viver ao lado de quem ama. Entretanto, Elrond impõe uma demanda ao guardião, diz que Arwen não se casará com ele a menos que conseguisse se tornar rei dos homens na Terra-Média. Com isso, os anos se passam, chega a demanda do Um Anel e, consequentemente, a época da Guerra do Anel, que ao final acaba sendo vencida pela comitiva da Sociedade do Anel, da qual Aragorn fazia parte. O guardião se torna rei dos homens ao fim desses acontecimentos, casa-se com Arwen e ambos vivem um reino de glória e prosperidade por mais de 120 anos 121. Então, quando Aragorn decide descansar em seu leito de morte, por perceber que a velhice havia lhe chegado, Arwen perde a vontade de viver e deixa o reino, que já havia sido entregue ao seu filho pelo rei, e tem os seus últimos dias sozinha na floresta de Lothlórien devido à partida dos elfos que lá moravam para Valinor 122, que estava definhando e murchando, sendo o local onde decide descansar, deixando sua vida da Terra-Média. 121 Aragorn, por ser um dúnadan (que significa homem do ponente ), tinha a longevidade oriunda dos descendentes da casa de Isildur, que era duas vezes mais a idade dos homens normais da Terra-Média. 122 Valinor é o reino abençoado da literatura da Terra-Média. Apenas barcos élficos, atravessando o Mundo natural, podem chegar a esse reino divino e eterno.

165 164 A análise do contexto literário de Tolkien sobre a linha narrativa de Arwen e Aragorn pode ser primeiramente trabalhada através da identificação de autorreferências que o escritor utiliza para a construção da história. Publicada apenas em O Retorno do Rei, no Apêndice A Anais dos Reis e Governantes, no texto (v) Aqui Segue-se uma Parte da História de Aragorn e Arwen, temos a construção literária do amor entre o guardião humano e a princesa elfa. Esse texto dos Apêndices conta a trajetória desde a infância do guardião humano. Na história, quando atinge vinte anos de idade, Aragorn, enquanto vagava sozinho pelo vale de Valfenda, se encontra com Arwen, por quem se apaixona à primeira vista, conforme já dito. Tolkien, nesse momento da narrativa, descreve o encontro do futuro casal da seguinte maneira: Aragorn caminhava sozinho na floresta; seu coração estava leve e ele cantava, pois sentia-se cheio de esperanças e o mundo era belo. E de repente, no momento em que cantava, viu uma donzela caminhando num gramado por entre os troncos brancos das bétulas; parou então assustado, pensando que se tinha perdido num sonho, ou então que recebera a dádiva dos menestréisélficos, capazes de fazer com que as coisas por eles cantadas apareçam diante dos olhos de quem os escuta. Na verdade Aragorn estivera cantando uma parte da Balada de Lúthien, que conta sobre o encontro de Lúthien e Beren na Floresta de Neldoreth. E eis que Lúthien estava ali, caminhando diante de seus olhos em Valfenda, vestindo um manto prata e azul, bela como o crepúsculo em Casadelfos; seus cabelos escuros esvoaçavam num vento repentino, e sua fronte estava cingida com pedras que pareciam estrelas. (TOLKIEN, 2002c, p.454) A referência para o encontro romântico, que não era conhecida na época da publicação de O Senhor dos Anéis, é identificada no Capítulo XIX: De Beren e Lúthien, em O Silmarillion, que conta a história do amor que resultou no primeiro casamento entre elfos e homens 123. Essa é uma das primeiras identificações que podemos ter sobre a ligação literária entre O Senhor dos Anéis e O Silmarillion, com relação às histórias românticas nesses livros. Assim, várias ideias autorreferenciais são encontradas entre as duas histórias contadas 124 : (1) Arwen se assemelha fisicamente com Lúthien (TOLKIEN, 2006, p.175); (2) os próprios personagens, Arwen e Aragorn, compreendem os seus destinos como próximos daqueles de seus antepassados Lúthien e Beren (TOLKIEN, 2002c, p ); (3) tanto a Beren quanto a Aragorn são impostas demandas, praticamente impossíveis de serem realizadas, 123 Mais informações sobre essas uniões entre imortais e mortais na literatura de Tolkien podem ser identificadas no artigo Quantos casamentos entre elfos e homens aconteceram na Terra-média?, disponível em: < Acesso em: 22 mar Isso se mostra além do fato de que Tolkien cria os personagens Arwen e Aragorn também como descendentes consanguíneos, ou seja, de mesmo sangue, da união de Lúthien e Beren (TOLKIEN, 2006, p.175). Muitos dos fatos que ocorrem na narrativa de Arwen e Aragorn se espelham na primeira união élfica-humana.

166 165 para desposarem as princesas élficas (TOLKIEN, 2009, p ; TOLKIEN, 2002c, p.459); e (4) tanto Lúthien quanto Arwen escolhem deixar a imortalidade élfica, em busca de compartilharem do mesmo destino da vida após a morte com os espíritos dos homens que amaram na Terra-Média (TOLKIEN, 2009, p.186; TOLKIEN, 2002c, p.461). Essas constantes referências já nos mostram a ideia de scripts (BORDWELL, 2008, p.9) que, mesmo sendo um pensamento teórico não presente na época de Tolkien, poderia ser um indício dessa ideia devido à intenção do escritor em propor esse tipo de reidentificação às suas histórias. Isso porque, como pretendia publicar ambos os livros de maneira conjunta, queria que o seu leitor reconhecesse uma história já contada. Ao se deparar com Arwen e Aragorn, identificaria Lúthien e Beren, e isso daria ao leitor essa sensação de histórias que se repetem variadas vezes de acordo com um mesmo tipo de sociedade, com personagens em uma mesma literatura, além de aceitar mais facilmente não apenas a narrativa que lê no momento, mas a sua ligação com o livro anterior. Observando a história do casal, a união de Arwen e Aragorn é uma das narrativas que concluem a história em O Senhor dos Anéis. Esta que trata, em seu último volume, não apenas do retorno do rei legítimo dos homens, mas também do casamento élfico-humano que dará origem à restauração de um reino próspero e digno na Terra-Média. Referente ao público-alvo da adaptação fílmica, a relação de interpretação (da narrativa do casal e seu desenvolvimento) e de reconhecimento da obra como presente no imaginário coletivo (devido à grande circulação da obra original) é trabalhada de duas formas, uma com o público conhecedor, e outra com o público completamente leigo quanto ao cânone. Cada uma dessas formas visa, por um lado, trazer um reconhecimento do cânone ao qual se refere a adaptação (público conhecedor) e, por outro lado, o da identificação de uma narrativa amorosa através de aspectos visuais já generalizados para esse tipo de história (público não conhecedor), nos quais se adicionam elementos medievais diversos. Para essa ideia temos, primeiro ao público conhecedor, a forma como os roteiristas inseriram fatos e lembranças aos personagens que se ligariam, diretamente, aos escritos de Tolkien além da história principal em O Senhor dos Anéis, abrangendo também: (1) os Apêndices no volume O Retorno do Rei; e (2) a sua base contextual no Capítulo XIX: De Beren e Lúthien. Fatualmente direcionada aos fãs dos livros de Tolkien, exatamente por essa relação de proximidade do cânone, é o reconhecimento de citações da literatura original no filme, servindo como fonte à adaptação de uma forma que não se distanciasse excessivamente do livro, embora possibilite, em contraposição, variadas mudanças do original. Isso é perceptível principalmente

167 166 sobre a edição estendida da trilogia fílmica 125, à qual foram adicionadas ou complementadas cenas e sequências, propondo essa maior identificação e aproximação do conteúdo escrito, e não necessariamente dos fatos narrativos exatos no livro. Esse conteúdo escrito se refere à história de Arwen e Aragorn contada nos Apêndices e na base desse arco dramático, identificado através da história de Lúthien e Beren em O Silmarillion. Caso fossem seguidos, exatamente, os fatos narrados no livro, poucas seriam as cenas em que veríamos a relação amorosa entre o casal, pois esse relacionamento é pouco trabalhado na obra canônica, tendo uma contextualização mais presente apenas em O Retorno do Rei (terceiro volume da ficção). Essas cenas e/ou sequências que mostram uma proximidade com a literatura de Tolkien que aparentemente podem ser reconhecidas como decisões dos roteiristas da adaptação 126, estão mescladas com outros momentos da trilogia, pelos quais trataremos das pinturas prérafaelitas como mediadoras de schemata para a adaptação no cinema. Portanto, a análise do arco dramático de Arwen e Aragorn, aqui proposta, trabalhará de acordo com a linha narrativa da história, mesclando as duas ideias cognitivas, sendo elas: (1) para melhor identificação do público conhecedor de Tolkien, através das narrativas literárias no texto fílmico; ou (2) por parte das mediações pré-rafaelitas, segundo a proposição de que aparecem pontualmente na narrativa visual, como possível forma de tradução do texto (literatura) em imagem (cinema), o que aproximaria a obra fílmica do público não conhecedor do livro. Observando as concepções de Ranta (2011), na ideia do armazenamento e da recuperação de scripts ou esquemas de ação (estruturas narrativas), o autor nos mostra como seria possível um processo de reconhecimento pictórico com base em suas definições: Através de experiências anteriores, adquirimos uma grande quantidade de estereótipos de eventos e cenários com base cultural, juntamente com variações idiossincráticas, seja da nossa familiaridade direta previamente adquirida com instâncias de eventos, seja através do conhecimento de descrições escritas, orais e, claro, pictóricas, tais como contos religiosos ou mitológicos. Eles incluem configurações, sub-objetivos e ações na tentativa de alcançar objetivos específicos. Afirmo que a produção e compreensão de sinais pictóricos é freqüentemente baseada na existência e ativação de tais esquemas mentalmente armazenados de ação e cena por parte dos espectadores. Na verdade, mesmo os objetos em geral, sejam eles artificiais ou naturais, são capazes de expressar ou desencadear tais estruturas narrativas, assim nos contando histórias. 127 (RANTA, 2011, tradução do autor) 125 Essa versão passou nos cinemas em 2004 e foi lançada em home video (DVD e blu-ray) em Roteiristas da trilogia cinematográfica: Fran Walsh, Peter Jackson, Philippa Boyens e Stephen Sinclair. 127 Through previous experiences we acquire a large quantity of culturally based event and scene stereotypes, along with idiosyncratic variations, either from our previously acquired, direct familiarity with instances of events, or

168 167 Essa ideia cognitivista do autor é uma das bases teóricas para essa compreensão do processo narrativo, que partiu do reconhecimento literário, se aproximando do cânone de Tolkien, e que chegaria aos schemata de pinturas na representação imagética da linha narrativa do casal. Ou seja, com essas ideias podemos começar a analisar um processo que parte do reconhecimento das estruturas narrativas (scripts) e que chega ao reconhecimento dos sinais pictóricos, aqui através dos schemata, como forma de expressar/desencadear o conteúdo literário na adaptação fílmica. Começamos, então, por uma das diversas identificações ligadas à literatura de Tolkien. Em The Fellowship of the Ring, Passolargo (Aragorn, ainda um guardião e andarilho) após se encontrar com a pequena Cia. dos Hobbits: Frodo, Samwise, Merriadoc e Peregrin, começa a guiá-los por uma rota segura, longe da presença dos Nazgûl, que querem tomar o Um Anel de Frodo, seu portador. Em meio a esse caminho, durante uma pequena pausa noturna para descanso, Aragorn começa a cantar versos que falam sobre o encontro de uma donzela élfica com um humano. Quando Frodo desperta e pergunta quem é a mulher de quem Aragorn fala, ele revela que se trata da história de Lúthien e Beren, destacando o final da história em que, após entregar seu amor ao humano, a elfa morre. O reconhecimento narrativo aqui se encontra no Capítulo XI Uma Faca no Escuro, no qual Passolargo, após ser requisitado pelos hobbits para contar-lhes uma história, decide cantar os versos referente ao encontro de Lúthien e Beren, explicando a eles, posteriormente, toda a história de amor entre o casal (TOLKIEN, 2002a, p ). Até aqui, não há de fato grandes diferenças entre o livro e o filme, entretanto, o aspecto de cognição se dá pela decisão de Viggo Mortensen (intérprete de Aragorn) compor a música cantada pelo seu personagem, ao invés de os roteiristas utilizarem alguns dos mesmos versos escritos em A Sociedade do Anel (JACKSON et al., 2012). A canção do ator, posteriormente, foi traduzida ao élfico, para que fosse criada uma relação mais próxima com o passado literário do personagem, além do fato de que os leitores de Tolkien sabem que Aragorn tem fluência na língua élfica, devido à sua criação contada nos Apêndices do terceiro volume. Essas ideias, dessa forma, possuem dois aspectos que identificam a literatura de Tolkien, isso evitando a fidelidade entre livro e filme: (1) a menção à narrativa em O Silmarillion, que é through our acquaintance with written, oral, and, of course, pictorial descriptions of them, such as religious or mythological tales. They include settings, subgoals, and actions in attempting to reach specific goals. I claim that the production and comprehension of pictorial signs is frequently based on the existence and activation of such mentally stored action and scene schemas on the part of the beholders. Actually, even objects in general, whether artificial or natural, are capable of expressing or triggering such narrative structures, thus telling us stories.

169 168 a base para a história de Arwen e Aragorn, mas de maneira breve, quase em segredo, tratando apenas do fator trágico da morte da donzela elfa e não de sua história completa, como é contada no livro; e (2) a ideia dos versos serem cantados em élfico, já que no livro Passolargo traduz os versos em língua-geral 128, para que os hobbits compreendam a música com maior clareza. Ou seja, os artistas mostram que é possível modificar a estrutura original trazendo elementos que remetam ao passado não apenas de seu personagem principal, mas também de seus antepassados literários, um aspecto narrativo que apenas os leitores conseguiriam identificar. Vejamos agora uma cena relacionada à possível visibilidade pré-rafaelita sob a história de Arwen e Aragorn. A sequência na qual teremos o primeiro encontro entre o casal é logo após o ataque dos Nazgûl contra a companhia dos hobbits juntos com Passolargo. Nessa curta batalha, o guardião salva os quatro hobbits, no entanto Frodo é ferido por um dos cavaleiros negros que o cercaram, quando estava com os seus companheiros. Ainda fugindo dos seres malignos, Aragorn e o hobbit Samwise procuram por uma planta para medicar o ferimento de Frodo, e nesse momento são surpreendidos por Arwen. A elfa ajuda Frodo, através da magia élfica, para que ele resista ainda por um tempo ao ferimento sombrio, que o fizera adoecer rapidamente. Além disso, a elfa se voluntaria a levar o hobbit até o reino de Valfenda, para que Elrond, seu pai, possa curá-lo definitivamente. Passolargo entrega o pequeno à elfa e ela sai em disparada, cavalgando, para os limites da região de Valfenda, enquanto ainda é seguida pelos cavaleiros negros. A pintura pré-rafaelita que corresponderia a um momento dessa sequência é a intitulada La Belle Dame sans Merci (1902), de Francis Dicksee (Fig. 118). Nessa obra observamos uma donzela montada no cavalo que pertence, aparentemente, ao homem de armadura que a contempla, apaixonado, enquanto ela, debruçando-se sobre o cavaleiro, segura as rédias da montaria em meio a uma extensa paisagem de um bosque. Frank Dicksee é reconhecido como um pintor que teria sua fama devido às imagens de mulheres e temas eróticos, medievais e mitológicos (LANGER, 2005, p.98), e nessa pintura reconhecemos algumas das ideias comuns aos pré-rafaelitas, como a figura feminina em maior destaque do que a masculina, ambientes com elementos da natureza, medievalismo (idealizado) e o tema da cavalaria. Já de acordo com o conteúdo da pintura, de maneira homônima ao seu título, temos sua referência na balada do poeta romântico John Keats, que conta a história do encontro de um cavaleiro com uma misteriosa dama que o seduz, mas que ilude o amor do rapaz ao final da história Língua-geral é a língua comum a todos os povos da Terra-Média. 129 Na balada, escrita em 1819, um cavaleiro se encontra com uma Bela Dama e se apaixona por ela devido à beleza da jovem, que o encanta, fazendo-o oferecer a sua montaria para ela. Assim, a mulher o conduz até uma

170 169 FIG. 118 Francis Dicksee. La Belle Dame sans Merci Bristol Museum & Art Gallery, Brístol (Inglaterra) Mesmo que seja possível observarmos algumas ideias convergentes com a história da balada (base literária da pintura) e a história de Arwen e Aragorn, além do momento fílmico, focamos aqui no schema imagético que se mostra bem próximo entre a obra de Dicksee e o final de uma das cenas, quando Arwen irá partir em sua montaria, juntamente com Frodo. Nos planos fílmicos (Figs. 119 e 120), vemos a mesma estrutura de schema, pois temos: (1) a donzela sobre o cavalo, mesmo que no filme haja um elemento a mais, a figura do hobbit; (2) o homem, apaixonado, observando a donzela; (3) o posicionamento dos motivos imagéticos (donzela, cavalo e cavaleiro) sob a mesma disposição, tanto na imagem fílmica quanto em sua possível referência na pintura; e (4) a paisagem florestal ao redor dos personagens. Assim, mesmo sem adicionar o aspecto romântico (sentimental) entre as principais figuras humanas, já é possível observar ambas as imagens sob um mesmo schema. caverna, e lá ela o faz adormecer através do seu canto, como se enfeitiçasse o cavaleiro. Ele, dessa forma, possui um sonho, no qual encontra-se com reis e príncipes pálidos, que lhe dizem que a Bela Dama Sem Misericórdia o tornou seu escravo!. O jovem acorda, percebe que está sozinho e fica desiludido amorosamente. (KEATS, 2012)

171 170 FIG. 119 The Fellowship of the Ring Plano de Aragorn no momento de despedida de Arwen. FIG. 120 The Fellowship of the Ring Contra-plano de Arwen no momento de sua despedida. Juntamente com o plano anterior, observamos que a disposição dos motivos imagéticos se compara com o schema identificado na obra de Dicksee. Um último aspecto sobre essa sequência fílmica é que ela foi usada, exatamente, para a apresentação da personagem Arwen, além de propor um breve indício do amor entre a elfa e o guardião, direcionado ao público não conhecedor da obra de Tolkien. Entretanto, as cenas que possuem referências à literatura de Tolkien, não necessariamente à história principal, se mantém na narrativa fílmica. O segundo exemplo disso é percebido no encontro romântico, e quase secreto, do casal em Valfenda. Na cena, eles se encontram em uma pequena ponte em meio à paisagem vegetal do lugar, e, enquanto visualmente a cena possui variados detalhes adequados a alguns temas pré-rafaelitas (como a presença da natureza e da figura da mulher mitificada), no texto dos atores temos um aspecto narrativo que nos remete à história nos Apêndices de Arwen e Aragorn.

172 171 O texto é diretamente relacionado com a referência literária, pois trata da lembrança do reencontro entre o casal em um dos reinos élficos da Terra-Média (Lothlórien) há muitos anos atrás do presente narrativo. Nesse texto, Arwen relembra Aragorn do compromisso que firmaram naquele reencontro, pelo qual a elfa prometeu entregar não apenas o seu amor ao guardião, mas igualmente deixar a sua imortalidade como uma necessidade devido à sua decisão (TOLKIEN, 2002c, p.458). A cena, portanto, quase como uma representação nostálgica referente a essa história prévia, se desenvolve com a reafirmação do compromisso entre o casal, como se revivessem a premissa literária da história adaptada ao cinema. Este seria, portanto, mais um momento fílmico que permite aos leitores reconhecerem a história literária do casal. Em As Duas Torres há um peculiar problema que atrapalharia o arco dramático do casal na adaptação fílmica: a princesa elfa não aparece no segundo volume literário, e nem ao menos é citada por ele. De maneira geral, observando toda a história de Tolkien, Arwen não é, de fato, trabalhada além da premissa de ser o par romântico de Aragorn e de mostrar, através desse amor, a repetição da história antiga de Lúthien e Beren. Mas isso é mostrado diferentemente na narrativa fílmica, pois nesta Arwen também é vista como uma guerreira élfica 130, além de princesa, e com decisões que a inserem fortemente na história da Guerra do Anel. Dessa forma, além de já ter sido proposto no primeiro título, o resgate dos Apêndices pelo roteiro de The Two Towers se tornou necessário para aproximar Arwen e Aragorn, pois se encontram separados durante todo o segundo título da trilogia (JACKSON et al., 2012). Esses momentos se relacionam mais com a ideia da escolha da elfa em deixar sua imortalidade, com cenas e sequências que nos remetem aos Apêndices como os debates entre Elrond e Aragorn em referência à narrativa prévia, em que o rei élfico descobre o amor do guardião pela sua filha (TOLKIEN, 2002c, p ). Ainda assim, quando observamos algo não existente nem ao menos nas passagens literárias é que se reconhece uma das referências que nos levará à próxima representação pré-rafaelita. A sequência a que me refiro é a breve discussão que Elrond e Arwen têm devido à escolha dela de permanecer na Terra-Média, deixando a imortalidade que alcançaria apenas se partisse nos barcos élficos para além do mar do Oeste, rumo a Valinor (lugar no qual os elfos podem viver em imortalidade). Na cena, Elrond explica a Arwen o porquê dela partir para Valinor, que é o fato de que mesmo que a esperança de Aragorn vencer a Guerra do Anel se cumprisse, seu destino ao lado do mortal seria de grande sofrimento após a sua morte. Nesse 130 Um exemplo sobre essa afirmação é a forma como conduz o hobbit Frodo até Valfenda, pois, ao chegar nos limites de seu reino, realiza uma magia de proteção, convocando uma gigantesca onda na forma de cavalos d água para derrotar os cavaleiros negros que a perseguiam, no filme.

173 172 momento, nos é mostrada uma sequência que é uma adaptação dos momentos finais da história de Arwen e Arargorn nos Apêndices, pois mostra o humano em seu leito de morte, com a figura da elfa sozinha após as despedidas do reino (TOLKIEN, 2002c, p ), e também de seu último destino após a morte do rei, vagando sozinha na floresta de Lothlórien, com as árvores murchando, onde descansaria em sua mortalidade (TOLKIEN, 2002c, p.462). As cenas finais dessa sequência mostram Arwen voltando atrás em sua decisão e partindo, juntamente com outros elfos de Valfenda, rumo aos barcos para Valinor. Mas a forma imagética pela qual observamos essa breve peregrinação dos elfos se mostra, em alguns planos, sob o mesmo schema reconhecido na pintura The Wedding of Psyche (1895), de Edward Burne- Jones (Fig. 121), um dos artistas de destaque no movimento simbolista europeu 131. Nessa obra, que nos remete também à pintura dos nazarenos outra das influências dos pré-rafaelitas, esta referida ao seu purismo moral (ZANINI, 2013, p.206), observamos a imagem do caminhar de algumas damas de uma ponta a outra da imagem, seguidas pela figura de um homem idoso, como se fosse um sacerdote. No centro, vemos a figura que seria a noiva Psiquê, um tanto isolada em comparação com as demais mulheres, com as da esquerda do quadro tocando instrumentos e as da direita despejando rosas ao chão que a noiva caminha. Isso além de uma última, à direita, levando o que aparenta ser uma tocha acesa. A pintura pode ser analisada como uma representação simbólica do mito grego do amor e união de Eros (um imortal) e Psiquê (uma mortal), uma das várias narrativas da mitologia grega, que se encerra com a jovem sendo levada ao Olimpo por Zeus Os pré-rafaelitas também eram um aspecto desse movimento, da mesma forma que pertencem ao considerado quadro histórico do desenvolvimento romântico na arte. O simbolismo trata-se de uma linguagem de prospecção do invisível (ZANINI, 2013, p.206), pois esses artistas propunham fórmulas metafísicas dentro de uma temática variada e eclética, que não estava fixada aos anos de vitalidade do romantismo. Os artistas estavam relacionados com outras contingências sociais, endereçadas à materialidade endurecida da existência, ao cientificismo e à tecnologia crescente (ZANINI, 2013, p.206). 132 De acordo com o mito escrito por Lúcio Apuleio (MOURÃO, p.17), os amantes, na mitologia grega, se unem após a deusa Afrodite, por inveja da beleza da jovem Psiquê, mandar seu filho, Eros (Cupido), fazê-la apaixonarse pelo homem mais pobre, feio e indigno do mundo, como forma de vingança. Isso acaba não se realizando devido ao despertar do amor de Eros pela jovem, e assim os dois se unem. Após alguns infortúnios, e num deles até mesmo a jovem é enviada ao inferno de Hades, Eros e Psiquê conseguem ficar juntos, com a moça sendo tornada imortal e indo morar no Olimpo (MOURÃO, p.17).

174 173 FIG. 121 Edward Burne-Jones. The Wedding of Psyche Musées Royaux des Beaux-Arts, Bruxelas (Bélgica) A forma pela qual é representada a imagem do casamento de Psiquê pode nos remeter a um aspecto de espiritualidade, isso também relacionado com as fontes literárias da pintura de Burne-Jones. Observando por essa temática, que pode ser relacionada com deuses mitológicos ou mesmo com a simples ideia da imortalidade divina, podemos também relacionar esse tema, que conduz ao entendimento da imagem, com a peregrinação dos elfos na obra fílmica de Peter Jackson. Essa ideia já havia sido trabalhada em The Fellowship of the Ring, quando vemos Frodo e Samwise, logo no começo de sua jornada, observando alguns elfos partirem da Terra- Média. Entretanto, quando observamos a ideia em The Two Towers (Figs. 122 e 123), o público não conhecedor já possui uma explicação mais detalhada sobre a ideia da imortalidade élfica. Observando, portanto, o schema da pintura de Burne-Jones, identificamos a fileira das figuras que caminham sob a mesma disposição visual observada no filme (Fig. 122), embora haja diversificados planos fílmicos que mostram a peregrinação de outros ângulos de câmera, além de haver outros elementos, próprios da composição fílmica, que não são encontrados na pintura referente à narrativa de Psiquê (Fig. 123). Há, ainda, a diferença por parte das silhuetas das imagens dos elfos, sendo que as figuras do quadro de Burne-Jones aparecem com total visibilidade, além do aspecto noturno na obra fílmica e diurno na obra pcitórica. Dessa forma, observa-se nesse schema que o que se mantém além de uma possível espiritualidade reapresentada de acordo com as fontes literárias de cada obra, é de fato a disposição de suas figuras, que pode nos remeter a uma espécie de procissão religiosa em ambas as narrativas.

175 174 FIG. 122 The Two Towers Plano de conjunto da partida dos elfos de Valfenda para Valinor. Detalhe para a mesma disposição dos motivos imagéticos, da forma como podem ser identificados na pintura de Psiquê. FIG. 123 The Two Towers Plano geral da partida dos elfos de Valfenda para Valinor. A ideia de schema da pintura de Burne- Jones que se mantém é apenas a disposição das figuras, pois há vários elementos diferentes. Em The Return of the King, continuando a viagem começada no título anterior, Arwen segue com os elfos em direção aos Portos Cinzentos (lugar de onde partem os navios para Valinor). Entretanto, nesse momento da cena, a elfa tem uma previsão 133 que lhe revela o seu futuro filho com Aragorn, o que faz com que ela compreenda-a como um sinal de esperança para a vitória da guerra. Na continuação dessa sequência, Arwen volta para Valfenda e questiona as previsões de seu pai, Elrond, e ele menciona que enxergou a morte em seu futuro 133 Alguns dos principais personagens de Tolkien possuem o dom da previsão do futuro, embora o futuro mostrese sempre como algo incerto, independentemente da possível revelação. Elrond possui esse dom e Arwen o adquire, aparentemente, a partir dessa cena na história fílmica.

176 175 na Terra-Média, mas ela lhe diz que também há a possibilidade de vida. E assim, nesse momento, vemos ela citar um poema próprio da literatura, que se trata do presságio de Aragorn retornando como rei dos homens, presente em A Sociedade do Anel (TOLKIEN, 2002a, p.343). Dessa forma, Arwen pede a Elrond que reforje a espada Narsil, a espada utilizada pelo antepassado de Aragorn que derrotou Sauron e a única arma capaz de trazer a vitória às batalhas na Guerra do Anel. Ainda assim, em um primeiro momento, Elrond se recusa a ceder esse pedido, o que faz com que a elfa caia em desilusão. Quando isso acontece, Elrond percebe que o dom da imortalidade élfica está deixando a sua filha, ao pegar as suas mãos quando a observa desconsolada, e vemos uma última menção à literatura, quando a personagem cita as mesmas palavras ditas nos Apêndices de Arwen e Aragorn: Agora não há navio que pudesse me levar para lá (TOLKIEN, 2002c, p.461). Desse reconhecimento nostálgico, ligado à literatura, partimos para a sua visibilidade fílmica. A primeira obra em que observaremos um schema em comum com a cena do filme é a pintura Abelard and his Pupil Heloise (1882), de Edmund Blair Leighton (Fig. 124). Na pintura, vemos uma jovem com um livro sobre as mãos ao lado de um homem, que a observa, com ambos dispostos lado a lado. Um peculiar detalhe é a mão do homem sobre a mão da jovem, que permanece com um olhar perdido diante da figura masculina, indicando-nos um certo vínculo entre o casal. Leighton, um pintor romântico e pré-rafaelita, mostra nessa obra a sua preferência na representação de temas históricos centrados na época medieval (DUEÑAS, 2013, p.356) ao tratar da história real de amor entre Abelard e sua aluna Heloise. No relato histórico, é reconhecido que Abelard, renomado professor na sua época, se apaixona pela sua aluna chamada Heloise, que, ao correspondê-lo, permite que ambos entrem em um relacionamento amoroso e trágico no futuro, pois era condenável, na época, o envolvimento nesse nível entre mestres e estudantes 134 (MENDES, 2009, p.191). 134 No final da história, Abelard acaba sendo vítima de uma vingança de família, sendo castrado, o que o fez convergir à vida religiosa, juntamente com Heloise (MENDES, 2009, p ).

177 176 FIG. 124 Edmund Blair Leighton. Abelard and his Pupil Heloise FONTE: site Google Images Além desse quadro, uma última obra é observada com um schema possível de ser identificado na cena fílmica. A pintura se chama The End of Quest (1921), de Francis Dicksee (Fig. 125). Na pintura, vemos a simples imagem de um homem ajoelhando-se perante uma donzela, também pegando as suas mãos e prestando atenção na jovem, que assim como no quadro de Abelard e Heloise, se mostra com um olhar perdido. Nessa imagem vemos Dicksee novamente tratando da figura de um casal, embora dessa vez o vínculo mostre-se mais a partir da figura masculina, apenas, ao invés da instigante troca de olhares na pintura La Belle Dame sans Merci.

178 177 FIG. 125 Francis Dicksee. The End of Quest Leighton House Museum, Londres (Inglaterra) Observando os elementos e os schemata nas duas pinturas, podemos observar a cena em The Return of the King como uma mistura dos elementos do quadro anterior (Fig. 124) sob o mesmo schema do quadro seguinte (Fig. 125), resultando na composição fílmica da cena de Elrond e Arwen (Figs. 126 à 130). Assim como Heloise, no quadro de Leighton, Arwen também possui um livro sobre o seu colo e mãos (Fig. 126), que na obra fílmica despenca ao chão após seu pai recusar o seu pedido, além de haver uma paisagem que mistura elementos naturais e arquitetônicos medievais. Adicionado a esses motivos imagéticos, temos também uma aproximação entre a cor da pintura e a colorização da cena fílmica (Fig. 127), sob uma paleta de cores quentes, com os tons alaranjados e amarelados se destacando em ambas as imagens. Com o retorno de Elrond e ao pegar as mãos de Arwen (Fig. 128), posteriormente ajoelhando-se perante a elfa, temos o posicionamento das figuras do quadro de Dicksee (Fig. 125) e da cena em Valfenda sob a mesma disposição visual, mesmo que na narrativa fílmica

179 178 isso seja trabalhado com maior utilização de closes dos atores (Figs. 129 e 130) do que em um plano de conjunto, que seria ideal para a observação mais direta do schema. Já com relação aos dois quadros, temos o mesmo olhar desiludido, pois podemos identificá-lo nas figuras femininas assim como na imagem da elfa, em alguns momentos, durante a conversa com seu pai (Fig. 129). E, como último aspecto, o breve pegar das mãos através da ação das figuras masculinas, o que faz com que os homens das pinturas tenham um olhar mais atento às moças, assim como Elrond (Fig. 130), que se preocupa com a imortalidade de Arwen. FIG. 126 The Return of the King Plano de meia figura da cena de Elrond e Arwen. Detalhe para a mesma disposição visual da pintura de Leighton, embora seja visível por outro ponto de vista, diferentemente da obra pictórica. FIG. 127 The Return of the King Plano de de conjunto da cena de Elrond e Arwen. Nesse plano podemos identificar uma proximidade entre a paleta de cores da pintura de Leighton e a colorização da cena.

180 179 FIG. 128 The Return of the King Plano detalhe da cena de Elrond e Arwen. Mesmo tipo de ação vista nas pinturas relacionadas. FIG. 129 The Return of the King Close de Arwen na cena. Observa-se o mesmo tipo de olhar das mulheres nas pinturas. FIG. 130 The Return of the King Close de Elrond na cena. A ação do rei élfico é comparável com as figuras masculinas nas pinturas.

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