LEVANTAMENTO DOS ELEMENTOS PARALINGÜÍSTICOS DE FALA ESPONTÂNEA: proposta preliminar de uma anotação padrão.
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1 LEVANTAMENTO DOS ELEMENTOS PARALINGÜÍSTICOS DE FALA ESPONTÂNEA: proposta preliminar de uma anotação padrão. Josivane do Carmo Campos Curso de Letras Habilitação em Língua Inglesa, Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Pará. Bolsista de Iniciação Científica do PIBIC/UFPA. CEP Caixa postal 479 Fones: / josivanecampos@yahoo.com.br Dr. Regina Célia Fernandes Cruz Laboratório de Ciências da Linguagem sala 06, CLA, UFPA. CEP Caixa postal 479 Fone/Fax: regina@ufpa.br RESUMO O presente trabalho compreende uma proposta preliminar de uma anotação padrão dos elementos paralingüísticos do português regional espontâneo. O corpus foi constituído de 59 (cinqüenta e nove) ocorrências de 03 (três) elementos paralingüísticos: <uhnhun>, <ah> e <pausa preenchida>, identificados em 20 (vinte) fragmentos sonoros retirados do BD do português brasileiro (PB) de Cruz (2000a, 2000b, CRUZ et alii 2002a, 2002b). Procedeu-se ao levantamento dos elementos ao mesmo tempo em que foi feita a segmentação dos mesmos. Partiu-se de uma segmentação multinível dos fragmentos sonoros no programa PRAAT (versão ): lexical, paralingüístico e prosódico. Duas funções são predominantes na realização dos elementos identificados: de Partícula Interativa e de Processador Neurolingüístico Discursivo. Quanto aos aspectos prosódicos, procedeu-se à análise acústica dos parâmetros de duração e freqüência fundamental (F0), para os quais são apresentadas tomadas de média e desvio padrão. Os resultados demonstram uma estreita relação entre os parâmetros físicos observados na realização dos elementos paralingüísticos descritos e seu efeito de sentido. De maneira a validar os resultados acústicos e a anotação proposta procedeu-se a um teste de percepção nos mesmos moldes de Fernandes (2004) do qual participaram 10 (dez) juízes, sendo 05 (cinco) leigos e 05 (cinco) experts. O resultado do teste comprovou a composição segmental proposta na transcrição, a duração atribuída aos mesmos e o efeito de sentido identificado na análise qualitativa. ABSTRACT
2 2 The present paper presents a preliminary proposal of a pattern of note to the paralinguistic elements from spontaneous regional Portuguese. The corpus was formed by 59 (fifty-nine) occurrences of three paralinguistic elements: <uhnhun>, <ah> and <filled pause>, identified in the 20 (twenty) sound fragments extracted from Cruz Brazilian Portuguese database (2000a, 2000b, CRUZ et alli 2002a, 2002b). It was proceeded to the lifting of the elements at the same time in which was made the segmentation of these ones. It was started from a multilevel segmentation of the sound fragments in the software Praat (version ): lexical, paralinguistic and prosodic. Two functions are predominant in the realization of the identified elements: of Interactive Particle and Discursive Neurolinguistic Processor. About the prosodic aspects, it was proceeded to an acoustic analysis of the parameters of duration and fundamental frequency (F0), for which are presented capture of measure and standard deviation. The results show us that there is a narrow relation between the physical parameters observed in the realization of the described paralinguistic elements and their effects of meaning. In order to make the acoustic results and the pattern of note valid it was proceeded to a perception test following the Fernandes model (2004). Ten judges participated of it: 5 (five) lays and 5 (five) experts. The results of the test of perception testified the segmental composition proposed in the transcription, the duration attributed, and the effects of meaning identified in the analysis of quality. INTRODUÇÃO Os elementos paralingüísticos são realizações ou manifestações não-verbais que contribuem para a unidade temática da enunciação, uma vez que o sentido de um enunciado não é apenas definido por unidades verbais, mas também por elementos não-verbais presentes em toda e qualquer situação de fala (BAKHTIN, 1999). Campbell (2002a) salienta que 50% da língua falada se constituem sem elementos lingüísticos, o que significa que os elementos paralingüísticos, juntamente com os elementos prosódicos, desempenham uma importante função de carrear a significação da fala humana, e conseqüentemente viabilizar a comunicação. Birdwhistell (1973 apud DAVIS 1979) e Rector & Trinta (1985 apud BULHÕES 2006) aumentam esta proporção para 65%, confirmando, portanto, a presença maior de elementos não-verbais na interação comunicativa. Segundo Maekawa (2004), os elementos paralingüísticos também se manifestam sob a vontade deliberada do falante, tornando-se, portanto, de igual importância quanto à informação lingüística, uma vez que a transmissão simultânea de informações lingüísticas, paralingüísticas e não-lingüísticas é uma das características mais importantes da língua falada (MAEKAWA, 2004: 367). Contraditoriamente, a investigação dos elementos paralingüísticos ainda é marginal, principalmente sobre o fenômeno no português brasileiro (PB). Muito se tem estudado sobre os aspectos verbais da linguagem, entretanto nenhum status científico é atribuído aos elementos não-verbais, até mesmo na Fonética cujo centro de interesse compreende todos os aspectos da fala. Do universo paralingüístico como um todo, este trabalho analisa apenas as emissões vocais não-lexicalizadas, mas passíveis de lexicalização, também denominados de segregadores vocais (ECO, 1991) ou marcadores conversacionais (DIONÍSIO, 2001) muito semelhante ao que fez Ward (2004) que estudou as emissões não-verbais do Inglês. OBJETIVOS
3 3 O presente estudo tem como objetivos principais: (a) propor uma anotação padrão para os elementos paralingüísticos de fala espontânea; (b) demonstrar a importância do estudo dos aspectos paralingüísticos para a compreensão do fenômeno da fala como todo, (c) caracterizar acusticamente os elementos paralingüísticos identificados no corpus; e (d) validar tanto a anotação proposta quando os indícios acústicos atribuídos por meio de um teste de percepção. METODOLOGIA Para a realização do presente estudo, um corpus representativo foi constituído, os dados foram tratados, análises acústicas e um teste de percepção foram efetuados, os quais serão detalhados nas seções seguintes. 1. CORPUS Utilizaram-se para o presente estudo 59 (cinqüenta e nove) ocorrências de 03 (três) elementos paralingüísticos identificados em 20 (vinte) fragmentos sonoros 1 extraídos do banco de dados do PB de Cruz (2000a, 2000b e CRUZ et alli 2002a, 2002b). Tabela 01 - Corpus definitivo contendo os elementos paralingüísticos investigados, suas variantes com a anotação proposta, o número de ocorrência por variante, a função e o efeito de sentido atribuídos a cada uma das variantes no momento da segmentação dos sinais sonoros. Elemento Variante 2 Número de ocorrências Função 3 Sentido 4 <uhnhun> [uhn] 6 Compreensão [uhnhun] 6 Compreensão [ah] 19 Compreensão e Confirmação [aah] 1 Partícula Compreensão <ah> [ahn] 4 Interativa Compreensão [ahan] 1 Compreensão [ahnhan] 9 Compreensão Confirmação [eh] 11 Processador Organização de idéias <pausa Neurolingüístico preenchida> [ahh] 2 Organização de idéias Discursivo Destas 59 ocorrências, 13 (treze) foram selecionadas para o teste de percepção 5, conforme tabela 02 abaixo. 1 Um fragmento sonoro consiste em turnos de fala com domínio de um único locutor. 2 As variantes aqui listadas já apresentam a transcrição proposta cujos detalhes serão fornecidos no item 1 dos RESULTADOS. 3 As explicações sobre as funções dos elementos paralingüísticos serão fornecidas no item 2 dos RESULTADOS. 4 As atribuições de efeitos de sentido serão descritas no item 3 dos RESULTADOS. 5 As informações sobre o teste de percepção serão fornecidas no item 5 TESTE DE PERCEPÇÃO.
4 4 Tabela 02 - Características das 13 (treze) amostras de fala selecionadas para o teste de percepção contendo as seguintes informações: a ordem da expressão no teste, o código do sinal sonoro utilizado, o elemento paralingüístico investigado, a variante correspondente com a transcrição proposta, o efeito de sentido a ser verificado e a duração de cada variante do elemento paralingüístico participante do teste. Ordem no Sinal sonoro 6 Elemento Efeito de Duração Variante teste paralingüístico sentido (em ms) Exp001 Am4501iuhnL202F 305 [ uhn ] Exp002 Am4503iuhnL202F 596 Compreensão Exp003 Am4508iuhnhunL202F < uhnhun > 472 [ uhnhun ] Exp004 Am4508iuhnhunL203F Confirmação 300 Exp005 Am4501iahL201F [ ah ] 97 Exp006 Am4502iaahL202F [ aah ] 270 Exp007 Am4504iahnL203F [ ahn ] 468 Compreensão Exp008 Am4506iahanL201F [ ahan ] 363 < ah > Exp009 Am4504iahnhanL201F 431 [ ahnhan ] Exp010 Am4511iahnhanL201F Confirmação 399 Exp011 Am4505iehL104M [ eh ] 478 Organização de Exp012 Am4509iahhL101M <pausa 556 [ ahh ] idéias Exp013 Am4507iahhL103M preenchida> 255 Uma vez o corpus definitivo constituído, passou-se ao tratamento dos dados. 2. TRATAMENTO DOS DADOS Para se proceder ao tratamento dos dados foram desenvolvidas as atividades de segmentação dos fragmentos sonoros e a codificação dos elementos paralingüísticos identificados Segmentação Todo o corpus foi submetido a uma segmentação multinível no software PRAAT 7. Foi o trabalho de segmentação que nos possibilitou a identificação dos elementos paralingüísticos bem como o acesso às informações quantitativas das unidades sonoras segmentadas. Cada fragmento sonoro foi segmentado nos níveis lexical, paralingüístico e prosódico, e as medidas de duração originais foram preservadas para posteriormente serem submetidas aos cálculos estatísticos de média e desvio padrão No nível lexical, procedeu-se à segmentação de todo o enunciado, transcrevendo-se o conteúdo verbal do mesmo, na qual foram identificadas as falas em etiquetas específicas: a) do primeiro locutor (L1 (Lexical)), aquele que predomina na situação de fala, também denominado de locutor principal; b) do segundo locutor (L2 (Lexical)), aquele que interage com o primeiro locutor (L1); c) do terceiro locutor (L3 (Lexical)), também um locutor secundário, mas de rara ocorrência nos sinais No nível paralingüístico, foi feita a transcrição de todos os elementos paralingüísticos. Ao contrário do procedimento adotado para o nível lexical em que cada locutor possui uma etiqueta específica, o nível paralingüístico apresenta uma única etiqueta contendo apenas informações dos elementos paralingüísticos identificados, já com a 6 A presente codificação destes sinais será descrita no item Utilizamos a versão
5 5 transcrição proposta. A identificação do locutor que produz o elemento paralingüístico é feita ao lado direito da transcrição proposta, entre parênteses, como uhn(l1), uhnhun(l2), ah(l3) Assim como o nível paralingüístico, o nível prosódico apresenta somente uma etiqueta em que está contida uma atribuição subjetiva de indicação da duração do elemento paralingüístico identificado no nível lexical. Num primeiro momento, a duração foi codificada como breve ou longa, tendo-se como base apenas critérios auditivos e qualitativos, uma vez que se tinha apenas o pesquisador como avaliador da referida codificação. Com os elementos paralingüísticos já identificados tornou-se necessário uma codificação individual a cada um deles a fim de serem mais facilmente identificáveis no corpus definitivo durante e após a análise dos mesmos Codificação Tendo-se identificado os elementos paralingüísticos, na fase de segmentação, fez-se necessário uma codificação para os mesmos objetivando-se um meio mais direto de acesso a estes no corpus. Dessa forma, foi estabelecido um modelo de codificação com as seguintes informações necessárias, como ilustrado na figura 01 abaixo: Figura 01 - Sistema de codificação dos elementos paralingüísticos contendo as seguintes informações: a) sinal sonoro de origem (Am45); b) número de ordem do fragmento sonoro extraído do sinal sonoro (01); c) identificação do locutor (i); d) transcrição proposta do elemento paralingüístico (ah); e) status do locutor (L2 interlocutor); f) número de ordem do elemento paralingüístico (01); g) sexo do locutor (F voz feminina). Concluída a codificação, passou-se à análise acústica dos elementos paralingüísticos em questão na qual foram analisados os parâmetros de duração e freqüência fundamental (F0). 3. ANÁLISE ACÚSTICA De cada elemento paralingüístico identificado no corpus na fase de segmentação, extraíram-se os valores de duração (ms) e F0 (Hz) fornecidos por Praat. Considerou-se na análise o tipo de voz: feminina ou masculina para o estabelecimento do padrão breve ou longo. Para a freqüência fundamental (F0), além do tipo de voz, foi utilizada a escala de Hz fornecida por Praat. Com os valores de duração em milisegundos (ms) e de F0 mínima, máxima e média (Hz) foram feitos cálculos de média e desvio padrão de cada elemento paralingüístico identificado. Os cálculos de desvio padrão foram importantes para a comprovação da confiabilidade da tendência de médias apontadas para cada variante (gráfico 01). Quando
6 6 havia um grau de variabilidade importante entre os sinais sonoros utilizados o desvio padrão apontava também (gráfico 02). Gráfico 01 Média e desvio padrão dos valores de Hz de [ah] (voz masculina)/ total de 02 ocorrências valores em Hz média desvio 50 0 pitch minimo pitch média pitch maximo média desvio Gráfico 02 Média e desvio padrão dos valores de Hz de [uhn] (voz feminina) / total de 04 ocorrências valores em Hz pitch minimo pitch média pitch maximo média desvio média desvio Uma vez tendo-se as características acústicas dos elementos paralingüísticos investigados, passou-se à identificação de funções dos elementos paralingüísticos. 4. ANÁLISE PRAGMÁTICA Além das características acústicas, buscou-se verificar quais funções e efeitos de sentido exerciam tais elementos paralingüísticos. Em um primeiro momento, o próprio pesquisador fez tanto a atribuição de função quanto de sentido, tomando como parâmetro o contexto de ocorrência do elemento e a reação do interlocutor. Em um segundo momento, tomou-se como base para a atribuição dos efeitos de sentidos dos elementos do corpus a classificação adotada por Bulhões (2006). Da mesma forma da análise acústica, mais tarde tais funções e efeito de sentidos identificados foram verificados em um teste de percepção.
7 7 5. TESTE DE PERCEPÇÃO O teste de percepção de Fernandes [2004] 8 sofreu pequenas alterações de acordo com a necessidade deste estudo (cf. imagem 01). O teste constitui-se de duas partes: (a) a parte 01 compreende a identificação pessoal dos juízes visando-se o controle de características sociais dos mesmos como sexo, familiaridade com a área da linguagem (se leigo ou expert), nível de escolaridade, e procedência (capital ou interior); b) a parte 02 compreende o teste propriamente dito, contendo as perguntas referentes aos 13 (treze) trechos de situação de fala selecionados para o teste (cf. tabela 02). Imagem 01 Janela do programa onde se realiza o teste de percepção. O teste de percepção foi realizado por 10 juízes, sendo 05 (cinco) leigos - entre 19 e 47 anos, 02 do sexo feminino e 03 do sexo masculino, 04 de nível superior e 01 de nível médio, 04 procedentes da capital e 01 do interior -, e 05 (cinco) experts - entre 20 e 27 anos, sendo 02 do sexo feminino e 03 do sexo masculino, todos de nível superior, 04 procedentes da capital e 01 do interior. Cada teste teve um tempo médio de execução entre 25 e 40 minutos. Este tempo variou em decorrência do grau de compreensão de cada juiz em relação às expressões expostas no teste. Cada juiz ouvia as expressões e, para cada uma, ele deveria responder 06 (seis) questões que se referiam, respectivamente, a: 1) conhecimento e uso da expressão; 2) modalidade em que o juiz usa a expressão (fala e/ou escrita formal e/ou informal); 3) proposta individual de anotação para o elemento paralingüísticos presente na expressão; 4) caso o juiz conseguisse atribuir um significado para o elemento no contexto, solicitava-se precisão de qual seria o contexto. Todas as informações fornecidas eram armazenadas diretamente em um banco de dados em formato Access interligado ao teste. 8 Este teste foi concebido por Fernandes (2004) juntamente com Adalbery Castro, doutorando do Programa de Pós-graduação da Engenharia Elétrica da UFPA. O programa utilizado é o Visual Basic (versão 6.0).
8 8 De posse de todas as informações fornecidas pelo corpus, tratamento dos dados, análise acústica e teste de percepção, pode-se enfim chegar aos resultados do presente estudo quanto ao levantamento e proposta de anotação padrão dos elementos paralingüísticos do português regional espontâneo. RESULTADOS O sistema de transcrição foi desenvolvido com a finalidade de ser uma anotação padrão dos elementos paralingüísticos, um sistema simples, de fácil utilização e de transmissão em meio eletrônico. Neste sentido, foi necessário eliminar os acentos gráficos das transcrições anteriormente propostas, pois todos os esforços empreendidos foram no sentido de se obter um modelo de transcrição mais facilmente identificável e mais próximo da fala espontânea. 1. SISTEMA DE ANOTAÇÃO PROPOSTO A preocupação inicial foi o estabelecimento de um sistema de anotação compatível com qualquer plataforma. Uma classificação dos elementos em variáveis foi fundamental para auxiliar na discussão e nas escolhas dos códigos. O fato de ter-se trabalhado com a plataforma Windows ajudou a perceber quais as formas poderiam ou não ser usadas na transcrição, pois algumas propostas não foram aceitas por esta plataforma devido ao recurso de autocorreção. Como a finalidade do sistema era ser um sistema simples, de fácil utilização e de transmissão em meio eletrônico, optou-se também por eliminar os acentos gráficos das transcrições. O sistema proposto toma três aspectos como fundamentais a serem registrados na transcrição dos elementos paralingüísticos: a composição segmental, a nasalidade e o alongamento. A tabela 03 abaixo demonstra por meio de traços com esses elementos estão presentes ou ausentes na transcrição proposta. Tabela 03 Transcrição das variantes dos três elementos paralingüísticos: < uhnhun >, < ah > e < pausa preenchida > - e como suas características prosódicas são assinalas na transcrição proposta. Nasalidade Alongamento Transcrição proposta por variante Composição segmental Traço Código utilizado Traço Código utilizado [uhnhun] + Silabação [ u ] + n [uhn] - [ah] - - [aah] + aa [ahn] [ a ] + n - [ahan] - + n [ahnhan] + Silabação [eh] [ e ] + h - [ahh] [ a ] + hh Além dessas características prosódicas assinaladas, vale ressaltar que a inserção da consoante h nas variantes de <uhnhun> e <ah> deve-se à razão de impedir o recurso de autocorreção, bem como para não se confundir o elemento com vogal como no caso da variante [ah] (CAMPOS 2006).
9 9 Considerando cada um dos aspectos em separado, vejamos como o resultado do teste de percepção os validou, o que levou à confiabilidade da proposta de anotação padrão. Com relação à composição segmental, tal aspecto chegou a ser validado 100% no caso das variantes [ ah ], [ ahan ], [ ahnhan ] e [ eh ], como se pode visualizar no gráfico 03 abaixo. Gráfico 03 Resultados do teste de percepção sobre a composição segmental dos elementos paralingüísticos transcritos segundo o sistema de anotação proposto, com destaque para as formas [ ah ], [ ahan ], [ ahnhan ] e [ eh ] que tiveram 100% de confirmação. Percentual uhn uhnhun ah aah ahn ahan ahnhan eh ahh A transcrição proposta para o traço de nasalidade, considerando presença e ausência do mesmo no elemento investigado, também teve sua presença ou ausência confirmadas no teste de percepção. A transcrição proposta para as formas [uhn], [uhnhun], [ah], [aah] e [ahnhan] foram confirmadas com alto grau de respostas positivas no teste conforme gráfico 04 abaixo. Gráfico 04 - Resultados do teste de percepção sobre a presença ou ausência do traço de nasalidade dos elementos paralingüísticos transcritos. Os juízes atribuíram em quase sua totalidade um traço de nasalidade às formas [uhn] (95%), [uhnhun] (95%) e na sua totalidade à forma [ahnhan] (100%). Nenhum juiz ter atribuído marca de nasalidade às formas [ah] e [aah] também é altamente positivo, uma vez que se tratam de formas exclusivamente orais. Percentual uhn uhnhun ah aah ahn ahan ahnhan eh ahh
10 10 O terceiro traço confirmado pelo teste de percepção foi o alongamento presente em elementos como [eh] e [ahh], como se pode notar no gráfico 05. Gráfico 05 - Resultados do teste de percepção sobre o aspecto prosódico de alongamento presente nos elementos paralingüísticos transcritos segundo o sistema de anotação Percentual uhn uhnhun ah aah ahn ahan ahnhan eh ahh Desta forma, as nove variantes submetidas ao teste tiveram sua transcrição confirmada pelos juízes, que apesar de não conhecerem o sistema proposto e de darem respostas livres, forneceram respostas muito próximas da transcrição estabelecida. 2. CARACTERÍSTICAS DISCURSIVAS Duas funções foram predominantes na realização dos elementos paralingüísticos de nosso corpus: de Partícula Interativa e de Processador Neurolingüístico Discursivo, sendo que a maior ocorrência foi de partícula interativa, contabilizando 78% das ocorrências (cf. gráfico 06). Gráfico 06 - Relação da média de freqüência de ocorrência de elementos que exercem função de Partícula Interativa e de Processador Neurolingüístico Discursivo (Total de 59 ocorrências). partícula interativa 78% processador neurollingüístico discursivo 22%
11 11 Vejamos, portanto, com detalhes as funções que cada elemento exerce na fala espontânea de acordo com o estudo feito Partícula Interativa Foram classificados como Partícula Interativa os marcadores conversacionais paralingüísticos que, segundo Dionísio (2001, p.89), são expressões que não contribuem propriamente com informações novas para o desenvolvimento do tópico, mas situam-no no contexto geral, particular ou pessoal da conversação. Castilho (2000, p. 47) também afirma que os marcadores conversacionais, de forma geral, verbalizam o monitoramento da fala, sendo freqüentemente vazios de conteúdo semântico, portanto, irrelevantes para o processamento do assunto, porém altamente relevantes para manter a interação, e no caso da partícula interativa vale ressaltar que esta é produzida pelo interlocutor e em nosso corpus ela representa 73% das ocorrências (cf. gráfico 07). Em nosso corpus, pôde-se notar como estes elementos foram importantes para manter a interação entre os interlocutores durante a conversa espontânea, por isso classificaram-se estes elementos mais especificamente como partícula interativa. Exercendo a função de partícula interativa, identificam-se os elementos <ah> e <uhnhun> e suas respectivas variantes. Gráfico 07 - Média de freqüência de ocorrência dos elementos paralingüísticos por locutor (total de 59 ocorrências). L1 (locutor principal), L2 e L3 (locutores secundários). L2 73% L1 24% L3 3% 2.2. Processador Neurolingüístico Discursivo Assim como a partícula interativa, o processador neurolingüístico discursivo também é um marcador conversacional. Trata-se de uma pausa preenchida, da qual os falantes se sevem para dar tempo à organização do pensamento, sustentar o turno, monitorar o ouvinte, corrigir-se, reorganizar e reorientar o discurso (DIONÍSIO, 2001: 89). Castilho (2000: 47) denomina este elemento como marcador prosódico, sendo um recurso prosódico utilizado pelo falante com o propósito de gerenciamento da interação verbal. E nosso corpus os elementos que exercem função de processador neurolingüístico discursivo são
12 12 [eh] e [ahh]. Estes elementos são produzidos exclusivamente pelo locutor (cf. gráfico 07) representando 24% das ocorrências. Após a identificação de funções, foram feitas as atribuições de sentido aos elementos paralingüísticos tomando-se como base o trabalho de Bulhões [2006] conforme se pode notar no item seguinte. 3. ANÁLISE PRAGMÁTICA Para os elementos do presente estudo, dois efeitos de sentido foram atribuídos aos elementos que tinham função de Partícula Interativa: de Compreensão e de Confirmação (cf. tabela 01). Em Bulhões (2006) estes efeitos de sentido foram classificados em duas categorias: a) Sinalizadores de compreensão, de participação, de interesse e/ou de assentimento, e b) Sinalizadores de emoções e atitudes. Aos elementos que funcionaram como Processador Neurolingüístico Discursivo neste estudo foi atribuído o efeito de sentido de Organização de idéias (cf. tabela 01). Em Bulhões os elementos que apresentaram esta mesma característica foram classificados como marcadores de hesitação. Os sentidos atribuídos aos elementos deste estudo foram confirmados pelo teste de percepção. As respostas dos juízes confirmaram os sentidos de compreensão e confirmação (cf. tabela 01) dos elementos <uhnhun> e <ah> e suas variantes conforme se pode notar nos gráficos 08 e 09. Gráfico 08 - Comprovação da atribuição de efeitos de sentido de compreensão e confirmação para o elemento <uhnhun> e suas variantes (total de 40 respostas). sem resposta 7 outros 10 confirmação 20 compreensão percentual Gráfico 09 - Comprovação da atribuição de efeitos de sentido de compreensão e confirmação para o elemento <ah> e suas variantes pelo teste de percepção (total de 60 respostas).
13 13 sem resposta 8 outros 15 confirmação 18 compreensão percentual O resultado do teste também comprovou que o elemento <pausa preenchida> tem sentido de organização de idéias, com 80% (oitenta por cento) das respostas. Apenas 20% (vinte por cento) das respostas não atribuem sentido algum a este elemento, o que comprova a afirmação de que estes elementos podem ou não ter sentido na situação de fala (cf. gráfico 10). Gráfico 10 Comprovação de atribuição de efeito de sentido de organização de idéias para o elemento <pausa preenchida> pelo teste de percepção (total de 30 respostas). 4. CARACTERÍSTICAS ACÚSTICAS Na análise acústica, foram controlados os parâmetros físicos de duração e F0 (pitch) de cada elemento paralingüístico do corpus. Foram calculados a média e desvio padrão com os valores de ms (para a duração) e de Hz (para F0) fornecidas por Praat. Tanto em termos de duração quanto em termos de pitch os elementos paralingüísticos estudados se diferenciam consideravelmente como pode ser visualizado no gráfico 11 abaixo.
14 14 Gráfico 11 - Distribuição dos elementos paralinguísticos <uhnhun>, <ah> e <pausa preenchida> com relação à duração e à freqüência fundamental, considerando as medidas de média de ms e de Hz. No eixo das ordenadas, as medidas em Hz e no eixo das abcissas as medidas em ms. M (médias da voz masculina) e F (médias da voz feminina) O elemento paralingüístico que apresenta a duração mais longa é a <pausa preenchida>, com média de 462 ms para a voz masculina e de 553 ms para a voz feminina. Os elementos <uhnhun>, <ah> apresentam médias de duração bem inferiores às médias da <pausa preenchida>, sendo o elemento <ah> na voz masculina o que apresenta a menor média de duração 268ms. Com uma situação invertida com relação às médias de F0. O elemento <ah> é o que apresenta a média mais elevada de F0 (247 Hz para a voz masculina e 181 Hz para a voz feminina) dos três elementos, em oposição ao elemento <uhnhun> que apresenta a média mais baixa de F0, tanto para voz masculina (131 Hz) quanto para a voz feminina (88 Hz). Portanto pode-se observar o quanto foi importante a realização de cada fase deste estudo, principalmente no que concerne à analise acústica e ao teste de percepção. Estas fases foram de fundamental importância para a comprovação da transcrição proposta e definição do parâmetro de duração e freqüência fundamental. CONCLUSÃO Foram identificados três elementos paralingüísticos no português regional espontâneo (<uhnhun>, <ah> e <pausa preenchida>), sendo que cada elemento apresentou variantes, e no total contou-se com 09 (nove) variantes distintas. Para os elementos identificados, é proposto um sistema de anotação padrão compatível com qualquer plataforma. Além da proposta de anotação padrão, também foram consideradas as funções exercidas pelos elementos paralingüísticos bem como os efeitos de sentidos destes nos contextos em que se realizaram. Na análise acústica, verificou-se que duração e F0 se completam e estão estreitamente relacionados na caracterização dos elementos estudados. Isto comprova a importância de se levarem em conta sempre estes parâmetros nas investigações dos elementos paralingüísticos. No caso da duração, as emissões por voz feminina apresentaram seus valores sempre maiores do que a duração dos elementos paralingüísticos identificados em voz masculina. Ao contrário, quanto à F0, as maiores médias são para as emissões por voz masculina, exceto para as variantes da <pausa preenchida>.
15 15 Os elementos <uhnhun>, <ah>, juntamente com as suas variantes são mais produzidos pelo interlocutor (L2), contrariamente ao elemento <pausa preenchida> que foi produzido exclusivamente pelo locutor principal (L1) no corpus observado. Um teste de percepção foi realizado como instrumento de validação da anotação proposta e dos sentidos atribuídos aos elementos paralingüísticos. O teste então trouxe resultados positivos corroborando tanto a anotação proposta quanto às características prosódicas e discursivas atribuídas na fase de segmentação do sinal sonoro de forma subjetiva. Palavras-Chave: Elementos paralingüísticos, anotação padrão, português regional espontâneo. AGRADECIMENTOS Ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) da Universidade Federal do Pará pelo financiamento desta pesquisa; e a Profª. Dr. Regina Célia Fernandes Cruz pela orientação de fundamental importância para o desenvolvimento deste estudo. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA [1] BAKHTIN, Mikail. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico nas ciências da linguagem. 9ª edição. Coleção linguagem e cultura. São Paulo: Huciteo, [2] CAMPBELL, Nick. Towards a grammar of spoken language: incorporating paralinguistic information. 2002a. In: Acessado em 23 de maio de [3] DAVIS, Flora. A comunicação não-verbal. São Paulo: Summus, [4] BULHÕES, Jailma. Estudo da fala expressiva: Levantamento, análise e descrição dos elementos paralingüísticos do português regional espontâneo Dissertação de Mestrado (Letras) Centro de Letras e Artes Universidade Federal do Pará, Belém, f. [5] MAEKAWA, Kikuo. Production and Perception of Paralinguistic Information. IN: Proceedings of the 2 nd International Conference on Speech Prosody. Nara, Japan: pp [6] ECO, Humberto. A estrutura ausente. 7ª ed. São Paulo: Editora Perspectiva [7] DIONÍSIO, Ângela Paiva. Análise da Conversação. IN: MUSSALIM, F. & BENTES, A. C. (orgs.). INTRODUÇÃO À LINGÜÍSTICA: DOMÍNIOS E FRONTEIRAS, v. 2. São Paulo: Cortez, pp [8] WARD, Nigel. Pragmatic functions of prosodic features in non-lexical utterances, IN: PROCEEDINGS OF THE 3 RD INTERNATIONAL CONFERENCE SPEECH PROSODY. Nara Japan, 2004, pp [9] CRUZ, Regina. Setting up spontaneous speech corpora. Comunicação oral apresentada no Workshop Méthodes et formalismes pour la linguistique de corpus, realizado em Aix-en- Provenece, Faculte dês Lettres, salle des professeurs, no período de octobre, 2000a [10]. Analyse acoustique et phonologique du portuguais parlé en Amazonie (Brésil). Thèse de doctorat. Centre National de la Recherche Scientifique, CNRS, France, Aix-provence, 2000b [11], & BULHÕES, Jailma. Banco de Dados Orais: uma nova perspectiva aos estudos do português brasileiro. Revista de estudos da linguagem FALE / UFMG. 2002a.
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