Apocalipse, capítulo 6 1

Transcrição

1 Apocalipse, capítulo 6 1 O capítulo 6 traz a abertura de seis dos sete selos, que são a primeira série de juízos divinos do livro. Depois deles, vêm as trombetas e as taças. Os estudiosos não são concordes em afirmar que esses juízos obedecem a uma ordem cronológica. A maioria tem entendido que são concomitantes. Cada série intensifica a anterior. Seriam ciclos avançando com o aumento da intensidade: os selos afetam 1/4 da terra; as trombetas, 1/3; e as taças atingem toda a terra. Os quatro primeiros selos são juízos sobre a terra, e os demais, juízos cósmicos. Como dito anteriormente, os selos não são o conteúdo do livro, mas o seu lacre. Segundo a maioria dos autores, as trombetas e as taças é que são esse conteúdo. Diversas vezes, João diz vi, verbo que inaugura uma visão ou aspecto dela. Cada série de visões recapitula e desenvolve os temas das anteriores. O juízo de Deus é resultado de sua justiça e resposta às orações dos santos. Esse juízo, em algumas situações, tem propósito redentor; em outras é a contrapartida justa às ações dos homens. A tensão entre a oferta de Deus de arrependimento e a rejeição por parte dos homens é um dos temas centrais do livro de Apocalipse. Versículo 1: E vi quando o Cordeiro abriu um dos sete selos, e ouvi um dos quatro seres viventes dizer numa voz como de trovão: Vem! O Cordeiro é digno de abrir os selos e desata um de cada vez. Cristo comanda o processo e os quatro seres viventes ordenam a cena. Os eventos que concluirão a história e introduzirão o escaton estão prontos para começar. O rolo não será aberto enquanto os selos não forem removidos. Os selos são 1 Este estudo não é autoral. Consiste, em sua quase totalidade, na compilação de ideias dos autores citados nas referências, ao final do capítulo.

2 eventos preliminares que prenunciam o final dos tempos e o tema principal da abertura desses selos é a soberania de Deus. Versículo 2: Olhei, e eis um cavalo branco; e o que estava montado nele tinha um arco; e foi-lhe dada uma coroa, e saiu vencendo, e para vencer. Os cavaleiros são anunciados pelos seres viventes, por isso sabemos que os juízos vêm do trono de Deus. O primeiro cavaleiro vem montado em um cavalo branco, empunha um arco, sustenta uma coroa e sai vencendo e para vencer. Há uma grande discussão sobre quem é esse cavaleiro, pois, em outra passagem de Apocalipse (19.11), Jesus aparece montando um cavalo branco. Para alguns, esse cavalo branco, que simboliza justiça e autoridade, é montado por Jesus, com o arco significando o evangelho, e a expressão vencendo e para vencer, a expansão da Palavra de Deus no mundo. Aqueles que discordam dessa teoria alegam que estamos diante de uma série de juízos, logo por que um cavaleiro estaria à parte dos demais, trazendo

3 uma mensagem positiva, como a expansão do evangelho? Para eles, essa ideia não se encaixa no contexto imediato nem na unidade dos quatro cavaleiros, que apresentam intensa ligação entre si. Esses estudiosos entendem que o primeiro cavaleiro simboliza a gana do homem em conquistar para si reinos e povos. Para um terceiro grupo, o cavaleiro montado sobre o cavalo branco é uma figura satânica, possivelmente, o Anticristo. Parece mais lógico, pelo contexto, que o primeiro cavaleiro também seja portador de juízo e que simbolize a depravação humana, que busca sempre subjugar seu semelhante. Ao que parece, não se trata de forças malignas agindo por si mesmas, mas de sua influência sobre os homens, que, na busca pelo poder, produzem confrontos e guerras entre grupos ou povos. Os quatro cavaleiros seriam, então, a expressão de diversos aspectos da depravação humana e suas consequências. Deus estaria, pela ação deles, permitindo que o homem destrua a si e aos seus semelhantes como consequência de sua própria maldade. Esse primeiro cavaleiro, parte de todo o processo, simbolizaria a humanidade colocando a si mesma em posição de superioridade no lugar de Deus, o desejo constante de vencer e o propósito da conquista militar, ação tão antiga na história da humanidade. A atividade dos cavaleiros só ocorre com a autorização de Deus, por isso o ser vivente diz Vem! e a expressão foi dado é recorrente, numa demonstração de que Deus mantém absoluto controle dos acontecimentos. Nessa série de juízos preliminares, Deus deixa que o pecado humano complete o seu próprio ciclo, vindo, depois disso, nas trombetas e taças, a ação de forças malignas e também a ação de Deus em forma de juízo e vindicação. Versículo 3: Quando ele abriu o segundo selo, ouvi o segundo ser vivente dizer: Vem!

4 Novamente o ser vivente dá a ordem para que o cavaleiro venha. É possível perceber progressão na apresentação dos cavaleiros, pois cada aspecto da depravação humana leva ao seguinte. Versículo 4: E saiu outro cavalo, um cavalo vermelho; e ao que estava montado nele foi dado que tirasse a paz da terra, de modo que os homens se matassem uns aos outros; e foi-lhe dada uma grande espada. Ao cavaleiro que anseia a conquista segue-se aquele que traz a guerra, que é o cavaleiro que monta o cavalo vermelho. Esse cavaleiro recebe permissão para três ações: tirar a paz da terra; levar as pessoas a matar umas às outras; e utilizar a espada para realizar esse propósito sangrento. O verbo usado para matar tem mais o sentido de massacrar, indicativo de que esse cavaleiro simboliza a guerra. É fácil entender e constatar historicamente que a ânsia humana pela conquista, pelo poder, por subjugar o próximo leva à guerra e à mortandade. As guerras existem desde que o homem é homem, desde que Caim matou Abel.

5 Versículo 5: Quando abriu o terceiro selo, ouvi o terceiro ser vivente dizer: Vem! E olhei, e eis um cavalo preto; e o que estava montado nele tinha uma balança na mão. Versículo 6: E ouvi como que uma voz no meio dos quatro seres viventes, que dizia: Um queniz de trigo por um denário, e três quenizes de cevada por um denário; e não danifiques o azeite e o vinho. O terceiro cavaleiro vem montado sobre um cavalo preto, símbolo da tristeza e do lamento causados ela fome e pelo sofrimento que vêm depois da guerra. Todos os detalhes desses versículos se relacionam à fome: balança, alimento, dinheiro. A fome é consequência direta da guerra e a figura traz, muito provavelmente, ênfase nos preços exorbitantes causados pela fome e pelo racionamento da comida. O trigo e a cevada eram a base da alimentação da época. O primeiro, um alimento nobre; o segundo, menos nutritivo, mais usado pelos menos afortunados. Um denário equivalia ao salário de um dia de um trabalhador braçal na época de João e uma medida de trigo dava para alimentar somente uma

6 pessoa. Três medidas de cevada alimentava uma família pequena e custava também um dia de trabalho, o que evidencia a escassez e a carestia. Quando o texto fala para que não se danifique o vinho e o azeite, embora não se possa saber com certeza, é possível que signifique que a fome não será absoluta, que não atingirá a todos. Versículo 7: Quando abriu o quarto selo, ouvi a voz do quarto ser vivente dizer: Vem! Versículo 8: E olhei, e eis um cavalo amarelo, e o que estava montado nele chamava-se Morte; e o hades seguia com ele; e foi-lhe dada autoridade sobre a quarta parte da terra, para matar com a espada, e com a fome, e com a peste, e com as feras da terra. O quarto selo é um selo culminante e a cor do cavalo é a cor da doença e da morte. O hades (ou inferno, em algumas versões) é o companheiro da morte, pronto para tragar aqueles que não buscam a Deus. Foi-lhe dado atingir 1/4 da terra.

7 Este selo parece ser um resumo dos anteriores, além de trazer o seu próprio mal: espada, fome, praga e animais selvagens, estes, segundo alguns estudiosos, símbolo da severidade dos juízos divinos. Versículo 9: Quando abriu o quinto selo, vi debaixo do altar as almas dos que tinham sido mortos por causa da palavra de Deus e por causa do testemunho que deram. O cenário muda do juízo que está sendo exercido na terra para a presença dos mártires debaixo do altar, no céu. A ideia do céu como templo está presente em todo o livro: 11.19; 14.17; 15.5; 16.17, e o altar está sempre neste templo celestial: 8.3,5; Os juízos séptuplos (sete selos) aparecem divididos no padrão 4-3. Os quatro primeiros são juízos sobre a terra e os outros três, juízos cósmicos. O quinto selo clama por juízo também, especificamente vingança contra aqueles que tiraram a vida dos que sustentaram sua fé. O martírio dos santos é um tema importante no livro.

8 As almas estão debaixo do altar. No sistema sacrificial do Antigo Testamento, o sangue da vítima do sacrifício era derramado debaixo do altar, nesse caso, provavelmente referência ao altar da oferta. O texto usa o termo almas, o que confirma a verdade bíblica de que a ressurreição e o novo corpo incorruptível que os santos terão é realidade para depois da volta de Jesus. Aqui e em várias partes do livro, os cristãos não falham em seu testemunho, não fogem para salvar sua vida nem fazem concessões com o evangelho para evitar a perseguição. Eles mantêm corajosamente o testemunho em meio a uma situação desesperadora. Versículo 10: E clamaram com grande voz, dizendo: Até quando, ó Soberano, santo e verdadeiro, não julgas e vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra? O seu clamor é a única oração de súplica que aparece no livro de Apocalipse, e os santos clamam por vingança e pedem que Deus se apresse em vindicar o sangue derramado. Seria esse pedido dissonante dos valores do evangelho e do exemplo de Jesus e de outros mártires? As Escrituras afirmam que não. Não se trata de ética inferior, mas de pedido de justiça divina. Não é um pedido de vingança pessoal, mas de justiça pública. Eles pedem justiça a quem pode fazê-la, a quem tem autoridade para tanto. Pedidos por justiça é algo que se encontra repetidas vezes na Bíblia: Sl 79.5; 89.46; 90.13; Is 6.11; Hc 1.2; Zc 1.12; Dn 12.6; Dt 32.35; Rm 12.19; Lc 18.7,8; 1 Pe A questão aqui não é se Deus julgará os transgressores, porque é certo que o fará, mas sim quão rapidamente o fará. O juízo é certo, mas os mártires querem que ele venha logo. Um dos motivos de Deus derramar o seu juízo sobre a terra é responder à súplica dos mártires (Ap ).

9 Versículo 11: E foram dadas a cada um deles compridas vestes brancas e foilhes dito que repousassem ainda por um pouco de tempo, até que se completasse o número de seus conservos, que haviam de ser mortos, como também eles o foram. Os mártires recebem túnicas brancas, tipo de vestimenta que aparece cinco vezes no livro de Apocalipse, as quais simbolizam glória, recompensa celestial, pureza, santidade e redenção. Deus manda que repousem mais um pouco, pois ainda não chegou a hora (Ap 14.13); há que se completar o número de mártires. Outros ainda morrerão sustentando o seu testemunho diante desse mundo mal, como sabemos que vem ocorrendo desde o início da história do povo de Deus. Muitas vezes não entendemos o porquê de alguns fatos em nossa vida e na vida de outros, mas o apóstolo Pedro fala de um tipo de sofrimento necessário, por meio do qual Deus cumpre seus desígnios e manifesta sua glória (1 Pe 1.6). Versículo 12: E vi quando abriu o sexto selo, e houve um grande terremoto; e o sol tornou-se negro como saco de cilício, e a lua toda se tornou como sangue; Versículo 13: e as estrelas do céu caíram sobre a terra, como quando a figueira, sacudida por um vento forte, deixa cair os seus figos verdes. Versículo 14: E o céu recolheu-se como um livro que se enrola; e todos os montes e ilhas foram removidos dos seus lugares. A resposta à oração dos mártires é tanto imediata quanto final. O abalo do céu, muito frequentemente, inicia o Dia do Senhor nas Escrituras. Esse abalo é repetido na sétima trombeta (Ap 11.13,19) e na sétima taça (Ap ).

10 Terremotos ocorrem sete vezes no livro de Apocalipse (6.12; 8.5; 11.13,19 e 16.18, nestas últimas passagens, duas vezes) e o sol e a lua também são afetados na quarta trombeta e na quarta taça (Ap 8.12). A figura do sol escurecido como saco de cilício é referência a um saco grosso feito de pelo preto de cabra normalmente usado pelos judeus em situações de luto. Um juízo terrível está prestes a vir sobre os moradores da terra: o céu se enrolará como pergaminho, montes e ilhas se moverão ou serão removidos, os elementos celestes serão abalados e os elementos terrestres também. Haverá terror e desespero. Versículo 15: E os reis da terra, e os grandes, e os chefes militares, e os ricos, e os poderosos, e todo escravo, e todo livre, se esconderam nas cavernas e nas rochas das montanhas; Versículo 16: e diziam aos montes e aos rochedos: Caí sobre nós, e escondeinos da face daquele que está assentado sobre o trono, e da ira do Cordeiro; Versículo 17: porque é vindo o grande dia da ira deles; e quem poderá subsistir? Todas as pessoas, das mais importantes socialmente às mais simples, serão afetadas e, mais que isso, ficarão aterrorizadas, tentando fugir da presença de Deus. Essas pessoas estão unidas pelo medo e desejam fugir da ira de Deus, pois, outrora, foram elas que formaram o exército da besta (capítulos 16 e 19 de Apocalipse) contra Cristo. Elas se escondem e buscam a morte, mas não a encontram, pois agora é hora de juízo e elas terão de estar face a face com Deus. A ira de Deus é tremenda e ninguém pode fugir dela, mesmo os que acham que não a suportam. Diferentemente dessas pessoas, os santos anseiam por ver a face de Deus, porque reconhecem que ele está assentado no trono, é soberano e o

11 adoram em espírito e em verdade. Os incrédulos também terão de reconhecer isso, mas para juízo, e não para desfrutar da comunhão plena com Deus. O cordeiro sacrificado, manso, tornou-se juiz e está agora cheio de ira. Esta é a resposta de Deus a um mundo consumido pelo pecado. O tema do Dia da ira do Senhor pode ser vista em diversas passagens bíblicas, como Joel 2.31 e At A ira de Deus não se contradiz com seu amor, porque amor sem justiça é cumplicidade com o pecado. Deus é amor e justiça. João Batista pregou a necessidade de arrependimento à luz da ira vindoura (Mt 3.7-8); Jesus advertiu sobre rejeitar o Filho e sofrer os efeitos da ira divina (Jo 3.36); Paulo desenvolveu toda uma teologia da ira de Deus (Ef 2.3: todos são, por natureza, filhos da ira; Rm 1.18: a ira de Deus é contra o pecado; Cl 3.6, Rm 2.5,8,9, Ef 5.6: o juízo futuro é a culminação da ira de Deus sobre os desobedientes); Joel 2.11,31 descreve esse dia como o grande e terrível dia do Senhor e Ml 4.1,5 e Sf também abordaram o tema. Quando Deus aparecer em ira, nenhum dos seus inimigos lhe poderá resistir. Os selos conduzem ao acontecimento central do livro: a abertura do rolo que contém o plano divino para conduzir ao fim a ordem do mundo presente, que está sob o poder do pecado. A soberania de Deus e do Cordeiro continua aqui predominando, pois Cristo abre os selos e Deus dá permissão às ações dos cavaleiros. Os quatro primeiros selos resumem os efeitos da total depravação humana; o quinto fala da imitação a Cristo até a morte se necessário for; e o sexto é a vingança divina que virá. No próximo capítulo, o livro traz um interlúdio e, no oitavo, encerra-se o advento dos sete selos. Continuemos estudando a Palavra de Deus com temor e tremor!

12 REFERÊNCIAS DUCK, Daymond R. Guia fácil para entender Apocalipse. Rio de Janeiro: Thomas Nelson, MIRANDA, Neemias Carvalho. Apocalipse comentário versículo por versículo. Curitiba/PR: A. D. Santos Editora, OSBORNE, Grant R. Apocalipse. São Paulo: Vida Nova, 2014.