A fauna ameaçada de extinção do Estado do Rio de Janeiro
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- Thomas Vilanova Branco
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1 A fauna ameaçada de extinção do Estado do Rio de Janeiro Organizadores Helena de Godoy Bergallo, Carlos Frederico Duarte da Rocha, Maria Alice dos Santos Alves & Monique Van Sluys Rio de Janeiro 2000
2 Capítulo 1 o declínio de populações animais, a degradação de hábitats e as prioridades de conservação: espécies ou hábitats? Carlos Frederico Duarte da Rocha Brasil, junto com o México, Austrália, Indonésia, Índia e a Colômbia, é um dos países com maior biodiversidade do planeta (Conservation Intemational Atlas, 1992), embora seja importante considerar que as medidas de riqueza, diversidade e a composição da fauna e da flora não tenham fronteiras políticas, mas sim de ecossistemas, Nos principais ecossistemas brasileiros (Florestas Amazônica e Atlântica, Caatinga, Cerrado), bem como em hábitats dentro desses ecossistemas (p. ex. restingas e mangues), a degradação devido à ação/ocupação humana sem planejamento tem produzido efeito negativo sobre as populações animais e vegetais que vivem neles. Por exemplo, a Floresta Atlântica, que é considerada o ecossistema com a maior biodiversidade do planeta, tem sido reduzida a apenas, aproximadamente, 5% de sua área original (Fonseca, 1985; Uno, 1992). A despeito da elevada diversidade de espécies, em geral, existente nos ecossistemas brasileiros, o conhecimento sobre a ecologia, a composição de espécies, a dinâmica e a estrutura das comunidades animais, é ainda consideravelmente limitado. O estudo destes aspectos toma-se difícil devido ao elevado nível de distúrbios causados pelo homem em vários ecossistemas brasileiros, o que, por sua vez, tem resultado em uma crescente preocupação com o declínio e/ ou a possibilidade de extinção de muitas populações desses ecossistemas. Além da óbvia perda de diversidade genética, há o risco da extinção de várias espécies antes mesmo de haver qualquer conhecimento sobre sua existência, seu papel, sua 17
3 importância no ecossistema ou como fonte de recursos de importância para o homem como alimento e substâncias bioativas de uso médico, farmacológico ou cosmético. A idéia de uma crise da biodiversidade gerou, especialmente a partir da década de 1980, muitas discussões e ações para compreender e minimizar os efeitos da acelerada perda de biodiversidade (NSB, 1989). Grande parte dessas preocupações inclui um ponto central: o aparente, ou documentado, declínio nas abundâncias das populações. Um argumento comum, atualmente, é o de que muitos dos sugeridos declínios têm sido assumidos sem qualquer base científica ou de estudos de longo termo que poderiam indicar se a diminuição populacional em curso é um declínio, se a população está flutuando, ou se o tamanho populacional está relativamente estável ao longo do tempo. Esses argumentos baseiam-se na idéia de que, presentemente, é difícil distinguir as reduções populacionais motivadas pela crise da biodiversidade, das reduções devidas aos processos naturais que resultam da interação da espécie no seu ecos sistema (e.g. Pechmann & Wilbur, 1994; Blaustein, 1994). Essa é uma questão central para se definir prioridades para programas de conservação. Neste artigo eu não pretendo centrar a questão no declínio em si corno um processo mas sim abordar questões como" quando se pode assumir que uma população está realmente declinando? A conservação deve se centrar em espécies ou em ecos sistemas? Devemos, ou não, aguardar que dados aprofundados sobre a ecologia e a história natural das espécies estejam disponíveis para então se proceder a uma avaliação de seus status e, somente então, indicar, ou não, a necessidade de programas de conservação?" Os tamanhos populacionais flutuam de forma natural como resultado dos efeitos de fatores bióticos e abióticos que afetam as taxas de natalidade, mortalidade, imigração e emigração. As flutuações nos tamanhos populacionais constituem um evento ecológico relativamente comum porque as várias interações de uma determinada espécie com outras e com seu ambiente físico produzem um resultado dinâmico, o qual expressa a variação seqüencial a médio e a longo termo (Connel & Souza, 1983; Pechmann & Wilbur, 1994). Isso cria uma dificuldade de, quando com base em dados oriundos de estudos de curto termo, se diferenciar o que sejam flutuações do que sejam declínios populacionais. No caso de um estudo de curto termo sobre uma população com flutuação - se ele houver sido conduzido casualmente em um momento descendente da curva de variação no tamanho populacional e não houver incluído o aumento subseqüente - a não constatação da flutuação pode constituir um. erro de interpretação de que um declínio esteja ocorrendo e levando a espécie para a extinção. A escala de tempo de um estudo populacional necessária para permitir que sejam obtidos dados consistentes que possibilitem diferenciar flutuações de declínios, 18
4 obviamente, depende do organismo considerado, porque é ele que expressa em qual escala de tempo suas mudanças nos números populacionais são esperadas de ocorrer. No Brasil, atualmente, as informações disponíveis sobre os tamanhos populacíonais. distribuição e dinâmica ao longo do tempo, são limitadas para quase todas as espécies, mas várias têm sido incluídas em listas de espécies ameaçadas. A falta de informação quantitativa poderia tornar o conteúdo de tais listas amplamente questionável (Blaustein, 1994) mas, ao mesmo tempo, deve~os continuamente refletir sobre o que é possível de ser feito com o pouco de informação disponível, frente ao acelerado processo de destruição de hábitats, além de continuamente buscarmos o desenvolvimento de metodologias simples que permitam uma acurada avaliação sobre a situação de espécies, com um mínimo de investimento de capital, de tempo e de pessoal. Sem dúvida é importante que, na medida do possível, obtenhamos a distinção entre flutuações e declínios, com base em estudos científicos. Mas ao mesmo tempo é importante ressaltar que, frente à acelerada degradação dos ecossistemas naturais, não devemos nos acomodar na argumentação de que a distinção entre declinio e flutuação seja pré-requisito obrigatório para permitir as ações de conservação. Obviamente, uma população está declinando quando sua taxa de mudança nos números populacionais é negativa. Se esta taxa persiste continuamente e a população declina a zero, ocorre a extinção. As populações de algumas espécies da fauna brasileira têm sido consideradas como estarem declinando (e.g. o jacaré-açu, Melanosuchus niger; o mico-leão-dourado, Leontopithecus rosalia; a lagartixa-da-areia, Liolaemus lutzae; a tartaruga-da-amazônia, Podocnemys expansa, entre outras), o que tem sido usado como argumento para realização de propostas de conservação de forma a manter seus números populacionais acima do risco de extinção. Na maioria dos casos, a idéia de que a espécie está declinando vem da observação da diminuição da taxa de encontro de indivíduos de uma determinada espécie, o que pode já constituir uma evidência de declínio em alguns casos. Isto nos remete àquele primeiro ponto sobre a importância de antes se dispor de dados de pesquisa de longo termo para se assumir que uma população está ou não declinando. Sem dúvida, as reduções e perdas populacionais que estão ocorrendo no planeta resultam dos impactos humanos que causam a mudança ou a destruição de hábitats (Camper, 1988; Baard, 1989; NSB, 1989; Blaustein & Wake, 1990; Pechmann et al., 1991; Pechmann & Wilbur, 1994; Pimm et al., 1995). A maioria das espécies está em risco de extinção devido à fragmentação de seus hábitats, além de mudanças nos processos dos ecossistemas ocorridas globalmente. Todos os hábitats da Terra têm sido afetados por seres humanos em termos de depósitos químicos, mudanças na taxa de CO, alteração da cobertura original, intro- 2 19
5 dução de organismos, mudanças climáticas, entre vários outros processos (Robinson & Redford, 1991; Primack, 1993). Não se deve considerar nem mesmo que algumas das extinções que estão acontecendo sejam resultantes de processos naturais. Um estudo recente (Pimm et al., 1995) mostra que as taxas de extinção recentes são de cem a mil vezes maior do que os níveis existentes no período pré-humano e que a probabilidade de ocorrer uma extinção natural é infinitamente inferior quando comparada com as taxas atuais. Em outras palavras, os dados mostram que a probabilidade de qualquer um de nós vivenciarmos um processo de extinção natural ao longo do tempo de nossas vidas é muito remota. Isso suporta a idéia de que as extinções que estão ocorrendo devem-se aos processos de degradação causados pelo homem no planeta. Considerando as elevadas atuais taxas de extinção e de destruição de hábitats, não devemos ficar esperando que sejam disponibilizados dados de longo termo sobre a dinâmica das populações para se promover a conservação, senão corremos o risco de esperar, para depois quase não termos mais o que conservar. Contudo, ao mesmo tempo, a constatação do declínio de uma dada população não deve per se significar que deva-se imediatamente envidar esforços para realizar programas de sua conservação. Nenhum plano de recuperação de uma espécie ou de um ecossistema deve ser feito antes de se ter forte evidência da causa do declínio, pois, caso contrário, o resultado pode ser de gasto ineficiente de dinheiro. Ademais, qual pode ser o melhor investimento para os atuais tão escassos recursos de conservação: conservar espécies ou hábitats? Considero muito mais importante, não apenas economicamente, mas também em termos de estratégia de conservação, que os esforços sejam concentrados na conservação de hábitats. Na realidade, conservar o hábitat é a única possibilidade de efetivamente se conservar espécies (Bowman & Whitehead, 1993)..As gestões em direção a espécies, individualmente, devem, na medida do possível, ser parcimoniosas, pois os mesmos recursos podem ser usados para a conservação de várias espécies se a ação for realizada com eficiência e em direção à fonte geradora de degradação. O mesmo se aplica para a criação de espécies em cativeiro. Elas não devem ser consideradas ações primordiais mas sim secundárias já que, além de dispendiosas, não constituem qualquer garantia efetiva de ação de conservação, pois podem representar pouco além do prolongamento da permanência de espécies que já atingiram um ponto tal que não possuem mais condição de sobrevivência na natureza (Magnusson, 1993). Enquanto isso, a aplicação de recursos na conservação de hábitats ou ecossistemas pode trazer a efetiva conservação de várias espécies, incluindo algumas 20
6 em situação crítica e outras sem problema ou risco de extinção, mas cuja presença seja fundamental para a manutenção da vida das primeiras. Em conclusão, devemos ser cuidadosos com as argumentações de que devamos primeiro aguardar que estejam disponíveis dados completos sobre espécies para. se pensar sobre conservação. Esta, por sua vez, deve sempre priorizar a conservação do hábitat e não necessariamente a de espécies individualmente. Por um lado, o processo de degradação de hábitats ocorre a taxas muito elevadas para que se suponha que haja tempo para esperar tais informações e, por outro, os recursos atualmente disponíveis para a conservação são por demais escassos para que sejam ineficientemente aplicados. Os programas só devem ser implementados após se obter uma consistente evidência da fonte do declínio. Sobretudo, é fundamental que desenvolvamos técnicas de estimativa do status de espécies e de hábitats que tragam o mais efetivo retorno em termos de informação, com o mínimo de investimento de capital, de tempo e de pessoal. 21
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