Mais de meio século de história a ser contada

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1 Mais de meio século de história a ser contada Emerson de Castro 1 A história da imprensa paranaense, sobretudo a que compreende os últimos 60 anos, ainda está por ser mais e melhor investigada. São poucos os estudos e publicações que envolvem esse campo e período até o momento. Em geral, pesquisam-se setores ou temas trabalhados direta ou indiretamente pela imprensa (teatro, cinema, política, literatura, personagens), sempre com valor inegável, porém com foco diverso e distante das publicações que fizeram a história recente do jornalismo paranaense. Até esse período a significância da imprensa estabelece-se, sobretudo para os jornalistas, pelo conteúdo noticioso e suas influências fortemente políticas, mas também sociais e econômicas, menos pelo peso como campo de trabalho profissional. Por sinal, praticamente nada profissional até a metade do século e por algum tempo depois disso. Tardia no país, a primeira manifestação jornalística no Paraná se dá justamente na sequência da criação da província em 1853 (até então os paranaenses estavam ligados à província de São Paulo). No ano seguinte o então presidente Zacarias de Vasconcelos solicita a Candido Martins, tipógrafo residente no Rio de Janeiro, para que montasse em Curitiba um jornal. A necessidade de formalizar atos do governo exigia a criação de um veículo noticioso, até então inexistente. Surgiu O Dezenove de Dezembro (em alusão à data de emancipação). O jornal entrou em circulação assumindo seu caráter livre, contudo, e também, o compromisso de não estabelecer qualquer afronta ao governo que oficialmente o sustentava. 1 Jornalista desde 1986, mestre em História pela UFPR desde 2002 e atualmente professor no curso de Jornalismo da Universidade Positivo.

2 Entre o final do século XIX e o início do século XX a movimentação cultural se faz principalmente pela imprensa, a partir de veículos como Vinte e Cinco de Março, O Paranaense, a Gazeta Paranaense e a Província do Paraná que surgem como alternativa ao oficialismo de O Dezenove de Dezembro. Aparecem também revistas como Revista Paranaense (1880), e a Club Curitibano (1890), O Cenáculo, Esphynge, Pallium, Victix e O Sapo, onde destacavam-se os escritores do movimento simbolista. Menos de cem anos depois, a partir dos anos 1950, o jornalismo paranaense começa a viver uma fase em que tanto as empresas quanto os próprios jornalistas dão os primeiros passos em um processo de profissionalização, mais uma vez tardio em relação ao que já acontecia em São Paulo e Rio de Janeiro. Até então, no Paraná, jornalismo era bico 2 para estudantes de direito, medicina e outras áreas, sem contar o forte envolvimento político partidário tanto dos veículos quanto dos jornalistas que neles atuavam. É possível acompanhar o processo de profissionalização da imprensa paranaense e sua relação com os jornalistas a partir das movimentações sindicais desses profissionais, pois são ações concomitantes. O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná foi fundado em 1945, oficializado em 1946, mas tornou-se atuante de fato a partir de 1953, quando organizou o III Congresso Nacional de Jornalistas em Curitiba. O número de profissionais na capital paranaense à época era inexpressivo, não passando de uma centena. Dos anos 1960 em diante, com as universidades formando os profissionais que viriam a atuar nas redações, essa profissionalização que já havia iniciado ampliou-se, envolvendo conceitos técnicos e posturas éticas que definiram um novo formato para o campo jornalístico da imprensa. As disputas sindicais e as concepções sobre para quê serviria um sindicato entre os jornalistas ajuda a 2 Como comentou um entrevistado (para minha dissertação de Mestrado, sobre a história do Sindicato dos Jornalistas do Paraná), Milton Ivan Heller, que atuou nos jornais Diário da Tarde, Última Hora e outros veículos da imprensa paranaense desse período em diante. Segundo ele, era comum ficar muito tempo sem receber salário por este motivo.

3 compreender também como esses profissionais percebiam o contexto em que atuavam, o papel da imprensa e deles próprios dentro dele. De lá para cá a imprensa avançou também no uso de novas tecnologias, a universidade assumiu o espaço que antes era das redações na formação dos novos jornalistas e a soma de ambos os fatores alterou radicalmente o campo, especialmente nas discussões sobre a ética. Jornais como Diário do Paraná, O Estado do Paraná, Tribuna do Paraná e Última Hora foram importantes na décadas de 1950/60 e espelharam em suas redações essa mudança, inclusive empregando mais jornalistas, muitos profissionais que viviam exclusivamente como trabalhadores da imprensa. Na década de 1970 surgiram, entre outros, os jornais Indústria & Comércio (1976) (ainda em circulação) e Correio de Notícias (1977), que nasceram buscando segmentos de mercado, uma espécie de novidade vislumbrada a partir do relativo arrefecimento da censura no país. A informatização completa das redações na década de 1990 e a internet como competidora pela distribuição de notícias neste início de século XXI têm sido as novidades dos últimos anos. Novidades nem sempre positivas para os veículos impressos. Apesar de pouco tempo, historicamente falando, quase a totalidade desses jornais desapareceu. Para citar três em especial: Última Hora, Correio de Notícias e O Estado Paraná. O Última Hora de Curitiba durou de 1955 até 1964, reunindo alguns dos principais jornalistas contestadores da época 3. Exceto as memórias dos seus protagonistas (Milton Cavalcanti, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas e já 3 Boa parte desses integrantes fazia parte da diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná e protagonizaram, em 1963, uma histórica greve junto com os gráficos. O movimento deixou a capital paranaense sem jornais por três dias, exceto o jornal produzido pelo próprio grupo intitulado A Greve.

4 falecido 4 ; Edésio Passos, detentor da massa falida do jornal; Milton Ivan Heller, Francisco Camargo 5 e Luiz Geraldo Mazza 6, não há qualquer resquício do significado do veículo para a formação do jornalismo paranaense. Suspeita-se, inclusive, de que os exemplares que até pouco tempo existiam ainda na Biblioteca Pública do Paraná tenham se destruído por descuido ou pela inevitável ação do tempo. O jornal Correio de Notícias existiu entre 1977 e 1995, com breves momentos de interrupção da circulação. Surgiu propondo-se um veículo de acordo com os novos ares que se vislumbrava no país, ainda que a ditadura militar permanecesse forte e atuante. Fechou pouco tempo depois, mas no início da década de 1980 retomou fôlego e se apresentou como uma opção arejada especialmente para jovens jornalistas, sem esquecer a valorização de nomes importantes do jornalismo da época (o editor Mussa José de Assis, o ilustrador Cláudio Setto, entre outros já citados). O veículo fechou melancolicamente em 1995, mergulhado em campanhas políticas, bem longe de suas pretensões iniciais. O Estado do Paraná fez circular sua última edição efetiva em , após ser adquirido pelo grupo GRPCOM (que detém a RPCTV/Globo e Gazeta do Povo, entre outros veículos) preponderante atualmente nas comunicações do estado. Iniciação Científica Desde 2012 tenho procurado estabelecer projetos de Iniciação Científica com alunos de graduação em jornalismo da Universidade Positivo visando o registro sobre as memórias dos profissionais que atuaram nestes veículos. Já tivemos um trabalho inicial sobre O Estado do Paraná e outros dois sobre o Correio de Notícias. Em 2014 a 4 Foi entrevistado anteriormente sobre sua participação no Sindicato, mas relatou parte de sua vivência no veículo. 5 Um dos mais experientes jornalistas paranaenses da atualidade e que de certo modo iniciou no setor no jornal, mas como contínuo. 6 Provavelmente o mais experiente dos jornalistas em plena atividade. 7 Nos anos posteriores o jornal ainda circulou em edição limitadíssima uma vez ao ano, a fim de garantir a permanência do título em poder de seus atuais detentores.

5 pretensão é que um livro reportagem sobre este último (como produto de TCC) já seja concluído. Também há a proposta de iniciar o levantamento sobre a história do Última Hora, essa mais distante e um tanto mais difícil, ainda que o desafio seja justamente o principal motor do trabalho. Outros veículos de morte recente foram Diário Popular (outro criado na década de 1950, que circulou até meados da década passada) e Hora H (cuja coleção completa já está depositada junto ao curso de Jornalismo da Universidade Positivo, doada pelo jornalista e proprietário Cícero do Amaral Cattani, também ex dono do Correio de Notícias quando de seu fechamento em 1995). O processo que se estabeleceu ao longo do período, protagonizado pelos jornalistas que atuaram na imprensa paranaense, pode ser apreendido tanto pelas análises dos seus números publicados (em boa parte mantidos microfilmados pela Biblioteca Pública do estado ou em estado natural e de rápida deterioração) como também a partir da memória dos profissionais que neles atuaram, muitos ainda em atividade em veículos ou assessorias de comunicação em Curitiba. Um trabalho dessa natureza ajudará na compreensão e esclarecimento das forças e mecanismos que influenciavam e ainda contribuem para direcionar as mudanças no campo das empresas jornalísticas, especialmente para a profissão de jornalista.