Então, quais são os desafios e os combates comuns da francofonia e da lusofonia?

Transcrição

1 Intervenção do Embaixador de França em Portugal Pascal Teixeira da Silva Na Conferência Francofonia, lusofonia : o mesmo combate? Fundação Gulbenkian, de Março de 2013 Senhor Secretário de Estado, Senhor Presidente da Fundação Gulbenkian, Senhora Presidente do Instituto Camões, Senhora Directora-geral delegada do Instituto francês, Senhoras e Senhores, Caros amigos, Sinto-me muito honrado em participar na abertura deste colóquio. Faço-o em nome da Ministra delegada para a francofonia, que tinha aceitado deslocar-se a Lisboa para esta ocasião mas que, entretanto, foi solicitada para acompanhar o Primeiro-Ministro ao Quebec, no Canadá. A Senhora Yamina Benguigui pediu-me que transmitisse as suas desculpas e me exprimisse em seu nome. Antes de mais, gostaria de saudar e felicitar os mentores deste colóquio, vários antigos alunos do Liceu francês de Lisboa, o reitor do Liceu, o Instituto francês de Portugal e agradecer à Fundação Gulbenkian pela ajuda e hospitalidade. Este colóquio aparece no momento certo. Inscreve-se no âmbito das manifestações organizadas pelo 60 aniversário do Liceu francês Charles Lepierre, que começaram em Outubro de Realiza-se a alguns dias da semana da francofonia e a dois meses do princípio das comemorações, em Paris e em Lisboa, do 15 aniversário do tratado de amizade entre estas duas capitais. Além desta rica agenda bilateral, este colóquio inscreve-se no contexto de uma globalização que baralha todas as cartas, incluindo as linguísticas e culturais. 1

2 O título deste encontro coloca-nos uma questão, mas subentende-se que a resposta é positiva. Porque a língua francesa e a língua portuguesa têm, além da proximidade que lhes dá a sua origem, muitos outros pontos em comum. São línguas que, por causa da História, se disseminaram pelo mundo e que, actualmente, são partilhadas com povos muito diversos nos cinco continentes. Elas são um elo, elas criam uma cumplicidade entre culturas diferentes. Qualquer língua é um veículo de cultura mas algumas línguas têm este privilégio de serem veículos para várias culturas ao mesmo tempo. É assim que elas participam na diversidade do mundo mas, também - arrisco-me a dizer na sua conectividade: nem o seu próprio isolamento, nem a dissolução num todo indiferenciado. Agora assistimos a dois movimentos contrários. Temos, por um lado, o inglês (embora se trate de um inglês simplificado) que é hoje a língua franca do mundo globalizado; e, por outro lado, a combinação da emergência de novas potências com o desenvolvimento das tecnologias e das redes de informação, o que permite que a multipolaridade se estenda ao domínio da língua. O rápido aumento de institutos Confúcio e do número de pessoas que aprendem o mandarim - que resulta da emergência da China - é disso testemunha. O francês e o português são línguas do mundo. Há 250 milhões de falantes de português em 8 países membros da CPLP e muitos mais se incluirmos as diásporas lusófonas serão entre 350 e 370 milhões em 2050; mais de 200 milhões de falantes de francês em mais de 50 países serão 700 milhões em 2050, 80 % em África. Os espaços económicos do português e do francês estão a aumentar porque os centros de gravidade demográfica se encontram em regiões dinâmicas como a África e a América cujas taxas de crescimento e quotas de mercado na economia mundial estão a crescer rapidamente. Acontece a mesma evolução nos domínios da comunicação e da criação cultural. A internet e as redes sociais são multiplicadoras da francofonia e da lusofonia. O francês e o português fazem parte das línguas que aí são mais utilizadas. 2

3 Nunca será de mais dizer que o multilinguismo é uma vantagem, sobretudo no mundo globalizado onde o intercâmbio e a mobilidade são traços fundamentais, quase vitais. É uma mais-valia em relação aos que só praticam a sua língua materna e o globish. As línguas partilhadas, como o francês e o português, são chaves capazes de abrir imensas portas. Esta dimensão económica de uma língua de difusão mundial começa a ser estudada e mesmo medida. No final dano passado, foram publicados um livro O potencial económico da língua portuguesa, no momento em que Portugal procura alavancas de crescimento nos países lusófonos, e um estudo sobre o peso económico da língua francesa. Nos domínios político e diplomático, partilhar uma língua permite pensar sobre o mundo e os seus problemas da mesma maneira ou, pelo menos, com as mesmas palavras e os mesmos conceitos, o que já é bastante para se encontrarem soluções em comum. É por esta razão que a francofonia e a lusofonia se dotaram de organizações, como a OIF e a CPLP. Elas proporcionam tanto os encontros e os intercâmbios, como a elaboração de posições comuns, de estratégias e de cooperações. Não faltam desafios: o desenvolvimento, o emprego, a formação, a investigação, o ambiente, a sociedade da informação e o numérico, a paz e a segurança. Então, quais são os desafios e os combates comuns da francofonia e da lusofonia? Será da responsabilidade de todos os participantes nas diferentes sessões confiarem-nos as suas reflexões e propostas. Permitam-me que esboce algumas, mas evidentemente não é limitativo: - Um desafio fundamental é o da diversidade linguística e cultural. Isto passa pela preservação desta diversidade em todas as instâncias internacionais mas também, e sobretudo, nas redes de informação e no mundo numérico que são as novas fronteiras do multilinguismo. Trata-se também de considerar os produtos da criação cultural como 3

4 vectores de sentido e de portadores de identidade e não como simples mercadorias. Para isso, a UNESCO adoptou, há alguns anos, por iniciativa da França, uma convenção sobre a diversidade cultural. Mas o desafio permanece cada vez que se inicia uma negociação em matéria comercial, quer seja na OMC, quer seja num quadro bilateral (estou a pensar, em especial, no projecto de acordo de intercâmbio livre entre os Estados Unidos e a União Europeia). A francofonia e a lusofonia têm sobre esta matéria visões e interesses convergentes a defender e a promover e um campo de diálogo e de acção em comum a desenvolver. - A promoção do ensino de várias línguas nos sistemas de ensino é o corolário indispensável da diversidade linguística e cultural. Seria um empobrecimento ficar-se satisfeito em só falar a sua própria língua e a língua franca do momento. Conhecer uma segunda e mesmo uma terceira língua estrangeira, sobretudo se se tratar de línguas como a francesa e a portuguesa, é um enriquecimento e uma mais-valia. É com este espírito que a França e Portugal negociaram um novo acordo quadro de cooperação linguística e educativa que entende promover o ensino do francês em Portugal e do português em França. Este acordo deverá ser assinado por ocasião do próximo encontro a nível político. - Na sociedade do conhecimento, que é esta do século XXI, a uma escala sem equivalente na história da humanidade, o francês e o português têm o seu trunfo, no ensino, na formação, na universidade, na investigação. Os espaços francófonos e lusófonos devem ser inovadores e atractivos nestas áreas que são cada vez mais abertas à concorrência e onde está a aparecer um mercado mundial. Temos também todo o interesse em desenvolver os intercâmbios de boas práticas, de professores, de estudantes e de investigadores, entre estes dois territórios linguísticos. - O mundo globalizado do século XXI é também o das integrações regionais. Por construção, elas ultrapassam antigas clivagens linguísticas, herdadas da época colonial. A África é, sem dúvida, o continente a que mais se refere mas também a América, especialmente a bacia do Caribe e a sua periferia. O desenvolvimento, os problemas ambientais, a mobilidade das populações, a manutenção da paz e a 4

5 segurança são, a partir de agora, o alvo da cooperação que unem francófonos, lusófonos e anglófonos. Existe aqui um campo considerável que torna ainda mais indispensável que se estreitem os laços entre a francofonia e a lusofonia. Agradeço a vossa atenção e desejo-vos um colóquio rico e frutuoso. 5