Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Ciências Sociais Instituto de Estudos Sociais e Políticos. Diego da Silva Grava

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1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Ciências Sociais Instituto de Estudos Sociais e Políticos Diego da Silva Grava Naturezas, sustentabilidades e desenvolvimento na modernidade brasileira Rio de Janeiro 2017

2 Diego da Silva Grava Naturezas, sustentabilidades e desenvolvimento na modernidade brasileira Tese apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor, ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Sociologia. Orientador: Prof. Dr. José Maurício Domingues Coorientador: Prof. Dr. Guillermo Ricardo Foladori Rio de Janeiro 2017

3 CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS G775 Grava, Diego da Silva. Naturezas, sustentabilidades e desenvolvimento na modernidade brasileira / Diego da Silva Grava f. Orientador: Prof. Dr. José Maurício Domingues. Coorientador: Prof. Dr. Guillermo Ricardo Foladori. Tese (doutorado) Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Estudos Sociais e Políticos. 1. Desenvolvimento sustentável Teses. 2. Desenvolvimento e meio ambiente Teses. 3. Sustentabilidade ambiental I. Domingues, José Maurício. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Estudos Sociais e Políticos. III. Título. CDU Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese. desde que citada a fonte. Assinatura Data

4 Diego da Silva Grava Naturezas, sustentabilidades e desenvolvimento na modernidade brasileira Aprovada em 10 de março de Banca Examinadora: Tese apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor, ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Sociologia. Prof. Dr. José Maurício Domingues (Orientador) Instituto de Estudos Sociais e Políticos UERJ Prof. Dr. Guillermo Ricardo Foladori (Coorientador) Universidad Autónoma de Zacatecas (México) Prof. Dr. José Eduardo Leon Szwako Instituto de Estudos Sociais e Políticos UERJ Profa. Dra. Inês Aguiar de Freitas Instituto de Geografia - UERJ Profa. Dra. Flávia Braga Vieira Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Prof. Dr. Luciano Félix Florit Universidade Regional de Blumenau Rio de Janeiro 2017

5 DEDICATÓRIA A meu padrinho Lúcio, meu nonno Zeca e minha nonna Noêmia, membros queridos da família Grava que partiram durante o doutorado.

6 AGRADECIMENTOS Ao meu orientador, José Maurício Domingues. A Guillermo Folladori, quem gentilmente aceitou contribuir como coorientador. Ao meu ex-orientador, amigo e colega, Luciano e aos demais professores da banca: Flávia, Inês e José. Aos colegas de doutorado, que muito generosamente contribuíram para a construção do trabalho, especialmente nos seminários de tese. À UERJ e ao IESP pela oportunidade, oferecendo infraestrutura, apoio financeiro e um ambiente muito propício ao trabalho intelectual. Agradeço especialmente aos professores da banca de seleção da turma de 2013, Adalberto Cardoso, Maria Regina Soares e a Markus Figueiredo (in memoriam). A Tim Ingold e a Phil Macnaghten. A Jean Pierre Leroy (in memoriam). A todos aqueles que, embora não citados nominalmente, contribuíram direta e indiretamente para a execução deste trabalho. À CAPES pelo apoio financeiro. Aos meus pais, Cézar e Elly. Agradeço especialmente a minha esposa e amiga Camila. Sem ela este trabalho não seria possível.

7 Man, as something known, is made by nature and history; but man, as knower, makes nature and history Simmel, 1971 [1905]

8 RESUMO GRAVA, Diego da Silva. Naturezas, sustentabilidades e desenvolvimento na modernidade brasileira f. Tese (Doutorado em Sociologia) Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, O objetivo geral da tese é realizar uma análise crítica das concepções de natureza e de sustentabilidade na modernidade brasileira. Mais especificamente, procura-se mostrar que as concepções de natureza e de sustentabilidade estão imbricadas entre si e são apropriadas de maneiras distintas por diferentes sistemas sociais. A hipótese principal do trabalho é de que existe, no Brasil, o predomínio de uma visão instrumental de natureza e de sustentabilidade que implica um estilo de desenvolvimento que atende aos interesses de grupos específicos em detrimento de outros. O marco teórico do trabalho tem como fundamento uma perspectiva social construtivista, dialogando, especialmente, com as contribuições de Talcott Parsons, Klaus Eder e Teun Van Dijk. Privilegiou-se a análise sociocognitiva do discurso dos atores selecionados como método de investigação, baseando-se na leitura e interpretação de textos disponíveis em websites oficiais, notícias de jornais, audiovisuais, entrevistas, boletins informativos, além de textos acadêmicos, como artigos, teses e dissertações. Espera-se preencher uma lacuna nos estudos a respeito do tema, permitindo maior reflexão e entendimento sobre a interação entre sociedade e natureza e das ideias de sustentabilidade na modernidade brasileira. Tenciona-se contribuir para a literatura sociológica e com os debates sobre cultura, ambiente e desenvolvimento, considerando a relação dialética e dinâmica existente tanto entre indivíduos e sistemas sociais, como entre estes e o mundo natural. Palavras-chave: Natureza. Sustentabilidade. Desenvolvimento. Modernidade. Brasil.

9 RESUMÉN GRAVA, Diego da Silva. Naturalezas, sustentabilidades y desarrollo en la modernidad brasileña f. Tese (Doutorado em Sociologia) Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, El objetivo general de la tesis es realizar un análisis crítico de los conceptos de naturaleza y sustentabilidad en la modernidad brasileña. Más específicamente, se trata de demostrar que los conceptos de naturaleza y sustentabilidad se entrelazan y son apropiados de manera distinta por diferentes sistemas sociales. La hipótesis principal de trabajo es que en Brasil hay un predominio de una visión instrumental de la naturaleza y de la principal que implica en un estilo de desarrollo que favorece los intereses de grupos específicos sobre otros. El marco teórico del trabajo se basa en la perspectiva social constructivista en dialogo, especialmente, con las contribuciones de Talcott Parsons, Klaus Eder y Teun Van Dijk. Se privilegió el análisis socio-cognitivo del discurso de los actores seleccionados como método de investigación, basado en las lecturas e interpretación de documentos y textos de sitios web oficiales, noticias, audiovisuales, entrevistas, boletines y textos académicos, tales como artículos y tesis. Se espera contribuir con los estudios sobre el tema, permitiendo una mayor reflexión y comprensión sobre de la interacción entre sociedad y naturaleza y las ideas de sustentabilidad en la modernidad brasileña. Se pretende contribuir a la literatura sociológica y con los debates sobre cultura, medio ambiente y desarrollo, teniendo en cuenta la relación dialéctica y dinámica, tanto entre los individuos y los sistemas sociales y entre ellos y el mundo natural. Palabras clave: Naturaleza. Sustentabilidad. Desarrollo. Modernidad. Brasil.

10 ABSTRACT GRAVA, Diego da Silva. Natures, sustentabilities and development in Brazilian modernity f. Tese (Doutorado em Sociologia) Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, The general objective of the thesis is to perform a critical analysis of the conceptions of nature and sustainability in Brazilian modernity. More specifically, it seeks to show that the conceptions of nature and sustainability are intertwined with each other and are appropriated differently by different social systems. The main hypothesis of the work is that in Brazil there is a predominance of an instrumental vision of nature and of the sustainability that implies a style of development that serves the interests of specific groups over others. The main theoretical framework is based on a social constructivist perspective in dialogue with the contributions of Talcott Parsons, Klaus Eder and Teun Van Dijk. A sociological and sociocognitive analysis of discourse of the selected actors' was privileged as research method and was based on reading and interpreting documents and texts from official websites, news, audiovisuals, interviews, newsletters, as well as academic texts such as articles and thesis. Sustainability, a notion that gained wide legitimacy and was therefore appropriated by different actors, is evoked in order to justify practices, interests and values of specific social groups, acquiring peculiar contours in each discourse. This work intends to fill the void in the studies on the subject, allowing greater reflexion and understanding about the interaction between society and nature and the ideas of sustainability in Brazilian modernity. It is intended to contribute to the sociological literature and the debates on culture, environment and development, considering the dialectic and dynamic relationship existing both between individuals and social systems and also between these and the natural world. Keywords: Nature. Sustainability. Development. Modernity. Brazil.

11 LISTA DE FIGURAS, QUADROS E TABELAS Figura 1 - Índia Guajá amamentando um porco selvagem Figura 2 - Capa do documento Implementação do Plano Nacional de Contingência Figura 3 - Distribuição da energia gerada por Belo Monte por estado da federação Quadro 1 Concepções de desenvolvimento sustentável segundo Foladori e Tommasino...51 Quadro 2 Principais tendências em desenvolvimento sustentável segundo Gudynas...52 Quadro 3 Atores sociais segundo as visões de natureza e de sustentabilidade predominantes Quadro 4 Atores da visão ética-reflexiva Quadro 5 Atores da visão moral-prática Quadro 6 Atores da visão instrumental Tabela 1 - Exportações latino-americanas de produtos primários,

12 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABC ABCE ABM ADI AID ALERJ ANVISA CEPAL CGEE CNA CONAMA CONTAG COSEMA CT&I DMA EFVM Academia Brasileira de Ciências Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica Associação Brasileira de Metalurgia, Materiais e Mineração Ações Diretas de Inconstitucionalidade Áreas de Influência Direta Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro Agência Nacional de Vigilância Sanitária Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe Centro de Gestão e Estudos Estratégicos Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil Conselho Nacional do Meio Ambiente Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Conselho Superior de Meio Ambiente (Fiesp) Ciência, Tecnologia e Inovação Departamento de Meio Ambiente (Fiesp) Estrada de Ferro Vitória a Minas ELETROBRAS Centrais Elétricas Brasileiras EMBRAPA ES EUA FAO FIESP FIOCRUZ Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Espírito Santo Estados Unidos da América Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura Federação das Indústrias do Estado de São Paulo Fundação Oswaldo Cruz

13 FPA GEE GRI IBAMA IBGE IHU INPA IPCC ISA JA MAPA MCT MG MJA MMA MPF MPT/SC MS MSA MST MSTTR MT NE NEP NMS Frente Parlamentar Agropecuária Gases de Efeito Estufa Global Report Initiative Instituto Brasileiro para o Meio Ambiente e os Recursos Naturais Renováveis Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Instituto Humanitas Unisinos Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas Instituto Socioambiental Justiça Ambiental Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação Minas Gerais Movimento por Justiça Ambiental Ministério do Meio Ambiente Ministério Público Federal Ministério Público do Trabalho de Santa Catarina Mato Grosso do Sul Movimento Sou Agro Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Mato Grosso Norte Energia Novo Paradigma Ecológico Novos Movimentos Sociais

14 OGMs ONGs ONU OSCIP PA PADRSS PBA PCB PDRSX PF PL PPDS RBJA RED SBPC SEMAN SVB UHE UHEBM USDS VALE WWF Organismos Geneticamente Modificados Organizações Não-Governamentais Organização das Nações Unidas Organização da Sociedade Civil de Interesse Público Pará Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário Projeto Básico Ambiental Policlorinato de Bifenil Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu Política Federal Projeto de Lei Programa de Política e Direito Socioambiental Rede Brasileira de Justiça Ambiental Reorientação da Estratégia de Desenvolvimento Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência Secretaria da Presidência da República para o Meio Ambiente Sociedade Vegetariana Brasileira Usina Hidrelétrica Usina Hidrelétrica de Belo Monte Departamento de Estado dos Estados Unidos da América Companhia Vale do Rio Doce World Wide Fund for Nature

15 SUMÁRIO INTRODUÇÃO...15 Nota Teórico-Metodológica DESENVOLVIMENTO, MODERNIDADE E NATUREZA Modernização e Industrialização no Brasil Modernidade e Natureza Desenvolvimento e Natureza na Modernidade Brasileira Problemática Ambiental na Modernidade Contemporânea Desenvolvimento Sustentável Ecologia Política e Justiça Ambiental Considerações do Capítulo SOCIOLOGIA E NATUREZA O Mundo Natural e os Clássicos da Sociologia Teorias Sociológicas no Século XX e Construção Social da Natureza Sociologia Ambiental: o Surgimento de uma Perspectiva Ambiental na Sociologia Considerações do Capítulo CONSTRUTIVISMO, NATUREZA E ANÁLISE DO DISCURSO Uma Releitura Socioambiental da Teoria dos Sistemas de Talcott Parsons Klaus Eder e a Construção Social da Natureza Análise Sociocognitiva do Discurso Discurso e Construção Social Considerações do Capítulo DISCURSO, NATUREZA E SUSTENTABILIDADE NA MODERNIDADE BRASILEIRA Categorização dos Atores Análise dos Discursos dos Atores do Desenvolvimento no Brasil Controvérsias Sobre o Novo Código Florestal...195

16 4.4 Considerações do Capítulo CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIA DO CORPUS DE ANÁLISE DO DISCURSO...245

17 15 INTRODUÇÃO Dentre as visões de mundo, que incluem valores morais, estéticos, religiosos, e tantos outros, encontram-se as ideias de natureza, com distintos contornos em cada cosmologia sociocultural, situadas no espaço e no tempo. Essas ideias orientam a maneira de interpretar, de interagir e de se apropriar do mundo natural, conduzindo, assim, o desenvolvimento das sociedades. Existem ao menos três significados distintos de natureza. O primeiro se refere às qualidades ou propriedades de um ser ou de um objeto. O segundo remete aos ambientes não artificiais que possuem certos atributos físicos e biológicos, incluindo a fauna e a flora [o cosmos e as leis naturais da física] (Gudynas, 1999: 101). Analisando a relação moderna com a natureza, Eder (1996: xii) oferece uma terceira caracterização, a natureza como objeto de satisfação das necessidades humanas. Outra definição possível, uma variação do segundo significado, é a natureza como ambiente. Macnaghten e Urry (1998: 45-49) observam que alguns eventos, como a publicação das obras de Rachel Carson, Silent Springs [ Primaveras Silenciosas ] (1962), e The Tragedy of the Commons [ A Tragédia dos Comuns ], de Garrett Hardin (1968), além dos debates em torno do Clube de Roma (1970) e da Conferência de Estocolmo (1972) e a imagem da Terra vista do espaço, fizeram o conceito de natureza se confundir com o de ambiente. Nesse sentido, Ingold (2000: 193, tradução nossa) diferencia natureza de ambiente fazendo uma distinção [ ] entre realidade de do mundo físico de objetos neutros aparentes apenas ao observador isolado, indiferente, e realidade para o mundo constituído em relação ao organismo ou pessoa para quem o ambiente o é. Nessa visão, o ambiente é natureza organizada por um organismo 1. Focando-se no segundo e no terceiro aspectos, entende-se aqui que a natureza não é algo dado, evidente por si, diretamente acessível aos sentidos humanos, mas sim uma construção social e política. Não se quer com isso afirmar que a natureza não existe por si, como um noumenon kantiano (Kant, 2001), mas 1 Elsewhere, I have contrasted nature and environment by way of a distinction between reality of the physical world of neutral objects apparent only to the detached, indifferent observer, and reality for the world constituted in relation to the organism or person whose environment it is [ ] [ ] the environment is nature organised by an organism (Ingold, 2000: 193, grifos originais).

18 16 que se trata de uma entidade que é apropriada e interpretada simbolicamente por diferentes culturas, sendo utilizada de maneiras diversificadas, com significados e sentidos que variam histórica e geograficamente. O desenvolvimento (econômico, social), pode ser entendido, ao menos em parte, como resultado da interação entre sociedade e natureza (que se influenciam mutuamente). No Brasil, José Murilo de Carvalho (1998) chamou de motivo edênico a visão paradisíaca da terra, em referência à natureza exuberante que domina o imaginário brasileiro. A raiz desse imaginário teve origem com a chegada dos primeiros europeus e demonstra vitalidade até hoje, tese corroborada pelas pesquisas descritas por Carvalho (1998), nas quais a natureza aparece como o maior motivo de orgulho do povo brasileiro 2. Contudo, José Augusto Pádua argumenta que, embora existisse, desde o final do século XVII, uma visão mais romântica do mundo natural e também uma visão crítica ao uso predatório dos recursos naturais, predominava, no Brasil, uma visão instrumental de natureza 3, reduzida a matéria para satisfação das necessidades humanas. A natureza era [ ] vista como um objeto político, um recurso essencial para o avanço social e econômico do país (Pádua, 2004: 28). Ainda que com novos contornos e implicações (Porto-Gonçalves, 2006), essa visão permanece vigente na atualidade. Consequentemente, a natureza vem sendo utilizada de modo predominantemente instrumental e até mesmo seres sencientes 4 são tratados quase como qualquer outro objeto. Dessa forma, Florit questiona as práticas dos estabelecimentos de criação e abate de animais. No Brasil, muitas das atividades que envolvem a produção com animais são ainda regulamentadas segundo concepções já superadas do século XVII, como a dos mecanicistas cristãos. Nessa concepção, os animais não possuem alma, não experimentam sofrimento e são vistos como máquinas, ou coisas, e não como criaturas sensíveis. Com a industrialização, passaram a ser inseridos nas esteiras de produção como simples matéria-prima. Ainda que as justificativas para essas práticas tenham sido 2 Carvalho (1998) acredita que o predomínio do motivo edênico se dá em consequência da ausência de outras razões de orgulho, da suposta inadequação das pessoas que habitam o país, que seria a razão ou o motivo satânico, em referência a questões sociais, pobreza, corrupção, violência. 3 Isso é, baseada na racionalidade instrumental, orientada para fins. 4 Senciência é a capacidade de ter sensações, de sentir dor ou prazer.

19 17 refutadas 5, sendo hoje insustentáveis, são mantidas porque [ ] são funcionais ao sistema de relações sociais ao qual o uso de animais de corte está hoje atrelado (Florit, 2009: 16). A produção animal talvez seja a expressão mais aguda da instrumentalização da natureza. Nesse sentido, a noção de memória coletiva pode contribuir para entender esse fenômeno. Myrian Sepúlveda dos Santos (2012) aborda de maneira crítica essa noção, que não deve ser encarada exclusivamente nem como um fenômeno estritamente individual, nem como um fenômeno estritamente social. Deve-se pensar as perspectivas como complementares mais do que como uma síntese simplista. Para além desses aspectos, a dimensão política mostra que a memória coletiva pode estar intimamente ligada aos interesses sociais (Ibidem: 99), o que ajudaria a explicar a reprodução de visões instrumentais de natureza e os modelos de desenvolvimento 6 resultantes destas visões. Gudynas (1999) sustenta a tese de que existe uma relação dialética entre concepções de natureza e os modelos de desenvolvimento. O autor afirma que as concepções de natureza latino-americanas são herança direta das visões europeias. Se por um lado foram impostas, por outro, os principais políticos, empresários e intelectuais da região, no período colonial, buscavam seguir as posturas europeias. Com base nos estudos sobre a história ecológica da região, Gudynas afirma que a conquista e a colonização se basearam na apropriação das riquezas minerais do Novo Mundo, seguida da agricultura extrativa (de alta espoliação ecológica, dependente de mão de obra escrava) e logo da pecuária extensiva (Gudynas, 1999: 102), em um cenário marcado pelo conflito (e pelas alianças) entres os colonizadores e as populações nativas. No Brasil, a racionalidade instrumental é predominante, representada pela economia capitalista industrial moderna, tendo a natureza como principal base de recursos e de produção de riquezas. No entanto, o avanço do projeto modernizador gerou crises (sociais, ambientais), dando impulso a processos reflexivos 7 e ao questionamento das consequências não intencionais e indesejadas da modernidade. 5 Ver, por exemplo, o Manifesto dos Neurocientistas ( The Cambridge Declaration on Consciousness ) (Low et al, 2012). 6 Utilizam-se os termos modelo, estilo e padrão [de desenvolvimento] como sinônimos, indicando formas predominantes de interação entre sociedade e natureza. 7 Sobre o tema, ver Domingues, 2002a.

20 18 Carlos Walter Porto-Gonçalves assinala as implicações ambientais, sociais e políticas das transformações nas relações de poder por meio da tecnologia desencadeadas pela chamada Revolução Verde, atrelada ao processo de modernização no país. Entre essas implicações estão a perda da soberania e risco à segurança alimentar, perda da diversidade biológica e cultural, dependência por insumos externos (como agrotóxicos, fertilizantes e até sementes), degradação dos solos e concentração fundiária (Porto-Gonçalves, 2006). Os modelos de desenvolvimento estão diretamente relacionados às ideias de natureza, que podem ser mais instrumentais ou morais. Pressupõe-se que há um predomínio da visão instrumental de natureza e de um modelo de desenvolvimento que privilegia a dimensão econômica na interação com o mundo natural a despeito da sustentabilidade, do valor intrínseco da natureza e dos interesses de povos tradicionais em certos territórios e de parte significativa da população urbana. A exploração intensiva e extensiva dos recursos naturais, impulsionadas no processo de reprimarização da economia, somente é possível havendo uma concepção em que a natureza é tida meramente como meio ou objeto de satisfação das necessidades humanas, e não como um ente moral. No entanto, apesar desse predomínio, a visão instrumental concorre com outras, o que produz uma série de conflitos simbólicos, físicos e, sobretudo, políticos no território brasileiro. Nesses conflitos, certas concepções de desenvolvimento sustentável são evocadas e defendidas na tentativa de legitimar os interesses e as ações dos diferentes atores em disputa. Nos últimos anos, o Brasil se tornou um dos maiores produtores e exportadores de commmodities do mundo. Além disso, também tem investido em grandes obras de infraestrutura, incluindo transposições de rios, construções de grandes usinas hidrelétricas, exploração de minérios, petróleo e gás. Esses empreendimentos deram origem não só à produção contínua de riquezas no país, mas também a danos ambientais e conflitos sociais em diversas partes do território nacional (Fiocruz, 2010). Entre adeptos e opositores, beneficiários e prejudicados, os conflitos ocorrem precisamente pelos desacordos em relação ao modelo de desenvolvimento associado a esses empreendimentos, modelo este que pressupõe visões normativas sobre o mundo natural e sobre o ideal de desenvolvimento, ou o que seria um desenvolvimento sustentável.

21 19 As Ciências Sociais acompanharam esse movimento, contudo, mesmo com o crescente interesse e produção acadêmica sobre temas socioambientais, não se encontram na Sociologia trabalhos que discutam em profundidade a construção social da natureza e sua relação com as ideias de sustentabilidade e com modelos de desenvolvimento, especialmente no caso do Brasil contemporâneo. No ambiente internacional, apesar de haver uma maior produção na área da Sociologia ambiental e do desenvolvimento, são poucos os trabalhos que problematizam as concepções de natureza e modelos de desenvolvimento. O debate sobre desenvolvimento sustentável se mostra muito mais rico, tanto em âmbito nacional como internacional. Entretanto, são poucos os trabalhos que associam as visões de natureza às concepções de sustentabilidade e ao modelo de desenvolvimento de modo geral. Considerando que as ideias de desenvolvimento sustentável remetem, grosso modo, à conservação dos recursos naturais e àquilo que os atores consideram o que seria um estilo de desenvolvimento desejado ou ideal (tendo, portanto, um sentido normativo), a análise dos discursos que os atores sociais emitem sobre a natureza e a sustentabilidade é um meio para se entender a maneira como o mundo natural e a própria noção de sustentabilidade são percebidos e apropriados, simbólica e politicamente, e sua implicação no modelo de desenvolvimento adotado pela sociedade (ou imposto por grupos específicos). Ao buscar evidenciar a conexão entre percepções de natureza e de sustentabilidade a sistemas sociais específicos e como certas visões se impõem sobre outras, a tese procura contribuir com a teoria sociológica e com os debates sobre cultura, ambiente e desenvolvimento, enfatizando o período da modernidade [contemporânea] brasileira, aproximadamente dos anos 1930 ao presente, mas focando no período recente, entre 2010 e Privilegiou-se uma abordagem qualitativa, com base na revisão de literatura acadêmica e na análise dos discursos dos atores do desenvolvimento 8 no contexto brasileiro atual. Do ponto de vista teórico, não existe, no período recente, nenhuma análise sociológica da construção social da natureza e sua relação com a sustentabilidade e 8 Os atores do desenvolvimento são definidos aqui como aqueles que têm maior influência sobre o meio ambiente natural ou que dependem, em maior ou menor grau, da exploração direta dos recursos naturais para sua reprodução material e simbólica. Portanto, não se considera seu impacto potencial ou real na economia nacional em termos de geração de riquezas (ou do produto interno bruto [PIB]) e de transformação do ambiente natural.

22 20 com o modelo de desenvolvimento no Brasil contemporâneo. Dessa forma, procurase mostrar que as visões de natureza e as noções de desenvolvimento sustentável, por terem significações diferentes em cada sistema social, são ideias em conflito e, portanto, não são evidentes por si. Além disso, essas ideias têm implicações significativas e amplas, teóricas, socioeconômicas, ambientais e éticas, que merecem a atenção da Sociologia. A questão das visões de natureza apresenta grande relevância para a compreensão de como os seres humanos concebem o mundo natural, do porquê interagem com a natureza da forma como interagem e de como esta dinâmica implica a construção dos modelos de desenvolvimento de um Estado-nação, afetando tanto a sociedade humana como o mundo natural. Desse modo, indaga-se se existe de fato uma relação entre as concepções de natureza e de sustentabilidade e o modelo de desenvolvimento brasileiro (focado especialmente no setor primário) e que implicações decorrem desta relação. Nesse sentido, o objetivo geral da tese é realizar uma análise crítica da construção social da natureza e das concepções de sustentabilidade na modernidade brasileira enfatizando as relações sociais e políticas que lhes dão sustentação. Entre os objetivos específicos estão: 1. Destacar aspectos relevantes da história da relação sociedade e natureza na modernidade brasileira, a partir de 1930, mas com foco nos anos de 2010 a Partiu-se da hipótese de que a história da relação entre sociedade e natureza no Brasil seria dominada por visões de natureza contraditórias: uma instrumental e outra moral, sem figurar o elemento da sustentabilidade. Esse objetivo foi trabalhado no capítulo I da tese. Concluiu-se que, ainda que houvesse o embate entre duas visões contraditórias, o tema é mais complexo, havendo uma diversidade de visões, cada qual com aspectos peculiares, envolvendo diferentes matizes de visões de natureza, especialmente no período recente. Também se verificou que existem elementos críticos ao uso irresponsável da natureza desde o século XVII, ainda que não se adotasse o termo sustentabilidade e as críticas tivessem vieses progressistas ou românticos. 2. Analisar como a relação sociedade e natureza é debatida pelos principais autores das teorias sociológicas clássicas e contemporâneas. Levantou-se

23 21 a hipótese de que os autores analisados não ofereceriam instrumentos conceituais suficientes para investigar a relação entre sociedade e natureza no contexto da modernidade brasileira. O objetivo 2 foi elaborado no capítulo II, sendo de cunho mais contextual e crítico do que propriamente teórico, apresentando como a natureza figura nas principais teorias sociológicas clássicas e contemporâneas. Verificou-se que, embora haja o predomínio de uma visão instrumental e da natureza como algo exterior à sociedade, os autores oferecem vários elementos importantes para o debate e em muitos casos exprimem críticas veementes ao projeto da modernidade e seu impacto sobre os mundos social e natural. 3. Discutir as contribuições sociológicas de Talcott Parsons e Klaus Eder para o debate da relação sociedade e natureza, e de Teun Van Dijk para a análise sociocognitiva do discurso, com base na premissa de que estes autores ofereceriam instrumentos analíticos para a análise da construção social da natureza. Para cumprir esse objetivo, foi realizado um exame de obras selecionadas dos autores mencionados. O objetivo foi desenvolvido como parte dos capítulos II e III. É possível afirmar que as contribuições dos autores são complementares, permitindo, em conjunto, realizar uma análise da relação sociedade e natureza. Contudo, dada a conjuntura brasileira, fez-se necessária a alusão a autores ligados à Ecologia política, o que possibilitou uma análise crítica mais adequada do fenômeno. 4. Identificar os principais atores do desenvolvimento na modernidade brasileira e suas concepções de natureza e de sustentabilidade com base em uma análise sociocognitiva do discurso. Foram verificados os argumentos sobre natureza, ambiente e sustentabilidade, especialmente quando mobilizados em torno de atividades de produção de energia, mineração e agropecuária, seja na defesa ou na resistência a estas atividades. O caso do Novo Código Florestal foi analisado para ilustrar as posições dos atores frente a um caso concreto de conflito. A hipótese era que os atores selecionados exaltavam o valor da natureza (como recurso, ente moral, ou como objeto ) e da sustentabilidade para defender suas ações e seus interesses, principalmente em situações de conflito. Verificou-se que, como estratégia discursiva, os atores que buscam resistir aos projetos de desenvolvimento recorrem não só a um discurso em

24 22 defesa da natureza e da sustentabilidade, mas também de seus territórios e de sua cultura. Os atores aliados aos grandes projetos se valem mais de argumentos de fundo econômico para legitimar suas ações e interesses, referindo-se à sustentabilidade de modo mais restrito, apenas no plano ecológico ou ambiental. O objetivo 3 foi desenvolvido no capítulo III. 5. Com a seleção dos atores e seus discursos e a partir das contribuições dos teóricos mencionados no objetivo 3, evidenciar que as noções de natureza e de sustentabilidade são parte integrante dos universos culturais de sistemas sociais específicos. Corresponde a esse objetivo a hipótese de que as visões de natureza e de sustentabilidade variam de acordo com os interesses, valores e história dos atores analisados. O objetivo, de cunho mais teórico e analítico, foi realizado nos capítulos II e III, e também nas considerações finais. 6. Mostrar que existe o predomínio de uma visão instrumental de natureza e de sustentabilidade no Brasil. A hipótese é de que o modelo de desenvolvimento brasileiro seria baseado em uma visão predominantemente instrumental de natureza e de sustentabilidade. O objetivo é discutido parcialmente nos capítulos I e III e mais diretamente nas considerações finais. Assim, procura-se evidenciar o impacto que as ideias têm não só no mundo social, mas também no mundo natural. Mais especificamente, defende-se a tese de que estilos de vida e formas de agir no mundo estão imbricados tanto em relações sociais como em relações metabólicas com a natureza. O mundo social é um mundo não só de relações e interações entre seres humanos, mas também destes com todos os não-humanos, em especial o mundo natural, que fornece não só uma base de recursos materiais, mas também simbólicos. As concepções de sustentabilidade condensam, em grande medida, o ideal dos diferentes sistemas sociais sobre formas de organização social e de relação metabólica entre sociedade e natureza. A tese está dividida em quatro capítulos, além desta introdução e das considerações finais. No primeiro, apresentam-se alguns elementos históricos da construção social da natureza no Brasil e tem o objetivo de mostrar os antecedentes das ideias de natureza da modernidade brasileira, de como os seres humanos

25 23 lidavam e atribuíam sentido à natureza, partindo do início da colonização até o período atual. Ressalta-se ainda a evolução do debate em torno do desenvolvimento sustentável, da ecologia política e da justiça ambiental. No capítulo seguinte, discutem-se os antecedentes teóricos da construção social da natureza, mais especificamente de como a Sociologia tratou o tema, a contribuição de diversos autores e suas limitações. No terceiro capítulo, abordam-se em maior profundidade as contribuições de Talcott Parsons e de Klaus Eder para o debate da relação entre sociedade e natureza. O intuito é mostrar que os principais teóricos da Sociologia trataram do tema, ainda que de maneira marginal, no entanto, não produziram uma formulação teórica específica da construção social da natureza, embora tenham produzido elementos importantes para isto. Discute-se ainda a análise sociocognitiva do discurso proposta por Teun Van Dijk, buscando-se realizar uma síntese teóricometodológica construtivista. No quarto capítulo, volta-se à análise da construção social da natureza e da sustentabilidade na terceira fase da modernidade brasileira. Revela-se a seleção dos atores do desenvolvimento, sua classificação em categorias específicas e se realiza a análise sociocognitiva de seus discursos. Finaliza-se com uma análise própria buscando transcender, em alguma medida, as explicações dos autores citados, produzindo-se uma síntese consistente que permite explicar a produção de significado em relação ao mundo natural, sua continuação, rupturas e fusões. Nota Teórico-Metodológica 9 Falar em construção social, em Sociologia, é quase um lugar-comum, um truísmo. Parece evidente, ao menos aos cientistas sociais, que todas, ou quase todas, as realizações humanas são construções sociais (ou sociocognitivas). No entanto, falar em construção social da natureza, aos olhos de qualquer cientista, não parece tão óbvio. Como pode a natureza ser socialmente construída? O que significa falar em construção social de alguma coisa? 9 O texto reelabora alguns tópicos discutidos na dissertação do autor (Grava, 2013).

26 24 A raiz da perspectiva construtivista remonta à obra de Immanuel Kant, a Crítica da Razão Pura (2001 [1781]), na qual o filósofo observa que os seres humanos não têm acesso à realidade em si, aos númenos [noumena ou noumenon], mas apenas àquilo que seus sentidos são capazes de detectar, os fenômenos. A abordagem social construtivista, no entanto, foi de fato introduzida, na Sociologia, com um viés fenomenológico, através da obra de Peter Berger e Thomas Luckmann (2003 [1966]), A Construção Social da Realidade (The Social Construction of Reality), na qual os autores procuram mostrar que: [ ] o conhecimento humano é dado na sociedade como um a priori à experiência individual, fornecendo a esta sua ordem de significação. Esta ordem, embora relativa a uma particular situação sócio-histórica, aparece ao indivíduo como o modo natural de conceber o mundo (2003: 20-21, grifos originais). No entanto, foi com a publicação da Epistemologia Genética (L'épistémologie Génétique, de 1970) de Jean Piaget, no âmbito da Psicologia, que a abordagem ganhou notoriedade. Segundo Mazzoni e Castañon (2014: 231), em Piaget, a construção do conhecimento, ou seja, das representações da realidade, requer um sujeito que interaja com o objeto (que existe em si) e aja sobre ele. Ao contrário de Kant, Piaget sustenta que, além das representações, os seres humanos produzem também as próprias estruturas mentais com as quais se constroem as representações dos objetos (através dos processos de assimilação e acomodação 10 ). Dessas perspectivas, surgiram várias interpretações, como o Construtivismo Radical, o Construcionismo Social (movimento crítico à Psicologia Social modernista ), o Socioconstrutivismo (também ligado à Psicologia), o Construtivismo Lógico (ou intuicionismo, dentro da filosofia da matemática) e o Construtivismo Social ou Social Construtivismo 11 (Castañon, 2009), em seus vários desdobramentos, sendo esta última mais influente na Sociologia. Na Sociologia ambiental, a abordagem busca ressaltar o processo social e político pelo qual problemas ambientais e paisagens são socialmente construídos, física e 10 Assimilação é o processo cognitivo de incorporação de novos elementos às estruturas já existentes nos indivíduos. Acomodação seria a modificação da estrutura individual em função da especificidade dos elementos a serem assimilados (Mazzoni; Castañon, 2014: 231). 11 Aqui se refere ao Social Construtivismo. Existem diferenças na nomenclatura do conceito, que variam segundo o autor, nas traduções que se faz do termo, no português brasileiro e lusitano.

27 25 simbolicamente, isto é, seriam produtos históricos e geográficos específicos, frutos da interação entre seres humanos com o meio ambiente. Hannigan (1995), por exemplo, procura enfatizar os aspectos sociais e políticos na formulação dos problemas ambientais (perda da biodiversidade, mudança climática). Ainda que não negue a objetividade de muitos desses problemas, o autor afirma que alguns temas ganham maior relevância do que outros (em termos de aceitação ou legitimação social), em grande medida devido à influência da ciência e dos meios de comunicação social. Ao descrever a abordagem social construtivista, sua evolução, suas potencialidades e limitações, Hannigan lembra as múltiplas origens desta perspectiva na Sociologia ambiental. A partir da década de 1970, as abordagens convencionais dos problemas sociais passaram a ser questionadas. Malcolm Spector e John Kitsuse (1973; 1977) desafiaram a abordagem funcionalista, sobretudo os trabalhos de Merton e Nisbet (1971), para quem os problemas sociais, como crime, divórcio e outros, eram vistos como condições objetivas identificáveis, iniciando um conflito paradigmático no campo da sociologia dos problemas sociais (Hannigan, 1995: 47). Esses autores definiram os problemas sociais como [ ] as actividades de grupos que fazem asserções de agravos e reivindicações às organizações, agências e instituições sobre algumas condições aceitáveis (em Hannigan, 1995: 48). Dessa maneira, mais do que avaliar se as estatísticas referentes a um problema são verdadeiras ou não, o ponto central seria o processo de criação de exigências. Desde então, a ideia de formulação social passou a influenciar outras áreas como ciência e tecnologia, relações de gênero e comunicação social. Em todo caso, a análise construtivista se preocupa com o modo como as pessoas atribuem significado ao seu mundo (Hannigan, 1995: 48). Entre as críticas dirigidas ao construtivismo, a mais importante se refere [ ] à natureza relativa ou contingente dos problemas sociais (Hannigan, 1995: 48). Um dos riscos da abordagem seria a possibilidade de negar a existência de problemas graves (sociais ou ambientais), abandonando qualquer pretensão de objetividade. Em resposta, surgiram perspectivas de construtivismo mais fortes e mais suaves. Os construtivistas rigorosos propuseram adotar uma abordagem etnometodológica, centrando-se na interpretação e práticas dos participantes na construção social. Os construtivistas contextuais sugeriram que as afirmações

28 26 sobre um problema podem ser avaliadas com base nas evidências, como estatísticas oficiais e questionários de opinião pública, ainda que estas também sejam construções sociais (Hannigan, 1995: 49). Pensando a construção social da natureza, Luciano Florit (2009) sugere que: Ao contrário de favorecer um quietismo político, o social construtivismo pode ajudar a revelar novos aspectos das relações de dominação [ ] e mostrar como os discursos sobre natureza fazem parte de configurações discursivas e territoriais mais amplas que envolvem tensões e lutas entre agentes sociais. Assim, a construção social da natureza é entendida como produzida em contextos que são decisivamente políticos (Florit, 2009: 3). A abordagem social construtivista, tal como será aqui utilizada, tem duas implicações: a primeira se refere ao entendimento de que a realidade social é constituída de interações entre sujeitos cognoscentes, participantes de sistemas sociais, e o mundo externo, o que inclui outros sujeitos e objetos. Isso é, a realidade não pode ser entendida de modo solipsista. Ela exige admitir não só que existem objetos que são conhecidos, que impõem algum limite ao conhecimento, ainda que sejam organizados pela cognição e ação humana (ou animal), mas também que existe um mundo social preexistente que organiza e dá sentido à experiência individual. A segunda implicação, de certa forma derivada da primeira, refere-se à relação entre indivíduo e sociedade, ou entre ação e estrutura. Considerando que a condição social é ontológica, os seres humanos, desde seu surgimento, sempre viveram em interação uns com os outros, sendo a experiência individual algo organizado socialmente. Ou seja, não existe conhecimento que não seja, de alguma forma, mediado socialmente. Todas as formas de classificação e organização do mundo, da realidade, passam por processos sociais (ou sociocognitivos). Nesse sentido, a natureza é apropriada, material e simbolicamente, através de processos sociais que exigem a interação entre seres humanos, participantes de sistemas sociais, e o ambiente físico-orgânico. A discussão em torno da objetividade das ciências se deu a partir da tese da uniformidade da natureza, pressupondo-se que esta é invariável, obedece às mesmas leis, em qualquer lugar e em qualquer período de tempo. Em certo sentido, a abordagem social construtivista desafia essa concepção, mostrando que diferentes sistemas sociais atribuem diferentes significados à natureza, o que implica em

29 27 formas distintas de apropriação material dos recursos naturais, com implicações diversas (sociais, econômicas, políticas, éticas, religiosas, estéticas). O processo de construção social da natureza é, portanto, histórico. As visões de natureza, no Brasil, têm uma gênese marcada pela interação entre as populações nativas e os colonizadores vindos da Europa. Na atualidade, o processo de reprimarização da economia levou à expansão da fronteira agropecuária e energética, invadindo os territórios de populações tradicionais e ensejando conflitos socioambientais graves por todo o país, alterando radicalmente as relações entre diferentes sistemas sociais e destes com o mundo natural. A evolução da relação entre esses diferentes sistemas sociais e o mundo natural e suas consequências atuais serão analisadas nos próximos capítulos.

30 28 1 DESENVOLVIMENTO, MODERNIDADE E NATUREZA "En la medida en que la naturaleza llega a ser más bien el entorno del capital que el del hombre, sirve para fortalecer la servidumbre humana. Esas condiciones tienen su fuente en las instituciones de base del sistema establecido, para el cual la naturaleza es ante todo un objeto de explotación provechosa" (Marcuse, 1975: 85). O conceito de desenvolvimento, entendido como processo de mudança social e econômica, necessariamente envolve relações entre pessoas e de pessoas com o mundo natural ou com o ambiente físico-orgânico. As maneiras específicas das pessoas se relacionarem, conceberem e interagirem com a natureza são, em grande medida, arbitrárias e contingentes, fruto de relações sociais e políticas que indivíduos e grupos estabelecem entre si. Dessa forma, não existem modelos de desenvolvimento neutros e sim processos que variam temporal e espacialmente segundo contextos sociais e condições ambientais específicos. A modernidade pode ser entendida como um processo de desenvolvimento com características próprias. Seu advento, que deu vida à Sociologia, representou mudanças profundas em vários âmbitos do mundo social, rompendo e ressignificando antigas tradições. Sua origem e desenvolvimento foram e continuam sendo objeto de longa e intensa discussão entre diferentes gerações de cientistas sociais. A maioria dos autores que se dedicaram ao tema concorda que a modernidade teve origem na Europa, com referência especial à Inglaterra e à França. Para Marx e Engels, a sociedade moderna surgiu a partir do declínio da sociedade feudal na Europa, no fim do século XV (Marx, 1996; Marx; Engels, 1998). Talcott Parsons afirma que as sociedades modernas têm origem em uma única arena evolutiva no Ocidente, mais especificamente na Europa que herdou a metade ocidental do Império Romano, o que chamou de sociedade da cristandade ocidental (1974: 11). Anthony Giddens concorda com os autores ao afirmar que a modernidade seria um [ ] estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua referência (1991: 8).

31 29 Shmuel Eisenstadt observa que, desde sua origem, a modernidade se expandiu desenvolvendo múltiplas modernidades, começando na própria Europa (2000: 12-13). A expansão e a variabilidade de modernidades foram possíveis através do imperialismo e do colonialismo militar e econômico. Isso permitiu a reformulação e reinterpretação, por parte das sociedades não-ocidentais, das ideias apropriadas (importadas) sobre temas específicos e padrões institucionais das civilizações modernas ocidentais originais (Einsenstadt, 2000: 14-15), levando às múltiplas modernidades. A despeito de suas generalidades, ressignificações e particularidades temporais e geográficas, certos traços (tendências) servem de demarcadores da modernidade (Domingues, 1999: 145). Nesse sentido, vários autores têm apontado algumas das suas principais características. Para Marx e Engels, a sociedade moderna se destaca especialmente pelo modo de produção capitalista (Marx, 1996: 134; Marx; Engels, 1998: 8), pelas inovações tecnológicas, pelas grandes indústrias que ocuparam o lugar das velhas manufaturas, pelos milionários industriais que substituíram os estratos médios industriais, pela transformação dos chefes de exércitos industriais em burgueses modernos. Como consequência e atrelado a esse processo, surgiu o mercado mundial e o moderno Estado representativo, que, para os autores, não passaria de [ ] uma comissão que administra os negócios comuns do conjunto da classe burguesa (Marx; Engels, 1998: 9). Segundo Marx, O país industrialmente mais desenvolvido mostra ao menos desenvolvido tão-somente a imagem do próprio futuro (Marx, 1996: 130). Na sua visão, a modernidade teria se difundido para o resto do mundo a partir da Europa, mais especificamente da Inglaterra, e tenderia a se desenvolver, inevitavelmente, como espelho do capitalismo industrial europeu. Os teóricos da modernização, especialmente Parsons e Daniel Lerner, também viam a modernização como um processo uniforme pelo qual passariam todas as sociedades (Parsons tomando a sociedade estadunidense como modelo, e Lerner, a sociedade europeia). Ambos identificaram tendências que caracterizariam o processo de modernização. Influenciado por Durkheim, com suas concepções de sociedade diferenciada e de solidariedade orgânica (Durkheim, 1999), Parsons define a modernidade particularmente pelo processo de diferenciação dos sistemas. Segundo ele, a

32 30 principal característica das sociedades modernas é o processo de diferenciação. Esse processo se dá pela divisão de um subsistema em unidades ou sistemas que se diferenciam em relação à estrutura e significação funcional do sistema mais amplo. Parsons cita o exemplo de oficinas ou fábricas que funcionavam em casa e passaram a funcionar em espaços separados, destinados a servir unicamente para a produção (Parsons, 1969: 41-42). O processo de diferenciação também ocorre quando há uma crescente complexidade de sistemas, desenvolvendo subsistemas especializados (ibidem: 45). Para Lerner (1964), a modernidade ocidental exerceria um efeito de demonstração sobre outras sociedades, pressupondo a unilinearidade e a uniformidade do desenvolvimento da modernidade. No entanto, o autor considera as dimensões espaciais e temporais e a multidimensionalidade da mudança social. Além disso, faz uma análise que considera várias tendências no desenvolvimento da modernidade, como alfabetização, urbanização, industrialização, participação [na política e na economia]. De modo semelhante a Parsons e Durkheim, mas também sob influência de Marx e sua divisão da sociedade em classes sociais, Pierre Bourdieu (1989; 2004a; 2004b; 2008) define a modernidade pela divisão da sociedade. Essa divisão, ou especialização, dá-se sob a forma do que chamou de campos, como a ciência, a política, a religião, a arte. A relativa autonomia dos campos, com suas lutas internas, seria a principal característica da modernidade. Max Weber (2007) via o predomínio da racionalidade, em sua forma instrumental, e o capitalismo como os traços principais da sociedade moderna. De maneira semelhante, Theodor Adorno e Max Horkheimer (1947) observam que a modernidade é marcada particularmente pelo crescente predomínio da racionalidade instrumental. A mesma afirmação é válida em relação ao argumento de Jürgen Habermas (1992), para quem a colonização do mundo da vida pela racionalidade instrumental seria uma das principais características do mundo moderno. Marcuse (1975) também aposta no predomínio da racionalidade instrumental como característica da modernidade. Niklas Luhmann difere da maioria dos autores ao definir a sociedade moderna como um sistema policontextual que permite uma multiplicidade de interpretações do mundo e de si mesma (Luhmann, 1997: 46). Para ele, a sociedade possui fronteiras que não são de caráter territorial. A comunicação seria a única coisa que mostra o

33 31 que pertence ou não à sociedade, assumindo que [ ] nas condições atuais de uma capacidade de conexão universal existe somente um sistema social: a sociedade mundial (ibidem: 70). Giddens apresenta uma definição diferenciada, afirmando que as principais características da modernidade estão vinculadas à: a) separação do tempo e do espaço (processo que tem várias implicações, como o esvaziamento e padronização do tempo, e logo o esvaziamento do espaço - ver Giddens, 1991: 22); b) confiança (relacionada principalmente aos sistemas peritos e à noção de risco Giddens, 1991: 32-37); c) reflexividade da vida social (na modernidade a reflexividade está na própria base de reprodução do sistema conforme Giddens, 1991: 37-45); e d) ao aspecto institucional propriamente dito. Juntamente ao Estadonação, o capitalismo e o industrialismo são as principais instituições modernas. José Maurício Domingues lembra que são várias as caracterizações e os termos que fazem referência à modernidade contemporânea, como modernidade tardia, alta modernidade, pós-modernidade, terceira fase da modernidade 12 (1999a: ). Domingues (1999a: 145) identifica três tendências-mestras que caracterizam a modernidade em sua terceira fase : a primeira se refere aos principais desenvolvimentos institucionais: estado racional-legal, economia capitalista, família nuclear, individualismo, racionalização instrumental e, em parte, comunicativa, diferenciação de esferas de valor, ideologias que concretizam os valores da liberdade e igualdade formais [...] ; a segunda tendência remete à modernização da tradição, seja através da reflexivização ou da sua adaptação ao mundo moderno (o que não pressupõe uma ruptura); a terceira tendência alude à reflexividade 13 acentuada. Embora sejam traços comuns à modernidade, esses desenvolvimentos se efetivam de modo distinto em cada contexto. Desse modo, considerando as características apresentadas, procura-se apontar os traços comuns da modernidade brasileira com relação ao processo geral de modernização e suas particularidades. Embora com ampla (e legítima) referência aos autores europeus e estadunidenses, no Brasil e na América Latina produziram- 12 A primeira fase da modernidade se vincula ao pensamento liberal, indo do final do século XVIII ao XIX. A segunda remete à maior presença e atuação do Estado, indo dos anos 1930 até o final dos A terceira fase, dos anos 1990 ao período atual, é marcada pela revolução científica e tecnológica, pela pluralidade de identidades sociais e pela transformação nas formas do Estado (Domingues; Beraba, 2007). 13 Sobre a categoria de reflexividade, ver Domingues, 1998a; 1999a, p. 150; 2002a.

34 32 se interpretações originais sobre o processo de modernização e sua expressão mais robusta na região, a industrialização. 1.1 Modernização e Industrialização no Brasil Ainda que preserve algumas de suas características originais, o processo de modernização ganhou outros contornos fora da Europa. Na América Latina, região colonizada principalmente por portugueses e espanhóis, a modernidade se manifestou de forma peculiar, conforme atestam as interpretações de autores da região. Aníbal Quijano não vê a modernidade de maneira uniforme, encontrando na América Latina o que poderia ser uma contra tendência. Segundo ele, predominaria na região uma forma de economia híbrida, com a combinação de formas capitalistas e pré-capitalistas, com hegemonia das primeiras sobre as últimas (Quijano, 1977: 241). José Nun (2001) via na marginalidade crônica a tendência pressuposta pelo capitalismo, o que valeria especialmente para o caso da América Latina, referindo-se a inserção problemática e distinta da região no capitalismo mundial, com uma população excedente não absorvível pelos setores hegemônicos da economia. Paul Singer (1975) destoa de Quijano e Nun ao conceber o capitalismo de modo mais uniforme e a cidade como resultado do processo de modernização, pressupondo o conflito de classe, negando a especificidade do capitalismo e da modernidade latinoamericana. Apesar das contra-tendências observadas por Quijano e por Nun, pode-se afirmar que a América Latina faz parte do chamado mundo moderno. O capitalismo [periférico ou semi-periférico], a industrialização (ainda que com economias concentradas no setor primário) e o predomínio da racionalidade instrumental (sobretudo na esfera econômica), encaixam-se às tendências do processo de modernização. Ao mesmo tempo, a região como um todo, e o Brasil particularmente, exibem contradições, pluralidade de atores e heterogeneidade nos seus processos de modernização. O Brasil nasceu junto com os primeiros sinais da transição para a modernidade, ainda que a tenha vivenciado de maneira bastante distinta da dos

35 33 países europeus. No país, com a imensa diversidade cultural e ambiental, as mudanças desencadeadas pelo processo de modernização ganham contornos ainda mais complexos. Domingues aponta que no período de transição haveria uma [ ] disputa entre duas culturas políticas no interior do sistema político, uma derivada das lutas pela democracia, e uma outra das elites, essencialmente autoritária (1999a: 158), marcada pelo caráter antidemocrático, (neo)patrimonialista e excludente. Para ele, Somente o lado funcional dos direitos civis, políticos e sociais seria imediatamente introduzido nos países de modernização tardia, contribuindo, no caso brasileiro, para o estabelecimento da cidadania regulada 14 do pós-1930 (ibidem: 159). Após a crise de 1929, deu-se início ao processo de substituição de importações, que viria a dar impulso à industrialização do país através de investimentos diretos do Estado e do setor privado nacional e internacional. Mais do que passar a produzir internamente parte do que antes era importado, o objetivo era fazer do setor industrial o eixo dinâmico da economia nacional (Caputo; Melo, 2009). Os anos 1930 marcaram a entrada do Brasil na modernidade, que ocorreu de maneira conservadora. A aliança das elites agrárias à burguesia industrial caracterizou o que hoje se denomina Modernização Conservadora 15, definida pela incorporação das instituições da modernidade de modo seletivo por parte destes atores hegemônicos (Domingues, 1999: 156). A modernidade foi sendo implantada sem que se fizessem mudanças estruturais em termos de acesso à terra, ao controle da força de trabalho rural, e à liberdade (Domingues, 1999; 2002b; Pires, 2009). Mesmo que o elemento da liberdade tenha ganhado espaço posteriormente, garantiu-se aos grandes proprietários a manutenção do poder em relação ao uso da terra e à força de trabalho. Dessa forma, a industrialização do país se fez a partir dos interesses da oligarquia agrária pactuada com a burguesia industrial, especialmente a paulista, 14 Cidadania restrita e controlada pelo Estado. 15 Segundo Pires (2009), o termo modernização conservadora foi cunhado por Moore Júnior (1975) para designar o pacto político entre a burguesia e os terratenentes (burguesia industrial e a oligarquia agrária) na Alemanha e no Japão e condicionaram o desenvolvimento capitalista nestes países. No Brasil, a modernização conservadora e a industrialização da agricultura remetem às transformações ocorridas no campo (mas não só), sobretudo entre as décadas de 1960 e Para Pires (2009) [ ] a revolução burguesa que aconteceu no Brasil não teve forças suficientes para romper com o antigo regime e instituir no país um capitalismo democrático, daí o termo modernização conservadora (Pires, 2009: 420, como também observa Domingues, 2002b).

36 34 sem que se alterassem aspectos importantes da sociedade brasileira, buscando-se conciliar a tradição e a modernidade. Contudo, deve-se lembrar de que a industrialização no Brasil, principalmente no Sudeste e no Sul, teve início muito antes da Modernização Conservadora. Conforme a periodização sugerida por Curado e Cruz (2008), a industrialização brasileira passou por três fases: 1) crescimento com diversificação da atividade industrial ( ); 2) industrialização restringida ( ); e 3) industrialização pesada ( ). Os processos de industrialização e modernização no Brasil, especialmente na terceira fase da modernidade, estão atrelados ao desenvolvido recente do capitalismo mundial. Como aponta Guillén (2007), o processo de substituição de importações aconteceu de maneira desigual na América Latina. De modo geral, ocorreu dos anos 1930 aos 1980, tendo maiores êxitos no Cone Sul, Brasil, México, e também na Venezuela e nos países caribenhos após A partir dos anos 1990, com a entrada do neoliberalismo na região através do Consenso de Washington, houve reversão desse processo e um avanço do setor primárioexportador latino-americano. A reprimarização da economia, resultante da inserção brasileira nesse contexto, deu ensejo a conflitos socioambientais em diversas partes do território nacional que perduram até hoje, acentuando o contraste entre as diferentes percepções de natureza, de sustentabilidade e de desenvolvimento. Esses processos se relacionam à história do capitalismo que emergiu no pós-guerra, particularmente em relação à ascensão dos Estados Unidos da América [EUA] e da China e à formação de uma nova divisão internacional do trabalho Expansão do modelo capitalista estadunidense, crescimento chinês e o Brasil na nova divisão internacional do trabalho Tornando-se uma superpotência no pós-guerra, a economia doméstica estadunidense passou a ser significativa para o mundo todo. Os EUA entraram na Segunda Guerra Mundial apenas no final de Antes disso, o país lucrou vendendo materiais bélicos para a Grã-Bretanha, passando a dominar a economia

37 35 mundial pós Poucos americanos foram afetados, o país não fora bombardeado, sofrendo poucas privações, apenas restringido o consumo de alguns bens; houve crescimento do produto interno bruto [PIB], diminuição do desemprego, consolidação do complexo militar-industrial (military-industrial complex). Para Michael Mann (2013: 86), foi após a Segunda Guerra Mundial que o mundo vivenciou a globalização, com base em três pilares: 1) expansão capitalista, 2) adoção do Estado-nação e 3) o imperialismo americano 16, que se entrelaçaram de maneiras distintas em diferentes partes do mundo. Os EUA produziram influência sobre vários países da Europa Ocidental, principalmente através da cooperação econômica e militar, enquanto países do Leste europeu não aceitavam a subordinação. Chegaram a exercer domínio sob a forma de hegemonia 17 em outros países, como Austrália e Nova Zelândia (Mann, 2013: 88). A exaustão dos antigos impérios capitalistas e a devastação das economias europeias pela Segunda Guerra Mundial significou uma oportunidade para os EUA. Inicialmente, a ajuda dos EUA implicaria que a Europa, no futuro, entraria em competição no mercado. No entanto, esperava-se aumento das exportações dos EUA e também da produção de empresas estadunidenses na Europa, que de fato ocorreram (Panitch; Gindin, 2012: 89-90). Os EUA também exerceram influência em vários países da América Latina, inclusive no Brasil 18. Supostamente, a luta contra o comunismo fez com que o país cooperasse com ditadores conservadores, oferecendo ajuda militar, financiando e até mesmo planejando e executando golpes de Estado (Pilger, 2007). Muitos países da região ainda serviram como economias de enclave, sediando empresas e fornecendo matérias-primas para os EUA (Cardoso; Falleto, 1970). Após a Segunda Guerra Mundial, a América Latina exportava basicamente alimentos e outras matérias-primas, embora muitos países da região tenham implantado a política de substituição de importações entre as décadas de 1930 a Mesmo com o crescimento econômico, as desigualdades na região não diminuíram e quando havia mobilizações as elites locais instauravam repressão e 16 Quanto às definições de império, ver Mann (2013: 17). 17 Sobre o conceito de hegemonia, ver Gramsci (2001). 18 Descobertas recentes mostram que os EUA não só sabiam das torturas e assassinatos cometidos pelos militares, mas também colaboraram com a ditadura no Brasil (G1, 2015).

38 36 até golpes militares (Mann, 2013: 106). Apesar de até certo período os EUA não terem grande interesse na região, toda vez que algum governo buscava implementar medidas para atenuar as desigualdades, como através da reforma agrária, os EUA interviam, garantindo sua influência e atuando contra seus opositores, reais ou potenciais. O projeto de tornar o capitalismo global imbricado ao império americano foi primeiramente articulado durante a Segunda Guerra Mundial e realizado nas últimas duas décadas do século XX. Seu desenvolvimento histórico foi celebrado ideologicamente como neoliberalismo, que fazia crer na dependência estrutural aos mercados capitalistas. Depois da crise dos anos 1980, até mesmo países nacionalistas, comunistas e outros Estados do resto do mundo foram levados a se integrar ao capitalismo global (Panitch; Gindin, 2012: 195). A divisão global do trabalho após a Segunda Guerra Mundial era clara e rígida, sendo a produção de manufaturados predominante nos países imperialistas e a extração de recursos realizada em suas dependências (Panitch; Gindin, 2012: 196). Nos anos 1990, a globalização ficou conhecida como o ponto onde os mercados passaram a ter vida própria. A possibilidade de expansão espacial dos mercados só foi possível quando as leis de valor (laws of value) foram incorporadas nas regras da lei (rules of law). De fato, a globalização estava intimamente ligada à legislação e a mudanças administrativas que possibilitaram o aprofundamento e a ampliação da competição de mercado. Quanto mais o mercado se tornava internacionalizado, mais os Estados se preocupavam em adaptar os regimes regulatórios para possibilitar um rápido crescimento das trocas comerciais internacionais e investimento estrangeiro (Panitch; Gindin, 2012: 223). O grande leque internacional de empresas estadunidenses, bem como sua importância no mercado mundial, deu às autoridades dos EUA grande poder de pressionar empresas estrangeiras e autoridades regulatórias para que adotassem suas regras e práticas (Panitch; Gindin, 2012: 223). No começo do século XXI, os EUA conseguiram criar um mundo à sua própria imagem ( a world after its own image ) e o capitalismo americano como uma certeza autoevidente. Segundo Panitch e Gindin, inicialmente, a relação entre norte global e o sul se deu como desenvolvimento do subdesenvolvimento, contudo, no

39 37 novo milênio tem lugar um processo de desenvolvimento do capitalismo no Sul global, ainda que de maneira muito desigual 19 (2012: 275). A produção transnacional e as finanças que caracterizam o período atual do capitalismo ligam outros Estados e economias capitalistas aos EUA como lugar central no capitalismo global 20 (Panitch; Gindin, 2012: 275). Outra característica importante do capitalismo global no início do século XXI se refere ao crescimento da economia chinesa, que busca cada vez mais se integrar globalmente (Panitch; Gindin, 2012: 276) 21. O processo de integração da China no sistema global tem início após a revolução. A Revolução Chinesa, pós 1945, tinha grandes objetivos, como a democratização, a paz e o progresso mundial. Entretanto, um dos seus maiores paradoxos é a dissonância entre as liberdades civis e a libertação nacionalsocialista, entre liberdades individuais e coletivas, e a proibição de uma organização de oposição (Chun, 2006: 205). Milaré e Diegues (2012) defendem a tese de que a reforma promovida por Mao Tsé-Tung teve grande importância para o bom desempenho da economia chinesa pós 1978, impulsionada pela Reorientação da Estratégia de Desenvolvimento [RED] de Deng Xiaoping, em Chun discute dilemas e complexidades da China envolvendo temas como liberdade e democracia, liberalismo e socialismo e os modelos rivais de legitimação relacionados ao Estado, à sociedade e aos indivíduos (Chun, 2006: 206). Estão em jogo os usos e abusos das doutrinas liberais nas políticas nacionais e internacionais da China. Assim, a partir das versões contemporâneas chinesas sobre o liberalismo, 19 Com a grande vantagem econômica e de vontade política do país, em 1981, os EUA gastaram em pesquisa e desenvolvimento [P&D] mais do que vários países desenvolvidos juntos. Panitch e Gindin ressaltam também as grandes desigualdades entre os países em desenvolvimento e o fato de ainda existirem muitas pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza (Panitch; Gindin, 2012: 276). 20 O capitalismo global à imagem do capitalismo americano não está livre de contradições e contestações, que se tornam aparentes pela emergência de movimentos antiglobalização e mesmo de atos terroristas, como o ataque ao World Trade Center, em 11 de setembro de 2001 (para os autores, uma forma de violência simbólica), além das crises econômicas ao redor do mundo (Panitch; Gindin, 2012: 301). 21 Caberia também refletir sobre o papel que a financeirização e o aumento do preço das commodities tiveram no processo de reprimarização e na recomposição da divisão internacional do trabalho. Entretanto, não será possível desenvolver essa reflexão aqui. Atualmente, percebe-se que, no caso brasileiro, a baixa dos preços das commodities tem custado o corte ou estancamento de gastos sociais e o endividamento do Estado, sem qualquer sinal de fortalecimento da indústria.

40 38 procura esclarecer quais seriam seus problemas-chave e os conceitos como são empregados localmente (ibidem). No período pós-mao, a China passou mais por reformas econômicas e políticas liberais do que de democratização. A expansão da economia criou espaços de liberdade individual, mas custou a erosão dos serviços públicos. No período entre 1978 e 1980, houve um movimento sem precedentes para uma democracia socialista envolvendo governo e sociedade (Chun, 2006: ). O medo da desordem, nos anos 1980, gerou outra reviravolta na política chinesa, levando o partido a uma campanha conservadora pelo patriotismo e pela civilização espiritual, resultando em um neoautoritarismo que era perfeitamente lógico para a estratégia hegemônica de reparação de cima para baixo (Chun, 206: 209). As políticas neoliberais, as consequências sociais do laissez-faire e a marginalização das massas de trabalhadores, resultaram na primavera de 1989, uma série de protestos contra a insegurança social, as desigualdades, a inflação (Chun, 2006: 211). Segundo Chun (2006: ), surge na China uma mistura de condições da classe trabalhadora inglesa do século XIX, padrões latino-americanos de busca de renda (rent seeking), dependência, privatização à la Rússia e traços do capitalismo nativo chinês. Contudo, mesmo sendo uma sociedade socialista estrutural e inevitavelmente dependente do capital, evitou-se a colonização das esferas política, social e cultural pela lógica do lucro, ao contrário do caso brasileiro. A inserção chinesa no sistema mundial se realiza com uma relação de interdependência [conflituosa] com os EUA (Ho-Fung, 2011). Nesse cenário, aproveitando o crescimento chinês, o Brasil reforça a [re]primarização de sua economia. Os produtos primários mantiveram grande importância na economia brasileira, tanto no que se refere ao mercado interno como às exportações. Inicialmente, a colonização do Brasil teve a finalidade de explorar os recursos naturais existentes na região, principalmente para abastecer o mercado europeu. A extração de madeiras, a mineração, a cana-de-açúcar e o café tiveram papel muito importante para a economia da colônia e do país por muito tempo. O gado bovino foi amplamente utilizado para subsistência e ocupação de grandes extensões de terras durante todo

41 39 o processo de ocupação, mantendo grande importância na atualidade (Prado Júnior, 1961; Simonsen, 2005; Schlesinger, 2010). Após o período de substituição de importações, a partir dos anos 1980 e com maior força nos anos 1990, com o processo de abertura comercial, o Brasil começou a sofrer um processo de desindustrialização precoce 22. Vários pesquisadores apontam para uma reprimarização da pauta de exportações do Brasil (Negri; Alvarenga, 2011; Cano, 2012; Nassif, 2012, só para citar alguns), retomando seu velho papel na divisão internacional do trabalho. Segundo Arend: Atraso tecnológico, vulnerabilidade externa, baixa produtividade do capital e do trabalho, desindustrialização precoce e re-especialização produtiva são evidências que permitiram afirmar que o Brasil, desde 1980, vem ficando para trás (falling behind) na trajetória de desenvolvimento capitalista (2009: 234, grifos originais) De fato, o Brasil vem reprimarizando sua pauta de exportações, com destaque à soja, carnes e minérios. A tabela 1 mostra o total das exportações primárias do Brasil, da América Latina e dos blocos regionais, entre 2004 e 2011, evidenciando o crescimento das exportações brasileiras de commodities. Tabela 1 Exportações latino-americanas de produtos primários, (porcentagens do valor total das exportações FOB de bens) País Brasil 47,0 66,2 Total América Latina e Caribe 46,3 60,7 ALADI (a) 46,2 60,9 Comunidade Andina (b) 76,1 87,3 MERCOSUL (c) 54,1 67,1 MERCOSUL, Bolívia e Chile (d) 60,5 71,8 MCCA (e) 48,8 59,4 Outros Países (f) 45,2 36,7 a) Argentina, Bolívia (Estado Plurinacional de), Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, Equador, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela (República Bolivariana de). b) Bolívia (Estado Plurinacional de), Colômbia, Equador, a Peru. c) Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. d) Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai mais Bolívia (Estado Plurinacional de) e Chile. e) Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua. f) Barbados, Belize, Guiana, Haiti, Jamaica, Panamá, República Dominicana e Trinidad e Tobago. Fonte: Adaptado de Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe [CEPAL], 2012, p Conforme descreve Nassif (2012).

42 40 Observa-se um aumento das exportações de produtos primários de 47%, em 2004, para 66,2%, em 2011, um crescimento de 19,2% em sete anos. A exportação de produtos manufaturados teve diminuição de 53% para 33,8%, inversamente, um decréscimo de 19,2% no mesmo período (CEPAL, 2012). De certa forma, isso reflete a posição subalterna que o país vem ocupando desde seu conturbado nascimento, mantendo-se alinhado ou sujeito aos interesses de potências estrangeiras e de uma elite agrária ainda poderosa (Castilho, 2012, afirma que o Brasil tem não só uma bancada, mas todo um sistema político ruralista, pois muitos dos representantes são grandes proprietários de terras). Da primarização da pauta de exportações, logo, de um setor voltado à produção e extração de bens primários, decorrem, junto à intensificação do processo produtivo e da expansão das fronteiras agropecuária, da mineração e da produção de energia, consequências socioeconômicas, ambientais e éticas negativas para humanos e não-humanos (Grava, 2013). 1.2 Modernidade e Natureza Duas tendências principais do processo de modernização afetam diretamente a relação entre o mundo social e o mundo natural: a racionalização (que assume direções ambíguas) e a industrialização (especialmente no capitalismo). É possível observar que as tendências no desenvolvimento da modernidade implicaram transformações materiais e simbólicas profundas na relação entre sociedade e natureza. Para compreender essas mudanças, cabe voltar ao período anterior à modernidade, no qual se construíram os alicerces da relação moderna com o mundo natural. Como lembra Parsons (1974: 10), as sociedades modernas têm como origem comum o mundo cristão. Segundo Thomas (1989), os fundamentos teológicos do pensamento ocidental serviram de base para o predomínio humano, fomentando a ideia de que as outras espécies deveriam se subordinar ao homem. Na Bíblia cristã, do Gênesis até o advento de Cristo, confirmar-se-iam os direitos dos homens sobre todo o mundo natural. Nesse contexto, embora houvesse questionamentos, incluindo interpretações que atribuíam ao homem a responsabilidade pelo cuidado

43 41 da natureza, prevaleceu a tese de que [...] foi tendo em mente as necessidades humanas que Deus criteriosamente projetou e distribuiu os animais (ibidem: 23). Para o Thomas, [...] a teologia da época [do século XVI ao XVIII] assim fornecia os alicerces morais para esse predomínio do homem sobre a natureza, que tinha se tornado, em inícios do período moderno, um propósito amplamente reconhecido da atividade humana (ibidem: 27-28), o que viria a ser seriamente questionado apenas no final do século XVIII (ibidem: ). Remetendo-se a Marx, Thomas concorda que a intensa exploração do mundo natural pelos cristãos teve mais influência do surgimento da propriedade privada e da economia monetária do que da própria religião. Teria sido [ ] a grande influência civilizadora do capital o que acabou com a deificação da natureza 23 (Thomas, 1989: 29). A tendência à racionalização (em sua forma instrumental e também relacionada a valores) é um dos fatores de grande transformação na maneira das pessoas perceberem e se relacionarem com o mundo e, consequentemente, implicou em mudanças radicais na forma como a natureza é entendida e utilizada. Nesse sentido, do século XVII em diante, a divulgação das ideias de René Descartes foi fundamental. Sua concepção da natureza como um grande mecanismo, e especialmente dos animais como meros autômatos, máquinas desprovidas de pensamentos e sensações, provocou uma ruptura com a visão organicista. Até então, o homem era visto como parte do mundo natural. Com essa nova concepção, o homem começou a gozar de uma superioridade sem precedentes e passou a usar o mundo natural como melhor lhe conviesse, sem grandes implicações morais. Assim, os animais, por exemplo, passaram a ser usados para qualquer finalidade humana, como em experimentos de vivissecção, e posteriormente viriam a ser usados como matéria-prima em grande escala nas futuras indústrias. A obra de Descartes (2001 [1637]) contribuiu decisivamente para o avanço da separação [ideal ou ideológica] entre sociedade e natureza, entre humanidade e animalidade, servindo de elo entre o pensamento cristão e o pensamento científico (buscando legitimar o primeiro através do último). 23 Além disso, não é exclusividade cristã o caráter antropocêntrico e o predomínio humano concedido pelas religiões, ocorrendo também entre índios americanos (Thomas, 1989: 29) e entre outras religiões.

44 42 Por sua vez, o processo de industrialização só foi possível através da visão de mundo que proporcionou a base simbólica e ideológica para este tipo específico de produção (e, logicamente, pelos recursos materiais disponíveis). Essa visão de mundo estaria embasada na racionalidade instrumental, o domínio da razão e a visão utilitarista do mundo para a qual tudo deveria servir aos propósitos humanos. Dessa maneira, a natureza concebida como simples matéria-prima, sem qualquer ligação orgânica ou moral com as pessoas, pode ser utilizada como melhor convêm aos propósitos humanos (ou de grupos específicos). A industrialização (como modo de produção peculiar, caracterizado, entre outras coisas, pelo emprego de máquinas, produção em massa, uso de fontes de energia inanimadas, trabalho assalariado) implica em uma forma específica de utilizar os recursos naturais para se produzir bens de consumo para a sociedade. Com a industrialização, a exploração do mundo natural se intensificou e aumentou radicalmente, chegando a provocar crises ambientais em diversas regiões do planeta (Leff, 2001; Alier, 2006). A industrialização e a racionalidade instrumental confluem com a evolução do capitalismo e, com isso, à sujeição do mundo natural [e do mundo social] à lógica do mercado. Plantas, animais e até mesmo bactérias, fungos e genes passam a ser tidos como mercadorias (assim como a mão de obra humana), produtos a serem comercializados no mercado. Contudo, embora predomine a visão instrumental, deve-se observar que a relação moderna com a natureza também deu origem à crítica ao modelo de desenvolvimento industrial capitalista e a sentimentos benevolentes em relação ao mundo natural. Essa ambiguidade é o que Eder (1996) chama de dupla estrutura da experiência moderna da natureza, ou o que Thomas (1989) denomina de dilema humano, referindo-se, por um lado, à instrumentalização do mundo natural, e, por outro, à crescente relação de respeito e empatia pela natureza. 1.3 Desenvolvimento e Natureza na Modernidade Brasileira O processo de modernização, incluindo a industrialização e o capitalismo, aportou de forma peculiar em terras brasileiras. Ao chegarem ao Brasil, os portugueses tiveram a impressão de terem encontrado um verdadeiro paraíso

45 43 terreal, uma terra fértil e de bom clima. No entanto, também havia o sentimento contrário, sendo o Novo Mundo visto como um lugar selvagem e perigoso, habitado por insetos e répteis horríveis. De qualquer forma, a ideia do país como natureza, o motivo edênico, permanece viva até hoje. A despeito de suas significações negativas, a natureza tem sido uma referência de orgulho nacional durante toda história brasileira (Carvalho, 1998; Pádua, 2004). Do início da colonização até o período atual, a história do Brasil (como também a latino-americana) está marcada pela exploração intensiva de seus recursos naturais. A colonização ocorreu não apenas no plano material, com o domínio dos territórios anteriormente ocupados por diversas etnias indígenas, e consequentemente sobre os recursos naturais existentes, mas também no plano simbólico e político, impondo as visões de mundo ocidentais que prevalecem até hoje. No período que se inicia no Renascimento (aproximadamente do século XIV ao XVII), a ideia predominante era de que a natureza oferecia todos os recursos necessários ao homem, que deveria controlá-la e manipulá-la a seu favor (influência de Francis Bacon e René Descartes). A concepção Renascentista de natureza, antropocêntrica, por sua vez, foi herdada da tradição ocidental, com raízes judaicocristãs e helênicas (Gudynas, 1999: ), permanecendo viva em grande medida ainda hoje. A manipulação e a apropriação da natureza (tida como um recurso infinito) eram vistas como condição e necessidade para o progresso perpétuo. Os economistas do século XVIII e XIX, como Adam Smith, John Stuart Mill e até mesmo Auguste Comte e Karl Marx, estavam também imbuídos desta concepção, predominando a ideologia do progresso. Conforme Gudynas, no início da conquista e colonização do Novo Mundo, parece ter predominado a concepção do entorno como espaço selvagem. A natureza, incontrolável, impunha-se sobre o ser humano. Essa visão, tipicamente europeia, abundava nos escritos entre os séculos XVII e XIX. Na América Latina, e no Brasil em particular, repetiam-se essas ideias, alternando-se entre a admiração, pela beleza das paisagens, e o temor, passando ao controle e domínio das forças naturais (Gudynas, 1999: 104; Pádua, 2004), buscando-se civilizar a natureza. Entretanto, desde o final do século XVIII, pensadores brasileiros têm criticado o uso irresponsável dos recursos naturais no país, o que teria causado uma destruição ambiental. As críticas, no entanto, estiveram mais relacionadas à

46 44 preocupação com o desenvolvimento econômico e social do país do que com o valor intrínseco 24 da natureza. Investigando a crítica ambiental entre pensadores políticos brasileiros entre 1786 a 1888, José Augusto Pádua (2004) identifica cinco visões predominantes de natureza entre a elite brasileira do período: 1) a primeira desvalorizava o mundo natural, sua destruição não seria importante. 2) A segunda reconhecia a grandeza da natureza, mas a considerava um obstáculo ao desenvolvimento da sociedade humana. 3) A terceira admirava o mundo natural, mas via sua destruição como um preço a pagar pelo progresso. 4) A quarta louvava intensamente o mundo natural, de modo abstrato e teórico, mas não se atentava à sua destruição concreta (visão romântica). 5) Finalmente, a quinta visão, focada pelo autor, que se referia a uma minoria da elite brasileira, mas importante politicamente, via o meio natural como riqueza e potencial econômico, logo sua destruição era interpretada [ ] como um signo de atraso, ignorância e falta de cuidado (Pádua, 2004: 27-28). Em fins do século XIX, impunha-se uma visão utilitarista que via a natureza como um estoque de recursos desvinculados uns dos outros. Minerais, animais e plantas eram vistos como abundantes e ao alcance das mãos 25 (Gudynas, 1999: 104, tradução nossa). Segundo Gudynas, a ênfase [ ] apontava à eficiência e produtividade em como extrair esses recursos e em como aproveitá-los nas estratégias de desenvolvimento 26 (ibidem: , tradução nossa). Não aproveitar esses recursos seria uma forma de desperdício. Durante os séculos XVIII e XIX, acreditava-se que o atraso da região era devido a travas culturais e políticas. Os índios e crioulos eram vistos como freios a uma melhor utilização da natureza e, por isto, buscou-se atrair novos imigrantes que pudessem fazer um uso mais eficiente dos recursos naturais (Gudynas, 1999: 105). 24 Varner (2001: 201) diferencia valor intrínseco ( intrinsic value ) de estabilidade moral ( moral standing ). Valor intrínseco significa que a existência ou florescimento de algo é [moralmente] bom em si mesmo, independentemente da sua relação ou utilidade para com qualquer outra coisa. Estabilidade moral diz respeito a que algo tem desejos e/ou necessidades que criam valor intrínseco. Dessa forma, o alcance de coisas que possuem valor intrínseco tende a ser muito maior que aquelas que possuem estabilidade moral. 25 Minerales, animales y plantas eran vistos como abundantes y al alcance de la mano (Gudynas, 1999: 104). 26 El énfasis apuntaba a la eficiencia y productividad en cómo extraer esos recursos, y en cómo se los aprovecha en las estrategias de desarrollo (Gudynas, 1999: ).

47 45 No entanto, dentro da perspectiva utilitarista também se desenvolveram posturas conservacionistas, mas sempre buscando proteger os recursos que alimentavam a economia, mantendo uma razão instrumental (Gudynas, 1999: 105). O desenvolvimento da ecologia como ciência manteve a visão mecanicista da natureza. O surgimento do conceito de ecossistema, que em muitos casos veio a substituir o próprio conceito de natureza, aplicou a noção de sistema sobre o mundo natural sob um ponto de vista físico matemático e, assim, manipulativo, dominando a ecologia enquanto disciplina científica durante grande parte do século XX. Entretanto, ainda havia quem buscasse sustentar uma relação não-instrumental com a natureza (Gudynas, 1999: 106). Com os estudos sobre extinção de espécies e contaminação, desde os anos 1960, a ideia de natureza agressiva e toda poderosa deu lugar a uma imagem de natureza delicada e frágil. Consequentemente, [...] a natureza como selvagem desaparece, e o natural adquire méritos de ser a situação à que se deseja regressar 27 (Gudynas, 1999: 106, tradução nossa, grifado no original). A pesquisa de Florit (2004) corrobora a existência desse processo, o qual chamou de reinvenção social do natural. As imagens da Terra vista do espaço, em que o planeta aparece como uma frágil esfera azul, contribuíram para a conformação dessa nova visão. Como observa Hannigan (1995), as imagens servem como um fator importante na construção de um problema ambiental e explica o ressurgimento de conceitos como biosfera, apontando para uma perspectiva mais holística e a existência de limites (Gudynas, 1999: 106). Estudos desenvolvidos a partir da década de 1970 também passaram a sustentar a ideia de natureza limitada, que começa a ter um papel mais central nas discussões sobre desenvolvimento. Entretanto, governos e intelectuais da América Latina não aceitaram facilmente essa ideia, afirmando que os problemas ambientais diziam respeito aos países industrializados (Gudynas, 1999: ). Acreditava-se que medidas de proteção ambiental pudessem ser ameaças ao desenvolvimento e à soberania nacionais (Domingues; Pontual, 2007: 149; Nobre, 1999: ). Os teóricos da dependência, como Raúl Prebisch, Celso Furtado, Fernando Henrique Cardoso, André Gunder Frank, que apresentaram uma visão propriamente 27 La naturaleza como salvaje desaparece, y lo natural adquiere méritos de ser la situación a la que se desea regresar (Gudynas, 1999: 106, grifado no original).

48 46 latino-americana de desenvolvimento, postularam que certas regiões se desenvolvem às expensas de outras e apostavam na industrialização, na busca do progresso econômico e na produção de excedentes como meios para a independência econômica para a América Latina. Contudo, não elaboraram uma visão alternativa da natureza e, devido ao seu otimismo tecnológico, acreditavam que os problemas ambientais poderiam ser resolvidos com o emprego de tecnologia. Novamente, a natureza tem um papel secundário nas estratégias de desenvolvimento. Em certa medida, as esquerdas marxistas e não-marxistas também compartilhavam dessa visão (Gudynas, 1999: 109). Entretanto, a partir dos anos 1980, a ideia de cunho liberal da natureza como capital (economização da natureza) passa a prevalecer na América Latina e no Brasil. Nessa visão, colocada dentro da lógica de mercado, a natureza seria um fator de produção dentre outros (Gudynas, 1999: ). Com as discussões a partir da Conferência de Estocolmo (1972), seguida da Rio 92, predominou a perspectiva utilitarista instrumental, mas com importantes avanços, como acordos internacionais sobre biodiversidade e mudança climática (Gudynas, 1999: ; Nobre, 1999: 143). Como consequência das várias disputas entre diferentes posturas (liberais, ecologistas, conservacionistas), ocorre a fragmentação da natureza, dividida entre distintos componentes e referida por vários conceitos: bioma, ecossistema, ambiente, ou mesmo capital, bens, produtos, recursos. Conforme Gudynas, [...] a redução da propriedade e da gestão em nível de genes é um exemplo de extrema fragmentação da vida 28 (1999: 108, tradução nossa), própria da visão utilitarista. Em resumo, as estratégias e estilos de desenvolvimento, no Brasil e na América Latina, repousam no contexto mais amplo do projeto da modernidade, prevalecendo a ideia da necessidade de crescimento econômico, a ideologia do progresso, a visão de natureza como subsidiária e a postura antropocêntrica (Gudynas, 1999). Entretanto, os impactos ambientais da industrialização e o caráter reflexivo da própria modernidade possibilitaram o questionamento mais agudo de suas consequências sociais e ambientais, dando origem ao amplamente debatido conceito de desenvolvimento sustentável e a novas percepções de natureza. 28 La reducción de la propiedad y de la gestión a nivel de los genes es un ejemplo de una extrema fragmentación de la vida (Gudynas, 1999: 108).

49 Problemática Ambiental na Modernidade Contemporânea A problemática ambiental, que surgiu nas últimas décadas do século XX como uma crise de civilização, questionando o modelo econômico e tecnológico dominante, vem sendo interpretada por diferentes perspectivas teóricas e ideológicas. Em suma, para alguns, é resultado do crescimento populacional, para outros, efeito do processo de acumulação do capital (Leff, 2001: 59; Leff, 2004a). A emergência do tema do crescimento populacional se tornou um dos principais campos de discussão da problemática ambiental. Segundo Martine (1993), a interpretação neo-malthusiana reapareceu em busca de explicações e soluções simplificadas, entendendo que há uma relação quase linear entre crescimento populacional e pressão sobre os recursos. Tal argumentação é conveniente aos países desenvolvidos, [ ] é tranqüilizadora porque ela lhes evita ter que fazer um exame crítico da civilização industrial ou da sua responsabilidade na degradação ambiental global (Martine, 1993: 10). No entanto, Martine não nega que a teoria neomalthusiana contém uma dose de verdade. De fato, o crescimento populacional afeta o equilíbrio ambiental, porém, ainda que a população mais pobre seja a que mais cresce, é a população dos países desenvolvidos a que tem um nível de consumo per capita mais elevado (Martine, 1993: 11). Outro efeito negativo do simplismo da interpretação neo-malthusiana está na distinção entre planejamento familiar e controle populacional. O primeiro é um direito humano básico, [ ] o segundo tem conotações políticas e morais discutíveis em diferentes contextos (Martine, 1993: 12-13), gerando interpretações equivocadas e manipulando [ ] os anseios de planejamento familiar para avançar no controle populacional (ibidem: 13). Todavia, Braidotti observa que um ponto positivo do retorno da teoria malthusiana nos debates sobre desenvolvimento foi fazer surgir uma preocupação em incluir as mulheres nas discussões e refletir sobre seu papel na gestão dos recursos naturais (2000: 189).

50 48 Ademais, Martine lembra que a taxa de fecundidade no Brasil, e na maior parte do mundo, vem declinando e o país é cada vez mais urbano, com a maioria da população vivendo nas grandes cidades. O problema ambiental brasileiro, agora, [ ] é um problema de áreas construídas e densamente povoadas não de matas, e está ligado ao crescimento industrial e seus impactos ambientais (1993: 15), bem como pelo avanço da fronteira agropecuária, sobretudo na Amazônia e na região norte do país. A questão é que se os países em desenvolvimento adotarem os padrões de produção e consumo dos países mais desenvolvidos, a situação ambiental global se deteriorará ainda mais. Portanto, o maior problema estaria na adoção do modelo de desenvolvimento capitalista que ignora as questões ambientais e sociais. Nesse sentido, de modo um tanto reducionista, Martine afirma que no Brasil [...] a lista dos problemas ambientais é típica da industrialização atrasada e da pobreza: a poluição do ar e da água pelas indústrias [ ] (1993: 35). Mais do que isso, os problemas ambientais e sociais no país e na América Latina são agravados por um padrão de desenvolvimento baseado no setor primário, com a intensificação do uso da natureza e da exploração da mão de obra (Grava, 2014; Domingues; Pontual, 2007). Leff (2001) e Acselrad (2014) lembram ainda que a problemática ambiental não é isenta de ideologias e nem é alheia aos interesses econômicos e sociais. Tem uma gênese marcada pela expansão do capitalismo e as consequentes desigualdades entre nações e classes sociais e gerou efeitos diversos sobre diferentes regiões, populações e economias, assim como deu origem a várias perspectivas de análises (Leff, 2001: 62; Porto-Gonçalves; Leff, 2015). Nesse sentido, as estratégias teóricas estão vinculadas a estratégias práticas de desenvolvimento (social, ecológico e tecnológico) em conformidade com uma epistemologia geral para fazer avançar o conhecimento. Para compreender a problemática ambiental, deve-se compreender as condições sociais e históricas de sua produção. Segundo Leff: [ ] a evolução e a transformação dos ecossistemas naturais objeto da ecologia estão determinados pelas necessidades de exploração de suas matérias-primas, o que gera o processo de acumulação do capital, bem como pelos efeitos das relações sociais de produção e das práticas produtivas de uma formação econômica sobre os modos e técnicas de aproveitamento dos recursos naturais do ecossistema. Isto obriga a pensar nas condições de internalização destas condições históricas e econômicas no objeto de estudo da ecologia a partir da especificidade das disciplinas

51 49 sociais, e não por meio de uma ecologização dos processos sociais (Leff, 2001: 79-80). Leff poderia indicar a contribuição de outras culturas para pensar a questão ambiental, contudo, nesse texto, não aponta para a valorização dos conhecimentos e práticas tradicionais na discussão sobre sustentabilidade (sobre o tema ver Diegues, 1994; 2000; e [Viveiros de] Castro, 2004). Domingues e Pontual (2007) trazem o tema da responsabilidade para o debate. Essa questão é um tópico permanente no pensamento social da modernidade e se relaciona as suas diferentes fases. A primeira fase da modernidade se vincula ao pensamento liberal, na qual a responsabilidade seria uma questão individual. A segunda remete ao Estado como entidade central e organizadora. A terceira fase, marcada pelo discurso da responsabilidade, pela extrema complexidade, pluralidade de temas e de agentes nas esferas pública e privada, relaciona-se à sociedade de risco, consequência da generalização dos efeitos não intencionais do que supôs ser a perfeita dominação da natureza e sua exploração ilimitada (Domingues; Pontual, 2007: 144). Os autores afirmam que, na América Latina, a questão ambiental se tornou uma preocupação social difusa e que o ambientalismo da região se caracteriza como um socioambientalismo, enfatizando sua preocupação com a pobreza e com um desenvolvimento sensível à degradação ambiental (Domingues; Pontual, 2007: ). No Brasil, surgiu um forte movimento ambientalista e também um compromisso formal do Estado com a questão ambiental como consequência das discussões internacionais. A institucionalização da questão resultou em provisões administrativas e legais, sendo criadas no âmbito nacional a Secretaria Especial do Meio Ambiente, em 1973, e o Conselho Nacional do Meio Ambiente [CONAMA], em 1981, além de corpos estaduais e locais. A Constituição de 1988, pós-ditadura, incluiu considerações sobre o meio ambiente, afirmando, por exemplo, que um ambiente saudável seria direito de todos os cidadãos, sendo responsabilidade do Estado a sua preservação. O Instituto Brasileiro para o Meio Ambiente e os Recursos Naturais Renováveis [IBAMA] foi criado em 1989, sendo o órgão executivo da Secretaria da Presidência da República para o Meio Ambiente [SEMAN], convertendo-se em Ministério do Meio Ambiente [MMA], em Posteriormente, em 1998, a lei de crimes ambientais foi promulgada, atribuindo responsabilidade

52 50 administrativa a empresas e responsabilidades penais aos seus executivos. Também tornou obrigatórias as audiências públicas para o licenciamento de atividades potencialmente danosas ao meio ambiente (Domingues; Pontual, 2007: ). Nos anos 1980, contando com financiamento internacional, também houve a ascensão de movimentos ecológicos, que denunciavam a degradação urbana, o desflorestamento e a perda de biodiversidade, alcançando impacto na opinião pública, na mídia e até mesmo em outros movimentos sociais. Contudo, os interesses poderosos, sobretudo do setor agropecuário, permanecem predominantes (Domingues; Pontual, 2007: ). A crítica às consequências indesejadas e não intencionais relacionadas à modernização, a confluência entre industrialismo, capitalismo e reflexividade, deu origem ao tão debatido e polêmico conceito de desenvolvimento sustentável, que permanece atual e como um campo em disputa ainda em aberto. 1.5 Desenvolvimento Sustentável A exploração intensiva e extensiva do mundo natural, sobretudo no capitalismo, suscitou crises e uma crítica ambiental mais consistente. As crises ambientais que vêm ocorrendo pelo mundo fizeram emergir o tema do desenvolvimento sustentável, que tem sido continuamente discutido desde os anos 1980, no Brasil e no mundo. O conceito é ainda alvo de intensa discussão e críticas, não só nas Ciências Sociais, mas também em uma gama de disciplinas que se ocupam de temas ambientais. É vasta a discussão sobre a trajetória do conceito de desenvolvimento sustentável, que é, como apontam Porto-Gonçalves e Leff (2015: 67), polissêmico e está no centro da chamada Ecologia política. Nascimento (2012a; 2012b) afirma que o desenvolvimento sustentável chegou mesmo a se configurar como um campo de disputa, no sentido empregado por Bourdieu, abrigando uma série de discursos que se opõem e se complementam. Esse autor (Nascimento, 2012b) observa que o termo tem duas origens, uma ligada à biologia, pela ecologia, e outra pela economia, como um adjetivo do desenvolvimento, abarcando ao menos três dimensões

53 51 distintas: a ambiental, a econômica e a social. Assim como outros autores, Costa (2008) enfatiza que sua utilização se iniciou a partir dos anos Entretanto, a referência mais antiga ao termo se encontra em 1968, em Barbier (apud Costa, 2008: 80), por ocasião das Conferências sobre a Biosfera, realizada em Paris, e sobre Aspectos Ecológicos do Desenvolvimento Internacional, em Washington, Estados Unidos da América [EUA]. A Conferência das Nações Unidas sobre (Meio) Ambiente Humano, de 1972, em Estocolmo, é amplamente reconhecida como marco de referência e responsável pela popularização, em âmbito internacional, do termo e da discussão sobre sustentabilidade. Embora houvesse diversidade de posicionamentos, preocupações e polêmicas, a questão demográfica e as relações Norte-Sul eram os temas mais debatidos. De acordo com Domingues e Pontual (2007: 145), o documento Limites do crescimento ( The Limits to Growth ), de 1972, apontava para uma possível estabilidade [ambiental] a partir do crescimento zero, mas, considerando a situação dos países do Sul, ou Terceiro mundo, a posição seria insustentável, pois impediria o desenvolvimento destes países. Consequentemente, teria surgido uma fenda entre Norte e Sul referente às questões ambientais. Em 1987, o Relatório de Brundtland (oficialmente publicado com o título Nosso Futuro Comum, ou Our Common Future ) veio a definir oficialmente o desenvolvimento sustentável como [ ] aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades, reforçando a urgência das formulações elaboradas em Estocolmo, em 1972 (Costa, 2008: 82, grifado no original). Apesar de controverso, o documento parece ter alcançado algum consenso, ou ao menos levou a um reconhecimento mínimo sobre a necessidade de conciliar desenvolvimento (no sentido econômico) com proteção ambiental. Contudo, por um lado, o conceito do relatório é criticado por seu caráter abstrato e sua ambiguidade (Herculano, 1992), e, por outro, é elogiado justamente por sua generalidade, o que possibilitaria abrir espaço para discussão (Nobre, 1999). Assim como a problemática ambiental sofre uma interferência ideológica (Marcuse, 1975; Leff, 2001; Porto-Gonçalves, 2012; Acselrad, 2014), também o tema do desenvolvimento sustentável não passa imune. De acordo com Herculano (1992), a concepção ambientalista de desenvolvimento sustentável passou a ser adulterada à medida que foi sendo apropriada por outros atores sociais, servindo

54 52 como estratégia de mercado e meio de controle de recursos naturais (visão instrumental), uma nova forma de colonização e exploração, segundo Porto- Gonçalves (2012: 26) e Leff (2004a). No entanto, conforme Nobre (1999), o relatório seria um projeto de institucionalização da problemática ambiental, constituindo-se de duas etapas estratégicas: a primeira buscando colocar a questão ambiental no primeiro plano da agenda política internacional, e a segunda pretendendo fazer com que as questões ambientais fizessem parte das políticas públicas dos Estados nacionais e de órgãos multilaterais e supranacionais em todos os níveis. A primeira etapa teria sido alcançada ainda em 1987, enquanto a segunda se vincula à realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, ou simplesmente Rio-92. Ao contrário de outras iniciativas, como a do ecodesenvolvimento, o caso do desenvolvimento sustentável foi um projeto de institucionalização exitoso que permitiu um consenso mínimo entre diferentes atores em torno da problemática ambiental em nível global. Todavia, Alier (1997: 12-13) observa que o Relatório de Brundtland (1987) aponta que a pobreza seria uma causa de degradação do ambiente, enquanto na verdade é a riqueza a causa principal de degradação ambiental. Os ricos consomem muito mais energia e materiais e, consequentemente, produzem mais dejetos que resultam deste consumo. Braidotti (2000) observa que os países do Norte, ao mesmo tempo em que estão empenhados em responsabilizar os países do Sul pelos danos ambientais, esforçam-se para transferir tecnologias redundantes (isto é, ultrapassadas e sujas) aos países menos desenvolvidos. Nobre (1999: 145) acrescenta que, até a década de 1990, os países do Norte eram responsáveis por cerca de 90% do total de emissões de dióxido de carbono e reabsorviam apenas 10% de suas emissões; o Sul, ao contrário, produzia somente 10% das emissões enquanto reabsorvia 90% do total. Ademais, Nobre (1999: ) lembra que a derrocada do socialismo real afetou as relações internacionais, tornando a situação dos países do Sul, já muito endividados, ainda mais dramática. Os mecanismos de financiamento e de transferência de tecnologias, amplamente discutidos na Rio-92, tiveram pouco impacto, mantendo-se as mesmas políticas e práticas que geraram a crise ambiental.

55 53 Entre 1980 e 1990, tem-se uma maior preocupação com o papel das instituições e sua relação com a sociedade civil. O discurso mais atual sobre desenvolvimento procura construir uma maior relação entre Estado, mercado e instituições civis, implicando alianças e conflitos de interesses (Costa, 2008: 87). Para Nobre (1999: 146), a institucionalização do desenvolvimento sustentável é um processo político no qual o objetivo é a [ ] definição do espaço institucional legítimo de decisão, ou determinar quem é o desenvolvimento sustentável. Mais do que isso, os atores envolvidos, especialmente os países doadores, procuram assegurar o controle nas discussões e decisões, ainda que falem apenas em eficiência das alocações de recursos. Em resumo, as demandas mais imediatas do Sul focavam a questão da mitigação da pobreza, da segurança alimentar e do desenvolvimento, enquanto o Norte focava na gestão ambiental e no uso de tecnologias para mitigação dos problemas ambientais. Os conflitos nas posições do Norte e do Sul se referiam a própria noção de sustentabilidade (Nobre, 1999: 151, a partir de Jordan, 1994). Segundo Nobre (1999: 155), o resultado da disputa pela definição, material e teórica, e institucionalização do desenvolvimento sustentável levou o debate para dentro das instituições. Desse modo, a pesquisa sobre a problemática ambiental se deslocou à investigação sobre instituições e políticas (policies) específicas. Embora as Organizações Não Governamentais [ONGs] ambientais participem na implementação de programas e decisões institucionais, o debate público acerca da sustentabilidade tende a ser guiado por instituições que detém poder de decisão sobre o rumo e a implementação dos programas ambientais. Entretanto, o conceito de desenvolvimento sustentável foi apropriado de modo distinto por uma diversidade de atores. Foladori e Tommasino (2010) descrevem as principais posições sobre o desenvolvimento sustentável nas últimas três décadas do século XX. De acordo com os autores, a discussão sobre o tema deve primeiramente esclarecer os conceitos de sustentabilidade social e sustentabilidade ecológica, que também não repousam em consenso. Para eles, existem duas concepções principais de sustentabilidade social: 1) a sustentabilidade social limitada: social como ponte para a sustentabilidade ecológica e as soluções para os problemas ambientais são basicamente técnicas; e 2) a coevolução sociedade-natureza: os problemas sociais são parte do desenvolvimento insustentável e as soluções devem ser consideradas de um ponto de vista técnico e

56 54 social. Os principais desacordos e contradições entre os conceitos [ ] estão nas relações intraespecíficas do gênero humano (sustentabilidade social), antes que nas relações entre o ser humano e seu entorno (sustentabilidade ecológica) [ ] 29 (Foladori; Tommasino, 2010: 57, tradução nossa). O quadro 1 exemplifica as principais posições referentes ao desenvolvimento sustentável: Quadro 1 Concepções de desenvolvimento sustentável segundo Foladori e Tommasino Economistas de livre mercado As relações capitalistas solucionam os problemas ambientais Ambientalismo moderado Ecologismo Marxismo Sustentabilidade ecológica Sustentabilidade ecológica + pobreza Fonte: Adaptado de Foladori e Tommasino, 2010, p. 58. Mudanças no consumo individual As insustentabilidades ecológica e social estão intimamente ligadas às relações capitalistas A primeira concepção, dos economistas de livre mercado 30, distingue-se das demais por entender que a sustentabilidade se refere fundamentalmente às questões ecológicas. Nela, as soluções dos problemas seriam dadas pela mão invisível do mercado e pela criação e uso de novas tecnologias. As outras três correntes creem que é necessário considerar também as dimensões socioeconômicas, embora mantenham diferenças importantes entre si. A segunda posição, a do ambientalismo moderado, considera o social em função do seu impacto ecológico. Nesse sentido, propõe entender as questões sociais enquanto ponte para se chegar à sustentabilidade biofísica. A terceira posição, a do ecologismo, acredita que a sustentabilidade social importa por si e que para se chegar a ela é necessário e possível corrigir o sistema capitalista de tal maneira que as desigualdades sociais sejam resolvidas. Por último, a quarta posição, de inspiração marxista, valora a sustentabilidade social por si e sustenta a tese de que o sistema capitalista é regido por leis que conduzem inexoravelmente à insustentabilidade social e ambiental. 29 "[ ] están en las relaciones intraespecíficas del género humano (sustentabilidad social), antes que en las relaciones entre el ser humano y su entorno (sustentabilidad ambiental) sobre las cuales hay menos discrepancias" (Foladori; Tommasino, 2010: 57). 30 Pode-se ainda se referir às correntes da modernização ecológica (Lenzi, 2006), ou do capitalismo ou economia verde (Lander, 2011).

57 55 Cabe observar que dentro de cada perspectiva existem tensões, contradições e posições diferentes e que cada uma possui uma concepção distinta de natureza. A ideia de desenvolvimento sustentável pressupõe uma concepção de natureza que pode ser mais ou menos instrumental. Essa concepção está diretamente vinculada à forma como as pessoas, e os sistemas sociais das quais participam, interpretam e utilizam a natureza. Ainda sobre a sustentabilidade, Eduardo Gudynas (2009: 14) oferece outra classificação, um pouco distinta, considerando quatro visões predominantes: 1) ideologia do progresso (desenvolvimentismo) 31 : não incorpora a sustentabilidade; 2) sustentabilidade fraca: visão reformista; 3) sustentabilidade forte: crítica ao progressismo, com enfoque técnico-político; e 4) sustentabilidade superforte: crítica à ideologia do progresso, busca por novos estilos de desenvolvimento, consideração ao valor intrínseco da natureza. O quadro 2 expõe em detalhe a classificação de Gudynas: Quadro 2 Principais tendências em desenvolvimento sustentável segundo Gudynas Não incorpora a sustentabilidade Ideologia do progresso, metas de crescimento econômico, artificialização do ambiente, rejeição aos limites ambientais Incorpora-se a Sustentabilidade fraca Aceitam-se os temas ambientais; sustentabilidade visão reformista para articular o progresso com uma gestão ambiental; limites ecológicos modificáveis; economização da Natureza; enfoque teórico. Sustentabilidade forte Maiores críticas ao progressionismo ; economização da Natureza, mas com preservação de um estoque crítico; enfoque técnico-político. Sustentabilidade superforte Crítica substantiva à ideologia do progresso; busca de novos estilos de desenvolvimento; conceito de Patrimônio Natural [no lugar de recurso natural]; ética dos valores próprios [intrínsecos] na Natureza; enfoque político. Fonte: Adaptado de Gudynas, 2009, p Novamente associada à economia de livre mercado, à modernização ecológica ou à economia verde.

58 56 Outro enfoque é proporcionado por Jatobá, Cidade e Vargas (2009: 49-50), no qual os autores destacam três perspectivas teóricas principais (cada qual apresentando particularidades e subcategorias específicas) que se conectam com visões de natureza e de território específicas. Respectivamente, estão: 1) a ecologia radical, na qual estão a ecologia tradicional, o protecionismo, o conservacionismo, a ecologia profunda, a economia ecológica e outras correntes que destacam o aspecto ecológico da sustentabilidade; 2) o ambientalismo moderado, que preza pela conciliação entre crescimento econômico, desenvolvimento social e proteção ambiental; e 3) a ecologia política, que relaciona as questões ambientais ao contexto socioeconômico e político-ideológico. Essas classificações permitem incluir uma gama ampla de atores envolvidos com o tema do desenvolvimento e suas visões de natureza. No entanto, sugere-se, mais adiante, uma classificação que considere os tipos de visões de natureza como ética, moral 32 ou instrumental e respectivamente de visões de sustentabilidade reflexiva, prática ou instrumental 33. É possível apresentar a ideia de desenvolvimento sustentável como uma contra-tendência ou reação à modernização e como uma reação própria da modernidade. A tendência reflexiva e à racionalidade possibilitaram a crítica aos efeitos ou consequências não intencionais da modernização (desigualdades sociais, crises ambientais), mas também a apropriação instrumental do conceito. Contudo, a posição brasileira na nova divisão internacional do trabalho, como provedora de commodities agropecuárias e minerais de baixo valor agregado, ambientalmente prejudiciais e de baixa densidade tecnológica, reforça o subdesenvolvimento e dá condições para que empresas desconsiderem os 32 Para fins analíticos, assumem-se os significados de ética e moral conforme Houaiss (2009). Segundo a definição do dicionário, a ética é a parte da filosofia responsável pela investigação dos princípios que motivam, distorcem, disciplinam ou orientam o comportamento humano, refletindo [especialmente] a respeito da essência das normas, valores, prescrições e exortações presentes em qualquer realidade social. A moral é definida como um conjunto de valores, individuais ou coletivos, considerados universalmente como norteadores das relações sociais e da conduta dos homens. Dessa forma, a ética estaria ligada formalmente a um campo de investigação filosófica, como prática reflexiva sistemática de questionamento da conduta humana, enquanto a moral refletiria os valores morais (social, cultural e politicamente construídos) de grupos sociais específicos, pressupondo, portanto, a interação entre indivíduos e grupos. 33 Toma-se apenas referência, como categoria analítica, a noção mais estrita e tradicional de reflexividade, do sujeito [ ] percebido como consciência de si e em si, que reflete sobre si e sobre o mundo (Domingues, 2002a: 59). Nesse sentido, a reflexividade seria um traço predominante dos intelectuais, sejam cientistas ou socioambientalistas, que se propõe a pensar formal e sistematicamente sobre diferentes questões em suas rotinas de trabalho. Uma discussão mais sistemática e em maior profundidade sobre o tema é realizada por Domingues (1998a; 2002a).

59 57 problemas e a legislação ambientais baseados em uma suposta legitimidade garantida por seus supostos benefícios econômicos (Domingues; Pontual, 2007: 165; Grava, 2014; Acselrad, 2014). Um ponto importante da crítica à ideia inicial sobre o desenvolvimento sustentável, ao menos no modelo latino-americano, refere-se à questão da pobreza. Esse questionamento permite pensar melhor a ideia de justiça ambiental, sem a qual não pode haver desenvolvimento sustentável em um sentido pleno e democrático. Essa perspectiva permite avançar na reflexão sobre a relação entre sociedade e natureza, pois evidencia, entre outras coisas, a conexão íntima entre o sistema social e seu meio ambiente físico, além das relações políticas estabelecidas entre sistemas sociais e seus impactos sobre o mundo natural. 1.6 Ecologia Política e Justiça Ambiental Alier (2006: 102) observa que a expressão Ecologia Política [EP] foi usada pela primeira vez em 1957, por Bertrand de Jouvenel, mas fora introduzida [popularizada] pelo antropólogo Eric Wolf, em No entanto, somente a partir dos anos 1980 que a EP emergiu como o estudo dos conflitos ecológicos distributivos (sobre recursos ou serviços ambientais, Alier, 2006), consequência das crises [sócio]ambientais após a Segunda Guerra Mundial (Lipietz, 2002) e de estudos de caso da Geografia e da Antropologia rurais (Alier, 2006: ). Porto-Gonçalves destaca que a discussão sobre a dimensão política no debate sobre a natureza ganhou força com as publicações de [ ] Primavera Silenciosa (1962), de Rachel Carson, Population Bomb (1968), de Paul Erlich, da Estratégia do Desperdício de Vance Packard (1965), do The Economic Process and the Entropy Law de Nicholas Georgescu Roegen (1971), do The Limits to Growth de Meadows e Meadows (1972), do Para una crítica de la ecologia política, de Hans Magnus Enzensberg (1973), [e] O Mito do Desenvolvimento de Celso Furtado (1974) (2012: 19, grifos originais). Ademais, com a conferência mundial sobre o meio ambiente, em Estocolmo, no ano de 1972, a questão ambiental entrou na agenda geopolítica internacional.

60 58 Partindo de uma crítica aos fundamentos ontológicos e metafísicos da epistemologia moderna (positivismo, estrutural-funcionalismo), Porto-Gonçalves (2012) e Leff (2003) afirmam que a EP não é só um campo de estudo, mas também de ação política. Além dos conflitos ecológicos distributivos, preocupa-se com as relações de poder que se estabelecem entre o mundo da vida das pessoas e o mundo globalizado. Congrega contribuições de diversos campos de estudo, como economia ecológica, direito ambiental, sociologia política, antropologia das relações cultura-natureza, ética política (Leff, 2003: 18). Segundo Leff, a EP surge do entorno da economia ecológica para analisar os processos de significação, valorização e apropriação da natureza que não se resolvem nem pela valorização econômica da natureza, nem pela aplicação de normas ecológicas à economia. De modo geral, foca-se no problema da distribuição ecológica, de modo a compreender as externalidades ambientais e os movimentos sociais que surgem dos conflitos distributivos [ecológicos] (Leff, 2003: 19). Dito de outro modo, nas palavras de Leff (2003: 20): [ ] a distribuição ecológica aponta em direção a processos de valorização que vão além da racionalidade econômica em suas tentativas de atribuir preços de mercado e custos crematísticos ao meio ambiente, mobilizando atores sociais por interesses materiais e simbólicos (de sobrevivência, identidade, autonomia e qualidade de vida), além das exigências estritamente econômicas de propriedade dos meios de produção, de emprego, de distribuição de renda e de desenvolvimento 34 (Leff, 2003: 20, tradução nossa). Nesse sentido, a EP estabelece uma relação íntima com a perspectiva da justiça ambiental 35, ambas questionando a distribuição desigual do acesso aos recursos ambientais e das externalidades que decorrem deste uso, bem como a racionalidade e os mecanismos que operam esta distribuição desigual. A perspectiva da Justiça Ambiental [JA] reúne um ponto de vista ético-político e uma base epistemológica. O primeiro ponto deriva de sua definição precisa de 34 Sin embargo, la distribución ecológica apunta hacia procesos de valoración que rebasan a la racionalidad económica en sus intentos de asignar precios de mercado y costos crematísticos al ambiente, movilizando a actores sociales por intereses materiales y simbólicos (de supervivencia, identidad, autonomía y calidad de vida), más allá de las demandas estrictamente económicas de propiedad de los medios de producción, de empleo, de distribución del ingreso y de desarrollo (Leff, 2003: 20). 35 Alier (2006: 106) nota que existiria uma separação entre autores da Ecologia política e da Justiça ambiental por disputas disciplinares, pois os antropólogos e geógrafos que estudam as problemáticas rurais do terceiro mundo teriam dominado a EP, enquanto que a JA, nos EUA, seria o campo de ativistas por direitos civis, sociólogos e especialistas em relações raciais.

61 59 injustiça ambiental como sendo aquela que impõe danos ambientais desproporcionais a grupos sociais específicos em função de sua posição subordinada. Sua base epistemológica, o segundo ponto, provém da afirmação que as divisões sociais predefinem a lógica de distribuição desigual desses impactos e a exposição desigual a ambientes insalubres, degradados ou de risco. Dessa perspectiva resulta um novo vigor para a crítica social inerente à discussão ambiental, que sempre esteve presente na agenda ambientalista, mas que teria perdido espaço para outras abordagens. Vários autores apontam que o Movimento por Justiça Ambiental [MJA] [Environmental Justice Movement] se constituiu nos Estados Unidos da América [EUA], nos anos 1980, [ ] fruto de uma articulação criativa entre lutas de caráter social, territorial, ambiental e de direitos civis (Acselrad, sem data [s/d]: 2). A partir de sua leitura de Robert Bullard, Herculano (2002: sem página [s/p]) define justiça ambiental como: [ ] o conjunto de princípios que asseguram que nenhum grupo de pessoas, sejam grupos étnicos, raciais ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas de operações econômicas, de políticas e programas federais, estaduais e locais, bem como resultantes da ausência ou omissão de tais políticas. Entende-se que a injustiça ambiental, ao contrário, seria um [ ] mecanismo pelo qual sociedades desiguais destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento a grupos sociais de trabalhadores, populações de baixa renda, grupos raciais discriminados, populações marginalizadas e mais vulneráveis (Herculano, 2002). No final dos anos 1960, nos EUA, iniciaram-se os debates contra condições não adequadas de saneamento, disposição e contaminação química em locais de moradia. Nos anos 1970, sindicatos, ambientalistas e organizações de minorias se articularam com o objetivo de elaborar pautas referentes a questões ambientais urbanas. Já nessa época, estudos apontavam para uma distribuição espacial desigual da poluição segundo a raça das populações (o que se chamou de racismo ambiental ), entretanto não resultaram em mudanças na agenda pública. Entre 1976 e 1977, iniciaram-se negociações para que as questões referentes ao combate da localização do lixo tóxico nas áreas de residência de populações negras entrassem na pauta dos ambientalistas tradicionais (Acselrad, s/d).

62 60 Com a experiência de luta concreta, em 1982, em Afton, condado de Warren na Carolina do Norte, nos EUA, quando a população local organizou protestos contra a instalação de um depósito de policlorinato de bifenil [PCB], firmou-se a constituição de um movimento por justiça ambiental (Acselrad, 2009; Figueroa; Mills, 2001; Herculano, 2002; Hartley, 2003; Bullard, 2010; Legarda; Pardo Bundía, 2011). Nesse período, tinha-se mais clara a [ ] percepção de que o critério racial estava fortemente presente na escolha da localização do depósito daquela carga tóxica [ ], com isso, face a tais evidências, estreitaram-se as convergências entre movimento dos direitos civis e dos direitos ambientais (Acselrad, s/d: 2). No campo acadêmico, ainda nos EUA, criaram-se, principalmente na área da Sociologia ambiental, vários programas de pós-graduação e centros de estudo que se dedicaram a estudar o tema. Entre eles figuram o Environmental Justice Research, da Universidade de Atlanta, Geórgia, o Deep South Center for Environmental Justice, Xavier University, na Louisiana, e o Environmental Justice Program da School of Natural Resources and Environment, na Universidade de Michigan (Herculano, 2002). No Brasil, segundo Herculano (2002), as políticas ambientais urbanas brasileiras tiveram início no século XIX, entretanto na forma de [ ] questões de saúde pública e higienismo (este último percebendo a natureza como uma ameaça). No período mais recente, nos anos 1980, a questão do saneamento urbano veio a ser incorporada na temática ambiental [ ] e a fazer aparecer o componente de desigualdade sócio-espacial no acesso a tais serviços (Herculano, 2002). Ainda no Brasil, [ ] o marco inicial de sistematização e divulgação da problemática referente à Justiça Ambiental foi a coleção intitulada Sindicalismo e Justiça Ambiental, publicada em 2000 pela Central Única dos Trabalhadores (Herculano, 2002). A consolidação política e acadêmica da JA no Brasil se firmou com o Colóquio Internacional sobre Justiça Ambiental, Trabalho e Cidadania, realizado em 2001, com o objetivo de: [ ] discutir enfoques teóricos e implicações políticas da proposta de Justiça Ambiental, fazer o histórico e avaliação de campanhas e ações de cidadania, dos; [sic] casos de injustiça ambiental no Brasil e na América Latina, refletir sobre a experiência dos sindicatos e propor a construção de

63 61 uma agenda; parcerias e uma coalizão nacional e internacional (Herculano, 2002). Em 2002, foi consolidada a Rede Brasileira de Justiça Ambiental [RBJA]. Segundo informações do seu site oficial: A RBJA consolidou-se, desde 2002, como um espaço de identificação, solidarização e fortalecimento dos princípios de Justiça Ambiental marco conceitual que aproxima as lutas populares pelos direitos sociais e humanos, a qualidade coletiva de vida e a sustentabilidade ambiental (RBJA, sem data a). Assim, a JA conflui e se insere na luta pelos direitos humanos e pela sustentabilidade ambiental. Nesse sentido, a defesa do estilo de vida e dos territórios de povos tradicionais se choca contra os projetos de modernização, especialmente aqueles relacionados a megaprojetos impulsionados pelo Estado e por grandes empresas (e ainda com outros atores, como grileiros de terras, agricultores, pecuaristas). Dessa forma, tanto a EP como a JA revelam que a racionalidade instrumental moderna impõe uma forma de dominação sobre o mundo natural e sobre grupos sociais específicos, de classe, gênero, etnia, raça. No fundo, estão lógicas distintas de apropriação social do mundo natural, contrapondo-se uma racionalidade instrumental, mercadológica, e uma racionalidade ambiental, que abriga uma diversidade de racionalidades distintas com vistas ao desenvolvimento sustentável, com respeito ao mundo natural e às diferentes culturas (Leff, 2004b; Acselrad, 2008; Porto-Gonçalves; Leff, 2015). 1.7 Considerações do Capítulo A modernidade se desenvolveu criando consigo uma multiplicidade de características e contradições. Ao mesmo tempo em que possibilitou a capacidade de reflexão crítica sobre si e o constante [auto]aperfeiçoamento, gerou efeitos não intencionais ligados a sua própria lógica de funcionamento. As principais tendências em relação às transformações das relações sociais, produtivas e ambientais, são a industrialização e a racionalidade instrumental.

64 62 Juntas, essas tendências significaram avanços tecnológicos, econômicos e sociais imensos. Contudo, também geraram consequências sociais e ambientais negativas que passaram a ser um dos pontos principais da crítica contemporânea ao projeto da modernidade ou do processo de modernização. Pode-se avaliar que o surgimento do conceito de desenvolvimento sustentável seria o resultado do entrecruzamento das capacidades reflexivas e dos efeitos não intencionais gerados pelo processo de modernização. Outro resultado, ligado tanto ao processo de modernização quanto à crítica do desenvolvimento sustentável, é o surgimento do movimento por justiça ambiental. Esse movimento representa a peculiaridade da modernidade brasileira, sendo resultado do entrechoque do projeto da modernidade e da resistência de povos tradicionais (indígenas, agricultores familiares e outros atores). Desses conflitos socioambientais se originam discursos que buscam defender ações, interesses, estilos de vida e visões de mundo de diferentes atores e nos quais a sustentabilidade possui papel importante como fator de legitimação. Além disso, aos conceitos de sustentabilidade subjazem diferentes visões de natureza, que se revelam plurais e não como objetos dados, como mostram, ainda que com limitações, a Sociologia clássica e recente.

65 63 2 SOCIOLOGIA E NATUREZA [...] even the most elementary orientation of action on animal levels involves signs which are at least the beginning of symbolization. [...] On the human level certainly the step is taken from sign-orientation to true symbolization. This is the necessary condition for the emergence of culture (Parsons, 2005 [1951]: 6). A ideia da separação entre sociedade e mundo natural se fez presente nas discussões da Sociologia desde seu nascimento, permanecendo até os dias atuais como uma questão importante e ainda em aberto. A diferenciação entre natureza e cultura legitimava, e ainda legitima, uma abordagem própria da Sociologia, tanto em relação aos métodos, quanto a seus fundamentos epistemológicos. Uma vez que o mundo social 36 se difere significativamente do mundo natural em termos de sua ontologia ou manifestação fenomênica, não poderia ser estudado a partir da abordagem da Biologia ou de outra ciência, sendo necessária a formulação de uma disciplina com métodos e fundamentos próprios. A Sociologia buscou de várias maneiras explicitar as diferenças entre humanos e não-humanos, vendo especialmente na cultura e no uso de sistemas simbólicos a peculiaridade da natureza humana (como observa Porto-Gonçalves, 2008, o humano é um ser que produz cultura, sendo esta a sua especificidade natural). Nesse sentido, os seres humanos, diferentemente do resto da natureza, viveriam em um complexo universo simbólico mediado pela cultura, objeto de intenso debate, sobretudo em torno das noções de ação e estrutura sociais 37. De modo geral, a produção sociológica, clássica e recente, oferece elementos para pensar a natureza como construção simbólica, elaborada social e politicamente. No entanto, essa contribuição apresenta limitações. Em primeiro lugar, a Sociologia não passou intocada pelos valores de seu contexto sóciohistórico, como também sua produção não deixou de influenciar o ambiente social onde foi produzida e disseminada, sendo possível conceber uma retroalimentação 36 De modo geral, poder-se-ia utilizar outros termos, como sistemas sociais, processos de socialização, cultura e outros semelhantes, que, embora com significados diversos e características peculiares, são tidos como objetos de estudo da Sociologia. 37 De modo equivalente a outros binômios: indivíduo e sociedade, subjetividade e objetividade, sujeito e objeto.

66 64 ou uma dialética entre o contexto social mais amplo e o campo científico (como aponta Giddens, 1991, p e 52, através da ideia de hermenêutica dupla ). Assim, ao menos em parte, a disciplina reproduz os valores de seu tempo, subsistindo um caráter antropocêntrico em sua produção. Em segundo lugar, os principais teóricos da Sociologia não desenvolveram análises específicas sobre a construção social da natureza e, além disto, não ofereceram instrumentos analíticos específicos para este empreendimento, figurando apenas elementos parciais para sua elaboração. Alguns autores enfatizaram mais radicalmente a ideia de que a realidade não passa de uma construção social contingente e arbitrária (construtivismo forte), enquanto outros reconheceram a existência da realidade em si, incluindo o meio ambiente material, mas afirmam que esta é apropriada e interpretada de maneiras distintas por diferentes sistemas sociais (construtivismo suave). O presente capítulo procura apontar as principais contribuições e os limites das teorias sociológicas clássicas e do século XX e da Sociologia ambiental para a formulação teórica da construção social da natureza. Na primeira parte, dentre os autores clássicos, serão tratados somente obras selecionadas de Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber. Seria também válido discutir outros autores pioneiros da Sociologia, como Auguste Comte, Herbert Spencer e George Simmel, entretanto esta discussão não caberá neste trabalho. Na parte seguinte, entre os teóricos do século XX, serão revisitados autores proeminentes no campo, como: George Mead, Alfred Schütz, Theodor Adorno e Max Horkheimer, Jürgen Habermas, Herbert Marcuse, Niklas Luhmann, Pierre Bourdieu e Anthony Giddens. Essa discussão procurará evidenciar a visão dos autores em relação ao mundo natural, os elementos que fornecem para a compreensão da natureza enquanto construção social e suas limitações. Trata-se de uma breve contextualização teórica e não uma análise minuciosa e conclusiva sobre a compreensão dos autores sobre o tema. Na terceira parte, será realizado um histórico do desenvolvimento da Sociologia ambiental com a intenção de mostrar que, a despeito de suas limitações, existe um campo específico da Sociologia que efetivamente pensou a relação entre sociedade e natureza. Na última parte, serão realizadas as considerações do capítulo, fazendo uma breve reflexão sobre os temas e autores debatidos.

67 O Mundo Natural e os Clássicos da Sociologia Todos os autores clássicos da Sociologia debateram a questão da relação entre sociedade e natureza. Dentre eles, Karl Marx foi quem mais enfatizou essa relação e influenciou outros autores, dentre os quais alguns se dedicaram à temática socioambiental (Kautsky, 1989; Alier, 1997; Löwy, 2008). Émile Durkheim, apesar de seguir um viés naturalista, não colocou tanta ênfase na relação sociedade e natureza. Max Weber, ao contrário de Marx e Durkheim, reconheceu uma dimensão subjetiva entre os animais não-humanos, sugerindo a possibilidade de uma Sociologia das relações com os animais. Analisando-se os escritos de Marx, é possível identificar contradições ou posições paradoxais sobre a dimensão sociedade e mundo natural e a dialética dos conceitos de trabalho e natureza. A relação que vislumbrava para a futura sociedade socialista com a natureza também é cheia de paradoxos. Contudo, a crítica às consequências do capitalismo para o meio ambiente e para os trabalhadores é clara e direta. No capítulo V de O Capital, Marx dá uma definição explícita do que é trabalho: Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes a sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a Natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele desenvolve as potências nela adormecidas e sujeita o jogo de suas forças a seu próprio domínio. Não se trata aqui das primeiras formas instintivas, animais, de trabalho. O estado em que o trabalhador se apresenta no mercado como vendedor de sua própria força de trabalho deixou para o fundo dos tempos primitivos o estado em que o trabalho humano não se desfez ainda de sua primeira forma instintiva. Pressupomos o trabalho numa forma em que pertence exclusivamente ao homem (Marx, 1996: ). Essa definição evidencia que a categoria trabalho aponta, paradoxalmente, para uma relação de interdependência e complementaridade entre homem e

68 66 natureza, ao mesmo tempo em que separa a sociedade, na forma de trabalho humano, e o mundo natural, como formas instintivas de atividade animal 38. Essa dialética também está presente nos Manuscritos Econômicos- Filosóficos : [...] o trabalhador nada pode criar sem a natureza, sem o mundo exterior sensível (sinnlich). Ela é a matéria na qual o seu trabalho se efetiva, na qual [o trabalho] é ativo, [e] a partir da qual e por meio da qual [o trabalho] produz (Marx, 2004: 81, grifado no original). Nota-se também que a natureza é sinônimo de mundo exterior, algo fora da condição humana. Voltando ao Capital, Marx frisa que: [...] o uso e a criação de meios de trabalho, embora existam em germe em certas espécies de animais, caracterizam o processo de trabalho especificamente humano [ ] (Marx, 1996: 299). Marx observa a existência de características semelhantes entre humanos e animais, atento às controvérsias existentes sobre o tema, mas insiste na singularidade humana. Para Marx, a importância do trabalho se deve ao fato de os meios de trabalho serem não apenas [ ] medidores do grau de desenvolvimento da força de trabalho humana, mas também indicadores das condições sociais nas quais se trabalha (Marx, 1996: 299). Pode-se deduzir que, para Marx, quanto maior o domínio sobre o mundo natural, maior o progresso ou o desenvolvimento da humanidade. Na Ideologia Alemã, novamente aparece a distinção entre seres humanos e mundo natural mediada pela ideia de trabalho: Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião e por tudo o que se queira. Mas eles próprios começam a se distinguir dos animais logo que começam a produzir seus meios de existência, e esse passo à frente é a própria conseqüência de sua organização corporal. Ao produzirem seus meios de existência, os homens produzem indiretamente sua própria vida material. A maneira como os homens produzem seus meios de existência, antes de mais nada, da natureza dos meios de existência já encontrados e que eles precisam reproduzir. Não se deve considerar esse modo de produção sob esse único ponto de vista, ou seja, enquanto reprodução da existência física dos indivíduos. Ao contrário, ele representa, já, um modo determinado da atividade desses indivíduos, uma maneira determinada de manifestar sua vida, um modo de vida determinado [ ] O que os indivíduos são depende, portanto, das condições materiais de sua produção (Marx; Engels, 2001: 10-11, grifado no original). 38 Isso é, se uma pessoa ara a terra para plantar, isto é trabalho, se um animal cava um buraco para armazenar um alimento, isto é apenas instinto. Marx não demonstra, empiricamente, o que faz com que o trabalho humano se diferencie, essencialmente, do instinto animal, isto é, o que faz com que as modificações feitas por humanos se diferenciem qualitativamente das ocasionadas por outros seres.

69 67 Portanto, os indivíduos são caracterizados por sua capacidade de transformar a natureza, o que implica na sua própria transformação neste processo. Desse modo, os conceitos de alienação (que ocorre quando os homens se afastam do produto de seu trabalho), força produtiva e modo de produção, o próprio materialismo histórico e dialético, centrais nas obras de Marx, estão intimamente conectados e, ao menos em parte, fundamentados na dialética entre trabalho e natureza. Quanto aos temas ambientais, os legados de Marx e de seu companheiro Friedrich Engels são bastante dúbios. Os textos apresentam ambiguidades, oscilando entre uma forma de crítica ambiental da relação entre sociedade e natureza e uma visão instrumental do mundo natural. Em vários trechos de diversas obras (Marx, 1996; 2004; Marx; Engels, 2001), Marx e Engels criticam as consequências ambientais do modo de produção capitalista, apontando principalmente os danos causados ao meio ambiente pela agricultura moderna, como a destruição de bosques e a degradação dos solos. Porém, ainda que fossem críticos da produção pela produção, enfatizavam a necessidade de explorar industrialmente o mundo natural para a satisfação das necessidades humanas, mesmo no socialismo. Ainda que Marx possuísse uma visão antropocêntrica, própria de seu tempo, acreditando que a libertação humana somente aconteceria a partir da dominação e exploração do mundo natural, reconheceu de maneira crítica que o capitalismo teria alterado radicalmente a relação entre o mundo social e o mundo natural. Para ele, haveria a necessidade de reconciliação entre ambos, o que ocorreria a partir de uma formação econômica alternativa (Marx, 1996; 2004; Marx e Engels, 2001; Foladori, 1997; 2001). Marx e Engels deixaram um grande legado para o debate ambiental. Entre os autores que retomam o debate marxista sobre a questão ambiental estão Kautsky, Löwy e Alier. Karl Kautsky (1989 [1929]) aponta explicitamente que aplica o método da Ciência Natural para estudar a sociedade, a qual concebe como sendo parte da natureza e não como algo fora dela, com leis específicas próprias que não seriam incompatíveis com a unidade da natureza. Embora muitos vissem semelhanças entre as perspectivas de Marx e de Darwin, Kautsky (1989, sem página) argumenta que a luta de classes e a luta pela

70 68 existência seriam diferentes, sendo que a primeira forma envolve massas, que vivem sob mesma condição, e a segunda envolve indivíduos da mesma espécie, na luta por comida. Kautsky (1989) afirma que Darwin tinha uma posição individualista, o que corresponderia à perspectiva liberal. Contudo, apesar de adotar uma posição explicitamente neo-lamarckiana, não abandonou a contribuição de Darwin. A partir de Darwin e Lamarck, Kautsky procura reconciliá-los com a concepção materialista da história de Marx. Segundo Kautsky (1989), o conflito entre organismo e ambiente, da adaptação destes organismos às demandas do ambiente, seria o motor do desenvolvimento, tanto da natureza orgânica quanto da sociedade. A diferença fundamental entre natureza e sociedade seria que, enquanto o desenvolvimento do mundo natural não seria constante, o desenvolvimento do homem, por suas habilidades mentais (a capacidade de criar ferramentas, órgãos artificiais ), seria constante. As ferramentas criadas pelos seres humanos seriam parte do ambiente e, deste modo, elas próprias e seus produtos seriam independentes da humanidade. Esses produtos criariam demandas não previstas e não intencionadas pelas pessoas, fazendo surgir novos problemas ambientais, o que obrigaria os seres humanos a criarem novas invenções e instituições. Para Kautsky, [ ] essas invenções e instituições se tornam uma força motriz do desenvolvimento humano funcionando continuamente, e isso não existe entre os outros animais. Aqui começa o domínio especial da sociologia 39 (Kautsky, 1989, sem página, tradução nossa). Kautsky rejeita a ideia de que os seres humanos são motivados apenas por interesses econômicos, afirmando que: [ ] nós Marxistas reconhecemos no homem não apenas motivações egoístas, mas também sociais, não apenas econômicas, mas também eróticas, bem como motivações pela busca da beleza e do conhecimento 40 (Kautsky, 1989, tradução nossa). Não seriam as motivações e necessidades humanas que causariam as mudanças sociais, mas sim o desenvolvimento da tecnologia. Segundo Kautsky: 39 [ ] these inventions and institutions become a driving force of human development that functions continuously and that does not exist among the other animals. Here begins the special realm of sociology (Kautsky, 1989, sem página). 40 [ ] we Marxists recognize in man not only egoistic but also social drives, not only economic but also erotic ones as well as drives seeking beauty and knowledge (Kautsky, 1989).

71 69 O desenvolvimento em si é causado pela luta do homem com seu ambiente, da necessidade de adaptar seus órgãos a ele, o que o homem, ao contrário dos animais, faz conscientemente pela invenção de órgãos artificiais que em troca, direta e através dos seus efeitos, produz um novo ambiente com novos problemas e novos meios para solucioná-los. Então, isso resulta em um processo infinito de desenvolvimento humano 41 (Kautsky, 1989, tradução nossa). Essa tecnologia é desenvolvida e aplicada em contextos sociais específicos e implica em relações de produção condicionadas por forças produtivas específicas. Nesse ponto, surge a crítica à concepção de Marx e Engels de que a luta de classes seria o motor da história. Kautsky observa que na maior parte da história não existiu nem Estado nem classes. A explicação para a mudança social deveria ser outra, que incluísse o progresso técnico/tecnológico. Kautsky também é um crítico dos danos ambientais causados pelo capitalismo, afirmando que, se não surgir um modo de produção superior, o modo de produção então vigente arruinaria a sociedade através do aumento da exploração da força de trabalho e especialmente do solo. Desse modo, Kautsky evidencia sua perspectiva marxista, incluindo a crítica social e ambiental ao modo de produção capitalista e a necessidade de sua superação, almejando um amplo progresso da humanidade a partir do socialismo. Entretanto, assim como em Marx e Engels, impera a crença no progresso (própria à época dos autores) através da indústria, da inovação tecnológica e do domínio do mundo natural. Michael Löwy (2008) questiona a possibilidade de uma leitura ecológica em Marx e Engels, afirmando que existem constrições em suas obras a este respeito, o que abre possibilidade para interpretações diversas e contraditórias. O autor procura pôr em evidência essas contradições e a partir disto, propor uma ecologia de inspiração marxista. Lembrando que muitos acusam Marx e Engels de colocarem o homem como senhor do mundo natural, Löwy afirma que eles se referiam simplesmente ao conhecimento das leis da natureza e, além disto, afirmavam, em várias passagens, que o homem é parte da natureza. Sob o comunismo, a humanidade voltaria a se reconciliar com o mundo natural, como uma unidade essencial (Löwy, 2008, sem página). 41 This development itself is caused by man s struggle with his environment, of the necessity to adapt his organs to it, which man, in contrast to animals, does consciously by the invention of artificial organs that in turn, partly directly, partly through their effects, produce a new environment with new problems and new means to their solution. Thus, there results an infinite process of human development (Kautsky, 1989).

72 70 Citando escritos de Engels (1876), Löwy mostra que havia uma leitura ecológica no marxismo onde se percebia que a exploração intensa da natureza afetava a humanidade e o mundo natural e que os humanos não estariam fora da natureza. Dessa forma, já se esboçava uma crítica ecológica da destruição pela produção e uma crítica ao desflorestamento (Löwy, 2008). Löwy refuta também a acusação de que Marx atribuía todo valor e riqueza ao trabalho humano, descurando-se da natureza. Para ele, Marx se utilizava da teoria valor-trabalho para explicar a origem do valor de troca e, além disso, na Crítica do Programa de Gotha, Marx afirma explicitamente que a natureza é a fonte de todo valor, tanto do valor de uso (valor real) como do valor do trabalho, que é também expressão de uma força natural dos seres humanos (Löwy, 2008). Quanto ao produtivismo, Löwy observa que Marx era um crítico da produção pela produção, insistindo na satisfação das necessidades humanas, na redução da jornada de trabalho e no crescimento do tempo livre. Löwy chega a afirmar que, a partir dos textos que analisou, existiria na obra de Marx uma teoria da ruptura do metabolismo entre sociedade e natureza, resultado do produtivismo capitalista. Na Ideologia Alemã, Marx e Engels apresentam a noção do potencial destruidor e uma noção geral dos limites naturais do desenvolvimento das forças produtivas. Com a mecanização e o dinheiro, as forças produtivas se desenvolveram ao ponto de se tornarem forças destrutivas 42. Citando uma passagem do Capital, Löwy mostra que Marx estaria atento ao fato de que o progresso do capital implicaria no esgotamento das duas formas de geração de riqueza, da terra e do trabalhador (Löwy, 2008). Löwy faz um questionamento sobre como Marx e Engels definiriam o programa socialista em relação ao ambiente natural. Tendo por princípio o socialismo como desenvolvimento ilimitado das forças produtivas, pareceria que a problemática ambiental não estaria contemplada. Entretanto, em outras passagens (como nos Manuscritos Econômico-Filosóficos ), Marx e Engels colocam como tarefas do socialismo: (re)estabelecer a harmonia entre sociedade e natureza sob novas bases, conservar o ambiente natural e o princípio de responsabilidade com as gerações futuras (Löwy, 2008). 42 Apesar de os autores debaterem sobre problemáticas ecológicas da agricultura, especialmente em relação ao solo, eles não deixam claro se se trata de uma consideração ao valor intrínseco do mundo natural ou se se refere a uma crítica à destruição da natureza por seu valor de uso.

73 71 Para Löwy, apesar de não terem uma perspectiva ecológica de conjunto, a crítica econômica de Marx e Engels se faz mais que necessária para uma crítica ecológica à altura dos desafios contemporâneos. O ecossocialismo viria a romper radicalmente com a civilização materialista capitalista, propondo um novo modelo de sociedade, de produção e um novo paradigma de civilização (Löwy, 2008). Em um artigo originalmente publicado em 1992, Joan Martínez Alier (1997) faz inicialmente uma crítica aos liberais e até mesmo aos marxistas pela crença no desenvolvimento contínuo que ignora os limites ecológicos do planeta. Segundo Alier, por um lado, o mercado não se encaixaria no ecologismo, pois subvaloriza as necessidades futuras. Por outro, os regimes socialistas não teriam incentivos ao uso eficiente dos recursos. Sob os regimes socialistas, faltaria a liberdade para se ter movimentos ecologistas que pressionassem as empresas e os serviços estatais a pagar pelos danos ambientais. No entanto, com a queda desses regimes se abriu a possibilidade para outras correntes socialistas, especialmente a do ecologismo dos pobres, proposta por Alier (Alier, 1997: 8). Criticando as crenças de que o ecologismo seria um movimento monotemático das sociedades prósperas, Alier afirma que o ecologismo não seria um movimento novo, que as sociedades prósperas estariam longe de serem pósmaterialistas (comentando o consumo e produção de dejetos crescentes) e que também existe um ecologismo da sobrevivência, um ecologismo dos pobres (Alier, 1997: 9). O ecologismo dos pobres está ligado ao que Alier chama de expansão do capitalismo e as consequências para o meio ambiente e para os pobres, ou as consequências sociais e ecológicas da modernidade, alertando para o fato de que, em certas formulações, os pobres são vistos como agentes passivos. Ao contrário, para Alier, existem movimentos sociais de pobres, rurais e urbanos, no que concerne à luta por acesso aos recursos naturais, que vão contra o Estado e o capital e contribuem para a conservação dos recursos. Segundo ele, a própria lógica da sobrevivência tornaria os pobres conscientes da necessidade de conservar os recursos (Alier, 1997: 9-10). O relatório de Brundtland (1987, citado por Alier, 1997) apontava que a pobreza seria uma causa de degradação do ambiente. De acordo com Alier, é a riqueza, e não a pobreza, a causa principal de degradação ambiental. Os ricos

74 72 consomem muito mais energia e materiais e consequentemente produzem mais dejetos que resultam deste consumo (Alier, 1997: 12-13). Alier lembra a crítica dos economistas ecológicos que apontam a ineficiência tanto da economia de mercado como da economia planificada na preservação dos recursos naturais, pois eles não conseguem internalizar as externalidades negativas da exploração da natureza. Os custos ambientais só aparecem na contabilidade quando são assumidos por um grupo social e é neste ponto que aparece uma perspectiva dos pobres do mundo, integrando uma crítica ecológica da economia com lutas sociais, representando, por isto, uma perspectiva marxista (Alier, 1997: 13). Com base na classificação de Guha, Alier (1997: 14) chama a atenção às diferentes tendências entre os ativistas ecológicos: gandhianos, partidários do ecodesenvolvimento e tecnologias apropriadas, e marxistas ecológicos. Propõe que a esquerda abandone as estratégias do ecodesenvolvimento e acompanhe a perspectiva da luta de classes (citando o caso da luta dos seringueiros, que culminou no assassinato de Chico Mendes, em 1988). Alier admite que, embora existam marxistas preocupados com as questões ecológicas, sobretudo ligadas às crises ambientais, [ ] o marxismo e o ecologismo ainda não se integraram (1997: 19). Continua afirmando que o marxismo é mais economista do que materialistaenergetista, o que dificultaria a crítica ambiental. Para ele, seriam os movimentos sociais e não os preços que revelariam os custos ecológicos da atividade produtiva. Alier observa ainda que: As sociedades ou grupos sociais atuam sobre o meio ambiente segundo as representações que se fazem de suas relações com ele. Estas representações favorecem, ou, ao contrário, exercem um efeito limitador sobre as extrações devastadoras. A história da natureza, a nossa percepção dela, é uma construção social, e por isso pode decidir-se que a história natural também é história social (Alier, 1997: 19). Nesse sentido, aponta que algumas religiões, como o cristianismo, estariam predispostas ao abuso da natureza (como demonstra, por exemplo, Thomas, 1989). Ainda que na sua visão nenhuma civilização, do passado ou do presente, seria ecologicamente inocente, reconhece que a atual civilização industrial consome muito mais recursos (como combustíveis fósseis) do que outras jamais consumiram (Alier, 1997: 20).

75 73 Citando Jean Paul Deleage, Alier sustenta a tese de que os seres humanos são a principal força produtiva e sua adaptação ao ecossistema seria o princípio fundamental da sociedade. Enquanto as civilizações industriais têm se dedicado ao desenvolvimento de novas tecnologias para explorar os recursos naturais, outras têm se dedicado à observação e ao conhecimento do ambiente para fazer um uso sustentável dos recursos. Desse modo, deduz que os camponeses [e outras populações tradicionais] seriam os maiores conhecedores das condições ecológicas (Alier, 1997: 20), indicando que isto lhes permitiria fazer uso sustentável dos recursos naturais. Alier ainda ressalta o valor do conhecimento tradicional e popular, expressos na agroecologia espontânea, na tradição vegetariana popular e na medicina alternativa, reconhecendo que os problemas ambientais são complexos e interdisciplinares, além de envolver novos problemas e muitas incertezas (Alier, 1997: 20). Ao se analisar a obra de Marx e Engels e de seus discípulos, percebe-se que existe uma grande contribuição marxista ao debate da relação sociedade e natureza. Ao diferenciar o trabalho humano das atividades do mundo natural, Marx e Engels permitiram não só dar um fundamento a um método e a uma epistemologia próprios (o materialismo histórico e dialético), como também possibilitaram entender, até certo ponto, a relação dialética entre sociedade e natureza (ora colocando o homem como parte da natureza, ora como algo fora dela). Além disso, suas ideias permitiram realizar a crítica ambiental ao modo de produção capitalista, observando suas consequências tanto para o mundo natural como para os seres humanos. A contribuição de seus seguidores ajuda a perceber as potencialidades e limitações de Marx e Engels. Além disso, mostram que as crises ambientais são, em grande medida, produto de relações sociais, estão intrincadas nas contradições e nos conflitos sociais e políticos. A inclusão das lutas sociais na problemática ambiental permite um avanço significativo e abre espaço para a discussão da justiça ambiental, mostrando que os diferentes grupos sociais são afetados de maneira distinta pelos danos ambientais, assim como o acesso aos recursos são também diferenciados. Apesar das contradições ou paradoxos nas obras de Marx e Engels em relação às questões ambientais, esboça-se a possibilidade da crítica ambiental e uma proposta de desenvolvimento sustentável a partir da superação do modo de

76 74 produção capitalista. No entanto, os autores não abrem espaço para uma discussão mais aprofundada sobre a construção social da natureza, limitada por uma dialética fechada dos conceitos de trabalho e natureza. Nessa concepção, a natureza aparece como algo dado, como simples matéria que deve ser utilizada pelos seres humanos para satisfação de suas necessidades materiais (ver Eder, 1996: 15; Leis, 2004: ). Não se problematiza a concepção instrumental da natureza, tão cara ao capitalismo, como construção política, contingente e arbitrária. Cabe analisar se as obras de outros clássicos oferecem ferramentas para a superação das limitações do marxismo para este empreendimento. Dentre os autores clássicos, Émile Durkheim foi quem recebeu influências do darwinismo mais diretamente. Assim como Charles Darwin, Durkheim acreditava que a diferença entre os seres humanos e os outros animais seria apenas de grau e não de tipo. Entretanto, em sua teoria a sociedade teria fatores de causalidade próprios, distintos do mundo natural. O fato social seria uma característica que distinguiria os seres humanos das demais espécies. Embora haja alguma continuidade biológica entre os seres humanos e outros animais, para Durkheim [ ] o animal só conhece um único mundo: é o que ele percebe pela experiência tanto interna quanto externa. Apenas o homem tem a faculdade de conceber o ideal e de acrescentar ao real (1983: ). Todavia, Durkheim não esclarece de onde vem ou o que representa essa diferença. Além disso, não aponta os mecanismos gerativos e como se manifesta a capacidade de idealizar dos seres humanos, nem demonstra elementos que corroborem a falta dessa capacidade entre outros animais. Lenzi (2007) observa que embora Durkheim tenha separado de maneira clara os fenômenos sociais dos fenômenos biológicos, isto não o impediu de seguir um viés naturalista. Apesar de haver uma separação entre fato social e fato biológico, há também uma semelhança entre eles: ambos são externos e coercitivos. Por essa razão, Durkheim via uma proximidade metodológica entre as ciências humanas e ciências naturais, o que permitiria atribuir à Sociologia o mesmo status científico associado às ciências naturais. Segundo Lenzi (2007: 2), a importância que Durkheim emprestava aos fatores ambientais em suas explicações sofreu alterações ao longo de sua obra, mas é possível considerar que via a sociedade e a natureza [ ] como entidades estritamente interligadas a ponto de ver a natureza como parte da sociedade e vice-

77 75 versa. Contudo, assim como em Marx, a relação da sociedade com a natureza é de dominação, sendo o incremento da divisão do trabalho social relacionado à apropriação da natureza (Eder, 1996: 7-8). Durkheim entendia que os objetos materiais, ou artefatos, seriam coercitivos na medida em que se pode encontrar neles [ ] as ideias e crenças que pertencem a todos os fatos morais. [ ]. Assim, coisas materiais representavam apenas mais um meio indireto de se chegar à subjetividade humana e das coerções associadas a esta mesma subjetividade 43 (Lenzi, 2007: 7). Para Lenzi (2007: 7), Durkheim (1987) não apenas estabeleceu uma relação íntima entre sociedade e natureza, mas, aparentemente, diluiu as coerções advindas da última na primeira. O autor afirma que o problema da sociologia de Durkheim é seu equívoco de ver as coerções sociais e materiais como fruto de um mesmo fenômeno. Citando Giddens, Lenzi lembra que a sociedade não é um fenômeno externo ao indivíduo no mesmo sentido que o meio, o ambiente, é-lhe externo. Dessa forma, é possível notar que Durkheim também apresenta propostas para incorporar o meio ambiente na discussão sociológica, ainda que não tenha desenvolvido propriamente uma Sociologia ambiental. Sua tese possibilita observar que a ideia de natureza está conectada às relações sociais que as pessoas estabelecem entre si. Todavia, assim como Marx, Durkheim exibe uma noção ambígua da relação entre sociedade e natureza, ora apresentando a sociedade como continuação e parte da natureza, ora como algo fora dela. Ainda que a relação entre sociedade e natureza não seja muito explorada na obra de Max Weber, o autor traz alguns elementos importantes para o debate. A ação social de Weber, assim como os fatos sociais de Durkheim, possui um elemento de exterioridade, uma vez que o sentido da ação está condicionado pela ação de outros agentes [sociais]. Assim, a ação social difere da ação individual, pois requer uma cultura simbólica compartilhada, que impõe limites para a forma que cada agente pode dar para a sua própria ação (Lenzi, 2007: 4). No entanto, Weber reconhece que a intencionalidade da ação não estaria limitada aos seres humanos. O autor pondera: Este não é também o lugar para discutir a extensão em que o comportamento dos animais torna-se subjetivamente compreensível para 43 Pode-se associar a afirmação a uma forma de construtivismo forte.

78 76 nós, ou o nosso para eles; uma tal compreensão é altamente incerta, e sua aplicação muito problemática. Mas até onde tal compreensão existe, seria concebível formular uma sociologia das relações com os animais, quer domésticos ou selvagens. É verdade, afinal, que muitos animais compreendem ordens, raiva, amor, agressividade, e não reagem apenas instintiva e mecanicamente, mas de modo conscientemente significativo e com base em experiências prévias. Nossa própria capacidade de identificarnos com o comportamento de povos primitivos dificilmente é melhor (Weber, 1987: 26). Nesse sentido, Weber foi o autor clássico que mais explicitamente comentou a relação entre seres humanos e animais e reconheceu uma possibilidade de intencionalidade da ação para além dos seres humanos. Não só reconheceu a possível existência de um mundo subjetivo entre os animais não-humanos, ainda que com ressalvas, como também sugeriu a construção de uma sociologia das relações com os animais. Em sua sociologia compreensiva, a relação com o mundo natural pode ser entendida a partir dos significados que os atores sociais atribuem à natureza e os compartilham entre si, envolvendo tensões, disputas, dominação, cooperação. Dessa forma, Weber abre caminho para a construção social da natureza, ainda que não tenha formulado instrumentos analíticos e uma discussão específica sobre o tema, e sua concepção tenda a uma forma de construtivismo forte. Outro conceito central na obra de Weber é o de racionalização. A ação social racional, referente a fins ou a valores, pode contribuir para entender a relação moderna com a natureza, que se tornou uma relação predominantemente instrumental. Nesse sentido, a natureza foi transformada em objeto, em matériaprima destinada à satisfação das necessidades humanas, perdendo em grande medida sua conotação moral, denotando não só o desencantamento do mundo social, mas também o desencantamento do mundo natural. Entretanto, a modernidade é marcada pela pluralidade de visões, existindo uma visão oposta à instrumental, a qual atribui valor intrínseco ao mundo natural. De todo modo, os autores clássicos da Sociologia apontam inevitavelmente para a compreensão de que a relação entre sociedade e natureza se dá, sobretudo, através de uma mediação simbólica, fruto de relações de poder entre pessoas e destas com seu entorno físico. 2.2 Teorias Sociológicas no Século XX e Construção Social da Natureza

79 77 No tópico que se segue, apresentam-se elementos que demonstram como a natureza aparece nas obras de alguns importantes autores da teoria sociológica no século XX e é discutido, brevemente, como diferenciam o mundo natural do mundo social. Procura-se evidenciar as contribuições e limitações de alguns dos autores da teoria sociológica no século XX para a formulação da construção social da natureza. A obra de George Mead (1962) é um dos marcos da produção sociológica no século XX. O autor empreende seus estudos com base na psicologia social, interessado particularmente na relação entre as estruturas, ou ordem social, e o comportamento individual. Mead (1962) toma inicialmente os animais não-humanos como ponto de partida para a comparação com o comportamento humano. O autor realiza essas comparações para descrever processos que ocorrem somente entre pessoas, diferenciando aquilo que é comportamento exclusivamente humano do comportamento animal. Entre as capacidades exclusivas do ser humano estão a de atribuir significados às coisas (gestos, sons) e especialmente a de criar e usar símbolos. A estrutura social condicionaria, de certo modo, o comportamento individual no sentido que os gestos acompanham um grupo social ou comunidade dados, gerando um tipo particular de respostas nos indivíduos. Dessa forma, a ação social é a única dotada de significado, logo, distinta da natureza. Mead lembra que houve um tempo em que as pessoas pressupunham que havia um impulso definitivo da parte do animal humano para fazer o que outras pessoas faziam, principalmente quando se observa a imitação das crianças. Mead questiona qual seria a função da imitação. De certa forma, ela aparece como um processo de aprendizagem que depende do contexto social em que o indivíduo está inserido e do qual depende para sua sobrevivência física e social (Mead, 1962: 51). Segundo Mead, a imitação só é desenvolvida de forma mais complexa entre os seres humanos e está diretamente ligada à origem da linguagem. Para Mead, a linguagem carrega um conjunto de símbolos que respondem a certos conteúdos que são mensuravelmente idênticos nas experiências de diferentes indivíduos (Mead, 1962: 26). Assim, [ ] se deve haver comunicação como tal, o símbolo deve significar a mesma coisa para todos os indivíduos envolvidos, embora

80 78 A conversa de gestos não carrega com ela um símbolo que tem um significado universal para todos os diferentes indivíduos 44 (ibidem: 54, tradução nossa). Mead enfatiza a importância do aspecto linguístico da ação humana e, além disto, pondera que, apesar de os símbolos significarem a mesma coisa para os indivíduos de um mesmo grupo, eles não têm valor universal. Um símbolo só faz sentido no seu contexto social [e histórico] específico. Ademais, o mesmo símbolo (palavra, gesto) pode adquirir significações distintas entre diferentes grupos e indivíduos (podendo-se levar em consideração suas histórias específicas, suas posições sociais, interesses). Dessa forma, a natureza pode ser entendida como construção social, apropriada simbolicamente, resultado de processos sociais mediados linguisticamente entre indivíduos pertencentes a um grupo social específico, adquirindo, assim, significações peculiares a este grupo. De modo semelhante, Alfred Schütz apresenta a ideia do mundo da vida cotidiana como o mundo da intersubjetividade que precede aos indivíduos, vivenciado e interpretado pelos antepassados como mundo organizado. A interpretação desse mundo só é possível a partir de um estoque de experiências anteriores, transmitidas pelos pais e professores (o que Schütz chama de conhecimento à mão, que não é homogêneo), funcionando como um código de referência (Schütz, 1979: 72). A atitude natural frente ao mundo da vida cotidiana está para além do indivíduo, faz parte de um mundo intersubjetivo comum a todos, um mundo ao qual não se tem interesse teórico, mas prático, em dominá-lo e modificá-lo, ao mesmo tempo em que os indivíduos são também modificados por ele (Schütz, 1979: 73). Schütz sustenta que a maioria dos conhecimentos (e formas de agir) sobre o mundo da vida é naturalizada. Ademais, os conhecimentos práticos dos indivíduos, além de não serem homogêneos, são 1) incoerentes; 2) apenas parcialmente claros; e 3) não estão livres de contradições (o que não quer dizer que se originam de falhas lógicas) (Schütz, 1979: 76). Embora o mundo social seja algo naturalizado pelos indivíduos, ele não é o mesmo que o mundo natural. O mundo social se diferencia na medida em que é definido como uma rede de relações, signos e símbolos, o que não ocorre no mundo 44 If there is to be communication as such the symbol has to mean the same thing to all individuals involved. [ ] The conversation of gestures does not carry with it a symbol which has a universal significance to all the different individuals (Mead, 1962: 54).

81 79 natural. Pode-se afirmar que o mundo natural, na perspectiva de Schütz (1979), mais do que um ambiente físico cuja existência é independente das relações sociais, seria uma construção social intersubjetiva, resultado da herança cultural e das ações de indivíduos em interação em um contexto social mais amplo. A ideia de natureza entre os teóricos críticos da Escola de Frankfurt pode ser encontrada em suas discussões sobre a modernidade. Para Adorno e Horkheimer (1947), uma das características do mundo moderno é a prevalência da racionalidade instrumental, que se desenvolveu a partir da busca pelo domínio cada vez maior sobre a natureza. Como consequência, o esclarecimento (o programa de desencantamento do mundo) se torna totalitário (pretendendo se tornar universal), impondo uma visão de mundo e de natureza submetidas pela razão. Os autores apresentam uma ideia estática na qual sociedade e natureza permanecem reféns uma da outra. O desenvolvimento da sociedade aparece atrelado à exploração do mundo natural e este aparece totalmente dominado pela racionalidade instrumental do mundo moderno. Apesar de não permitirem uma discussão mais aberta sobre a construção social da natureza, os autores expõem a forma predominantemente instrumental de relação com a natureza no mundo moderno. De modo um pouco distinto, Habermas (1992: ) entende a relação entre o mundo da vida com seu meio ambiente como uma relação de sobrevivência. Quando se trata da reprodução material do mundo da vida (neste caso, objetivado e considerado como um sistema que conserva seus limites), o que importa não são suas estruturas simbólicas, mas seus processos de intercâmbio com o meio ambiente. No entanto, na modernidade, a racionalidade instrumental passa a colonizar não só o mundo da vida, mas também o mundo natural de modo concreto. Aparentemente, Habermas tem em conta o processo de intercâmbio com a natureza, mas ignora as estruturas simbólicas que participam deste processo. Segundo Goldblatt, [...] a consequência evolutiva da racionalização do mundo natural deriva da alegação de Habermas de que o progresso moral é o pré-requisito para o desenvolvimento da reprodução material das sociedades (1996: 175). Para Goldblatt, é da colonização do mundo natural que derivam as patologias da sociedade moderna (ibidem: 176). Leis (2004: ) reconhece como positivas as críticas dos autores da Escola de Frankfurt sobre a relação moderna com o mundo natural, da transformação da natureza em recursos para a produção [industrial] e como objeto

82 80 para a ciência. Contudo, Leis critica os pensadores, especialmente Adorno, Horkheimer e Habermas, pois, além de não acreditarem em uma reconciliação entre sociedade e natureza, não conseguiram se abrir o suficiente para elaborar bases teóricas não antropocêntricas para a política. Herbert Marcuse (1975) empreende uma crítica mais consistente sobre a relação sociedade e natureza no capitalismo, enfatizando seu conteúdo político. Observa o fato de que quanto maior a produtividade capitalista, maior é a destruição ambiental, apontando que esta seria uma das manifestações das contradições internas do capitalismo. No entanto, acaba reduzindo a natureza a um processo histórico, social, não reconhecendo sua imanência. Seguindo pela sociologia alemã, Niklas Luhmann é outro autor importante. O lugar da natureza na obra de Luhmann (1997) é bastante claro, sendo totalmente exterior ao sistema social. O ambiente natural e os problemas ambientais teriam apenas a capacidade de perturbar os subsistemas sociais, que reagiriam de modo a se conformarem às perturbações. Um exemplo seria a absorção da questão ambiental pela Economia, pelo Direito ou pela própria Sociologia. Em sua teoria, não existe uma troca do sistema com o meio ambiente na forma de inputs e outputs, mas simplesmente uma apropriação comunicativa seletiva. Consequentemente, alguns subsistemas podem ou não incorporar o meio ambiente ou o mundo natural comunicativamente, isto é, atribuindo-lhes significado. Assim, a natureza terá um significado próprio no Direito, na Economia, na Biologia, em quaisquer subsistemas considerados, variando de um para outro. Por um lado, o argumento de Luhmann pode contribuir para a compreensão sobre as apropriações simbólicas da natureza, variando de acordo com o subsistema (ou cultura) que a interpreta. Por outro lado, ignorar a materialidade do entorno e dos problemas ambientais concretos, que supostamente não afetam a sociedade (ou a afetam apenas simbolicamente), pode levar a inação perante problemas ambientais graves e irreversíveis. Pendendo a um construtivismo forte, Luhmann vê a relação da sociedade com seu meio ambiente como uma relação apenas comunicativa, considerando somente a apropriação simbólica da natureza, ignorando as consequências materiais que as sociedades produzem no meio ambiente, ou mesmo as limitações que o ambiente físico impõe à sociedade. A obra de Pierre Bourdieu também exerce grande influência na Sociologia. Bourdieu entende a natureza de maneira bastante rígida. Propõe uma visão binária

83 81 entre sociedade e natureza, sendo a sociedade passível de mudanças, enquanto a natureza não. A natureza é anterior aos fatos, existe independentemente da ideia de que se tem dela (Bourdieu, 2004b). O habitus, conceito central na obra de Bourdieu, é tido como natureza socialmente constituída (Bourdieu, 2004a: 23) e tem, de certa maneira, caráter adaptativo, enquadrando-se a um meio social dado. Bourdieu afirma que [...] o habitus como sentido do jogo é jogo social incorporado, transformado em natureza (ibidem: 82, grifado no original). Falando sobre a Sociologia, afirma que: O mal da sociologia é que ela descobre o arbitrário, a contingência, ali onde as pessoas gostam de ver a necessidade ou a natureza [ ] e que descobre a necessidade, a coação social, ali onde se gostaria de ver a escolha, o livre-arbítrio. [ ] Uma característica das realidades históricas é que sempre é possível estabelecer que as coisas poderiam ter sido diferentes, que são diferentes em outros lugares, em outras condições. O que quer dizer que, ao historicizar, a sociologia desnaturaliza, desfataliza (ibidem: 27). Para Bourdieu, o mundo social é incorporado e naturalizado pelos agentes, cabendo à Sociologia a tarefa de desnaturalizar este mundo de maneira crítica, mostrando as relações de poder que o permeiam. O habitus, enquanto síntese entre ação e estrutura, seria diferenciado da natureza por sua constituição social, portanto, mutável. A posição de Bourdieu em relação ao mundo natural é questionável, pois o autor não problematiza sua apropriação simbólica. Ele poderia propor, segundo seu próprio esquema teórico, que a visão de natureza varia segundo as interpretações que se faz dela de acordo com os diferentes campos, ou como os atores dominantes de cada campo impõem suas visões do que seria o mundo natural, ou do que seriam as formas legítimas de interação com a natureza, o que poderia fornecer uma chave para a compreensão da construção social da natureza e da dimensão inextricavelmente política da relação entre sociedade e natureza, e de como essas visões traduzem relações de poder entre as pessoas. Anthony Giddens é um dos poucos grandes teóricos da sociologia no século XX que se dedicou a tratar da questão ambiental mais diretamente, tema que aparece em várias de suas obras. Em A Constituição da Sociedade (2009), Giddens já exibe um argumento que caracterizaria a singularidade humana em sua obra:

84 82 A história humana é criada por atividades intencionais, mas não constitui um projeto deliberado; ela se esquiva persistentemente dos esforços para colocá-la sob direção consciente. Contudo, essas tentativas são continuamente feitas por seres humanos, que agem sob a ameaça e a promessa da circunstância de serem únicas criaturas que fazem sua história no conhecimento desse fato (Giddens, 2009: 32). De certo modo, sua caracterização da modernidade se dá, por um lado, pela separação entre sociedade e natureza, e, por outro lado, pela diluição e sujeição da última a primeira. Conforme Giddens, em As Consequências da Modernidade : O industrialismo se torna o eixo principal da interação dos seres humanos com a natureza em condições de modernidade. Na maior parte das culturas pré-modernas, mesmo nas grandes civilizações, os seres humanos se viam em continuidade com a natureza. Suas vidas estavam atadas aos movimentos e disposições da natureza (1991: 57). Mais adiante afirma que: Nos setores industrializados do globo e, crescentemente, por toda parte os seres humanos vivem num ambiente criado, um ambiente da ação que é, claro, físico, mas não mais apenas natural. Não somente o ambiente construído das áreas urbanas mas [sic] a maioria das outras paisagens também se torna sujeita à coordenação e controle humanos (Giddens, 1991: 57, grifado no original). Ainda que não explicitamente, Giddens admite a existência da natureza em si, mas observa que ela é interpelada simbólica e materialmente pela ação humana. Em certa medida, Giddens permite perfilar a construção social da natureza em condições de modernidade, caracterizando-a, especialmente, pela sujeição do mundo natural ao mundo social. Apesar de haverem comentado de alguma forma a relação entre sociedade e natureza, esses teóricos não produziram uma explicação específica nem buscaram analisar a natureza enquanto construção social de modo preciso. Não obstante, a Sociologia ambiental, que surgiu nos anos 1970, produziu algumas perspectivas mais focadas na relação entre os mundos social e natural. 2.3 Sociologia Ambiental: O Surgimento de uma Perspectiva Ambiental na Sociologia

85 83 Foi somente na década de 1970 que a Sociologia passou a incorporar preocupações com a questão ambiental e o mundo natural. Catton e Dunlap, reconhecidos como os primeiros autores da Sociologia ambiental, buscaram dar ao novo campo uma definição e identidade próprias. Como contribuição, denunciaram o antropocentrismo incorporado na produção sociológica, propondo sua superação. Assim, denominaram a visão antropocêntrica de Human Exceptionalism Paradigm [HEP] (Paradigma do Excepcionalismo Humano), e a nova visão ecológica, que representaria a superação da primeira, de New Ecological Paradigm [NEP] (Novo Paradigma Ecológico). Catton e Dunlap se preocuparam inicialmente com questões como recursos naturais, áreas selvagens e os ambientes naturais, deixando de lado o ambiente construído. Essa perspectiva continua influenciando o pensamento ambientalista contemporâneo (Hannigan, 1995; Florit, 2000; Lenzi, 2006). Desde então, a Sociologia ambiental tem explorado diversos aspectos da relação entre sociedade e natureza. Anthony Giddens e especialmente Ulrich Beck foram autores importantes nesse campo, levando a temática ambiental ao centro do debate sociológico contemporâneo. Klaus Eder (1996) e John Hannigan (1995) também são autores importantes no campo. Ambos mostraram como a natureza, mais do que algo dado, é construída socialmente. Segundo Hannigan, o Earth Day de 1970 passou a ser tido como o início do ambientalismo moderno. Nessa época, os sociólogos encaravam a situação de não haver [ ] nenhum corpo teórico ou investigação para os guiar no sentido de uma interpretação particularizada da relação entre sociedade e o meio ambiente (Hannigan, 1995: 15), embora os clássicos da disciplina, Marx, Durkheim e Weber, tenham incluído a dimensão ambiental em suas obras, entretanto sem realçar essa relação. Também no campo da Sociologia rural surgiram alguns trabalhos esporádicos, sem, contudo, integrar um corpo de trabalho cumulativo (ibidem). Até o século XIX, [ ] os efeitos do ambiente geográfico na condição humana constituíram tópico de considerável interesse ao nível da discussão erudita (Hannigan, 1995: 16). Entre os pensadores que reforçavam a crença da influência determinante do ambiente ou da natureza na sociedade humana, figuram Henry Thomas Buckle, influenciado por Karl Ritter, Ellsworth Huntington, Charles Darwin, Herbert Spencer, entre outros.

86 84 Contudo, outros pensadores e disciplinas, como a Psicologia, contribuíram questionando essas afirmações. Como coloca Hannigan (1995: 18), Cada vez mais, o fracasso do darwinismo social 45 e, a um nível inferior, a incapacidade do determinismo geográfico de se sustentar, levaram a uma forte aversão a explicações que utilizassem argumentos biológicos e ambientais, influenciando não só a Sociologia, como também a Antropologia. Buscando a superação dessas argumentações, a cultura passou a ser o ponto chave, [ ] como influência fundamental sobre os aspectos da sociedade humana (Hannigan, 1995: 18). Como afirma Hannigan (1995: 18) ironicamente, um dos pilares da Sociologia, o funcionalismo de Durkheim, defendia a ideia de que a sociedade constitui [ ] um organismo social que precisava adaptar-se constantemente ao ambiente físico e social exterior. Para Hannigan, apoiando-se em Dickens (1992), os teóricos do funcionalismo, como Parsons, poderiam desenvolver uma teoria da evolução social que levasse em conta o contexto ambiental e [ ] a forma como a herança biológica permitiu ao ser humano, quer sua adaptação ao mundo natural, quer proceder sua modificação (Hannigan, 1995: 19. Ver também Goldblatt, 1996: 23), no entanto, não deram a devida atenção a esses fatores, que permaneceram marginais (como categorias residuais 46, no dizer de Parsons, 1949, p ) em suas explicações sociológicas 47. Partindo dos anos 1970, Catton e Dunlap relatam que a maioria dos sociólogos, nesta época, partilhava da visão de que as sociedades humanas eram livres de [ ] princípios e restrições que governam as outras espécies. Ainda, [ ] para alcançar objectivos como a igualdade, aceitavam, contudo, a possibilidade de um crescimento e progresso ilimitados através da continuidade do desenvolvimento científico e técnico, enquanto ignoram as restrições potenciais do fenômeno ambiental [ ] (Hannigan, 1995: 19). Citando Daniel Lerner (1958, em Hannigan, 1995: 20), Hannigan afirma que [ ] a correlação fundamental para o desenvolvimento da modernidade foi o papel 45 Até mesmo Parsons chegou a afirmar que Spencer está morto (Parsons, 1949: 3). 46 As categoriais residuais (residual categories) seriam forjadas na tentativa de solucionar problemas dos quais os esquemas teóricos dos autores não teriam espaço adequado, mas que devem ser respondidos, ainda que permaneçam marginais ao núcleo de suas proposições (Domingues, 2001: 16; Parsons, 1949: 16-20). 47 No tópico seguinte, a crítica dos autores é colocada em discussão.

87 85 dos meios de comunicação social no estabelecimento de uma abertura psicológica para a mudança nas populações camponesas, fomentando um sentido de empatia. Nesse sentido, a ascensão da modernidade levou a questão da influência do ambiente físico para segundo plano, sendo que, para Inkeles e Smith (1974 em Hannigan, 1995: 20-21), [ ] uma parte fundamental no desenvolvimento de um sentido de eficácia moderna reside na capacidade de desenvolver um domínio potencial da natureza. Uma das exceções desse período foi Clifford Wharton, economista agrícola, que entendia que as características da agricultura estão ligadas diretamente ao clima, ao solo e outros inputs. Para ele, conclui Hannigan (1995: 21), [ ] a agricultura estava muito mais sujeita aos factores ambientais de que outras formas de desenvolvimento econômico. Outros críticos do paradigma pró-desenvolvimento, que seguem a linha da sociologia marxista, entendiam o ambiente, assim como a religião, como [ ] uma alienação da necessidade de luta de classes. Mesmo quando a gravidade da destruição foi reconhecida, os críticos da ala esquerda tendiam a incidir sobre as relações de classe e poder subjacentes a esta crise, em vez de sobre os factores que se relacionavam com o próprio ambiente (Hannigan, 1995: 21; Gudynas, 1999, ). Com o domínio do marxismo na teoria social, novamente as questões ambientais ficaram excluídas da disciplina da Sociologia. A partir de meados dos anos 1970, as associações sociológicas, nos Estados Unidos da América e na Europa, passaram a estabelecer sessões relacionadas à Sociologia ambiental. Sobretudo a partir dos anos 1990, a questão ambiental passou a se edificar também internacionalmente. Com a obra de Ulrich Beck, The Risk Society ( Sociedade de risco ), finalmente se transporta a Sociologia ambiental [ ] para a corrente principal do debate no campo mais vasto da sociologia (Hannigan, 1995: 24). Ainda que não seja um autor conectado diretamente à Sociologia ambiental, mas à Sociologia ou Antropologia da ciência, Bruno Latour elabora uma perspectiva inovadora. Junto com Michel Callon, resgata o conceito de simetria, de David Bloor, que visa reconhecer que causas semelhantes explicam tanto as crenças valorizadas como verdade como aquelas rechaçadas, não havendo diferença substantiva entre verdade e erro. Já o princípio de simetria generalizada coloca a natureza e a sociedade em um plano de igualdade, devendo ser explicadas a partir de um quadro

88 86 comum e geral de interpretação, tratadas em um plano comum, não separadamente. Não haveria, a priori, um mundo das coisas e um mundo dos homens separados, tudo o que há é interação, havendo uma simetria geral entre humanos e nãohumanos (Freire, 2006; Latour, 1994). Uma questão da investigação sociológica do ambiente é a definição do que constitui o principal objeto de estudo. Catton e Dunlap, segundo Hannigan (1995: 24), apontaram com precisão [ ] o centro distintivo do campo como uma nova ecologia humana que incide sobre a interacção entre o ambiente físico e a organização social e o comportamento. Entretanto, ao apontar algumas áreas de investigação, como, por exemplo, movimento de construção, desastres ambientais, avaliação de impacto ambiental, acabaram por alargar ao invés de limitar os parâmetros do campo (Lenzi, 2006: 24-25). Buttel (em Hannigan, 1995: 25), mais tarde, citou: [ ] cinco áreas fundamentais das bolsas da sociologia ambiental: (1) a nova ecologia humana de Catton e Dunlap; (2) atitudes em relação ao ambiente, valores e comportamentos; (3) o movimento ambiental; (4) o risco tecnológico e a avaliação do risco; e (5) a economia política do ambiente e as políticas ambientais, mas não tentaram localizar qualquer linha teórica comum na sua diversificada ementa. Essa mistura de tópicos levou a uma [ ] ausência de qualquer consenso sólido numa base teórica para a sociologia ambiental; a ambigüidade resulta de um vazio teórico que tem minado significativamente a legitimidade desta área especializada (Cable; Cable, 1995, em Hannigan, 1995: 25). Para Hannigan (1995: 25), contudo, dois problemas distintos são centrais na literatura sobre o tema. Primeiro, as causas da destruição ambiental, e, segundo, a emergência da consciência e dos movimentos ambientais Causas da Destruição Ambiental São duas as principais explicações das causas da destruição ambiental. A primeira é a explicação ecológica ( funções ambientais em competição ), e a segunda é a explicação da economia política ( dialética socioambiental e o trabalho

89 87 rotativo da produção ). Buttel (em Hannigan, 1995: 25) aponta que [ ] ambas as abordagens vêem a estrutura social e a mudança social como estando reciprocamente relacionadas com o ambiente biofisiológico, mas a natureza desta relação é representada de forma muito diferente. As origens da explicação da destruição ambiental têm raízes no campo da ecologia humana, que dominou a Sociologia urbana dos anos 1920 a Seu maior expoente, Robert Park, conhecendo o trabalho de Darwin, começa [ ] aproximando suas análises da inter-relação e interdependência das espécies da fauna e da flora (Hannigan, 1995: 26), onde [ ] cada elo é dependente de outro, elaborando a explicação da teia da vida, que tem como princípio ativo a luta pela existência. Entretanto, Park poderia ter se apercebido, ao que sugere Hannigan (1995: 26), da intervenção humana no equilíbrio biótico, através da poluição. Park reconhece a destruição causada pela atividade humana, porém acreditava que estas mudanças poderiam gerar uma nova e superior direção dos acontecimentos, forçando a adaptação e um novo equilíbrio (Hannigan, 1995: 26). Reconhece também que a ecologia humana é diferente da ecologia da fauna e flora: os humanos não são imediatamente dependentes do ambiente físico, a tecnologia permite refazer seu habitat, as comunidades humanas são governadas por fatores culturais. Dessa forma, A sociedade humana é, assim, organizada, contrariamente ao resto da natureza, a dois níveis: o biótico e o cultural (ibidem: 26). Já nos anos 1940, a crítica sociocultural da ecologia humana (Firey, 1947 e Jonassen, 1949, citados por Hannigan, 1995: 27) apontava a importância de se reconhecer que o simbolismo, os sentimentos, os valores, a bagagem cultural, influenciam na intervenção e percepção ambientais. Duncan (1961, em Hannigan, 1995: 28) lançou o modelo POET (populaçãoorganização-ambiente-tecnologia) como um complexo ecológico onde cada elemento está ligado aos outros e a mudança em um pode alterar o outro. Por sua vez, Catton e Dunlap descrevem três funções gerais do meio ambiente aos seres humanos: armazém de provisões, espaço para viver e depósito de resíduos, sendo que a escassez resulta do uso em excesso dos recursos (Hannigan, 1995: 29). A crítica a esse modelo, e também ao modelo da ecologia urbana de Park, é que, segundo Hannigan (1995: 29-30), Não diz nada sobre as acções sociais envolvidas nestas funções [ ]. Não existe acima de tudo nenhuma estipulação para mudar os valores e as relações de poder.

90 88 Para a corrente da economia política, a explicação da destruição ambiental recai sobre o capitalismo industrial avançado, concluindo que as questões ambientais são questões de classe social, sendo que o Estado e as corporações se encontram juntos em oposição aos cidadãos comuns (Hannigan, 1995: 30). A origem dessa abordagem está em Marx e Engels, que, segundo Hannigan (1995: 30), [ ] acreditavam que o conflito social entre as duas principais classes na sociedade [ ] não só aliena o povo comum dos seus trabalhos, mas conduz também à sua alienação da própria natureza. Na agricultura, por exemplo, o [ ] lucro rápido da terra está acima do bem-estar humano e do solo (Hannigan, 1995: 31). A solução desse conflito estaria na derrocada do sistema capitalista, e, na sua fase madura, Marx aposta em uma nova relação do homem com a natureza, embora não pareça muito claro, no domínio do homem sobre a natureza, através da inovação e automação tecnológica (Hannigan, 1995: 31). Schnaiberg (1980, em Hannigan, 1995: 32) critica a economia política do marxismo e da nova Sociologia de Weber realçando [ ] a natureza e génese das relações contraditórias entre expansão económica e a destruição ambiental. Para esse autor, o problema estaria na rotação da produção, que leva os políticos, frente à disputa ambiental, a intensificar o crescimento econômico capitalista ao invés de reduzi-lo. O Estado passa a ter que lidar com uma aparente contradição entre crescimento econômico e proteção ambiental (tensão dialética como valores utilizados ), [ ] num processo de administração ambiental (Redclif, 1986), em que eles tentam legislar um grau limitado de protecção suficiente para originar críticas, mas não suficientemente significativas para fazer descarrilar o motor do progresso (Hannigan, 1995: 33). Ainda, De vez em quando, o Estado considera necessário envolver-se de forma limitada na intervenção ambiental, por forma a evitar que os recursos naturais sejam explorados ao abandono, e para aumentar a legitimidade com o público (ibidem). A vantagem das explicações da economia política consiste em estarem embasadas em sistemas econômicos e políticos concretos. Vale lembrar que não só as economias capitalistas geraram problemas ambientais; sob o socialismo (como no antigo bloco soviético e na China), o compromisso com a industrialização desenfreada também resultou na destruição ambiental (Hannigan, 1995: 34-35; Giddens, 1991; Goldblatt, 1996).

91 89 Uma das críticas de Hannigan sobre essa explicação se refere à [ ] visão monolítica do Estado como transgressor ambiental (Hannigan, 1995: 35), lembrando que outros atores (como exemplo cita mineiros e caçadores ilegais) também participam da destruição ambiental. Acrescenta que É preciso ver os políticos como servidores civis que representam uma diversidade de posições políticas que nem sempre são compatíveis (ibidem). Além disso, outros importantes atores, como agências nacionais ambientais, exercem papel proeminente para promoção de acordos internacionais nas políticas ambientais (ibidem: 35-36) Aumento da Consciência e dos Movimentos Ambientais Outra questão importante para a Sociologia ambiental trata da [ ] razão do crescimento da consciência e movimento ambientais de forma tão dramática desde o início dos anos 1970 [ ] (Hannigan, 1995: 36). As explicações principais são quatro: reflexão da hipótese, tese pós-materialista, tese da nova classe média e abordagem do encerramento político/regulador (ibidem). A tese principal da reflexão da hipótese está diretamente ligada com a observação da deterioração ambiental após a Segunda Guerra Mundial. Segundo essa tese, A dramática ascensão depois dos anos 1970, em termo de preocupação e consciência ambiental, é interpretada como uma reacção directa a este agravamento da situação (Hannigan, 1995: 36). Entretanto, Hannigan (1995: 37) sugere antes, citando exemplos concretos, que [ ] a percepção dos problemas ambientais pode ser mesmo independente da magnitude dos próprios problemas e que a preocupação do público, ao menos parcialmente, [ ] é modelada por outras considerações como, por exemplo, a extensão da cobertura dos meios de comunicação social (ibidem). A tese pós-materialista, elaborada por Inglehart (1971; 1977; 1990), com origem na hierarquia das necessidades, consiste na ideia de que a geração do baby boom (pós Grande Depressão e das duas grandes guerras) [ ] tinha segurança financeira permitindo-lhe, ao contrário de outras, esboçar as suas necessidades imateriais no sentido de pertença e da realização pessoal, tornandose [ ] um valor de mudança duradouro (Hannigan, 1995: 38).

92 90 Entretanto, Brechin e Kempton (1994, em Hannigan, 1995: 39) desafiaram essa tese afirmando que a preocupação ambiental não ocorre somente nos países industriais avançados, mas apresenta um caráter globalizado. Além disso, para eles, o ambientalismo não deveria ser visto como [ ] um produto de uma mudança pósmaterialista nos valores, parecendo, em vez disso, ser um fenómeno mais complicado, emergindo de múltiplas fontes da mesma forma nas nações pobres e ricas (Hannigan, 1995: 39; Alier, 1997). A tese da nova classe média está relacionada à tese pós-materialista, com a diferença que realça a localização social dos que adotam uma ética ambiental. De acordo com essa perspectiva, os ambientalistas viriam de forma desproporcionada do segmento médio da sociedade. No entanto, a tese não se apresenta de modo homogêneo e livre de contradições, com explicações distintas sobre o que levaria atores da classe média a aderirem às causas ambientais e evidências ora contrárias à tese, ora corroborando-a (Hannigan, 1995: 40-42). A abordagem do encerramento político/regulador se refere à reação defensiva dos cidadãos à intrusão do Estado na vida cotidiana. A tese envolve a noção de colonização do mundo da vida de Habermas, a noção de risco de Beck (o Estado como produtor ou associado à produção de riscos ambientais), ao neocorporativismo (decisões de agentes do Estado que podem gerar danos ao meio ambiente). A ideia de encerramento político/regulador se refere ao fato de que os temas ambientais têm sido excluídos das agendas oficiais, gerando uma reação por parte da sociedade civil e dos novos movimentos sociais [NMS]. Apesar de todos os autores até aqui mencionados apontarem aspectos importantes para formulação teórica da construção social da natureza, faltam elementos para este empreendimento, como o reconhecimento explícito da apropriação simbólica e material da natureza pelos diferentes sistemas sociais e da influência mútua entre os mundos social e natural. Embora a Sociologia ambiental tenha se dedicado explicitamente a discutir a relação entre sociedade e natureza, poucos foram os autores que formularam teoricamente a questão da construção social da natureza. 2.4 Considerações do Capítulo

93 91 Embora os autores centrais da teoria sociológica do século XIX e XX não tenham produzido uma Sociologia propriamente ambiental, nem logrado superar a visão antropocêntrica, contribuíram muito para isto, fornecendo os alicerces para que outros cientistas sociais o fizessem posteriormente. Pode-se perceber que o processo de industrialização associado à racionalidade instrumental, elementos típicos da modernidade, alteraram significativamente a relação entre sociedade e natureza, implicando a instrumentalização do mundo natural [e social] em favor de atores sociais específicos. Esse tipo de racionalização em relação à natureza está na raiz da crise ambiental, conforme observam Leff (2001; 2004), Porto-Gonçalves e Leff (2015), Acselrad (2014), Beck (1998), Giddens (1991), Eder (1996), de maneira um pouco distinta Hannigan (1995) e inúmeros autores que trataram de questões socioambientais. A Sociologia ambiental deu grande impulso à discussão, revelando novas nuances e especialmente o aspecto eminentemente político da questão. Contudo, apesar de ter apontado o caráter antropocêntrico da Sociologia, não incorporou fortemente as críticas elaboradas no campo da Ética ambiental, que discute especialmente a relevância moral de seres não-humanos, como os animais, as plantas e até mesmo as paisagens, mantendo uma preocupação centrada nos problemas humanos (não discutindo, por exemplo, a questão do especismo 48 ). Os autores trabalhados até aqui, ao menos nos textos analisados, não permitem falar nem da origem dos significados atribuídos à natureza, ou de seus mecanismos gerativos, nem de como se dão concretamente os processos sociais de construção e reprodução social da natureza, elementos que são em alguma medida fornecidos pela teoria dos sistemas de Parsons e do construtivismo de Eder. Outra abordagem importante e complementar é a análise sociocognitiva do discurso, que será realizada a partir da contribuição de Teun Van Dijk. As contribuições desses autores são discutidas no capítulo seguinte. 48 Forma de preconceito ou discriminação baseada na crença de que os humanos são superiores a outras espécies e, por isto, teriam direito de explorá-las para qualquer finalidade humana.

94 92 3 CONSTRUTIVISMO, NATUREZA E ANÁLISE DO DISCURSO [ ] as manifestações culturais não ocorrem isoladas do mundo vivo, valendo-se frequentemente de elementos da biodiversidade e da experiência física no planeta ou, melhor dizendo, de lugares específicos do planeta, na constituição da linguagem e das categorias de entendimento (Pádua, 2010: 96). A abordagem construtivista aqui proposta pretende mostrar que a realidade [humana] é construída através de relações entre atores sociais e o meio físico orgânico. Para tanto, buscou-se conciliar a perspectiva estrutural-funcionalista de Talcott Parsons, o construtivismo de Klaus Eder e a análise sociocognitiva do discurso de Teun Van Dijk, que serão analisadas a seguir. 3.1 Uma Releitura Socioambiental da Teoria dos Sistemas de Talcott Parsons O sociólogo estadunidense Talcott Parsons ( ) foi, sem dúvida, um dos grandes sociólogos do século XX. Dono de uma obra de imensa complexidade e extensão, Parsons foi criticado, de forma um tanto equivocada, por autores ligados à Sociologia ambiental (como Hanningan e Goldblatt) por não tratar da questão ambiental adequadamente. Influenciado pela biologia, Parsons compreende os seres humanos como uma espécie única e diferenciada [ ] por sua capacidade para criar, aprender, usar sistemas simbólicos (cultura) sob as formas de linguagem e outros meios. Ressaltando as diferenças entre o mundo natural e o social, Parsons afirma que [ ] todas as sociedades humanas são culturais ; e se a posse de cultura é o critério significativo de sociedade humana, as organizações coletivas em outras espécies devem ser denominadas protossociedades (Parsons, 1974: 12 grifos originais). Parsons define a sociedade como um tipo especial de sistema social e este como um dos principais subsistemas do sistema de ação humana. Os demais subsistemas são o organismo comportamental, a personalidade do indivíduo e o sistema cultural (Parsons, 1969: 16).

95 93 Em Parsons, não existe ação fora do contexto social, como também não é possível conceber um sistema social sem a ação de atores individuais. A ação é de indivíduos, contudo, tanto o organismo como o sistema cultural têm incluídos elementos essenciais que, segundo Parsons (1969: 17), não podem ser pesquisados no nível individual, mas devem ser analisados em seu conjunto, isto é, considerando a influência de diversos fatores. A ação [ ] consiste em estruturas e processos através dos quais os seres humanos formam intenções significativas e, com maior ou menor êxito, as executam em situações concretas (Parsons, 1969: 16). Acrescenta que A ação humana é cultural na medida em que os sentidos e as intenções referentes aos atos são formados através de sistemas simbólicos [ ] que quase sempre se centralizam no aspecto universal das sociedades humanas, isto é, na linguagem (Parsons, 1969: 17, grifado no original). Parsons considera a linguagem uma capacidade encontrada unicamente nos seres humanos. Ainda que conceba a espécie humana como única e diferenciada, Parsons observou a importância do meio ambiente não somente para a manutenção da vida biológica dos seres humanos, mas também para sua vida social e simbólica. Os fatores ambientais são analisados em duas categorias: 1) responsáveis pelos elementos não-hereditários do organismo físico e 2) responsáveis pelos elementos aprendidos de sistemas comportamentais (categoria focalizada pelo autor) (Parsons, 1969: 17). Os padrões culturais, que fornecem regras e normas para a ação, são para Parsons um fenômeno singular dos humanos. No entanto, nenhum indivíduo humano é capaz de criar um sistema cultural. Os padrões desses sistemas mudam somente em períodos de muitas gerações, são sempre compartilhados por grupos relativamente grandes e não são específicos de um ou de poucos indivíduos. Os indivíduos só podem fazer contribuições para sua mudança, de modo criativo ou destrutivo. O sistema cultural deve fornecer aos sistemas de ação um terreno estrutural muito estável, de modo análogo aos materiais genéticos que centralizam os elementos hereditários (Parsons, 1969: 18). Parsons observa que cada ator é um indivíduo particular e sua personalidade (como comportamento aprendido) é uma variação singular da cultura e de padrões específicos de ação. No entanto, ele aprende dentro de um sistema cultural específico e, por isto, seu sistema comportamental apresenta aspectos gerais como

96 94 outras personalidades (como a linguagem). Isso não significa que o sistema de personalidade seja redutível ao organismo ou à cultura, é analiticamente independente, embora esteja conectado a estes sistemas (Parsons, 1969: 18). O processo de interação social, relacionado ao sistema social, também aparece como analiticamente independente dos demais (sub)sistemas (cultural, da personalidade e do organismo). Referindo-se ao problema da ordem em Hobbes, Parsons afirma que a independência desse sistema se torna evidente [ ] com relação às exigências de integração que atingem os sistemas de relações sociais, por causa de seu inerente potencial para o conflito e desorganização (Parsons, 1969: 19). Segundo Parsons, os quatro subsistemas devem servir para analisar qualquer sistema de ação através de quatro categorias (esquema AGIL): 1) manutenção de padrões que controlam o sistema (Latência); 2) integração interna (Integração); 3) orientação para realização de objetivos (Metas ou Goals); e 4) adaptação mais generalizada às condições do ambiente físico (Adaptação). Os sistemas se especializam da seguinte forma: o cultural em torno da manutenção dos padrões, o social em torno da integração de unidades de ação, o da personalidade pela realização de objetivos, e o organismo comportamental em torno da adaptação (Parsons, 1969: 19). Um aspecto importante do esquema geral da ação é a hierarquia cibernética. O sistema de ação, composto pelos sistemas cultural, social, da personalidade e do organismo comportamental, é mantido através de fluxos, inputs e outputs, e organizado hierarquicamente (considerando o poder de influência sobre o sistema), dependendo de informação (no topo da hierarquia, o ambiente da realidade última, sistemas constitutivos de símbolos) e de energia (no nível mais baixo, constituído pelo ambiente físico-orgânico). Os fatores ambientais, ricos em energia, funcionam como condicionantes para o funcionamento do sistema. Os fatores culturais (valores), sociais (normas) e psíquicos (objetivos), respectivamente, funcionam como fatores de controle, de organização do sistema. A manutenção do sistema depende do equilíbrio do fluxo de informação e energia que fluem por ele. Logo, o desequilíbrio de um pode, potencialmente, afetar o todo. Em princípio, no esquema anterior, parece não haver espaço para discutir como os sistemas sociais adaptam o ambiente físico de acordo com seus objetivos, nem a possível influência dos demais sistemas nesta adaptação. Os sistemas

97 95 sociais é que se adaptariam às condições oferecidas pelo meio físico-orgânico. Parsons coloca os seres humanos como dependentes dos fatores físicos (oxigênio, alimento, temperaturas), o que requer que se adaptem a eles (Parsons, 1969: 23). Contudo, é possível inferir que os fatores ambientais, como abundância ou escassez de recursos, condições meteorológicas, disponibilidade de recursos específicos, as paisagens, etc., que figuram no nível mais baixo da hierarquia cibernética, são apropriados e traduzidos no nível mais alto, retroalimentando-se e se manifestando na linguagem, ou, mais propriamente, nos discursos dos atores e em outras manifestações simbólicas, nas artes, nas ciências e inclusive na política. Assim, a disputa por recursos, por exemplo, uma forma de intercâmbio entre fatores ambientais e sociais e as relações de poder, resultariam na produção de discursos específicos, nos quais as ideias de natureza e sustentabilidade seriam sintomáticas. O autor define o sistema social como sendo constituído pela interação de indivíduos humanos, onde cada membro é definido como um ator (com objetivos, ideias, atitudes) e também objeto de orientação para si próprio e para os outros. O sistema de interação seria um [ ] aspecto analítico que pode ser abstraído dos processos totais de ação de seus participantes. Ao mesmo tempo, êsses indivíduos são também organismos, personalidades e participantes de sistemas culturais (Parsons, 1969: 20, grifado no original), sendo que, em termos funcionais, o sistema social é um subsistema integrativo da ação em geral. Portanto, não há uma separação concreta entre as diferentes dimensões analisadas por Parsons, mas apenas analítica. Retomando o conceito de sociedade, Parsons a define como um tipo de sistema social que atingiu nível elevado de autossuficiência com relação a seus ambientes (da realidade última ao ambiente físico-orgânico). Aqui, os organismos e as personalidades são tidos como internos à sociedade e não parte de seu ambiente. O critério da autossuficiência é dividido em cinco subcritérios: 1) Realidade Última, 2) Sistemas Culturais, 3) Sistemas de Personalidade, 4) Organismos Comportamentais e 5) Ambiente Físico-Orgânico (Parsons, 1969: 21). Mais adiante, Parsons acrescenta à autossuficiência a ideia de controle do complexo econômico-tecnológico [ ] de modo que o ambiente físico possa ser utilizado, de forma intencional e equilibrada como uma base de recursos (Parsons, 1969: 35, grifos nossos). Desse modo, abre-se outra possibilidade, a de adaptação

98 96 do meio físico aos objetivos e necessidades (materiais e/ou simbólicas) dos sistemas sociais. Nesse sentido, esvazia-se a crítica de Hannigan (1995) e Goldblatt (1996). Para Parsons, O núcleo de uma sociedade, como um sistema, é a ordem normativa padronizada através da qual a vida de uma população se organiza coletivamente (Parsons, 1969: 23). Assim, A exigência funcional central das interrelações entre uma sociedade e um sistema cultural é a legitimação da ordem normativa da sociedade, que estaria no topo da hierarquia cibernética. Os sistemas de legitimação definem [ ] as razões para os direitos dos membros e para as proibições que os atingem (Parsons, 1969: 24), como, por exemplo, as formas de uso da natureza, as interdições ou tabus alimentares, as formas de habitar, de se vestir e toda a expectativa de comportamento dos membros da sociedade. No nível intermediário da hierarquia, a personalidade aparece abaixo do sistema social, sendo o elo entre o meio físico-orgânico e o sistema social. O comportamento é sempre comportamento de organismos humanos vivos, tem localização no espaço físico, o que envolve aspectos ecológicos nas relações dos indivíduos e suas ações, por isto, estaria mais próximo do nível mais baixo da hierarquia, a do ambiente físico-orgânico, que oferece ao sistema muita energia, mas pouca informação. A socialização é vista como [ ] o complexo global de processos do qual as pessoas se tornam membros da comunidade societária 49 e mantêm essa posição (Parsons, 1969: 26). Para Parsons, O principal problema funcional referente à relação entre o sistema social e o sistema de personalidade inclui aprendizagem, desenvolvimento e manutenção, durante toda a vida, de motivação adequada para participar de padrões de ação socialmente valorizados e controlados (ibidem). Nesse sentido, personalidade é organização aprendida. Dessa forma, a maneira como os atores interagem com a natureza é informada especialmente pela ordem normativa e não meramente por necessidades biológicas, embora estas devam, obrigatoriamente, serem satisfeitas. Parsons parece não dar espaço para o conflito em sua teoria, insistindo em mecanismos como controle, manutenção da ordem normativa, obediência, 49 Conforme Parsons: Uma comunidade societária é uma rede complexa de coletividades interpenetrantes e lealdades coletivas, um sistema caracterizado por diferenciação funcional e segmentação. As unidades governamentais, as coletividades educacionais e assim por diante se diferenciam umas das outras. Além disso, existe certo número de cada tipo de unidade coletiva por exemplo, um número muito grande de casas de família, cada uma das quais composta por apenas um pequeno número de pessoas, e muitas comunidades locais (Parsons, 1974: 25).

99 97 consenso, solidariedade, lealdade, obrigações interiorizadas (Parsons, 1969: 29), o que remete à influência de Durkheim em sua obra. No entanto, reconhece a existência de conflitos, os quais podem levar à deterioração da sociedade (ver Parsons, 1969: 44). A sociedade pressupõe ainda alguma forma de territorialidade, sendo função do governo preservar a integridade territorial da ordem normativa de perturbações internas e externas, tendo no uso da força socialmente organizada uma forma de prevenção última. O monopólio dessa força pelo governo seria uma característica das sociedades modernas (Parsons, 1969: 30). A satisfação das necessidades materiais (provisão de alimento, abrigo) de um sistema social é realizada através da tecnologia (instrumentos e habilidades), que Parsons define como sendo [ ] a capacidade socialmente organizada para, ativamente e no interêsse de algum desejo ou necessidade do homem, controlar e alterar objetos do ambiente físico. A economia é tida como um [ ] aspecto do sistema societário que funciona, não apenas para ordenar socialmente os processos tecnológicos [ver página 31], mas, o que é mais importante, para ajustá-los ao sistema social e controlá-los, no interêsse de unidades sociais, individuais ou coletivas (Parsons, 1969: 32). Aqui, encontra-se um ponto de diferenciação entre sociedades tradicionais e modernas: os sistemas de valores e normas destas diferentes sociedades implicam em formas distintas de interação não só entre pessoas, mas também destas com a natureza. Nesse sentido, é importante observar a distinção entre valores e normas, que funcionam como componentes estruturais das sociedades. Nas palavras de Parsons: Os valôres no sentido de padrão são vistos como o elemento primário de ligação entre o sistema cultural e o social. No entanto, as normas são fundamentalmente sociais. Têm significação reguladora para relações e processos sociais, mas não corporificam princípios aplicáveis além da organização social, ou, freqüentemente, sequer além de determinado sistema social. Em sociedades mais adiantadas, o foco estrutural das normas é o sistema legal (Parsons, 1969: 36, grifado no original, ver também página 37) Essa diferenciação é importante e traz implicações no que diz respeito à interação entre sistemas sociais e destes com o mundo natural. Assim como no plano dos valores, no Brasil, a legislação (plano normativo) é ambígua em relação ao mundo natural, promovendo ao mesmo tempo, em diferentes contextos e situações, seu uso e sua proteção (Brasil, 1998). A Lei de Crimes Ambientais, ou Lei da Natureza, certamente representa uma proteção à fauna e à flora, mas trata de

100 98 A estabilidade e a evolução dos sistemas sociais são um ponto chave na obra de Parsons. Na sua perspectiva evolutiva, o aumento de capacidade adaptativa é o tipo mais importante de processo de mudança (Parsons, 1969: 41), podendo ocorrer quando surge um novo tipo de estrutura no interior de uma sociedade ou através da difusão deste novo tipo a partir de outras sociedades e da interferência de outros fatores. A análise dos sistemas sociais pode se centrar no ato-unidade (unit act). Parsons afirma que, assim como em outras ciências, tomando a física clássica como modelo, também na Sociologia os fenômenos podem ser divididos em partes ou unidades, definidas a partir de suas propriedades específicas. Considerando o quadro geral da ação, o ato-unidade pressupõe: 1) um ator, 2) um fim (entendido como estado futuro desejado ou a que se quer chegar), 3) uma situação (a que se pretende alterar ou manter), e 4) uma relação entre estes elementos (uma cadeia de fins, meios, condições e normas orientadoras). Parsons observa que é essencial ao conceito de ação a necessidade de uma orientação normativa. A ação também possui uma temporalidade, um estado futuro a que se quer chegar, e inclui parte do ambiente físico e o organismo biológico (Parsons, 1949: 43-51). Seguindo o modelo parsoniano, pode-se analisar as relações entre os atores do desenvolvimento como interação entre sistemas sociais. Uma situação típica seria a dos conflitos ambientais, quando existe a disputa pelo uso dos recursos naturais. No caso de hidrelétricas, por exemplo, os atores modernos têm como fim explorar as potencialidades existentes nos territórios de uma população tradicional. As populações tradicionais terão como fim manter o controle sobre o território. Os intelectuais e os ativistas pretendem mediar o conflito. Logo, tem-se modo diferenciado, por exemplo, animais silvestres, animais domesticados e animais silvestres em risco de extinção. O uso de animais silvestres e domésticos é permitido sob determinadas circunstâncias e não em outras. Algo semelhante ocorre com as populações tradicionais, especialmente as indígenas. A Constituição de 1988 garante proteção aos povos indígenas, contudo deixa aberta a possibilidade de contrariar suas vontades (ver, por exemplo, Brasil, 1988, art. 231, 3º e 5º). A Justiça tende a atender aos interesses dos atores dos sistemas sociais modernos, especialmente quando existe a possibilidade de justificar a exploração de algum recurso natural em territórios tradicionais ou em suas áreas de influência, como uma questão de interesse nacional, mesmo que implique em alguma forma de prejuízo para as populações locais ou para o meio ambiente, fazendo uso legítimo da força quando encontra resistência ou para prevenir conflitos (Acselrad, 2014; Fleury, 2016). A título de exemplo, Fleury (2016) mostra que o Estado tem recorrido ao argumento do interesse nacional para permitir a continuidade da usina hidrelétrica de Belo Monte, usando para isto o instrumento jurídico chamado suspensão de segurança.

101 99 uma situação à qual certos atores pretendem alterar, enquanto outros desejam manter. Os meios empregados para alterar ou manter a situação são variados, desde o apelo às normas (sistema legal), aos valores (justiça, benefícios socioeconômicos, sustentabilidade), até o uso da força física (aparato policial, resistência popular). As condições para a ação dependem dos recursos acessíveis a cada ator (alianças políticas, recursos financeiros). A ação, para alterar ou manter a situação, é guiada por valores (orientação normativa), onde entram as visões de natureza e logo as de sustentabilidade. O fato é que as sociedades aprendem, seja pela reação a tensões geradas internamente ou por influência externa. No entanto, Parsons não discute esse processo criticamente, entendendo a mudança como algo natural 51. As mudanças podem ser fruto de cooperação ou de conflito, de troca ou de dominação e subordinação (através de conflitos bélicos, da hegemonia, do imperialismo ou de outras formas de dominação, internas ou externas à sociedade), sendo, em sua essência, necessariamente políticas 52. Por sua complexidade e abrangência, Parsons sem dúvida figura entre os grandes pensadores da teoria sociológica, podendo ser considerado um clássico. Sua generalidade é ao mesmo tempo sua força e sua fraqueza, tendo sido criticado pelo formalismo excessivo e pela escassez de trabalhos empíricos, sendo que o próprio autor se denominava um teórico incurável. Um ponto negativo da obra de Parsons está em seu caráter etnocêntrico, onde as sociedades europeias e a estadunidense figuram como as mais evoluídas. A dimensão do poder nas relações dos sistemas sociais não aparece de forma clara e crítica, o que pode ser explicada pela perspectiva própria de Parsons, ou pela delimitação do estudo realizado, sendo 51 A resistência à mudança é chamada de fundamentalismo (Parsons, 1969: 43). Parsons não elabora a ideia de modo a mostrar se algumas formas de resistência seriam legítimas ou não, seja do ponto de vista ético ou da sobrevivência do sistema social, nem discute a dimensão política desse fundamentalismo. 52 Embora evite a questão do conflito, Parsons oferece uma definição de poder como sendo essencialmente um fenômeno de coerção e consenso, pois, segundo ele, integra uma pluralidade de fatores e resultados (outputs) de eficácia política (political effectiveness) (Parsons, 1963: 258). A coerção seria o exercício socialmente organizado e regulado de sanções negativas à desobediência às normas, necessária para garantir a obediência, para que a sociedade perdure. Quanto mais diferenciada a sociedade, maior a probabilidade de a coerção ser imposta por agências especializadas (Parsons, 1974: 28).

102 100 consultadas poucas obras, focando especialmente sua terceira fase 53 e as obras Sociedades (1969) e O sistema das sociedades modernas (1974). A crítica dos autores da Sociologia ambiental não carece totalmente de sentido, contudo, deve-se avaliar que o foco do autor é outro. No entanto, Parsons oferece instrumentos analíticos muito propícios à análise da relação sociedade e natureza, faltando, principalmente, o foco nesta relação e a dimensão política que a subjaz. Nesse sentido, a obra de Klaus Eder presta uma contribuição construtiva e complementar. 3.2 Klaus Eder e a Construção Social da Natureza 54 As teses de Klaus Eder podem ser conectadas à teoria parsoniana. Nos dois autores é possível afirmar que o mundo natural não é algo dado diretamente à cognição humana, mas passa por seus filtros culturais. Eder (1996) afirma que a relação entre natureza e sociedade pode ser compreendida teoreticamente de duas formas, que seriam mutuamente excludentes: a primeira, no campo naturalista, como uma constituição natural da sociedade; a segunda, no campo culturalista, como construção social. No campo naturalista, a relação entre sociedade e natureza é reduzida à dominação. Eder associa Marx e Durkheim a esse campo, sendo que em Marx se tem a primazia técnica (controle sobre os recursos, forças produtivas), e em Durkheim (de maneira distinta, também em Parsons) a primazia organizacional (adaptabilidade, incremento da divisão social do trabalho). Assim, A construção 53 Domingues observa que existe uma continuidade em torno da obra de Parsons, mas também pontos de inflexão importantes (Domingues, 2001: 11). Assim, o autor classifica a obra de Parsons em três fases: a primeira correspondendo ao livro A estrutura da ação social (1937), de caráter mais teórico e metodológico; a segunda ligada às obras O sistema social e Em direção a uma teoria geral da ação (1951); a terceira fase se inicia em 1953, a partir da publicação de Textos de pesquisa na teoria geral da ação e inclui as obras analisadas na tese, Sociedades: perspectivas evolutivas e comparativas (de 1966) e O Sistema das Sociedades Modernas (de 1971). De modo semelhante, Vandenberghe (2016) classifica a obra de Parsons em três momentos distintos, conformando três sínteses teóricas que correspondem às obras citadas anteriormente: a teoria voluntarista da ação; o estrutural-funcionalismo; e a teoria dos sistemas (esquema AGIL). 54 O tópico reelabora a discussão realizada anteriormente na dissertação do autor (Grava, 2013).

103 101 social da natureza é reduzida à apropriação da natureza, sua evolução é acelerada pelo processo de aprendizagem cognitiva (Eder, 1996: 8, tradução nossa) 55. Contudo, para Eder, a história da construção social da natureza é sempre a história de uma interação cognitiva, moral e estética, e esta relação não pode ser reduzida a uma história de dominação. Eder então propõe uma interpretação culturalista, partindo da tese de que a natureza [ ] é algo que é constituído simbolicamente antes que um dado objetivo (Eder, 1996: 9, tradução nossa) 56. A explicação de Eder da teoria da história humana da natureza está ligada a três pressupostos: construção cognitiva, normativa e simbólica da natureza. Essa perspectiva permite superar alguns aspectos da obra de Parsons e de outros autores importantes da Sociologia e, mais adiante, integrar-se com a análise sociocognitiva dos discursos dos atores do desenvolvimento. Como apontado anteriormente, a obra de Parsons tem dificuldade para explicar o processo de aprendizagem social e reduz a evolução social a um processo natural, sem problematizar a capacidade criativa dos seres humanos e o aspecto conflituoso das relações sociais. Segundo Eder, é impossível falar em aprendizagem e evolução social sem discutir as estruturas cognitivas. A consideração ao aspecto cognitivo da definição da natureza visa transformar o status teórico do conceito de seleção natural. Na sua concepção, não seria a natureza que separaria as pessoas e as colocariam umas contra as outras (a luta pela sobrevivência), mas sim formas culturalmentedeterminadas de interação com a natureza (culturally-determined forms of interaction with nature). Dito de outro modo, aquilo que parece uma seleção natural seria na verdade uma separação social, uma divisão natural das pessoas (natural division of people) a partir de suas habilidades (separando o caçador do coletor, o coletor do agricultor, o agricultor do artesão, o artesão do engenheiro). Segundo Eder (1996: 21, tradução nossa), D essa forma, a diferenciação cognitiva do conhecimento se torna um mecanismo inicial de construção de uma relação societária com a natureza 57. Partindo da contribuição de Moscovici, Eder afirma que 55 The social construction of nature is reduced to the social appropriation of nature, its evolution accelerated by cognitive learning processes (Eder, 1996: 8). 56 [ ] viewing nature as something that is constituted symbolically rather than objectively given (Eder, 1996: 9). 57 In that way, the cognitive differentiation of knowledge becomes an initial mechanism of the cultural construction of a societal relationship to nature (Eder, 1996: 21).

104 102 essa divisão seria resultado da transformação do conhecimento sobre a natureza e, consequentemente, determinaria a interação com ela. Os avanços do conhecimento sobre o funcionamento do mundo natural impulsionariam o processo de divisão natural da sociedade, sendo que a reflexividade fecharia o ciclo destas divisões. Assim, a teoria cultural procura enfatizar o aspecto construtivo da evolução da relação entre sociedade e natureza e mostrar que a natureza é socialmente produzida, resultado da práxis humana (Eder, 1996: 22). Em síntese, pode-se afirmar que o que se entende por natureza está ligado ao conhecimento que se tem (se produz) acerca dela, o que, por sua vez, está intimamente ligado a processos de interação social. A apropriação material da natureza só pode ser compreendida considerandose as formas de construção cognitiva. Dessa forma, a ideia do mundo natural como recurso, por exemplo, só tem sentido em uma configuração (sócio)cognitiva onde a natureza é entendida de modo objetivista (isto é, a natureza vista como o nãohumano, que pode ser explorado legitimamente) visão que corresponderia à configuração cognitiva prevalecente na modernidade (Eder, 1996: 23). Considerando que a relação com a natureza não é moralmente neutra, Eder discute também seu aspecto normativo. Ao contrário da perspectiva materialista histórica e da funcionalista, Eder (1996: 26) argumenta que as ideias de natureza são formas historicamente específicas da relação entre sociedade e natureza. Segundo ele, a definição normativa da natureza está conectada à produção e reprodução da ordem normativa da sociedade, isto é, baseada em princípios morais. A redução da natureza ao valor de uso, um princípio utilitarista, seria apenas uma das formas possíveis e concretamente existentes, mas não a única. Nesse sentido, Eder (1996: 28) observa que a natureza não escapa do campo dos conflitos sociais, especialmente quando sua apropriação se torna objeto de um conflito moral, e é aí que as diferenças de significado simbólico da natureza se tornam mais evidentes. O significado (meaning) da natureza seria produzido e reproduzido no processo de consumo e exposto na prática comunicativa associada (ritual, discurso). Os discursos a respeito da natureza manifestam formas simbólicas coletivamente válidas sobre a relação entre sociedade e natureza. Eder (1996: 29-30) observa que, no mundo moderno, apenas recentemente o discurso ortodoxo de objetificação da natureza passou a ser contrastado com discursos heterodoxos, românticos,

105 103 exóticos e pré-modernos, mostrando a multivalência (multivalence) do discurso moderno sobre a natureza. Assim, conclui que a natureza possui uma função simbólica em todas as sociedades, mesmo nas sociedades modernas. Os discursos sobre a natureza estão intimamente ligados à própria ordem social, sendo as visões acerca dela partes constitutivas de uma totalidade. Dessa forma, os discursos sobre a natureza expressam um conteúdo político, são resultados de conflitos simbólicos na sociedade e expressam convicções culturais (cultural convictions). No entanto, as construções cognitivas e morais dependem da simbolização da natureza. Nas palavras de Eder: Esses símbolos não são derivados da natureza. A natureza é apenas o significante. O significado nas descrições da natureza é a própria sociedade. A sociedade estabelece as regras elementares para perceber e experimentar o mundo na simbolização da natureza. Tais simbolizações são usadas para ajustar os esquemas fundamentais para perceber e experimentar o mundo 58 (1996: 31, tradução nossa). Essas simbolizações são naturalizadas pelos membros da sociedade (sendo uma ordem simbólica autoevidente, no sentido atribuído por Schütz ou Berger e Luckmann), de modo que permita o entendimento mútuo através da comunicação discursiva. É no discurso, portanto, que se expressam as diferentes visões de natureza e, igualmente, de sustentabilidade. A contribuição de Eder permite fazer alguns avanços em relação à obra de Parsons, especialmente considerando a dimensão conflituosa da vida social. O autor também enfatiza a importância do discurso para o entendimento do sentido simbólico do mundo natural para os diferentes sistemas sociais. No entanto, a abordagem de Eder simplifica alguns aspectos da relação sociedade e natureza, sem especificar exatamente como se dão os processos de construção cognitiva, normativa e simbólica, concluindo pela tese de que a natureza é apenas uma produção social. Por isso, a contribuição de Teun Van Dijk para a análise sociocognitiva do discurso é considerada fundamental. 58 These symbols are not derived from nature. Nature is only the signifier. The signified in the descriptions of nature is society itself. Society sets down the elementary rules for perceiving and experiencing the world in the symbolization of nature. Such symbolizations are used to adjust the elementary schemata for perceiving and experiencing the world (Eder, 1996: 31).

106 Análise Sociocognitiva do Discurso O discurso, como forma institucionalizada de uso de sistemas de sinais linguísticos e da linguagem (Spink; Gimenes, 1994: 153), é o material essencial para a análise do sentido da ação social. É a concretização e expressão das convenções sociais (normas, valores e regras) e dos significados e sentidos que as pessoas atribuem ao mundo e que as conectam umas às outras. Se a realidade humana é socialmente construída, é no discurso que os significados desta realidade se manifestam de forma plena. Para a maioria dos sociólogos analisados até aqui, a ação dotada de significado é uma das características distintivas da ação humana e, sobretudo através da contribuição de Weber, veio a se tornar um dos principais objetos da análise sociológica. A categoria de ação também tem grande importância na obra de Talcott Parsons. Para ele, como visto anteriormente, ela [ ] consiste em estruturas e processos através dos quais os sêres humanos formam intenções significativas e, com maior ou menor êxito, as executam em situações concretas (Parsons, 1969: 16). Acrescenta que A ação humana é cultural na medida em que os sentidos e as intenções referentes aos atos são formados através de sistemas simbólicos [ ] que quase sempre se centralizam no aspecto universal das sociedades humanas, isto é, na linguagem (ibidem: 17, grifado no original). A despeito das controvérsias, Parsons considera a linguagem uma capacidade encontrada unicamente nos seres humanos. De modo mais preciso, Eder considera que os significados da natureza seriam expostos através de práticas comunicativas, como o discurso. Nesse sentido, os discursos sobre o mundo natural expressam as formas simbólicas socialmente legitimadas sobre a relação sociedade e natureza, estando, portanto, intimamente ligados à própria ordem social, considerando os aspectos cognitivo, normativo e simbólico. De forma semelhante, Godoi, Coelho e Serrano (2014: 521) apontam a concepção de discurso social como:

107 105 [ ] um modo de regular o funcionamento social mediante fluxos simbólicos. O modo de pensar social está presente não apenas no ato da comunicação, mas em toda institucionalização simbólica que organiza a relação com o outro, que institui representações garantidoras dos laços com o outro. Nesse sentido, a análise sociológica dos discursos sobre a natureza e sobre o desenvolvimento sustentável (ou simplesmente sustentabilidade) se faz importante para compreensão não só da dinâmica da relação entre sociedade e natureza, mas também da dinâmica da relação entre atores e entre sistemas sociais diversos. Mais do que isso, conectando os discursos aos contextos e às práticas dos atores sociais concretos, é possível compreender os diferentes significados da natureza e da sustentabilidade e a própria configuração dos sistemas sociais, seus objetivos, interesses, valores, normas e regras. O discurso é entendido aqui enquanto discurso social, um fenômeno cognitivo e social complexo, que transcende a linguagem e/ou o texto propriamente ditos. A análise procura revelar os sentidos e significados atribuídos ao mundo natural e à sustentabilidade e as estratégias discursivas que os atores empregam na tentativa de legitimar seus interesses (individuais e coletivos). Embora tenham um componente individual, esses interesses estão vinculados a sistemas sociais específicos, e consequentemente às suas visões de mundo, das quais fazem parte as visões de natureza, de sustentabilidade e de desenvolvimento. Estão inseridos nesse contexto as tensões, os conflitos e as influências recíprocas que os atores exercem uns sobre os outros. Essa análise se aproxima do que Godoi, Coelho e Serrano chamam de nível social-hermenêutico, integrando [ ] a dimensão internalista e externalista do texto [ ] em um processo que vai e vem entre a materialidade do texto, o contexto de produção do discurso e as características do grupo social a que pertencem os atores (2014: 518), considerando também a influência mútua entre os diferentes atores, seja através da cooperação ou do conflito. Dessa forma, o discurso pode ser entendido enquanto ação social e não pode ser separado dos atores, dos sistemas sociais, das interações e até mesmo do ambiente físico que permitem e motivam sua manifestação. No entanto, a principal influência para esta análise tem como base as contribuições de Teun Van Dijk, que propõe uma abordagem propriamente sociocognitiva, buscando apreender o discurso considerando seu contexto social e

108 106 cognitivo, o que se pode chamar de contextualismo consequente (consequent contextualism) (Van Dijk, 2006: 162). O autor observa a importância de se analisar não somente as estruturas gramaticais, estilísticas ou retóricas, mas também os vários ambientes ou contextos do discurso, como as condições sociais, políticas, institucionais ou culturais. Outro aspecto importante é a cognição dos participantes, o que inclui conhecimentos, crenças ou intenções, bem como os processos mentais de produção e compreensão dos discursos (Van Dijk, 2006: 160). Van Dijk lembra que não existe uma relação causal ou condicional entre grupos, instituições, posições sociais ou relações de poder e a estrutura do discurso em si. Contudo, cabe ao analista mostrar a influência dos constrangimentos sociopolíticos na produção do discurso, mostrando o que é relevante em cada contexto (disto que se trata o contextualismo consequente), produzindo, desta forma, uma explicação sociocognitiva do contexto (2006: ). Assim, tem-se uma abordagem construtivista e multidisciplinar do discurso que incorpora vários elementos em sua explicação, incluindo a influência da estrutura social, da personalidade dos agentes, de elementos do ambiente sociopolítico do discurso, entre outros. Dessa forma, a abordagem agrega elementos importantes e coerentes com as perspectivas de Parsons e Eder, considerando a influência do contexto sociocultural e cognitivo dos participantes dos sistemas sociais e os discursos por eles produzidos. O contexto pode ainda ser concebido como um constructo, um modelo mental. Os modelos mentais seriam a ponte entre a estrutura social e os agentes (atores individuais). Esses modelos seriam: [ ] uma representação subjetiva dos eventos ou situações sobre as quais o discurso se refere. Modelos mentais possuem estruturas esquemáticas culturalmente baseadas (portanto, variáveis), embora algumas de suas propriedades possam ser muito gerais, se não universais. Isso é, as pessoas não entendem os discursos e os eventos aos quais eles estão relacionados de modo arbitrário e infinitamente variável, mas usam esquemas disponíveis, movimentos e estratégias de maneira a facilitar sua tarefa de compreender situações e discursos potencialmente variáveis infinitamente 59 (Van Dijk, 2006: , tradução nossa). 59 [ ] subjective constructs or definitions of communicative situations. [ ] is a subjective representation of the events or situation that discourse is about. [ ] Mental models have culturally based (and hence variable) schematic structures, although some of their properties may be very general if not universal. That is, people do not understand discourses and the events they are about in arbitrary and infinitely variable ways, but use handy schemas, moves and strategies so as to facilitate

109 107 Dito de outro modo, os modelos mentais representam as experiências das pessoas armazenadas e atualizadas em suas memórias episódicas (memória de longo prazo). A partir desses modelos mentais, os atores participam de modelos contextuais (contextual models), que também são definições subjetivas, não de situações das quais se fala, mas de situações de que se participa quando se engaja em uma conversa ou em um texto. Seriam os modelos mentais das pessoas que participam de situações comunicativas (Van Dijk, 2006: 170). Van Dijk explica que: O controle contextual sobre a produção e compreensão discursiva afeta todos os níveis e dimensões do texto e da fala, como as condições de atos de fala, a seleção de tópicos ( apropriados ) ou a mudança de tópicos, níveis de descrição semântica, (geral versus específica), a distribuição de conhecimento em asserções e pressuposições, lexicalização, estrutura sintática e entonação, entre muitos outros aspectos estilísticos do discurso. Nesse sentido, modelos contextuais controlam os modos de falar. Eles adaptam a expressão discursiva de modelos (semânticos) mentais conteúdo, informação, etc. para a situação de comunicação em curso. Isso é, eles definem a pertinência como também a relevância. Para que os modelos contextuais sejam capazes de terem essa função, e para facilitar o entendimento, a interação ou comunicação, eles devem apresentar um pequeno número de categorias básicas [ ]: Configuração [setting], Participantes e Ações. De modo similar, as principais propriedades sociais dos participantes (por exemplo, gênero, idade, partido político, etc.) podem ser representadas no modelo, assim como seus conhecimentos e opiniões atuais. De fato, intenções e objetivos são componentes proeminentes dos modelos contextuais e eles definem o objetivo geral e estratégico do discurso, ou as maneiras pelas quais as pessoas o entendem. Isso também significa que, tanto para os participantes como para o analista, compreender a fala como (inter) ação envolve atribuir intenção aos atores 60 (Van Dijk, 2006: 171, tradução nossa). their task to understand potentially infinitely variable discourses and situations (Van Dijk, 2006: ). 60 Contextual control over discourse production and understanding affects all levels and dimension of text and talk, such as the conditions of speech acts, the selection of ( appropriate ) topics or the change of topics, levels of semantic description (general versus specific), the distribution of knowledge in assertions and presuppositions, lexicalization, syntactic structure and intonation, among many other stylistic aspects of discourse. In this sense, context models control ways of speaking. They adapt the discursive expression of (semantic) mental models content, information, etc. to the ongoing communicative situation. That is, they define appropriateness as well as relevance. In order for context models to be able to have this role, and to facilitate understanding, interaction or communication, they should feature a relatively small number of basic categories, such as the ones mentioned above: Setting, Participants and Actions. Similarly, the main (relevant) social properties of the participants (e.g. gender, age, political party, etc.) may be represented in the model, as well as their current knowledge and opinions. Indeed, intentions or goals are prominent components of context models and they define the overall, strategic goal-directedness of discourse, or the ways people understand it. This also means that, both for participants and analysts, understanding talk as (inter) action involves attributing intentions to the actors (Van Dijk, 2006: 171).

110 108 Embora as categorias relevantes sejam culturalmente variáveis, a questão do conhecimento dos atores seria um componente universal no modelo contextual. Nenhuma comunicação, interação ou discurso é possível sem que algum tipo de conhecimento seja compartilhado entre os atores. Como enfatiza Van Dijk, as intenções ou objetivos são componentes centrais para a compreensão do objetivo estratégico do discurso, elemento que também tem certa centralidade no esquema parsoniano. Nesse sentido, como se discutirá adiante, os discursos sobre sustentabilidade ganham contornos distintos segundo os objetivos específicos de cada sistema social, bem como segundo os modelos mentais e contextuais que envolvem as situações de comunicação dos atores (o que inclui a visão normativa de natureza). Van Dijk explica que uma pessoa pode ter um mesmo modelo mental de um acontecimento, como um roubo, por exemplo, contudo, os modelos contextuais nos eventos de fala seriam bem diferentes em uma conversa com um amigo e ao relatar o fato a um policial (2006: 172). Os dois eventos pressupõem certos conhecimentos (da língua, do que é um roubo, etc.), mas cada situação implica em objetivos e formas diferentes de relatar o mesmo fato (o que falar, como falar, com quem falar, a motivação, etc.). O autor lembra que em situações de conversação entre pessoas de culturas diferentes a falta de experiências de comunicação intercultural pode levar a malentendidos ou até mesmo a conflitos (Van Dijk, 2006: ). Nesse sentido, os modelos contextuais seriam o elo entre o texto e o falar e seus ambientes, de outra forma, pode ser a conexão entre ação e estrutura sociais. 3.4 Discurso e Construção Social A realidade certamente existe independentemente dos significados que os seres humanos atribuem aos objetos presentes no cosmos. No entanto, a realidade social, no plano simbólico, constitui uma realidade sui generis, que, apesar de abstrata ou virtual, exerce efeitos concretos, inclusive transformando matéria através da apropriação social da natureza em suas várias manifestações, como trabalho, arte, tecnologia.

111 109 No entanto, ainda que a criação e uso de sistemas simbólicos seja universal da espécie humana, essa realidade simbólica não se apresenta de forma homogênea, caracterizando-se por sua incrível diversidade e plasticidade, obedecendo a critérios não só de adaptação ao meio físico-orgânico (mais evidente nos primeiros estágios da evolução humana), mas também em razão das preferências de indivíduos e grupos sociais, através de sua criatividade e da interação que estabelecem entre si e com outros grupos, na forma de conflito e cooperação. Embora não seja a única, o discurso é a manifestação mais apropriada para se analisar os significados atribuídos ao mundo natural e à noção de sustentabilidade. Apesar de fluídos e sempre passíveis de mudança, alguns significados são duradouros e muitas vezes são compartilhados para além dos sistemas sociais específicos, fazendo parte dos sistemas culturais, que, na definição de Parsons, são mais abrangentes. A análise realizada leva em consideração as contribuições de Parsons, Eder e Van Dijk, ainda que não investigue todas as minúcias apontadas pelos autores. A ação social, como o discurso, pressupõe a existência de indivíduos com seus organismos comportamentais e suas personalidades. Esses indivíduos precisam satisfazer uma série de necessidades (orgânicas, simbólicas), entre as quais aquelas, ao mesmo tempo, impostas e providas pelo ambiente físico-orgânico e pelos sistemas social e cultural. Os atos de fala, a produção de textos e discursos, dependem essencialmente de indivíduos que tenham capacidades físicas e cognitivas minimamente desenvolvidas que os tornem capazes de se comunicar e apreender os valores, normas e regras dos sistemas cultural e social do qual participam. Os três autores apontam para uma influência decisiva do contexto social na construção social da realidade, expressa, principalmente, na linguagem, da qual o discurso é o principal resultado. 3.5 Considerações do Capítulo

112 110 Ao analisar os esquemas teóricos dos autores mencionados é possível perceber semelhanças e diferenças. Com a finalidade de observar os significados atribuídos à natureza e à sustentabilidade recorreu-se às contribuições de Parsons, Eder e Van Dijk, que não só vêm de escolas diferentes, mas se dedicaram a analisar questões muito distintas. No entanto, cada um permite investigar diferentes aspectos da construção social da natureza e da sustentabilidade. Parsons permite avaliar, de modo muito detalhado, os diferentes aspectos que concorrem para a formação da ação social, incluindo os constrangimentos do ambiente físico-orgânico e do organismo comportamental, além daqueles próprios dos sistemas sociais e culturais. Contudo, o autor descura da importância da dimensão criativa e conflituosa da interação social. Eder também observa a importância das diferentes dimensões da interação social, cognitiva, normativa e simbólica, colocando-as no centro de seu esquema teórico. Além disso, ainda que incorra em uma forma de construtivismo forte, sem considerar as limitações ambientais, o autor considera a importância da dimensão criativa e conflituosa das relações sociais, o que permite um avanço em relação a Parsons. Porém, nem Parsons nem Eder fornecem um método para captar as diferentes significações que os seres humanos atribuem ao mundo natural, embora reconheçam a importância da linguagem. Nesse sentido, a análise sociocognitiva do discurso, proposta por Van Dijk, completa o quadro teórico-metodológico exigido para tal tarefa. O esquema de Van Dijk, ainda que com viés mais fenomenológico, é coerente com as observações de Parsons e Eder, apontando também para a importância da dimensão social e cognitiva na formação dos discursos, incluindo a dimensão do poder. Dessa forma, tem-se um esquema teórico-metodológico que permite analisar os discursos sobre natureza e sustentabilidade como parte do universo sociocultural de sistemas sociais em interação uns com os outros e com o mundo natural. Esta análise será realizada no próximo capítulo.

113 111 4 DISCURSO, NATUREZA E SUSTENTABILIDADE NA MODERNIDADE BRASILEIRA O capítulo apresenta a categorização dos atores selecionados e a análise dos discursos sobre natureza e sustentabilidade. Para este trabalho foram analisados documentos oficiais e extraoficiais, como informes e relatórios ambientais e/ou de sustentabilidade, sites oficiais e blogs, notícias, entrevistas, literatura acadêmica (artigos, dissertações, teses) e outros suportes dos discursos dos atores selecionados. Embora não tenha sido possível realizar uma análise estatística ou quantitativa que pudesse justificar com precisão a amostragem selecionada, especialmente devido à própria natureza e a imprecisão de informações sobre a disponibilidade de fontes 61, a validade desta análise se baseia na ideia de que estes textos fazem parte do discurso autorizado dos atores (textos elaborados e divulgados por eles) e expressam a síntese das posições internas dos grupos, uma forma de consenso discursivo dos sistemas sociais. Dessa forma, pressupõe-se que os discursos carregam os significados da natureza e da sustentabilidade de cada sistema social. O processo de interação faz com que os grupos enfatizem certos atributos da natureza e da sustentabilidade, tendo em vista o conjunto de relações que estabelecem uns com os outros, revelando, assim, a construção social da natureza e da sustentabilidade na modernidade brasileira. Devido à grande quantidade de textos analisados ou consultados, estão citados apenas aqueles dos quais se extraiu trechos considerados mais relevantes para a análise. Não foram realizadas entrevistas, pois os documentos coletados permitiram mostrar as diferentes perspectivas sobre natureza e sustentabilidade e também os contrastes entre os discursos. Em grande parte dos casos, considerando a quantidade de textos disponíveis, optou-se por analisar somente os documentos mais recentes, preferencialmente entre 2010 e A análise foi centrada principalmente nas referências diretas ou indiretas ao mundo natural e à sustentabilidade ou passagens que mostram algum tipo de 61 A quantidade de materiais que poderiam ser analisados é muito grande e estão muito dispersos, o que dificulta a possibilidade de rastreá-los e quantificá-los e selecionar uma amostragem estatisticamente precisa.

114 112 valoração associada aos termos pesquisados (ou sua ausência). Assim, buscou-se especialmente por termos, ou radicais, como natur (natureza, natural), sustent (sustentável, sustentabilidade) e ambient (ambiente, ambiental), retendo-se aos trechos em que as palavras aparecem associadas a valorações normativas ou morais (incluindo-se a visão técnica, neutra, como forma de valoração). Ainda que não se tenha buscado fazer uma análise de discurso em seu sentido mais estrito, e sem se filiar a qualquer escola ou metodologia específicas, privilegiou-se a leitura integral ou de tópicos completos dos textos originais, reproduzindo e analisando fragmentos importantes que revelam os significados atribuídos aos termos pesquisados, tomando-se cuidado para não cair no que alguns analistas chamam de pseudoanálise do discurso 62 (Godoi, Coelho e Serrano, 2014). A análise buscou apontar os atores, o tempo, o local, a razão, a situação, o meio, as intenções ou objetivos, em geral, as condições de produção dos discursos. A seleção dos atores e sua categorização foram realizadas com base no conhecimento prévio do universo pesquisado e também com base nas leituras realizadas durante as etapas iniciais da pesquisa. Com base nesse conhecimento, foi elaborado um quadro de classificação observando o predomínio de uma ou outra visão entre os atores a partir de algumas de suas práticas, posições ou discursos. Essa categorização foi sendo aprimorada após análises mais detalhadas dos documentos e de reflexões realizadas durante o estudo. 4.1 Categorização dos Atores 63 Como apontam vários autores da Ecologia política (Acselrad, Alier, Leff, Porto-Gonçalves), a problemática socioambiental é conformada por atores específicos. Nesse sentido, a proposta de Nascimento (2012a) de analisar a sustentabilidade como um campo social específico possibilita identificar os atores e 62 Não se atentar a detalhes ou se fixar somente a eles, tomar posições valorativas, isolamento ou excesso de citações, crer que o texto fala por si, falsa generalização ao extrapolar dados (Godoi, Coelho e Serrano, 2014: ). 63 A categorização, ora apresentada, é o resultado organizado da pesquisa. Retrata, portanto, o resultado final do trabalho e não uma classificação antecipada dos atores.

115 113 seus respectivos capitais, o que conformaria o campo da sustentabilidade no Brasil. Identificando-se os atores (ou agentes), é possível também rastrear seus discursos e, assim, inferir as valorações sobre o mundo natural. A abordagem da Ecologia política também enfatiza o aspecto político da relação sociedade e natureza, que é um processo de interação entre sistemas sociais distintos e o meio físico orgânico. O processo de reprimarização da economia brasileira tem papel importante na configuração da construção social da natureza no Brasil, pois fez com que o Estado e empresários de diversos setores buscassem novos espaços para a exploração comercial dos recursos naturais, tomando os territórios de populações tradicionais, ensejando conflitos que são marcados pela interação entre os diversos atores identificados neste trabalho. Considerando os discursos dos atores, é possível verificar uma gradação de instrumentalidade em suas visões. As formas de apropriação social da natureza estão intimamente associadas a essas visões. Dessa forma, elaborou-se uma categorização relacionando as visões de natureza e de sustentabilidade aos atores, indo das menos instrumentais às mais instrumentais. Assim, é possível ir além dos binômios racionalidade instrumental e racionalidade ambiental, ou razão prática e razão cultural, complexificando o campo político-cognitivo em que se inserem os conflitos ambientais e evitando reducionismos que conduzem a visões dicotômicas (como as observadas em Thomas, 1989; Eder, 1996; Leff, 2004b; Acselrad, 2008; Porto-Gonçalves; Leff, 2015). O grau de instrumentalidade remete à associação, mais ou menos explícita, das palavras natureza ou natural com termos que indiquem alguma forma de valoração, como objeto, matéria-prima, recurso, capital, dano à, prejuízo à, proteção, e afins. Da mesma forma, o tipo de concepção de sustentabilidade está associado à ligação das palavras sustentável ou sustentabilidade com termos como ambiental, técnica, tecnologia, estratégia, negócio, ganho, imagem, território, modo de vida, e outros. Existem situações em que não há associação direta de palavras, cabendo, em cada caso, analisar as ausências, os contextos e as situações que permitam avaliar, o mais objetivamente possível, o tipo de concepção de natureza e de sustentabilidade. Considerando o universo pesquisado, elaborou-se a categorização dos atores conforme o quadro 3:

116 114 Quadro 3 Atores sociais segundo as visões de natureza e de sustentabilidade predominantes Na primeira coluna, visão ética-reflexiva (ativistas e intelectuais), estão os atores que apresentam consideração ética ao mundo natural e apreendem a sustentabilidade de modo predominantemente reflexivo. A ideia de natureza é [in]formada especialmente pelo conhecimento científico e filosófico, especializado e reflexivo. No mesmo sentido, a noção de sustentabilidade também é [in]formada pelos mesmos saberes especializados. Contudo, a atuação desses atores também se dá de forma politizada, combatendo ou formando alianças com os demais atores, em alguns casos exercendo papel importante nos discursos mobilizados por diferentes atores em situação de conflito e na própria definição destes conflitos. Devido sua própria constituição, que exige um monitoramento reflexivo constante, tendem a serem críticos de aspectos negativos do modelo de desenvolvimento industrial capitalista, podendo atuar no sentido de reverter estes aspectos, seja pela denúncia ou pela produção de novos conhecimentos e tecnologias, embora também se associem ao modelo de desenvolvimento hegemônico. Na segunda coluna, visão moral-prática (populações tradicionais), constam os atores que têm consideração moral pela natureza, mas fazem uso dela para satisfazerem suas necessidades materiais e culturais, seja pelo consumo direto ou pela comercialização de parte da produção como condição para sua reprodução social. Embora passe também por processos reflexivos e de forma crítica, a noção de sustentabilidade se dá principalmente de maneira prática, pela adoção de métodos e técnicas de produção ou extração de recursos naturais em escala reduzida (em comparação com a produção industrial), de forma tradicional e

117 115 sustentável, respeitando-se os ciclos naturais e utilizando pouco ou nenhum insumo industrial na produção. Tendem a serem críticos ao modelo de desenvolvimento industrial capitalista. A terceira coluna, visão instrumental (segmentos do Estado 64, agronegócio, mineração e energia), refere-se, por um lado, à concepção de natureza predominantemente como objeto ou matéria-prima (como recurso ou capital). Por outro lado, a sustentabilidade, quando considerada, é vista estritamente do ponto de vista ambiental e/ou econômico, considerando que os problemas ambientais podem ser resolvidos essencialmente pela criação e/ou adoção de tecnologias limpas, sem a necessidade de alterar o sistema capitalista industrial. O objetivo principal da seleção dos atores foi reunir diferentes segmentos considerando sua influência na produção/consumo, no debate sobre sustentabilidade, no modelo de desenvolvimento e pelo poder de influência de uns sobre os outros no contexto brasileiro levando-se em conta a posição hegemônica de alguns, a resistência e a relativa autonomia de outros. Nesse sentido, os atores selecionados podem ser referidos genericamente como atores do desenvolvimento no contexto brasileiro. Serão considerados especialmente: ativistas e intelectuais (visão ética-reflexiva), populações tradicionais (visão moral-prática), e segmentos do Estado, associações setoriais e empresas privadas do agronegócio, mineração e energia (visão instrumental). Cada um desses [grupos de] atores abarca uma série de outros com especificidades próprias, mas com características que permitem agrupá-los sob uma mesma categoria. Os ativistas e intelectuais incluem socioambientalistas e cientistas. As populações tradicionais incluem povos indígenas e agricultores familiares. O Estado foi segmentado em quatro ministérios, uma empresa e um instituto, separando-os em dois grupos considerando o grau de instrumentalidade de suas visões. Os 64 Como lembram Domingues e Pontual (2007: 152), existe uma tensão na posição do Estado, pois ele tem ao mesmo tempo o papel de protetor do meio ambiente e de promotor do desenvolvimento. Como consequência, [muitas vezes] a legislação não tem efeito concreto, favorecendo atores com interesse na exploração ambiental intensiva (note-se as propostas de flexibilizações no código florestal, na mineração, no licenciamento ambiental, conforme aponta Borges, 2016a). Outra questão importante se refere ao fato de o Estado ser composto por diversos órgãos com funções e objetivos muito distintos, além de abrigar uma diversidade imensa de indivíduos muito diferentes entre si. Considerando esses pontos, optou-se por trabalhar apenas com alguns segmentos do Estado, com aqueles mais diretamente envolvidos nos temas debatidos na tese.

118 116 setores do agronegócio, da mineração e de energia foram divididos em associações setoriais e empresas privadas. A categorização é baseada em tipos ideais 65, considerando a pluralidade de atores e as diferenças internas de cada um, embora seja também uma aproximação descritiva do que os atores são (enquanto subjetividades coletivas) e fazem concretamente (discursos, práticas, relações, interações). Apesar de terem traços predominantes de uma ou outra característica, reconhece-se que podem apresentar ambiguidades em relação ao mundo natural e à sustentabilidade. A categorização objetivou contemplar a forma de valoração da natureza (ética, moral ou instrumental) e as concepções de sustentabilidade (reflexiva, moral ou instrumental). A partir dessa classificação inicial, desenvolveu-se a análise da construção social da natureza e da sustentabilidade na modernidade brasileira, buscando evidenciar a relação entre ideias e práticas dos distintos atores a dinâmicas sociais e de interação com a natureza. A categorização procura ressaltar as visões de natureza e de sustentabilidade predominantes no território brasileiro e, sobretudo, demonstrar que o mundo natural não é algo dado, evidente por si mesmo, mas sim resultado e condicionante das relações sociais que os atores estabelecem entre si. Certamente não se pode negar o papel fundamental que o mundo natural tem na formação dos sistemas sociais, existindo uma interdependência profunda entre sociedade e natureza. 4.2 Análise do Discurso dos Atores do Desenvolvimento no Brasil Antes de analisar os discursos, cabe esclarecer o que se entende pelas categorias ator e sistema social. Consideram-se os atores e os sistemas sociais enquanto subjetividades coletivas, que, com maior ou menor nível de centramento (o que está relacionado à intencionalidade, à identidade e à organização do sistema 65 Conforme Weber, o tipo ideal tem "[ ] o significado de um conceito-limite, puramente ideal, em relação ao qual se mede a realidade a fim de esclarecer o conteúdo empírico de alguns dos seus elementos importantes, e com o qual esta é comparada" (Weber, 1973: 140). Nesse sentido, o tipo ideal procura realçar certos aspectos do objeto em questão, de modo a permitir compreendê-lo em sua especificidade. Sobre o conceito de tipo ideal, ver Weber (1973; 1993).

119 117 social), podem ter impacto sobre outros sistemas sociais, uma causalidade coletiva (Domingues, 1998b: 9). O ator pode ser um indivíduo conformado por seu papel, função e status, um representante de uma categoria (professor/a, presidente, cacique), ou, como se referirá aqui, como um coletivo, um sistema social ou um representante de um sistema. O sistema social é uma coletividade (associação, empresa, comunidade), composta por uma ou mais categorias de atores que interagem entre si e com outros atores e sistemas sociais. Os sistemas sociais e as subjetividades coletivas são apresentados por Domingues quase como sinônimos. Para ele: [ ] todo e qualquer sistema social ou seja, qualquer sistema de interação social: empresas, classes, famílias, redes de amizade, mercados, Estados, movimentos sociais, etc. - deve ser sempre caracterizado como uma subjetividade coletiva, cujo nível de centramento (e, conseqüentemente, de intencionalidade) é variável potencial e concretamente. Esse nível por sua vez depende do nível de identidade e de organização do sistema. Isso não quer dizer, contudo, que a capacidade de impacto do sistema sobre aqueles em que se inclui ou com os quais interage seja necessariamente maior ou menor de acordo estritamente com aquele nível de centramento. Na verdade, subjetividades coletivas (como por exemplo um mercado ou movimentos culturais difusos) podem ter um enorme impacto (especialmente no longo prazo) sobre outros sistemas exatamente por conta de seu descentramento. Mas não se deve esquecer também que, em qualquer caso, o que, aliás, constitui um outro aspecto do descentramento do sujeito, sistemas sociais devem ser sempre pensados em sua interação com outros sistemas inclusive no que tange a sua eficácia causal (Domingues, 1998b: 9). Conforme Domingues, a causalidade coletiva: [ ] não se exerce abstratamente. É através das dimensões concretas (embora sejam elas aqui analiticamente separadas de modo estrito) dos sistemas sociais que seu impacto causal se efetua. A dimensão hermenêutica das relações sociais, incluindo símbolos, normas e regras, padrões cognitivos, formas de consciência e processos inconscientes, é um elemento crucial na constituição dos sistemas sociais; o mesmo é verdadeiro para a sua dimensão material, mediante a qual realiza-se nosso intercâmbio com a natureza, da qual nos diferenciamos em termos de uma segunda natureza, mas à qual não deixamos jamais de pertencer. Além disso, deve-se ter presente a dimensão das relações de poder nos sistemas sociais, relações entre indivíduos ou entre coletividades, que podem ser mais ou menos igualitárias; ademais, a dimensão espaço-tempo, que configura (material e simbolicamente) o escopo e os ritmos da vida social também deve ser levada em conta ao discutir-se os processos concretos através dos quais as subjetividades coletivas, mais ou menos (des)centradamente, têm impacto umas sobre as outras (Domingues, 1998b: 9-10, grifos originais).

120 118 Dessa forma, é possível relacionar as categorias de ator e sistema a processos de interação social, mediadas, como mostra Parsons, por uma série de outros fatores, relacionados principalmente aos sistemas cultural, social, da personalidade e do organismo comportamental, os quais conformam o sistema geral da ação. É possível elencar uma série de atores e/ou sistemas sociais que detêm poder de influência sobre o modelo de desenvolvimento (seja na sua execução, seja como resistência) ou, de outra forma, sobre o que genericamente se denomina mundo natural ou simplesmente natureza. Essa influência pode se dar de modo material (diretamente, pela exploração dos recursos naturais, ou indiretamente, através de decisões e ações de governos, de empresas ou de consumidores), e simbólico (representações culturais, religiosas, científicas, filosóficas, políticas). Pressupõe-se que exista uma assimetria acentuada nas relações de poder entre diferentes sistemas sociais no Brasil, resultando no predomínio de uma visão instrumental sobre outras visões (considerando que a maioria da população brasileira vive em áreas urbanas e é educada, formal e informalmente, de acordo com o sistema de crenças ocidental moderna). Consequentemente, essa visão hegemônica impõe seu modelo de desenvolvimento, estabelecendo um ritmo intensivo da exploração da natureza na forma da produção industrial, havendo um forte contraste com outras formas de lidar com o mundo natural (tradicionais, reflexivas). Os atores podem não defender explícita ou literalmente uma visão puramente instrumental, moral ou ética, assim como podem defender práticas que consideram sustentáveis, enquanto outros atores concluem o contrário. Entretanto, é possível observar formulações discursivas que indiquem uma forma de valoração em relação ao mundo natural e à sustentabilidade. Deve-se observar que os atores estabelecem alianças e oposições entre si, contribuindo para a conformação uns dos outros. O Estado tem uma peculiaridade, pois estabelece relações ambíguas com vários atores, ainda que seja possível perceber um favorecimento maior a certos atores em detrimento de outros (decisões favoráveis no caso de litígios, de liberação de recursos, flexibilização de legislação, etc.). Em algumas situações de conflito, o Estado age como mediador, em outras, é a causa ou faz parte do conflito. Além disso, muitos atores contam com intervenções estatais para suas atividades e

121 119 reprodução, incluindo financiamentos, empréstimos, investimentos diretos e indiretos, concessões, incentivos ou isenções fiscais, demarcações de terra, etc. Domingues (2008: 91-92) destaca alguns aspectos do que seria o Estado partindo das contribuições de Nicos Poulantzas e Michael Mann. Para Poulantzas, o Estado pode ser entendido como uma condensação de forças entre classes e frações de classes, não seria meramente instrumental para as forças sociais e nem estaria flutuando acima da sociedade. Este autor não nega a facticidade do Estado, mostrando que seus aparatos seriam nós e instâncias de poder real (knots and fora of factual power) e que funcionários do Estado (state personnel) formam uma categoria social com uma unidade própria. Isso significa que não há uma verdadeira divisão entre Estado e sociedade, mas que há sim um entrelaçamento entre ambos, abarcando diferentes aspectos da vida social (economia, política, religião, cultura). Conforme Jessop (2009), para Poulantzas o Estado seria uma relação social. Segundo Domingues (2008: 91-92), Mann defende a ideia de que os Estados seriam, ao mesmo tempo, lugares e atores, possuindo graus variados de coesão e autonomia em relação à sociedade. Contudo, responderia à pressão de capitalistas e de outros atores mais poderosos (major power actors). O Estado tem múltiplas faces, cristalizações polimorfas, centros de poder, instituições, tarefas, eleitorado, cobre um território específico e mantém legitimidade e força física organizada, exercendo poder sobre a sociedade de duas formas: despótica, de cima para baixo, e infra-estrutural, mediada via sociedade. Nesse sentido, também para Mann haveria um entrelaçamento entre Estado e sociedade. Domingues afirma que vários atores contribuem para a configuração do Estado, que, por sua vez, também ajuda a configurar a própria sociedade. No entanto, observa que, a despeito dessa pluralização, um bloco histórico (historical bloc) hegemônico e combinando distintas subjetividades coletivas, normalmente tem maior capacidade de modelar e controlar o Estado. Domingues (2008: 92) conclui que o Estado seria uma subjetividade coletiva que pode atingir um elevado nível de centramento, ainda que tenha que enfrentar tensões internas a todo instante, sendo tecido com outras subjetividades coletivas. Dessa forma, pode-se afirmar que o Estado é composto pela interação entre indivíduos e grupos sociais, envolvendo tensões, alianças e conflitos.

122 120 Considerando esse cenário, tem-se ciência que colocar o Estado (mais especificamente segmentos do poder executivo, ministérios, empresas, institutos) como um ator social pode suscitar críticas, pois não se trata de um bloco homogêneo (ou ainda menos que os demais atores), abrigando uma diversidade enorme de indivíduos e grupos com posições, crenças e interesses muito diversos. Desse modo, optou-se por separar o Estado em segmentos específicos, alguns mais e outros menos instrumentais ligados ao poder executivo, que lidam mais diretamente com os temas ambientais. Assim, pode-se apreender os segmentos do Estado como sistemas sociais mais ou menos independentes que agem sobre outros sistemas sociais e se configuram como subjetividades coletivas com níveis de centramento significativos. A título de exemplo, apesar de sua diversidade interna, o Ministério do Meio Ambiente possui uma identidade, objetivos específicos e um direcionamento em suas decisões e ações amparadas em visões de mundo mais ou menos coerentes entre os indivíduos que participam desta coletividade. As associações, as empresas privadas e demais sistemas sociais a que se faz menção, apresentam características parecidas, em certos casos com níveis de centramento ainda mais elevados. Assim, selecionaram-se os segmentos do Estado ligados ao poder executivo, vinculados mais diretamente a temas como produção, meio ambiente e sustentabilidade, de modo a dar maior operacionalidade e sentido à análise. As visões correspondem, de certo modo, ao que Porto-Gonçalves (2004) chama de racionalidades, sendo a visão instrumental equivalente à racionalidade atomístico-individualista ocidental ou à racionalidade científica europeia, na qual a sustentabilidade é restrita à dimensão ecológica, enquanto às demais podem ser associadas à nova racionalidade ou à racionalidade ambiental 66, tendo um ponto de vista crítico e plural Visão Ética-Reflexiva 66 Segundo Porto-Gonçalves e Leff (2015: 85), a racionalidade ambiental orienta a construção de uma civilização global sustentável integrando processos organizacionais diversos guiados pelo princípio neguentrópico de significação cultural e natural da natureza. Essa racionalidade desconstrói a racionalidade econômica através da construção de um paradigma "eco-tecnológico-cultural de produção a partir da proposta de produtividade neguentrópica. Em contraste com a entropia, a neguentropia seria o princípio de ordem e previsibilidade em um sistema (Priberam, sem data).

123 121 Para os atores da categoria visão ética-reflexiva, quadro 4, a percepção da natureza é [in]formada especialmente pelo conhecimento científico e filosófico, apresentando caráter acentuadamente especializado e reflexivo. Da mesma forma, a ideia de sustentabilidade também é [in]formada pelos mesmos tipos de saberes altamente especializados. Embora guiados pelo conhecimento científico e filosófico, a atuação desses atores é, em grande medida, politizada, seja informando, combatendo ou formando alianças com os demais atores. Exercem papel muitas vezes proeminente nos discursos mobilizados por diferentes atores em situação de conflitos e na própria definição destes conflitos. De forma mais ou menos explícita, podem ser críticos ou defensores do modelo de desenvolvimento industrial capitalista. Quadro 4 Atores da visão ética-reflexiva Socioambientalistas ISA, RBJA, SVB Ativistas e intelectuais Cientistas SBPC, ABC Os atores selecionados são ativistas (Organizações Não-Governamentais [ONGs] socioambientalistas) e intelectuais (associações científicas). Entre os ativistas estão o Instituto Socioambiental [ISA], a Rede Brasileira de Justiça Ambiental [RBJA] e a Sociedade Vegetariana Brasileira [SVB]. Entre os intelectuais estão as associações científicas Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência [SBPC] e a Academia Brasileira de Ciências [ABC]. Esses atores foram escolhidos com base em sua atuação em âmbito nacional sobre questões socioambientais. Apesar de não lidarem diretamente com mundo natural (no sentido estrito), influenciam a forma de ver e de usar a natureza em duplo sentido, seja através de denúncias e manifestos ou de orientações técnicas e políticas prestadas a atores em situação de conflito ou vulnerabilidade (facilitando, impedindo ou dificultando a execução de projetos de desenvolvimento). Procura-se apresentar os principais argumentos e posições informados pelas entidades ou por seus representantes oficiais. O papel desses atores é de grande importância, pois interferem na forma como a maioria dos demais atores sociais percebem a natureza e a situação de conflito ou influenciam a elaboração de

124 122 políticas públicas através da produção de conhecimento formal ou técnico das ciências naturais e sociais Socioambientalistas Os atores selecionados nesta categoria têm reconhecida atividade em âmbito nacional sobre questões socioambientais. Nesse sentido, são representativos enquanto atores que realizam esforços reflexivos sobre os temas, influenciando o campo concreto de lutas através de participação direta e com a produção de conhecimentos específicos. De acordo com informações disponíveis em seu site oficial, o Instituto Socioambiental [ISA] é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público [OSCIP], criada em 1994, com o objetivo de [ ] propor soluções de forma integrada a questões sociais e ambientais com foco central na defesa de bens e direitos sociais, coletivos e difusos relativos ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, aos direitos humanos e dos povos (ISA, sem data a). Atua em diversas frentes, incluindo a defesa dos direitos socioambientais e o desenvolvimento de modelos participativos de sustentabilidade socioambiental, principalmente na região norte do país. Destaca-se que o ISA tem forte protagonismo na divulgação de informações socioambientais, sobretudo no que respeita às populações tradicionais brasileiras (especialmente indígenas). Entre os programas promovidos pelo ISA está o Programa de Política e Direito Socioambiental [PPDS], cujo objetivo é: [ ] promover políticas públicas e assegurar a implementação de direitos que garantam um meio ambiente ecologicamente equilibrado e condições dignas de vida para populações indígenas e tradicionais. Atua nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, propondo ações judiciais, elaborando análises e estudos, divulgando informações, acompanhando e intervindo na tramitação de projetos de lei, participando de fóruns da sociedade civil e conferências internacionais. As linhas temáticas do programa são: política florestal, áreas protegidas, direitos territoriais indígenas, licenciamento ambiental, energia e mudanças climáticas (REDD) (ISA, sem data b, grifos nossos).

125 123 O programa inclui dimensões sociais e ambientais, especialmente no sentido de garantir condições de vida digna às populações tradicionais. Dessa forma, não se restringe nem à dimensão ambiental, nem à social. No mesmo sentido, o Programa Xingu [ ] desenvolve projetos voltados à proteção e sustentabilidade dos 26 povos indígenas e das populações ribeirinhas que habitam a região, à viabilização da agricultura familiar, à adequação ambiental da produção agropecuária e à proteção dos recursos hídricos (ISA, sem data c). Novamente, as dimensões ambiental e social aparecem de modo interligado. A fusão entre questões ambientais e sociais está sempre presente nos discursos do ISA. O debate técnico também permeia a visão do instituto. Em entrevista ao IHU On-Line (Instituto Humanitas Unisinos [IHU]), a coordenadora executiva do Isa, Adriana Ramos, afirma: [ ] o debate sobre o desenvolvimento abarca também a discussão sobre quais são as alternativas a esse modelo. Nessa perspectiva, é preciso pensar a sustentabilidade da floresta, da biodiversidade, que depende, no caso do Brasil, de ter uma legislação adequada para que o país possa, de fato, se beneficiar do potencial de uso, por exemplo, biotecnológico da biodiversidade, assegurando às comunidades locais, que são responsáveis pela manutenção desse patrimônio, direitos e benefícios (IHU, 2012). No trecho, várias questões vêm à tona, como a possibilidade de alternativas ao modelo de desenvolvimento vigente, a sustentabilidade ambiental, legislação, aproveitamento biotecnológico da biodiversidade, direitos das populações tradicionais. É possível afirmar que sua atuação é ao mesmo tempo política e técnica, valorizando a sustentabilidade socioambiental. Comentando sobre a publicação de um livro em parceria com a Embrapa, o ISA comenta em seu site que: Com base em situações reais encontradas no Estado do Mato Grosso, o livro Plantar, Criar e Conservar: unindo produtividade e meio ambiente, relata que associar a diversificação das atividades agropecuárias com a intensificação da produção, o respeito aos recursos naturais e a geração de renda não são incompatíveis. [ ] A floresta tem um conjunto de riquezas de grande potencial, como o desenvolvimento de produtos a nível local, como madeiras e óleo (ISA, 2013, grifos nossos). As passagens indicam que é possível fazer um uso legítimo do mundo natural, contanto que se respeite os recursos naturais e gere renda digna aos

126 124 produtores. Dessa forma, associam os interesses humanos e não-humanos na produção agrícola. O estatuto do ISA segue na mesma direção. Entre seus objetivos institucionais, constam: a) promover a defesa de bens e direitos sociais, coletivos e difusos relativos ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, aos direitos humanos e dos povos; b) estimular o desenvolvimento sócio-econômico através da garantia do acesso e gestão democráticos e ecologicamente sustentável dos recursos naturais, com a manutenção da diversidade cultural e biológica, para as presentes e futuras gerações; c) promover, realizar e divulgar pesquisas e estudos, organizar documentação e desenvolver projetos aplicados a defesa [sic] do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos direitos humanos e dos povos, especialmente de povos indígenas e populações tradicionais; d) promover o intercâmbio com outras organizações e entidades nacionais e internacionais para a defesa do patrimônio ambiental, cultural e dos povos, em especial na América Latina e Caribe, e para a realização de estudos e pesquisas em diversas áreas do saber, relativa as suas atividades; e) divulgar por quaisquer meios as informações e conhecimentos produzidos por si ou por terceiros e correlatos as suas atividades; f) estimular o aperfeiçoamento e o cumprimento de legislação que instrumentalize a consecução dos presentes objetivos; g) estimular e realizar estudos de caráter preventivo e participativo para combater a degradação ambiental e social, em todas as suas manifestações, inclusive estudos de impacto ambiental decorrentes das atividades antrópicas (ISA, 2014 [1994], grifos nossos). Os objetivos deixam explícito que a atuação do ISA abarca as dimensões política e técnica em defesa do meio ambiente e das pessoas, especialmente populações tradicionais. Embora não emitam argumentos que demonstrem explicitamente a consideração ao valor intrínseco da natureza, repetidamente fazem menções como respeito, defesa, manutenção, combate à degradação do meio ambiente, da diversidade biológica ou dos recursos naturais. Pelo fato de apresentar a natureza de maneira mais técnica, como meio ambiente, biodiversidade ou recurso, e ao mesmo tempo como uma entidade que possui direitos e que deve ser respeitada, a visão de natureza do ISA pode ser colocada como ética. A visão de sustentabilidade é visivelmente guiada por critérios políticos e técnicos, incluindo o respeito às questões sociais e à conservação do meio ambiente, considerando várias dimensões, de modo crítico e reflexivo. Dessa maneira, é possível alocar o ISA entre os atores de visão de natureza ética e sustentabilidade reflexiva.

127 125 A Rede Brasileira de Justiça Ambiental [RBJA], formada por diversas entidades que atuam sobre questões socioambientais, consolidou-se em 2002 defendendo os princípios da justiça ambiental, que seriam, segundo informações disponíveis no site da rede, o [ ] marco conceitual que aproxima as lutas populares pelos direitos sociais e humanos, a qualidade coletiva de vida e a sustentabilidade ambiental (RBJA, sem data a). Nesse breve trecho, fica evidente que a atuação da entidade contempla aspectos distintos, tratando, de modo associado, temas como direitos humanos e sustentabilidade ambiental. De acordo com o manifesto publicado no site do Ministério do Meio Ambiente [MMA], por ocasião da formalização da RBJA, mostra que entende, por um lado, a injustiça ambiental como: [ ] o mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômico e social, destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento às populações de baixa renda, aos grupos raciais discriminados, aos povos étnicos tradicionais, aos bairros operários, às populações marginalizadas e vulneráveis (MMA, sem data a). Por outro lado, a justiça ambiental seria um conjunto de princípios que: a - asseguram que nenhum grupo social, seja ele étnico, racial ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das conseqüências ambientais negativas de operações econômicas, de decisões políticas e de programas federais, estaduais, locais, assim como da ausência ou omissão de tais políticas; b - asseguram acesso justo e eqüitativo, direto e indireto, aos recursos ambientais do país; c - asseguram amplo acesso às informações relevantes sobre o uso dos recursos ambientais e a destinação de rejeitos e localização de fontes de riscos ambientais, bem como processos democráticos e participativos na definição de políticas, planos, programas e projetos que lhes dizem respeito; d - favorecem a constituição de sujeitos coletivos de direitos, movimentos sociais e organizações populares para serem protagonistas na construção de modelos alternativos de desenvolvimento, que assegurem a democratização do acesso aos recursos ambientais e a sustentabilidade do seu uso (MMA, sem data a). Nas passagens, está pressuposta a ideia de que existe um padrão de desenvolvimento que distribui de forma desigual não só a riqueza, mas também o acesso aos recursos naturais e as consequências negativas de sua exploração. Nesse sentido, questiona-se o modelo de desenvolvimento hegemônico, causador de injustiças socioambientais, propondo uma alternativa que garanta o acesso a recursos de forma democrática e sustentável.

128 126 Segundo outra passagem do documento, os representantes da rede acreditam que: [ ] a injustiça ambiental resulta da lógica perversa de um sistema de produção, de ocupação do solo, de destruição de ecossistemas, de alocação espacial de processos poluentes, que penaliza as condições de saúde da população trabalhadora, moradora de bairros pobres e excluída pelos grandes projetos de desenvolvimento (MMA, sem data a). Novamente, figuram críticas ao modelo de desenvolvimento que destrói ecossistemas, que prejudica a população trabalhadora, pobre e excluída. Assim, opera-se uma separação entre os beneficiários e os prejudicados pelo processo de desenvolvimento, criando uma identidade comum daqueles que lutam pela justiça ambiental. Em outra parte, no mesmo documento, a RBJA aponta que: Pensamos que o tema da justiça ambiental que indica a necessidade de trabalhar a questão do ambiente não apenas em termos de preservação, mas também de distribuição e justiça representa o marco conceitual necessário para aproximar em uma mesma dinâmica as lutas populares pelos direitos sociais e humanos e pela qualidade coletiva de vida e a sustentabilidade ambiental (MMA, sem data a, grifos nossos). A proposição demonstra que a rede acredita que as questões ambientais e sociais estão intimamente conectadas. A ideia de justiça ambiental como marco conceitual capaz de aproximar lutas sociais à sustentabilidade ambiental indica uma possibilidade de superação daquela necessidade. A entidade também comenta a importância do conhecimento científico e de novas tecnologias, e, assim, procura: Contribuir para o estabelecimento de uma nova agenda de ciência e tecnologia Apoiar pesquisas voltadas para os temas da justiça ambiental realizadas sempre que possível através do diálogo entre pesquisadores, comunidades atingidas e movimentos organizados. Ajudar a formar técnicos e peritos que trabalhem dentro dessa perspectiva. Estimular o desenvolvimento de novas metodologias científicas e de novas tecnologias que ajudem a promover a luta contra a injustiça ambiental, sempre respeitando os direitos de cidadania e o saber das comunidades locais (MMA, sem data a). A passagem demonstra a importância que o conhecimento científico tem na legitimação, na atuação da organização, de como as questões trabalhadas por ela

129 127 passam por processos reflexivos a fim de mostrar e denunciar a existência da injustiça ambiental. Em sua página oficial na rede social Facebook, a RBJA expõe seus princípios: As lutas por justiça ambiental defendem: 1 os recursos ambientais como bens coletivos, para o presente e para o futuro [ ] 3 garantias à saúde coletiva, através do acesso equânime aos recursos ambientais, de sua preservação, e do combate à poluição, à degradação ambiental, à contaminação e à intoxicação química que atingem especialmente as populações que vivem e trabalham nas áreas de influência dos empreendimentos industriais e agrícolas; [ ] 5 a valorização das diferentes formas de viver e produzir nos territórios, reconhecendo a contribuição que grupos indígenas, comunidades tradicionais, agroextrativistas e agricultores familiares dão à conservação dos ecossistemas; 6 o direito a ambientes culturalmente específicos às comunidades tradicionais, 7 a alteração radical do atual padrão de produção e de consumo [ ] A história do país e de suas opções de desenvolvimento é marcada pela concentração de renda e poder, pela exploração intensiva dos recursos naturais e do trabalho humano, e pela destruição dos ecossistemas (RBJA, sem data b). Embora faça menção aos recursos ambientais como bens coletivos, uma forma de propriedade, denuncia a exploração intensiva (instrumental) da natureza e a destruição dos ecossistemas, deixando entrever uma consideração ao valor intrínseco da natureza. Também menciona o respeito às diferentes visões de natureza, o que levaria, implicitamente, ao respeito às visões que têm a natureza como entidade passível de consideração moral. Na declaração do quinto encontro da rede, realizado em 2013, expõe críticas ao atual modelo de desenvolvimento brasileiro: Tal modelo que carrega as marcas colonialistas, racistas, patriarcalistas e imperialista é adotado pelo governo brasileiro, e com caráter exportador de produtos primários, transforma a natureza em mercadoria e privilegia as grandes corporações. [ ] Nos territórios sacrificados, os agentes de desenvolvimento implementam mecanismos de conciliação e pacificação de conflitos sociais e ambientais; de responsabilidade social corporativa; e, de compensação, que, sob o discurso de minimizar as perdas ambientais, precificam os territórios, a biodiversidade e os modos de vida, negligenciando os impactos efetivos no cotidiano das comunidades. Invisibilizar os territórios vividos, deslegitimar e desqualificar as culturas e os conhecimentos tradicionais, impor linguagem

130 128 e procedimentos tecnicistas são outros perversos mecanismos utilizados por esses agentes. Destacamos também que a política de Unidades de Conservação, precisa voltar-se para garantia dos direitos territoriais das comunidades, práticas e usos ancestrais dos territórios e da biodiversidade. Verificamos que essa política não tem garantido devidamente os direitos das populações tradicionais e nem mesmo a conservação dos ambientes, em muitos casos tem impedido que as comunidades continuem a exercer suas atividades tradicionais e permitido a implementação de atividades de altos impactos ambientais. Nos solidarizamos com a população camponesa vítima de incontáveis perdas materiais e simbólicas frente ao agronegócio, que se baseia na privatização da terra, uso exaustivo dos solos e das águas e de trabalho escravo, na contaminação da biodiversidade, de trabalhadores e trabalhadoras e de comunidades por agrotóxicos. Lembramos aos Governos, ao Estado e à sociedade que as comunidades e os movimentos sociais no Brasil e na América Latina, vêm demonstrando que é possível construir um mundo melhor e forma econômicas [sic] não predatórias, como o são os modos de vida comunitários e as novas experiências de produção, como a agroecologia (RBJA, 2013, grifos nossos). A crítica à transformação da natureza em mercadoria, a denúncia dos territórios sacrificados, a luta pela manutenção de modos tradicionais de uso dos recursos naturais, a crítica às atividades de alto impacto ambiental, revelam consideração ética e crítica ao mundo natural (por seu valor intrínseco e por seu valor de uso material e simbólico), além de uma crítica aguda ao modelo de desenvolvimento vigente, insustentável do ponto de vista social e ambiental. A própria crítica à imposição de termos técnicos como mecanismo perverso revela o caráter reflexivo da atuação da rede. Considerando esses elementos, é possível alocar a RBJA na categoria de visão ética de natureza e de sustentabilidade reflexiva. Segundo informam em seu site oficial, a Sociedade Vegetariana Brasileira [SVB]: [ ] atua desde 2003 promovendo o vegetarianismo como uma opção alimentar ética, saudável e sustentável. Através de campanhas, convênios, eventos, pesquisa, educação e atuação política, a SVB realiza conscientização a respeito dos benefícios do vegetarianismo e trabalha para aumentar o acesso da população a produtos e serviços vegetarianos (SVB, sem data a). A apresentação denota, por um lado, o caráter ético da opção pelo vegetarianismo, por outro lado, sustenta sua posição com base em argumentos técnicos, científicos e políticos.

131 129 No vídeo de apresentação dos dez anos da SVB, na mesma página, afirma que [ ] a alimentação vegetariana é uma das formas mais eficazes de preservação ambiental (SVB, sem data a: 3m05s-3m10s). E, ainda, declara: A maior organização vegetariana do Brasil, que é também uma das mais ativas do mundo, tem pela frente muitas outras décadas de trabalho duro, fazendo com que o vegetarianismo seja cada vez mais adotado e reconhecido como uma opção alimentar ética, saudável e sustentável. Sociedade Vegetariana Brasileira, pelas pessoas, pelos animais, pelo planeta (ibidem: 3m56s-4m19s). A SVB associa diretamente a abstenção do consumo de animais a uma opção ética, saudável e sustentável de alimentação [e de vida]. Nesse sentido, realizam campanhas, convênios, eventos, pesquisa, educação e atuação política de conscientização dos benefícios do vegetarianismo (ibidem). A entidade lista as seguintes razões para ser vegetariano: 1. Ética São abatidos mais de 10 mil animais terrestres por minuto no Brasil para produzir carnes, leite e ovos. A maioria destes animais são frangos, porcos e bois animais que têm uma complexa capacidade cognitiva e sentem dor, sofrimento e alegria da mesma forma que os cães que temos em casa. Os animais são sencientes (capazes de sofrer e sentir prazer e felicidade), por isso a escolha vegetariana é uma escolha de não compactuar com a exploração, confinamento e abate destes animais. 2. Saúde Diversos estudos associam efeitos positivos de saúde com a maior utilização de produtos de origem vegetal e restrição de produtos oriundos do reino animal. De acordo com inúmeros estudos científicos cada vez mais freqüentes e publicados por instituições idôneas, o consumo de carnes está diretamente associado ao risco aumentado de doenças crônicas e degenerativas como diabetes, obesidade, hipertensão e alguns tipos de câncer. 3. Meio ambiente Segundo a ONU, o setor pecuário é o maior responsável pela erosão de solos e contaminação de mananciais aqüíferos do mundo. A ONU também estimou que cerca de 14,5% das emissões de gases do efeito estufa oriundas de atividades humanas têm origem no setor pecuário. A maior parte do desmatamento da Amazônia tem sua origem na produção de carnes, laticínios e ovos. 97% do farelo de soja e 60% do milho produzidos globalmente são utilizados não para consumo humano, mas para virar ração para as fazendas e granjas industriais, produzindo alimentos a uma eficiência muito baixa. 4. Sociedade A produção de alimentos através da atividade pecuária não é apenas ambientalmente degradante, mas também contribui significativamente para o desperdício global de alimentos, uma vez que são consumidos de 2 a 10 Kg de proteína vegetal (por exemplo, soja) para produzir apenas 1 Kg de proteína de origem animal. Em um mundo com 1 bilhão de pessoas que passam fome, jogar toda essa comida no lixo é socialmente inaceitável. Ademais, o setor pecuário concentra a maior parte da mão-de-obra escrava rural brasileira.

132 130 Segundo alguns estudos, a principal motivação de adoção do vegetarianismo é a ética, seguido da motivação de saúde e, em menor proporção, de outras motivações (SVB, sem data b). Dessa forma, explicitam o caráter ético-político e técnico da opção pelo vegetarianismo. As afirmações em defesa da vida dos animais se associam com os argumentos técnico-científicos que envolvem principalmente as consequências ambientais do consumo de animais para satisfação de necessidades humanas. Para a SVB: A ética é o principal pilar que sustenta o vegetarianismo. Os animais que consumimos, como vacas, porcos, galinhas e peixes, são seres sencientes (capazes de sofrer e experimentar contentamento) e que, portanto, merecem respeito e consideração moral. Além disso, esses animais são capazes de tomar conta de si mesmos, de escolherem o que querem para si. Nessa perspectiva, tais animais possuem valor intrínseco, ou seja, devem ser considerados como fins em si mesmos e não como mero objetos [sic] para satisfazer os interesses humanos (SVB, sem data c). Ainda que certamente exista, a SVB não assume explicitamente uma perspectiva de consideração afetiva ou moral, nem afirma que os animais são pessoas (ou objetos). As afirmações em defesa dos direitos animais têm caráter ético-político, refletindo argumentos científicos e filosóficos altamente reflexivos. Sobre o tema meio ambiente, associam o vegetarianismo a diversos benefícios, mostrando também, a partir de afirmações técnicas, os prejuízos causados pela criação de animais para uso humano. Segundo a SVB: A criação de animais para consumo é ambientalmente desastrosa. Uma das formas mais eficazes de mudar os nossos hábitos em favor de um meio ambiente mais saudável e equilibrado é, sem dúvida, adotar uma alimentação vegetariana (SVB, sem data d). Nesse sentido, acolhem diversos argumentos de instituições como a Organização das Nações Unidas [ONU], o Departamento de Estado dos Estados Unidos da América [USDS], o World Wide Fund for Nature [WWF]. Os argumentos versam principalmente sobre o uso da água, mudanças climáticas, desmatamento, ineficiência na produção de alimentos, que estariam intimamente ligados à criação de animais. Procuram associar a abstenção da utilização de animais para o consumo humano à sustentabilidade como forma de legitimar a opção pelo vegetarianismo. Dessa forma, a consideração do valor intrínseco da vida animal e a abstenção de seu uso, estariam associadas a uma prática intrinsecamente

133 131 sustentável. Assim, a SVB também integra a categoria de visão ética de natureza e de sustentabilidade reflexiva. Em relação ao mundo natural e à sustentabilidade, os atores da categoria visão ética-reflexiva têm em comum a consideração ética ou baseada em argumentos científicos e filosóficos, buscando nestes campos a legitimidade de seus argumentos, seja na defesa da natureza ou dos seres humanos. Assim, a despeito de diferenças significativas de seus objetivos e crenças, pode-se afirmar que possuem consideração ética pela natureza e apreendem a sustentabilidade de modo predominantemente reflexivo Cientistas O mundo científico abriga uma série de grupos e indivíduos com diferentes crenças, valores, posições políticas, interesses. Os cientistas exercem suas atividades nas mais diversas áreas do conhecimento: exatas, naturais, sociais aplicadas, humanas. Contudo, as associações científicas oferecem a possibilidade de analisar conjuntamente as percepções comuns de um conjunto de cientistas. As duas organizações mais representativas desse universo, as maiores referências no Brasil, são a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência [SBPC] e a Academia Brasileira de Ciências [ABC]. Criada em 1948 e sediada em São Paulo, a SBPC é uma entidade civil sem fins lucrativos e apartidária que atua na defesa do avanço científico, tecnológico, educacional e cultural brasileiros e pela popularização da ciência (SBPC, sem data). A SBPC realiza reuniões anuais com a participação de associados, professores, cientistas, estudantes, outras associações e demais interessados. Entre os objetivos das reuniões estão o desenvolvimento social e ambiental do país (SBPC, 2008), demonstrando preocupação com temas sociais e ambientais. No documento síntese dos encontros preparatórios para o Fórum Mundial da Ciência, de 2013, elaborado pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos [CGEE], tendo a SBPC como membro da Comissão Executiva, o sociólogo Elimar Nascimento observa que:

134 132 [ ] a sustentabilidade não é compatível com a forma de produção e consumo adotados desde a Revolução Industrial. [ ] A opção pelo desenvolvimento sustentável torna-se, portanto, uma exigência civilizacional [ ] e não se reduz às esferas da sustentabilidade ambiental, do desenvolvimento econômico e da equidade social. Compreende também as dimensões política e cultural (CGEE, 2013: 13, grifos nossos). Na passagem, é evidente a crítica ao modo de produção industrial e sua incompatibilidade com a sustentabilidade e a ideia da necessidade de tratar o tema da sustentabilidade de modo amplo, incluindo diferentes dimensões, como a social e a ambiental, a política e a cultural. No mesmo documento, as observações de Maria Teresa Piedade, do INPA [Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia], sobre áreas úmidas, revelam uma consideração técnica e crítica em relação ao meio ambiente e à vida de populações tradicionais: [ ] elas ocorrem em todos os biomas brasileiros e são úteis à estocagem, à limpeza da água e à recarga do lençol freático; à regulagem do clima local e dos ciclos biogeoquímicos, e à estocagem de carbono; à manutenção da biodiversidade aquática e terrestre; e à vida das populações tradicionais (CGEE, 2013: 45-46, grifos nossos) A cientista alerta para o risco da instalação de usinas hidrelétricas nessas regiões [ ] devido à interferência no regime de cheias periódicas previsíveis, com as quais o meio ambiente e os homens convivem (CGEE, 2013: 45-46). Piedade destaca não só a utilidade dos serviços ambientais prestados pelas áreas úmidas, mas também sua importância para a manutenção da biodiversidade e para a manutenção dos modos de vida de populações tradicionais, associando, portanto, aspectos sociais e ambientais à sustentabilidade. Na divulgação da 68ª Reunião Anual, com o tema Sustentabilidade, tecnologias e integração social, a secretária-geral da organização, Claudia Levy, observa que: [ ] dentro desta proposta educacional, a sustentabilidade é um tema pulsante na instituição [anfitriã do evento]. Por exemplo, eles construíram as salas de aulas com janelas amplas, para aproveitar a iluminação natural e, assim, não utilizar a iluminação artificial nem o ar-condicionado, comenta. A secretária-geral também ressalta que para ter sustentabilidade, é preciso utilizar tecnologias voltadas tanto para ter a sustentabilidade de fato quanto para promover a integração social. Não adianta falar em desenvolvimento e não ter uma integração da sociedade, afirma (SBPC, 2015, grifos nossos).

135 133 Na passagem, a sustentabilidade aparece vinculada ao uso de tecnologia (ou ao não uso de tecnologias não-sustentáveis). Aparentemente, vincula a sustentabilidade e o desenvolvimento à integração social, ainda que não fique evidente se o significado desta integração seria o combate às desigualdades sociais em favor da justiça ambiental ou a participação popular. Voltando ao documento da CGEE, contextualizando o debate sobre desenvolvimento, Charles Clement, do INPA, pondera que as ciências e as tecnologias podem contribuir de modo limitado, apenas na dimensão econômica, e neste sentido [ ] a sustentabilidade é um dilema social e político, esferas nas quais os cientistas têm pouco a oferecer (CGEE, 2013: 45, grifos nossos). A afirmação revela que a sustentabilidade passa pelas dimensões social e política e não meramente pela adoção de novas tecnologias desenvolvidas pela ciência. Falando sobre a cidade e as desigualdades sociais, Luiz César Queiroz [UFRJ, INCT] mostra a mesma sensibilidade: criamos um meio novo, a cidade. Ele exige que se pense de maneira nova. Essa ciência nova tem que ser capaz de produzir uma sociedade sustentável, igualitária, de inclusão, e de produzir o belo (CGEE, 2013: 73, grifos nossos). Os argumentos dos cientistas elencados, ligados à SBPC, demonstram, sobretudo, que a sustentabilidade deve ser compreendida considerando vários aspectos, dentre os quais o ambiental e o social. Ainda que de modo não tão explícito, os cientistas elaboram críticas ao sistema industrial capitalista e à exploração intensiva da natureza e ao tema da sustentabilidade, o que remete à consideração ética e reflexiva. De acordo com informações de seu site oficial, a Academia Brasileira de Ciências [ABC], fundada em 1916 e com sede na cidade do Rio de Janeiro, é uma entidade sem fins lucrativos e não governamental, com foco no desenvolvimento científico brasileiro. Conta com a participação de membros individuais (pesquisadores) e corporativos (públicos e privados). Desde os anos 1990, a ABC procura promover estudos e contribuir para a elaboração de políticas públicas em Ciência, Tecnologia e Inovação [CT&I], interagindo diretamente com o governo federal e suas agências, propondo programas e ações, identificando prioridades de pesquisa nos setores agrário, ambiental e industrial com foco no desenvolvimento econômico e do bem-estar no país. Para isso, promovem publicações, eventos, programas e intercâmbios científicos, além de outras ações (ABC, sem data a).

136 134 Em um manifesto publicado no site da ABC contra a invasão do Instituto Royal (que realiza testes em animais), ocorrida em 2013, os presidentes da ABC, Jacob Palis, e da SBPC, Helena Nader, ponderam que: É importante esclarecer a sociedade brasileira sobre o importante trabalho de pesquisa realizado no Instituto Royal voltado para o desenvolvimento do Brasil. O Instituto foi credenciado pelo Conselho Nacional de Controle em Experimentação Animal (CONCEA) e cada um de seus projetos avaliados e aprovados por um Comitê de Ética para o Uso em Experimentação Animal (CEUA), obedecendo em todos os aspectos ao estabelecido pela Lei Arouca, número , aprovada pelo Congresso Nacional em Esta lei regulamenta o uso responsável de criação e utilização de animais em atividades de ensino e pesquisa científica, em todo o território nacional, impedindo que a vida animal seja sacrificada em vão (Palis; Nader, 2013, grifos nossos). A passagem explicita que, embora consintam com o uso de animais para experimentação, a ABC tem alguma consideração ética para com eles. Essa consideração passa também por critérios técnicos e reflexivos, contando com a confiança na atuação de agências especializadas que garantem o tratamento ético dispensado aos animais nos laboratórios, impedindo que a vida animal seja sacrificada em vão. Segundo os cientistas, [ ] descobertas fundamentais foram realizadas, milhões de mortes evitadas e expectativas de vida aumentadas, graças à utilização dos animais em pesquisas para a saúde humana e animal (Palis; Nader, 2013). Dessa forma, procuram justificar e legitimar o uso (e a morte) de animais em laboratório, deixando entrever um caráter antropocêntrico na ética científica, o que pode ser atenuado pela menção à saúde animal e as restrições impostas por agências reguladoras. Durante a promoção de um seminário que ocorreria em 2015, comentando os desafios do setor de extração mineral, a ABC afirma: A sustentabilidade do uso dos recursos minerais e a preservação do patrimônio biológico nacional devem ser temas centrais nas atividades econômicas de qualquer país. [ ] Há evidências de que a atual legislação de proteção das cavernas poderá comprometer parte da atividade econômica do setor mineral no Brasil. Para evitar a paralisação do setor, é urgente que se promova uma ampla discussão entre o conhecimento científico, representado pela academia; o marco regulatório, representado por organizações governamentais; e o setor de negócios, representado pelas empresas (ABC, sem data b, grifos nossos).

137 135 O trecho mostra que a ABC coloca a sustentabilidade ambiental como tema central para o desenvolvimento. Embora apontem a legislação como fator potencialmente impeditivo da atividade econômica e não incluam a sociedade civil no debate, ponderam a necessidade de se discutir e rever o marco regulatório que abrange empreendimentos de mineração com a finalidade de atender aos interesses dos diversos atores potencialmente envolvidos e afetados pela extração mineral. Em parceria com outras instituições, a ABC promoveu, em 2014: A Conferência Internacional Ciência para a Erradicação da Pobreza e o Desenvolvimento Sustentável: um Chamado para a Ação [ ]. Criado em 2013, este comitê 67 é presidido pela ABC e tem por objetivo debater estratégias visando engajar as Academias de Ciências do planeta nos esforços em prol da erradicação da pobreza e do desenvolvimento sustentável (ABC, sem data c, grifos nossos). Aparentemente, a passagem não deixa explícita a visão de sustentabilidade da ABC, mas aponta para uma conexão entre desenvolvimento sustentável com a crítica às desigualdades sociais. Nesse sentido, a sustentabilidade não é vista apenas do ponto de vista ambiental, técnico ou econômico. Em 2013, junto com a SBPC, a ABC publicou um manifesto em defesa aos vetos da presidenta Dilma Rousseff ao novo código florestal: Representantes da comunidade científica brasileira, comprometidas com o bem-estar social, com o desenvolvimento sustentável e o futuro do planeta, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) participam do debate sobre o novo Código Florestal (Lei /2012 e Lei /2012), defendendo que os vetos feitos pela Presidente Dilma Rousseff sejam mantidos (ABC, 2013, grifos nossos). Na passagem, fica mais evidente a posição da ABC em relação ao desenvolvimento sustentável. Colocam a comunidade científica, através de seus representantes, como estando comprometida com o bem-estar social e com o desenvolvimento sustentável. Novamente, cita-se a questão da sustentabilidade com a questão social. Dessa forma, considerando os textos analisados, é possível colocar a ABC na categoria de visão ética de natureza e de sustentabilidade reflexiva. 67 Comitê pela Erradicação da Pobreza da Rede Global de Academias de Ciências [IAP].

138 Visão Moral-Prática Na categoria moral-prática estão incluídos os atores que consideram a sustentabilidade socioambiental e questionam o modelo de desenvolvimento vigente, embora façam uso da natureza para finalidades culturais, para subsistência e como fonte de renda. Para tornar a análise mais operacional, foram considerados apenas povos indígenas e agricultores familiares, embora quilombolas, ribeirinhos e outras populações se enquadrem nessa categoria. No Brasil, a maioria dos conflitos socioambientais envolve, por um lado, populações indígenas e de agricultores familiares, e, por outro lado, atores ligados às atividades agropecuárias (grileiros, fazendeiros, latifundiários, empresas), à produção de energia (empresas públicas e privadas) e à extração mineral (empresas públicas e privadas) ([Fundação Oswaldo Cruz] Fiocruz, 2010). Os grupos analisados foram escolhidos considerando os conflitos vivenciados no período recente envolvendo atividades agropecuárias, de mineração e de geração de energia. Dentre os principais, destaca-se, conforme o quadro 5: Quadro 5 Atores da visão moral-prática Populações tradicionais Povos indígenas Guarani-Kaiowá; Kayapó; Munduruku Agricultura familiar Contag; MST A classificação populações tradicionais 68 é comumente utilizada para se referir a estes atores em contraposição àqueles ligados ao projeto da modernidade e ao capitalismo industrial. Para Cunha e Almeida (2001), a categoria populações tradicionais se refere a populações que têm um histórico de baixo impacto ambiental e têm interesse em manter e controlar os territórios que exploram (dispostos a prestar serviços ambientais para manter este controle). Além disso, podem apresentar formas mais equitativas de organização social, lideranças locais, 68 Embora as populações indígenas tenham estatuto jurídico diferente das outras populações tradicionais, optou-se por agrupá-las em uma mesma categoria. Para uma discussão sobre o conceito de populações tradicionais, ver Cunha e Almeida (2001).

139 137 representação institucional e traços culturais selecionados que são reelaborados e reafirmados continuamente. Embora existam diferenças profundas entre indígenas e agricultores familiares, e por isto a necessidade de tratá-los separadamente, possuem traços comuns quanto as suas práticas produtivas tradicionais sustentáveis e a visão de natureza não apenas instrumental. Também em comum, apresentam uma relação estreita com o território, adotam modos de produção artesanais e de baixo impacto ambiental. Ainda que não estejam totalmente fora da lógica de mercado, não podem ser enquadrados como atores econômicos, como empresas privadas ou estatais, investidores ou rentistas. Embora utilizada rotineiramente, a natureza não é vista apenas de modo instrumental, fazendo parte do círculo de consideração moral desses atores. A ideia de sustentabilidade prática se baseia justamente no fato de que os atores desta categoria vivenciam a sustentabilidade de modo prático. Ao contrário dos atores da visão instrumental e da visão reflexiva, para quem a sustentabilidade passa essencialmente por processos de formulações mais abstratas e formais, as populações tradicionais vivenciam a sustentabilidade habitualmente como parte do dia a dia, especialmente em suas práticas produtivas e no cuidado de seus territórios, embora a ideia passe também por processos reflexivos e críticos Povos indígenas A categoria povos indígenas abriga uma diversidade muito ampla de atores. Segundo o Censo Demográfico 2010 (Ibge, 2010), existem no Brasil aproximadamente 305 etnias indígenas, sendo 274 línguas diferentes, agrupadas por dois troncos linguísticos principais, Tupi e Macro-Jê. A região Norte é a que concentra a maior parte da população indígena brasileira 69. Apesar de diferenças significativas, apresentam crenças e práticas semelhantes entre si. Se até recentemente eram considerados entraves ao desenvolvimento, hoje os povos indígenas são associados à sustentabilidade, vistos 69 Vale notar que as dinâmicas territoriais das populações indígenas transcendem ou se sobrepõem à territorialidade do Estado-nação. Sobre esse tema e uma crítica ao nacionalismo metodológico, ver Grava e Florit, 2016.

140 138 como protetores da natureza por seus modos de vida tradicionais (Gudynas, 1999; Cunha; Almeida, 2001). No que tange à relação entre os índios americanos e o mundo natural, o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, um dos pesquisadores mais destacados que têm discutido o tema, aponta alguns dos traços comuns da visão indígena sobre humanidade e animalidade. Essa relação é denominada pelo autor como perspectivismo e multinaturalismo ameríndio. Na interpretação de Castro, o perspectivismo se refere à [ ] concepção, comum a muitos povos do continente, segundo a qual o mundo é habitado por diferentes espécies de sujeitos ou pessoas, humanas e não humanas, que o apreendem segundo pontos de vista distintos (2004: 225). O multinaturalismo supõe, na concepção ameríndia, [ ] uma unidade do espírito e uma diversidade de corpos. Ao contrário das cosmologias multiculturalistas modernas, [...] a cultura ou o sujeito seriam aqui a forma do universal, a natureza ou o objeto a forma do particular (ibidem: 226). O antropólogo lembra que apesar de algumas diferenças nas visões indígenas sobre os animais, [ ] há uma noção virtualmente universal no pensamento ameríndio, [ ] aquela de um estado originário de indiferenciação entre os humanos e os animais (Castro, 2004: 229). Ao contrário da mitologia evolucionista moderna, na cosmologia ameríndia: A condição original comum aos humanos e animais não é a animalidade, mas a humanidade. A grande divisão mítica mostra menos a cultura se distinguindo da natureza que a natureza se afastando da cultura: os mitos contam como os animais perderam os atributos herdados ou mantidos pelos humanos. Os humanos são aqueles que continuaram iguais a si mesmos: os animais são ex-humanos, e não os humanos ex-animais (ibidem: 230). Conforme Castro: [ ] se nossa antropologia popular vê a humanidade como erguida sobre alicerces animais, normalmente ocultos pela cultura tendo outrora sido completamente animais, permanecemos, no fundo, animais, o pensamento indígena conclui ao contrário que, tendo outrora sido humanos, os animais e outros seres do cosmos continuam a ser humanos, mesmo que de modo não evidente (2004: 230). Na visão indígena, os animais utilizam categorias e valores da mesma forma que os humanos. Assim como o mundo dos humanos [ameríndios], o mundo dos

141 139 animais gira em torno da caça e da pesca, da guerra, de ritos de iniciação, dos xamãs, dos espíritos. Contudo: [ ] as coisas que eles vêem são outras: o que para nós é sangue, para o jaguar é cauim; o que para as almas dos mortos é um cadáver podre, para nós é mandioca fermentando; o que vemos como um barreiro lamacento, para as antas é uma grande casa cerimonial. [ ] Os animais vêem da mesma forma que nós coisas diversas do que vemos porque seus corpos são diferentes dos nossos (Castro, 2004: ). Segundo Castro, de modo geral, nessas cosmologias, todo ser capaz de um ponto de vista é sujeito, pessoa, espírito. Enquanto na cosmologia construcionista [moderna] o ponto de vista cria objeto, na noção indígena o ponto de vista cria sujeito (2004: 236), e todo ser que ocupa vicariamente o ponto de vista de referência, estando em posição de sujeito, apreende-se sob a espécie da humanidade (ibidem: 237). Essa visão implica não somente que os animais podem ser vistos como pessoas, mas que eles gozam de um status moral bastante diferenciado em relação à concepção moderna da natureza. Isso resulta em uma relação não apenas instrumental entre os povos indígenas e o mundo natural. Cunha e Almeida (2001) apontam a relação relativamente recente que se faz das populações indígenas com a conservação do ambiente. Antes da Constituição de 1988, até os anos 1970, as populações originárias eram vistas como entraves ao progresso nacional. Após o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas aos seus territórios ancestrais, observou-se que as Terras Indígenas [TI] se mantiveram conservadas e que estes povos tinham grande capacidade de preservação ecológica de seus territórios. Os autores (2001) questionam se de fato essa visão tem contrapartida com a realidade. Por um lado, existe a argumentação contrária à participação das populações tradicionais na conservação ambiental, afirmando que nem todos os povos tradicionais são conservacionistas e que os que são poderão mudar quando tiverem acesso aos mercados. Por outro lado, existe o chamado mal-entendido útil (ou o mito do bom selvagem ecológico em relação aos indígenas), referindo-se à essencialização da relação entre populações tradicionais e o meio ambiente. Reconhecendo que não existem conservacionistas naturais, questiona-se se as populações tradicionais seriam, então, conservacionistas culturais.

142 140 Cunha e Almeida (2001) observam que o ambientalismo pode designar um conjunto de práticas, uma ideologia, ou ambos simultaneamente. No primeiro caso, existem grupos com práticas culturais que favorecem a conservação ambiental, ainda que não possuam uma ideologia ambientalista. Existem outros grupos que possuem uma ideologia sem prática efetiva, limitando-se ao apoio verbal à conservação ambiental. Por fim, existem grupos que têm práticas e ideologias conservacionistas, os quais se podem chamar de conservacionistas culturais. Os autores querem chamar atenção ao fato de que a maioria das populações tradicionais estão realmente vinculadas com a conservação, seja pela via do discurso, da prática ou de ambos. Cunha e Almeida (2001) procuram também refutar a ideia de que com a inserção ao mercado esses grupos mudariam e deixariam de ser conservacionistas. Reconhecem que as mudanças ocorrem, contudo não concomitantemente à superexploração. As populações tradicionais estabelecem relações diversas com o mercado, com fazendeiros, garimpeiros, ONGs, Nações Unidas e até mesmo com o Banco Mundial. Ademais, atualmente, muitas dessas populações passaram a trabalhar não apenas com mercadorias primárias, mas também com todo tipo de produto que valoriza o conhecimento local, a biodiversidade e as paisagens naturais. Entretanto, é necessário indagar como as práticas de conservadorismo, natural ou cultural, e de apreço pela natureza, dão-se concretamente. Nesse sentido, Oscar Sáez (2012) questiona a noção de perspectivismo ameríndio justamente por seu caráter formalista e genérico, não reconhecendo as nuances de cada etnia e de cada grupo. Existem relatos sobre a relação de povos indígenas com o mundo natural, e mais especificamente com os animais, desde o início da colonização. Sáez (2010) aponta que os primeiros europeus que chegaram às terras recém-descobertas observaram com espanto o grande apreço que os índios tinham pelos animais. Uma prática que deve ter sido presenciada inúmeras vezes por missionários, colonizadores e viajantes em terras indígenas, e ainda existente, é a amamentação de animais por mulheres indígenas (geralmente órfãos, resultado de uma caçada), como mostra a imagem da índia Guajá amamentando um filhote de porco selvagem:

143 141 Figura 1 - Índia Guajá amamentando um porco selvagem (Folha de S. Paulo; Gaiso, 2011 [1992]). Essa prática dá pistas do alcance da relação afetiva entre os povos indígenas e a natureza. No entanto, Oscar Sáez (2010) lembra que nem todos os animais gozam do mesmo status moral. O antropólogo observa que alguns indígenas retiram filhotes de pássaros dos ninhos para criá-los em suas casas com a finalidade de entreter a aldeia e fornecer plumas. Os cachorros, que na cultura ocidental são considerados os melhores amigos do homem, não têm tratamento privilegiado como outros xerimbabos, embora sejam apreciados para a caça. Então, qual seria o lugar da natureza no círculo de consideração moral dos povos indígenas? Como encaram a questão da sustentabilidade? As indagações levantam uma série de questionamentos, sobretudo metodológicos, considerando a grande diversidade de etnias presentes no território brasileiro e a escassez de material disponível (transcrições, entrevistas, depoimentos) - embora existam uma série de traduções 70. Dessa maneira, buscou-se todo tipo de material disponível em que figuram as vozes de populações indígenas, incluindo vídeos, entrevistas, traduções específicas, teses e dissertações, e todo tipo de depoimento ou documento em que figuram temas como natureza e sustentabilidade do ponto de vista indígena, de etnias ou grupos selecionados. Essas etnias ou grupos foram escolhidos considerando o tamanho da população, a extensão territorial, o 70 Essas traduções podem ser definidas como interpretações ou descrições de especialistas, antropólogos, sociólogos, ambientalistas, ONGs, jornalistas e outros profissionais. Em fase de levantamento das informações disponíveis, constatou-se a escassez e a dificuldade de se encontrar materiais que dessem voz a essas populações no que toca aos temas das visões de natureza e de sustentabilidade.

144 142 envolvimento em conflitos socioambientais, a existência de personalidades ou instituições representativas. As populações Tikúna, Guarani-Kaiowá e Kaigang são as mais numerosas dentro das terras indígenas (Ibge, 2010: 89). Dentre eles, os Guaranis Kaiowás se destacam em termos de situação de conflito, em especial na região sul de Mato Grosso do Sul [MS]. Outra etnia em destaque é a Kayapó, que ganhou repercussão diante dos conflitos gerados pela construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte [UHEBM]. Da mesma forma, os Mundurukus também estão envolvidos em conflitos com a Usina Hidrelétrica [UHE] Teles Pires, em Mato Grosso [MT]. Outras etnias serão mencionadas por serem casos representativos e pela disponibilidade de dados, por traduções de antropólogos e depoimentos Natureza e Sustentabilidade no Discurso Indígena Muitas populações indígenas se encontram ameaçadas por projetos de desenvolvimento agropecuários, energéticos ou mineiros. Esses projetos visam a ocupação do solo para o desenvolvimento de atividades econômicas. Contudo, muitas vezes, instalam-se ou causam impactos significativos nos territórios de populações indígenas, dando origem a conflitos. Entre os povos indígenas mais ameaçados pela atividade agropecuária estão os Guaranis Kaiowás, o Povo da Floresta, do sul de Mato Grosso do Sul [MS], uma das populações indígenas mais numerosas do país (Ibge, 2010: 89). Os conflitos, que têm origem nos anos 1940 e ganharam força nos anos 1970, estão relacionados à disputa por terras, tendo ocorrido o assassinato de lideranças e também o suicídio de indígenas dessa etnia (Arisi, Brighenti, 2015; Pellegrini, 2015). Além da ocupação irregular dos territórios ancestrais dos Guaranis Kaiowás por fazendeiros, a expansão de monoculturas, principalmente de cana-de-açúcar e de soja, trouxe várias consequências socioambientais sobre os recursos hídricos, o solo e o ar nos territórios indígenas e não indígenas na região de Dourados, fato denunciado no documentário À sombra de um delírio verde (Baccaert; Navarro; Um, 2011). Sobre a poluição dos recursos hídricos, um índio Guarani Kaiowá explica a importância dos rios, comparando-o ao sangue humano:

145 143 O rio ela [sic] é o sangue do da terra. Igual nós nós temos nossas veias, né?! E ali corre o sangue. Então sem sangue ninguém sobrevive. Não tem forma nenhuma de viver sem o rio, sem a mata, não tem jeito (Baccaert; Navarro;Um, 2011: 21m59-22m27). A comparação entre o rio como sangue da terra e o sangue humano, deixa entrever a ideia da floresta como entidade viva e não como mera fornecedora de recursos, além de ser algo essencial à sobrevivência. O povo Guarani Kaiowá é muito espiritualizado e a terra tem significado especial para eles, como sendo a origem da vida e um elemento importante para sua identidade étnica. Nesse sentido, o tema da sustentabilidade sempre aparece vinculado à questão territorial (tekoha), que possui grande relevância em sua cosmologia e na manutenção de seu modo de vida (teko). Para eles, existe uma ligação profunda entre sociedade, território, ambiente, economia e religião, estando estas entidades ligadas umas às outras inextricavelmente (Brand; Colman; Siqueira, 2005; Colman, 2007). Os Guaranis Kaiowás não se consideram proprietários da floresta e sempre que pretendem adentrar à mata ou extrair algum recurso, devem pedir permissão aos respectivos Ka'aguy jara, cuidadores, donos ou espíritos (Jara) responsáveis pelos diferentes elementos do mundo natural (Colman, 2007: ; Seraguza, 2013). Seraguza (2013: 117) destaca que os Jaras são relatados em vários estudos etnológicos brasileiros nas Terras Baixas da América do Sul. Diante da situação criada pelos conflitos com fazendeiros, os Guaranis Kaiowás se viram confinados em pequenos territórios, quando demarcados, ou à beira de estradas. Essa situação criou imensos problemas. Em relação às mudanças ocasionadas pelos conflitos, resultado de um processo de modernização, o enfermeiro indígena Sílvio comenta: A Confederação Nacional das Indústrias publicou uma matéria bastante preocupante com relação aos indígenas. Os indígenas têm terra, no entanto ficam à mercê da doação do governo. Isso dá uma interpretação um pouquinho preocupante. Muito tempo atrás o indígena sempre produziu. No entanto, é com a esperança de que, é com o plantio de soja, milho, é com a propaganda das grandes indústrias, das grandes empresas, inseriu no meio dos povos indígenas que plantando soja, plantando isso, outros cereais, poderia conseguir recurso maior pra ter uma estabilidade financeira. E isso não aconteceu em função de que os indígenas têm sua cultura, têm sua forma de sobrevivência na agricultura. E o índio produz pra consumo próprio, nunca pra venda, em grande quantidade. E, hoje, o índio antes, o índio vivia em função da caça e pesca, mas como isso tá escasso, o índio precisa plantar, se adaptar a uma monocultura pra que

146 144 sobreviva. E onde o incentivo do governo federal não vem na sua íntegra de contemplar a necessidade de produção. Por isso nós falamos de sustentabilidade porque é uma autonomia, uma soberania alimentar, onde pode o índio plantar e colher, consumir, [ ] e vender. Que a cesta básica é emergencial. [ ] A engrenagem da necessidade do tempo moderno, ele não pede licença, ele te impõe. Então, é aquela linguagem que a gente usa, tem que dançar de acordo com a música. Eu gostaria de fazer minha casa de sapé, de capim, do jeito que eu sei fazer, mas não tem matéria-prima. 30m27-32m02 (Ramos, 2013: 28m26-30m13, 30m27-32m02). A sustentabilidade está relacionada à preservação do modo de vida tradicional (em parte dependente de recursos naturais específicos, sapé, capim ), que é dificultada frente ao processo de modernização, incluindo o avanço do agronegócio e as implicações decorrentes deste avanço. Em alguns casos, os Guaranis Kaiowás comercializam parte de sua produção. No entanto, existem restrições. O milho branco (avati moroti), por ser considerado sagrado e utilizado em cerimônias importantes, não pode ser comercializado; apenas o milho amarelo (avati tupi) é produzido com esta finalidade (ISA, sem data d). Sobre a diferenciação entre humanos e não-humanos, segundo Seraguza (2013: 18), os Guaranis Kaiowás diferenciam duas almas atribuídas às pessoas e que determinam seus comportamentos, uma alma animal (asyigua), responsável pelos desejos e impulsos antissociais, e uma alma branda (ayvukue), para confrontar a primeira. Essa diferenciação parece apontar, ao mesmo tempo, para uma distinção entre humanidade e animalidade e também ao reconhecimento do compartilhamento de características entre seres humanos e outros animais. Após a morte, as almas se separam, sendo que a alma animal pode ocupar o corpo de um animal e perseguir seus familiares (Seraguza, 2013: 99). A alma animal seria a responsável por afastar as pessoas do seu fim último (o de se tornarem deuses), podendo causar-lhes doenças. Outro aspecto importante destacado por Seraguza (2013: 80) é que traços da personalidade são associados ao comportamento de certos animais (por exemplo, pessoas calmas são associadas à mariposa, pessoas más à víbora). Corroborando a tese de Viveiros de Castro, Seraguza (2013: 86, citando Macedo, 2011) observa que os donos dos diferentes domínios (Jaras) podem atingir os corpos das pessoas (especialmente das mulheres, pela ingestão da carne de caça, por exemplo), causando-lhes doenças. Caso não haja intervenção xamânica, a pessoa pode ojepota (incorporar um espírito), ou seja, sofrer uma

147 145 metamorfose, passando a ver um animal como parente e um parente como presa. Dessa forma, existem regras de consumo para cada animal, que se não respeitadas podem irritar os donos dos animais e causar doenças (Seraguza, 2013: 100, citando Overing, 2006). Seraguza (2013: 113) afirma também que as crianças nascem com atributos animais, devendo ser batizadas para eliminar estas características. Antes disso, são consideradas como não-humanos. A autora destaca outro ponto importante: Na Yvykuarusu/Takuaraty [Terra Indígena Guarani Kaiowá], a humanidade foi recorrentemente atribuída como condição primeira aos animais, que a conseguiram através da predação e a perderam em decorrência desta, metamorfoseando seus corpos. Segundo Celeste e Jacy [informantes Guaranis Kaiowás], todos os bichos foram gente antes de serem bichos e foram transformados em animais pelo Pa i Kuara. Foram eles que perderam a humanidade e tentam reencontrá-la através da predação. Os estados de vulnerabilidade incontidos possibilitam as condições de acesso destes animais não humanos ao corpo dos humanos. Estes estados de vulnerabilidade incontidos não resguardados submetem os seres humanos a um dos perigos que assolam os povos falante [sic] de Guarani: o encantamento sexual; diante deste, os animais podem ser vistos pelo humano encantado como um outro humano (Seraguza, 2013: 114). O resguardo trata principalmente de restrições alimentares que devem ser rigidamente seguidas, especialmente pelas mulheres e em situações específicas. Dessa forma, existem interdições morais que restringem o consumo de determinados elementos e a necessidade simbólica de se consumir outros. Há uma distinção importante entre animais domésticos (rymba) e selvagens (mymba). Segundo o relato de Seraguza (2013: 115), os rymba são tratados com afeto, como parentes com quem até se conversa (porém, os animais só falam na ocorrência de ojepota). A relação com os mymba demanda maiores cuidados, seguindo certos rituais para não irritar o Jara. Saéz (2010) recorda que sob certas circunstâncias, entre várias etnias, os animais domesticados possuem um status moral que oscila entre o de um hóspede e o de um cativo (como um guerreiro inimigo capturado) e podem vir a servir de alimento. Segundo Seraguza, a ideia de roupas também ocorre entre os Guaranis Kaiowás. Conforme o relato sobre uma de suas informantes:

148 146 Germana destacou o perigo de sapos na beira do rio, eles aparecem enquanto as mulheres lavam as roupas e, se ela estiver haku 71, pode ser enfeitiçada e não perceber que se trata de um sapo, verá naquele animal um homem bonito, bem afeiçoado, por quem irá se apaixonar. Por isso a reclusão é uma forma de evitar esta vulnerabilidade ao perigo. Só o xamã pode saber sua origem real, um animal de verdade usando roupas de homem ou um homem de verdade [ ] (Seraguza, 2013: , grifos nossos). As informantes de Seraguza (2013) parecem confirmar a ideia de que os elementos do mundo natural, tanto a flora como a fauna, não são usados apenas instrumentalmente entre os Guaranis Kaiowás, mas são entidades que fazem parte do círculo de consideração moral destes grupos. Dessa forma, é possível concluir que para os Guaranis Kaiowás o uso da natureza não se dá de modo predominantemente instrumental, havendo diversas interdições ou restrições morais que estabelecem a obrigatoriedade de rituais específicos para que se possam utilizar os diferentes elementos do mundo natural. Além disso, consideram a questão da sustentabilidade de forma interligada a sua cultura, sobretudo pelo acesso e o uso de terras ancestrais, vinculando-se a sua identidade e práticas culturais, incluindo-se a produção em pequena escala destinada à satisfação de suas necessidades materiais e simbólicas. Nesse sentido, enquadram-se na categoria de visão moral de natureza e de sustentabilidade prática. Outra etnia colocada em destaque nas últimas décadas, como resultado de conflitos socioambientais, são os Kayapós do Mato Grosso [MT]. A luta desse e de outros povos tradicionais do entorno da Usina Hidrelétrica de Belo Monte [UHEBM] ganhou notoriedade internacional, contando até mesmo com a intervenção de celebridades mundiais, como o cantor Sting e o diretor de cinema James Cameron (Cruz, 2009; Silva, 2012). Uma das lideranças indígenas à frente dos conflitos é o cacique Kayapó Raoni Metuktire. Em um de seus depoimentos, critica a construção da barragem e seu impacto sobre a natureza: Não quero a construção da barragem. Por quê? Por que quero que o rio continue com vida igual a nós. Eu quero que peixes, animais e outros seres vivos continuem vivendo em paz. Por isso não aceito a barragem (Southgate, 2009: 6min35-7min05, na legenda). A passagem denota consideração moral pela natureza, pelos peixes, rios e outros seres vivos. Outra liderança Kayapó, Megaron Txucarramãe, sobrinho de Raoni, afirma: 71 Período após a menarca, predisposição sexual (ver Seraguza, 2013: 92).

149 147 A barragem vai fazer os rios secarem, mudar o curso dos rios e diminuir o número de peixes. Essas hidrelétricas podem ser muito boas pra ganhar dinheiro, para as grandes empreiteiras que vão construí-las, mas só vão prejudicar a vida dos ribeirinhos, dos índios e do meio ambiente. As hidrelétricas na Amazônia não são uma energia limpa é isso que dizem os cientistas, os ambientalistas, pessoas que detêm muito conhecimento (Época, 2012, grifos nossos). As afirmações de Magaron demonstram preocupação com o meio ambiente e, indiretamente, consideração moral pela natureza. Também é possível observar uma apropriação do conhecimento científico, reconhecendo seu poder, legitimidade e autoridade, servindo-se desta para defender seus interesses. Em uma entrevista com Raoni, é possível observar que a natureza é apropriada para a subsistência, vista de modo mais instrumental: [Raoni]: Meu povo está crescendo, e o governo quer fazer uma grande barragem em Belo Monte, que pode atingir a terra do meu povo. [ ] O Rio Xingu tem que ficar como está. Vivemos de peixe e de caça. Eu defendo a comida do meu povo. Vocês precisam respeitar meu povo. Meus netos e seus netos vão viver em paz, quando eu morrer (Cruz, 2009, grifos nossos). No trecho, observa-se que existe uma preocupação mais instrumental com a comida dos Kayapós, que são os peixes e outros animais. Também se percebe uma preocupação com as futuras gerações, com o legado ambiental e cultural que será deixado aos seus descendentes, preocupação que vai de encontro à definição de sustentabilidade do Relatório Brundtland. No mesmo sentido, em outra entrevista, publicada pela organização Survival (2014: 2min44-3min12, grifos nossos, tradução nossa), Raoni diz: nasci na selva e comecei a lutar há muito tempo. Não somente por mim, mas pelo futuro de nossos filhos e bisnetos. Minha luta é pelo futuro, porque a floresta está sendo destruída. Temos que preservar a floresta para que possamos respirar 72. A visão de sustentabilidade está implícita nos discursos proferidos por Raoní e Megaron, na vontade de assegurar o equilíbrio ambiental e a continuidade de seus modos de vida. Desse modo, assim como os Guaranis Kaiowás, os representantes 72 "Nací en la selva y empecé a luchar hace mucho tiempo. No sólo por mí, síno por el futuro de nuestros hijos y bisnietos. Mi lucha es por el futuro, porque la selva está siendo destruida. Tenemos que preservar la selva para que podamos respirar (Survival, 2014, 2m44s-3m12s, na legenda).

150 148 dos Kayapós também se enquadram na categoria de visão moral da natureza e de sustentabilidade prática. Assim como os Kayapós, o povo Munduruku está envolvido em um conflito socioambiental com uma usina hidrelétrica, a Teles Pires, no Mato Grosso [MT]. O cacique Lamberto critica a construção: [...] a gente sempre fala que não aceitamos, não aceitamos. Por quê? Porque o rio Tapajós, as terras e as margens, é...a gente quer, como nós povos indígenas, a gente quer sempre as florestas sempre vivas e o rio sempre vivo. Em outro trecho, comenta: Os pássaros, macacos, os bichos, que tão dentro dessas áreas vai acabar tudo, junto com os povos indígenas (Le Monde Diplomatique, 2015: 6min50-7min10, 13min15-13min26). A passagem explicita a consideração moral pela natureza e associa, indiretamente, a sustentabilidade a aspectos socioambientais. No Pará [PA], os Mundurukus também enfrentam as investidas de hidrelétricas, do agronegócio, de mineradoras e de madeireiras sobre suas terras. O Canal do Ibase (Ibase, 2015) comenta o processo de autodemarcação de terras Mundurukus. No vídeo divulgado pelo Ibase, os Mundurukus se manifestam: [Mulher Munduruku]: Desde o princípio conhecemos o mundo que está ao nosso redor e sabemos da existência do pariwat [branco], que já vivia em nosso meio. Éramos um só povo, criado por Karasokaybu, criador e transformador de todos os seres vivos na face da terra: os animais, as florestas, os rios e a humanidade. O pariwat foi expulso do coração da Amazônia, devido ao seu pensamento muito ambicioso, que só enxergava a grande riqueza material. Não pretendia proteger, guardar, preservar, manter intactos os bens comuns, maior patrimônio da humanidade. Por isso, Karasakaybu achou melhor tirar a presença do pariwat deste lugar tão maravilhoso (Ibase, 2015: 22s-1min08, na legenda). [Homem Munduruku]: Para todos mandaram convite. Como poderemos salvar Daje Kapap [terra Munduruku]? Como poderemos salvar a floresta? Como poderemos salvar a água? (ibidem: 1m26s-2m-12s, na legenda). [Homem Munduruku]: Aqui é onde os pariwat andaram. Essas são as árvores que estão cortadas. É por isso que estamos demarcando nossa terra, o paraiwat não tem pena da floresta (ibidem: 22s-1min08; 1min26-2min12; 7min46-8min02, na legenda). No primeiro enunciado, aparece a figura do Karasokaybu, criador de todos os seres vivos, incluindo as florestas e os rios. O pariwat, o branco, aparece como um ser dotado de uma ambição, visando apenas a riqueza material, não se importando em proteger os bens comuns, provavelmente se referindo ao território tradicional Munduruku. Na segunda e terceira falas, aparece o desejo de salvar a floresta e a água, o território Munduruku. As ideias de salvar a floresta e a água e de que o

151 149 pariwat não tem pena da floresta denotam preocupação moral com o mundo natural, com a conservação da natureza. Dessa forma, os Mundurukus expressam a mesma preocupação com o mundo natural, que deve ser mantido com vida, não somente para os humanos, mas também para os seres não-humanos. A preocupação também é com o legado ambiental e cultural, pois, na sua visão, um não sobrevive sem o outro, a continuidade dos povos indígenas está intimamente conectada à sobrevivência da floresta. Em matéria publicada no site Índio Educa, Marina Cândido Marcos, da etnia Terena, lista uma série de respostas sobre o que é sustentabilidade para os participantes do site, jovens advindos de diversas etnias: Para o Índio Educa, SUSTENTABILIDADE Sustentabilidade é principalmente encontrar harmonia. Quando o homem fala a língua da natureza e com ela aprende soluções para mundos sustentáveis. Encontrar sustentabilidade é perpétuo um equilíbrio [sic]. Renata Tupinambá Sustentabilidade é o ponto chave em que a sociedade humana consegue unir os aspectos econômicos, sociais, culturais e ambientais em busca de meios que tragam a harmonia e a paz para a sociedade e para a natureza Alex Macuxi Para ser Sustentável, é necessário respeitar o ritmo, da água, da mata, do sobrenatural. É necessário aprender com eles. Isso o indígena faz, quase que inconscientemente Micheli Kaiowá Índio educando com sustentabilidade para percebermos os males do presente antes de estivermos pertos perdermos [sic] o futuro. Amaré Kraho Kanela O índio educa faz a sustentabilidade se tornar real e possível de ser praticada! Sabrina Taurepang Os ensinamentos dos povos indígenas têm valores importantes para mostrar ao mundo moderno, mensagem de respeito à diversidade, nossa mãe natureza, valorização aos espaços sagrados. Unir para preservar! Marina Terena Educar é fazer brotar os sonhos, é lançar sementes de esperança, é fazer cada um mergulhar dentro de si mesmo, pois o verdadeiro ensinamento vem de dentro para fora, eis a delicadeza e profundidade da filosofia indígena. A sabedoria dos nossos antepassados nos mostrou e nos mostra como é possível ser sustentável e viver em harmonia com os outros seres ao nosso redor. Basta abrir os olhos para os sonhos, praticá-los e enxergar a realidade que habita para além das aparências. Cristine Takuá (Marcos, 2012, grifos nossos). A visão de sustentabilidade consiste, basicamente, na busca de harmonia na relação entre sociedade e natureza, em respeitar os ritmos da natureza e na continuidade do modo de vida indígena, que seria, naturalmente, e até de modo inconsciente, sustentável. Em todos os casos, a visão de natureza e de sustentabilidade não está diretamente ligada a questões técnicas ou econômicas.

152 150 De modo geral, estão vinculadas a valores e aos modos de vida dos povos indígenas. Dessa forma, as passagens corroboram, de modo significativo, as teses de Viveiros de Castro e de Cunha e Almeida, predominando entre as populações indígenas uma visão moral de natureza e de uma sustentabilidade prática Agricultores Familiares Seguindo os critérios de Cunha e Almeida (2001), os agricultores familiares também se enquadram como populações tradicionais. Apesar de grandes diferenças em relação aos povos indígenas, também utilizam técnicas produtivas de baixo impacto ambiental e têm uma forma diferenciada de lidar com o mundo natural 73. A agricultura familiar se caracteriza principalmente pela adoção da agroecologia como método de produção, pela crítica ao modelo do agronegócio e ao capitalismo e pela organização cooperativa. Entre os principais representantes da agricultura familiar estão a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura [Contag] e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra [MST]. A Contag foi fundada em 1963 e oficialmente reconhecida em 1964, sendo a primeira entidade sindical do campo com caráter nacional e legal. Atualmente, junto a uma série de federações e sindicatos de trabalhadores rurais, compõe o Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais [MSTTR], que representa mais de 15 milhões de trabalhadores do campo (agricultores familiares, acampados e assentados da reforma agrária, extrativistas, quilombolas, pescadores artesanais, ribeirinhos e outros atores). A organização tem caráter combativo e democrático desde a sua fundação (Contag, sem data a). Segundo a Contag, em seu website oficial: [ ] a Agricultura Familiar é reconhecida como ilidade [sic, provavelmente possibilidade ] concreta de promoção do desenvolvimento local com sustentabilidade econômica, social e cultural. Gera postos de trabalho em 73 Reconhece-se também que existe uma diversidade muito grande de atores e práticas na categoria de agricultores familiares, existindo um contraste muito forte entre aqueles ligados às grandes cooperativas ou à indústria agropecuária e aqueles ligados à produção agroecológica, sendo, portanto, muito distintos entre si. Por isso, a análise se centra nas associações que são mais representativas da categoria.

153 151 número bem maior que a agricultura empresarial, se preocupa com a sustentabilidade socioeconômica e ambiental e preserva as tradições e os costumes locais (Contag, sem data b, grifos nossos). O trecho aponta para um nível significativo de centramento da identidade da agricultura familiar, além de demonstrar uma estreita vinculação com o tema do desenvolvimento sustentável de modo crítico, incluindo a manutenção dos modos de vida tradicionais e a conservação ambiental. Junto a outros movimentos, atua em várias frentes, explicitadas no Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário [PADRSS], que seria um instrumento de contraposição ao modelo do agronegócio. Essas frentes são: [ ] reforma agrária ampla, massiva, de qualidade e participativa; ampliação e fortalecimento da agricultura familiar; erradicação do trabalho escravo; proteção infanto-juvenil; educação do campo pública e gratuita; políticas de assistência à saúde integral para os povos do campo e da floresta; política de assistência técnica diferenciada e eficiente, pública e gratuita; soberania e segurança alimentar e nutricional; meio ambiente; e ampliação das oportunidades de emprego, trabalho e renda com igualdade de gênero, geração, raça e etnia (Contag, sem data a). Nota-se que a agenda combativa da Contag é bastante abrangente, incluindo temas como meio ambiente, desenvolvimento rural sustentável e questões sociais mais amplas. Esses e outros temas aparecem com frequência nos discursos da entidade. Como parte do seu projeto político, a Contag defende que: [ ] é estratégico que a agricultura familiar adote como prioridade a luta pelo direito de produzir alimentos saudáveis de modo sustentável, como forma de garantir a soberania e segurança alimentar da população e a preservação ambiental, propondo também a promoção de políticas para outras áreas, como: [ ] para universalizar os direitos sociais e assegurar aos sujeitos do campo e da floresta o acesso à saúde pública, educação, habitação, lazer, cultura, esporte, segurança, proteção infanto-juvenil, além de políticas em outras áreas, como o acesso à terra, ao crédito, à assistência técnica, e apoio à comercialização, por exemplo (Contag, sem data c). Desse modo, fica evidente a preocupação em produzir e comercializar alimentos, mas assegurando a sustentabilidade socioambiental. A ênfase não está no lucro, mas na manutenção de padrões dignos de vida e na conservação do meio ambiente.

154 152 Contudo, também enfatiza as necessidades socioeconômicas dos agricultores familiares para a manutenção das pessoas no campo. Entre elas constam, especialmente, renda digna, políticas públicas de saúde, investimento em infraestrutura, previdência, assistência técnica e outras demandas (Contag, sem data b). Reconhece também a necessidade de se organizar de forma cooperativa e de aliar os conhecimentos tradicionais com a ciência e com as novas tecnologias para a promoção do desenvolvimento sustentável, evitando danos à natureza: [ ] é necessário aprofundar conhecimentos sobre sistemas de produção que proporcionem melhoria contínua das condições de vida de agricultores familiares garantindo renda e sustentabilidade ambiental, de modo que todas as potencialidades do estabelecimento de produção possam ser aproveitadas sem prejuízos à natureza. [ ] o cooperativismo e [o] associativismo são os meios mais apropriados para se alcançar sustentabilidade social, econômica e ambiental (Contag, sem data b, grifos nossos). Ainda segundo a Contag, [ ] a agricultura familiar é a melhor forma de promover a inclusão e o desenvolvimento com sustentabilidade do campo, garantindo produção de alimentos com qualidade e em quantidade para atendimento à demanda da população (Contag, sem data b, grifos nossos). Nesse sentido, assim como os povos indígenas, a Contag associa a agricultura familiar a um modelo de desenvolvimento ambiental e socialmente diferenciado, intrinsecamente sustentável. A agroecologia, de acordo com a Contag: Trata-se de um processo que implica na construção de novas relações no meio rural, inclusivas e igualitárias, entre homens, mulheres, jovens e da terceira idade, na produção de alimentos saudáveis, respeito à biodiversidade e na valorização da produção local com alternativas de comercialização (Contag, sem data d, grifos nossos). Novamente, enfatiza o respeito à natureza na figura da biodiversidade. Insiste na forma de produção diferenciada, coloca as questões sociais e ambientais no centro de suas preocupações. Nos anais do 11º Congresso Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, a Contag reforça os pontos mencionados anteriormente, reafirmando que além destes elementos, o PADRSS [Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural

155 153 Sustentável e Solidário] deve contemplar o respeito ao meio ambiente, ao modo de produção de cada segmento e as características regionais (Contag, 2013: 2, grifos nossos). Assim como os povos indígenas, estabelece-se um vínculo entre o respeito ao meio ambiente e modos de produção tradicionais e locais. As menções à natureza, ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável, propondo uma relação harmônica e respeitosa entre as pessoas e a natureza, são recorrentes no PADRSS (Contag, 2013: 4, 5, 9, 15, 17, 21, 27, 28, 29). Alguns trechos indicam uma vinculação estreita entre as pessoas e o meio ambiente, ainda que pareçam indicar, também, a ideia dos recursos naturais como posse ou propriedade: Outro importante elemento a ser tratado, são os fortes impactos provocados pelas mudanças climáticas que produzem profundos impactos sociais e econômicos na população, afetando fortemente os(as) agricultores(as) familiares, camponeses(as), indígenas e as populações tradicionais, mais vulneráveis, comprometendo seus modos de vida e as bases de seus recursos naturais (Contag, 2013: 27, grifos nossos). O PADRSS observa ainda a necessidade de reconhecer [ ] a agricultura familiar como uma aliada dos recursos naturais [ ], [ ] como modelo diferenciado na relação da produção com a natureza, e critica os grandes proprietários de terra e as mineradoras por degradarem o meio ambiente (Contag, 2013: 28, 29, grifos nossos). Mais uma vez, subjaz a esse discurso a ideia da agricultura familiar como intrinsecamente sustentável, aliada e protetora do mundo natural. O uso da natureza somente é considerado legítimo desde que se respeitem os critérios da agroecologia. Portanto, existem interdições que impedem o uso de modo meramente instrumental. Dessa forma, é possível afirmar que o mundo natural figura no círculo de consideração moral da Contag. A ideia de sustentabilidade não é observada unicamente por critérios técnicos e somente no aspecto ambiental, além de não ser aplicada apenas no plano discursivo, fazendo parte do dia a dia dos agricultores familiares em suas práticas produtivas. De acordo com informações de seu site oficial, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra [MST] foi criado oficialmente em 1984, resultado de manifestações organizadas desde os anos 1970 na luta pela terra, pela reforma agrária e pelo socialismo (MST, sem data a). Atualmente, contam com 100

156 154 cooperativas, 96 agroindústrias, 1,9 mil associações e 350 mil famílias assentadas (MST, sem data b). O movimento é explicitamente crítico ao modelo de desenvolvimento vigente. Na descrição do editorial sobre meio ambiente, em seu site oficial, consta: Meio Ambiente: Devastação ambiental promovida pelo agronegócio, como o desmatamento da Amazonia [sic], Cerrado, Mata Atlântica, Pampas e Caatinga, além das tentativas de flexibilização da legislação ambiental (MST, sem data c 74 ). Sobre a agricultura, no mesmo espaço dedicado ao tema do meio ambiente, com base no Dicionário de Educação no Campo (MST, sem data d), comenta: Não há como falar de agricultura sem levar em conta a questão ambiental. Independente do modelo agrícola que se proponha para o campo, o meio ambiente está intrinsecamente ligado. Dessa maneira que o programa agrário do MST defende uma agricultura que esteja em harmonia e que respeite o meio ambiente. Por isso que nos baseamos na matriz tecnológica da agroecologia, que busca aliar os conhecimentos ancestrais do manejo com a terra e com as sementes com a pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico, para que se possam produzir alimentos saudáveis em larga escala sem prejudicar as riquezas naturais. Em contrapartida, o modelo proposto pelo agronegócio é responsável, em grande parte, pela destruição da natureza. Ao defenderem a produção de monocultivo em grandes extensões de terra, acabam com a biodiversidade, provocam desmatamentos e contaminam o solo, as águas e os alimentos com o uso excessivo dos venenos agrícolas (MST, sem data d, grifos nossos). Os trechos evidenciam a ligação da agricultura familiar a um modelo de produção que alia conhecimentos tradicionais à ciência e à tecnologia, ao respeito com o meio ambiente, além da crítica aguda ao modelo de produção do agronegócio. Também é evidente a valorização do mundo natural e a crítica à destruição da natureza e da biodiversidade causada pelo modelo do agronegócio. No Boletim da Educação (MST, 2014), construído com a colaboração de diversos autores, menções ao meio ambiente, à natureza e à sustentabilidade são frequentes, estando essencialmente ligadas à crítica ao agronegócio e à promoção de um modelo de produção sustentável. A sustentabilidade é entendida de maneira ampla, incluindo dimensões ambientais, econômicas, culturais e políticas. No mesmo documento, comentando sobre a função da agricultura, o MST argumenta que: 74 Após a fase preliminar de pesquisa no site do MST, foi detectada uma atualização da página. O texto original se encontra em um novo link: < (acessado em 02/02/2016).

157 155 Uma ideia fundamental a ser firmada é de que a função principal da agricultura é de produzir alimentos, saudáveis e ambientalmente sustentáveis, para o conjunto da população e dinamizando o território onde são produzidos. Outras funções somente deveriam ser desenvolvidas depois da função principal ter sido realizada. E alimentos não devem ser tratados como mercadorias, mas como direito humano fundamental, de todas as pessoas em todo o mundo e a qualquer tempo (MST, 2014: 16, grifos nossos). Na passagem, a ideia de sustentabilidade ambiental é enfatizada (ver também MST, 2014: 37, 40, sobre minérios, água, biomas), embora colocada em conjunto com outras dimensões. Os alimentos, ou seja, a produção agrícola, não deve ser encarada como mercadoria, mas sim como um direito da humanidade. Em várias oportunidades, o MST denuncia a mercantilização e a apropriação privada da natureza, essencialmente associadas ao modelo econômico e do agronegócio vigentes (MST, 2014: 15, 23, 24, 26, 28, 32, 49). No entanto, apesar das críticas à mercantilização do mundo natural, o status moral da natureza figura de maneira ambígua, passível de apropriação, desde que coletiva. Conforme é observado no seguinte parágrafo extraído de seu site, em que o MST comenta a reforma agrária: A reforma agrária integra relações amplas entre o ser humano e a natureza, que envolve diferentes processos que representam a reapropriação social da natureza, como negação da apropriação privada da natureza realizada pelos capitalistas. Implica em um novo modelo de produção e desenvolvimento tecnológico que se fundamente numa relação de coprodução homem e natureza, na diversificação produtiva capaz de revigorar e promover a biodiversidade e em uma nova compreensão política do convívio e do aproveitamento social da natureza (MST, 2014: 35, grifos nossos). O que se questiona, sobretudo, é a apropriação privada da natureza pelos capitalistas, que não seria capaz, como a agricultura familiar, de promover a biodiversidade e a apropriação social do mundo natural um novo modelo de produção com uma relação de coprodução entre sociedade e natureza. Também deixam entrever um status instrumental à natureza, como um bem que deve estar a serviço dos seres humanos, nas seguintes afirmações: Nosso programa agrário busca mudanças estruturais na forma de usar os bens da natureza, que pertencem a toda sociedade.

158 156 A terra e todos os bens da natureza, em nosso território nacional, devem estar sob controle social e destinados ao benefício de todo povo brasileiro e das gerações futuras (MST, 2014: 36, grifos nossos). [ ] assegurar que a democratização do uso, posse e propriedade da terra e dos bens da natureza, esteja vinculada aos interesses e necessidades sociais, econômicas, culturais e políticas da população camponesa, especificamente, e, de modo geral, de toda a população brasileira (ibidem: 39, grifos nossos). A terra, água, florestas, fauna, flora, minérios, sol, enfim, todos os bens da natureza devem estar a serviço do povo e preservados para as gerações futuras (ibidem: 36, 47, grifos nossos). Por um lado, a natureza figura como uma entidade que deve ser protegida, por outro, é vista como um recurso que deve ser explorado adequadamente, segundo critérios coletivos e ambientalmente sustentáveis. O tema da sustentabilidade faz parte do imaginário do MST, permeando vários dos discursos do movimento. No mesmo Boletim da Educação, encontram-se menções diretas e indiretas ao tema (MST, 2014: 16, 37, 40), que incluem aspectos ambientais, sociais, técnicos e políticos: Uma ideia fundamental a ser firmada é de que a função principal da agricultura é de produzir alimentos, saudáveis e ambientalmente sustentáveis, para o conjunto da população e dinamizando o território onde são produzidos (MST, 2014: 16, grifos nossos). As relações sociais de produção devem abolir a exploração, a opressão e a alienação: a) assegurar que a prioridade seja a produção de alimentos saudáveis, em condições ambientalmente sustentáveis, para todo povo brasileiro e para as necessidades de outros povos (ibidem: 37, grifos nossos). Os minérios devem ser utilizados de forma sustentável, em benefício da comunidade e de todo o povo. [ ] implementar um amplo programa de manejo sustentado da água, que viabilize a sua conservação natural e a infraestrutura de captação e uso sustentável. [ ] lutar pela promoção de um desenvolvimento sustentável adaptado as especificidades de cada um dos seis biomas do território brasileiro, a saber: Amazônia, caatinga, mata atlântica, cerrado, pantanal e pampas (ibidem: 40, grifos nossos). [ ] adotar técnicas de produção que buscam o aumento da produtividade do trabalho e da terra, respeitando o ambiente e a agroecologia. Combater progressivamente o uso de agrotóxicos, que contaminam os alimentos e a natureza. [ ] defender a política de desmatamento zero na Amazônia e Cerrado, preservando a riqueza e usando os recursos naturais de forma adequada e em favor do povo que lá vive (ibidem: 51, grifos nossos). Nesses fragmentos, ainda que de modo genérico, a sustentabilidade é sempre destacada em relação ao aspecto ambiental na produção de alimentos, mencionando-se conjuntamente questões sociais e políticas. O tema é sempre enfatizado tendo uma conotação moral, sendo a sustentabilidade como algo

159 157 intrínseco ao modelo da agricultura familiar. Ademais, a sustentabilidade aparece vinculada ao processo produtivo e aos recursos naturais, que devem ser usados de forma adequada e em benefício das pessoas. De modo geral, o MST e a Contag apresentam uma visão onde a natureza faz parte do círculo de consideração moral. Contudo, apesar da moralização da natureza, o uso dos recursos naturais em favor dos seres humanos é considerado legítimo, desde que respeitando os critérios de sustentabilidade. Essa sustentabilidade é enfatizada no processo produtivo agroecológico, um dos pilares da agricultura familiar. Embora nos documentos analisados os critérios do que é ou não sustentável não sejam detalhadamente especificados, é clara a importância, ao menos discursiva, deste elemento no universo simbólico da agricultura familiar. A sustentabilidade está sempre associada às práticas produtivas. Dessa forma, podese colocar a agricultura familiar na categoria da visão moral de natureza e de sustentabilidade prática. Ainda que apresentem diferenças significativas sobre o mundo natural e sobre a natureza, tanto os povos indígenas como a agricultura familiar possuem uma visão moral da natureza. Mesmo apresentando um caráter ambíguo, o mundo natural não é visto de modo predominantemente instrumental, havendo restrições morais ao seu uso. Do mesmo modo, apesar de a ideia de sustentabilidade apresentar diferenças significativas entre os dois grupos, ambos enfatizam uma visão baseada não apenas em critérios técnicos, econômicos ou ambientais, mas também culturais, políticos, sociais. O processo reflexivo faz parte de suas práticas e discursos, mas a sustentabilidade é associada predominantemente aos processos produtivos, na relação direta entre as pessoas e o mundo natural. Assim, pode-se concluir que os dois grupos analisados apresentam uma visão moral de natureza e de sustentabilidade prática Visão Instrumental Dentre os atores da visão instrumental de natureza e de sustentabilidade, elencam-se alguns segmentos do Estado, representantes do agronegócio, do setor de mineração e do setor de energia. De modo a tornar a análise mais consistente e

160 158 operacional, optou-se por tratar os atores que apresentam maiores impactos, maior expressão econômica ou são mais reconhecidos em suas áreas de atuação. Os atores foram subdivididos em três (sub)categorias: 1) segmentos menos e mais instrumentais do Estado; 2) associações setoriais; e 3) empresas privadas. Cada categoria conta com divisões próprias, conforme o 5: Quadro 6 Atores da visão instrumental Estado e mercado Estado Associações setoriais Empresas privadas Segmentos menos instrumentais: MMA; Ibama Segmentos mais instrumentais: Eletrobras; Embrapa; MAPA Geração de energia: ABCE Mineração: ABM Indústria: Fiesp 75 Agronegócio: FPA Geração de Energia: Norte Energia Mineração: Vale Agronegócio: JBS Esses atores têm em comum interesses voltados à lógica de mercado ou do desenvolvimento econômico, incluindo o Estado que tem o papel ambíguo de proteger o meio ambiente ao mesmo tempo em que deve promover o desenvolvimento socioeconômico do país Estado O Estado brasileiro abriga uma série de entidades com diferentes funções e objetivos. Considerando as ambiguidades, as diferentes funções e objetivos e a relação com a discussão sobre natureza e sustentabilidade, selecionou-se segmentos específicos do Estado. Seguindo esses critérios, dentre aqueles que apresentam visão menos instrumental estão o Ministério do Meio Ambiente [MMA] e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis [Ibama]. Dentre os que possuem visão mais instrumental estão a Centrais Elétricas Brasileiras [Eletrobras], a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária [Embrapa] e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento [MAPA]. 75 Considerando sua importância no cenário nacional, optou-se por incluir a Fiesp como um ator ligado ao setor industrial.

161 Segmentos Menos Instrumentais do Estado O Ministério do Meio Ambiente [MMA] foi criado em 1993 objetivando proteger e recuperar o meio ambiente, promover o uso dos recursos naturais de maneira sustentável, valorizar os serviços ambientais e inserir o desenvolvimento sustentável nas políticas públicas de forma democrática em todas as esferas do governo e da sociedade (MMA, sem data b). Dentre todas as instituições do governo, talvez seja a que está mais alinhada com o tema do desenvolvimento sustentável. A atuação do MMA se dá de maneira ampla, com programas socioambientais que abrangem administração pública, povos tradicionais, proprietários rurais, educação ambiental, emissões de gases de efeito estufa [GEE], fauna e flora (MMA, sem data c). Em relação ao desenvolvimento rural sustentável, afirma: Fazer a transição para o desenvolvimento rural sustentável depende da motivação e construção de consensos, mediados por uma relação democrática e com diálogo entre a política ambiental e as populações rurais. A transição para a sustentabilidade do rural é entendida e conduzida como parte estruturante do projeto de desenvolvimento nacional em curso, cujo objetivo central é assegurar o crescimento econômico com redução das desigualdades sociais, da pobreza e da fome, com conservação dos recursos naturais e da capacidade produtiva dos ecossistemas (MMA, sem data d, grifo nosso). O trecho mostra que para o MMA a sustentabilidade não pode ser entendida de modo estrito, mesclando preocupações sociais e ambientais com foco no crescimento econômico. Além do reconhecimento da necessidade de superação da dicotomia entre desenvolvimento e sustentabilidade de modo democrático, o MMA reconhece e valoriza os conhecimentos das populações tradicionais e sua contribuição para a preservação ambiental, tendo um programa específico com o objetivo de fomentar e recompensar as populações tradicionais pelos serviços ambientais que têm prestado por muito tempo, o Bolsa Verde (MMA, sem data e). Segundo o MMA:

162 160 Uma das grandes preocupações do governo é com as espécies brasileiras ameaçadas de extinção, sobreexplotadas exploração excessiva, nãosustentável, em com consequências negativas que, cedo ou tarde, serão prejudiciais do ponto de vista físico/quantitativo, qualitativo, econômico, social ou ambiental ou ameaçadas de sobreexplotação, requerendo políticas específicas de recuperação tanto de fauna terrestre e aquática como de flora (MMA, sem data f, grifos originais). Dessa forma, na visão do MMA, a questão ambiental não pode ser separada em absoluto da questão social e econômica, percebendo-se a interdependência entre estas dimensões. Para debater o tema da biossegurança, o ministério organizou uma série de estratégias discutidas em eventos específicos sobre o tema. Em referência ao I Simpósio Brasileiro sobre Espécies Invasoras, enfatiza que entre os temas analisados, destacam-se: a legislação nacional e a regulamentação do uso de espécies de valor econômico; prioridades para financiamento; sensibilização e educação; controle e monitoramento; análise de risco; prevenção e detecção precoce (MMA, sem data g, grifo nosso). O trecho deixa entrever uma preocupação mais instrumental com o uso da natureza, estabelecendo uma separação entre espécies com valor econômico e as demais. A passagem não faz menção ao valor intrínseco da natureza, direta ou indiretamente. Os parágrafos seguintes reforçam a afirmação anterior: [ ] é fundamental que o Brasil intensifique as pesquisas em busca de um melhor aproveitamento da biodiversidade brasileira ao mesmo tempo mantendo garantido o acesso aos recursos genéticos exóticos, também essenciais ao melhoramento da agricultura, da pecuária, da silvicultura e da piscicultura nacionais. Como se sabe, a biodiversidade ocupa lugar importantíssimo na economia nacional: o setor de agroindústria, sozinho, responde por cerca de 40% do PIB brasileiro (calculado em US$ 866 bilhões em 1997); o setor florestal, por sua vez, responde por 4%; e o setor pesqueiro, por 1%. Na agricultura, o Brasil possui exemplos de repercussão internacional sobre o desenvolvimento de biotecnologias que geram riquezas por meio do adequado emprego de componentes da biodiversidade. Produtos da biodiversidade respondem por 31% das exportações brasileiras, com destaque para o café, a soja e a laranja. As atividades de extrativismo florestal e pesqueiro empregam mais de três milhões de pessoas. A biomassa vegetal, incluindo o etanol da cana-de-açúcar, e a lenha e o carvão derivados de florestas nativas e plantadas respondem por 30% da matriz energética nacional e em determinadas regiões, como o Nordeste, atendem a mais da metade da demanda energética industrial e residencial. Além disso, grande parte da população brasileira faz uso de plantas medicinais para tratar seus problemas de saúde. Por tudo isso, o valor da biodiversidade é incalculável. Sua redução compromete a sustentabilidade do meio ambiente, a disponibilidade de recursos naturais e, assim, a própria vida na Terra. Sua

163 161 conservação e uso sustentável, ao contrário, resultam em incalculáveis benefícios à Humanidade. [ ] o valor da biodiversidade é incalculável. Apenas quanto ao seu valor econômico, por exemplo, os serviços ambientais que ela proporciona enquanto base da indústria de biotecnologia e de atividades agrícolas, pecuárias, pesqueiras e florestais são estimados em 33 trilhões de dólares anuais, representando quase o dobro do PIB mundial. Mas esta exuberante diversidade biológica global vem sendo dramaticamente afetada pelas atividades humanas ao longo do tempo e hoje a perda de biodiversidade é um dos problemas mais contundentes a acometerem a Terra. A crescente taxa de extinção de espécies que estima-se estar entre mil e 10 mil vezes maior que a natural demonstra que o mundo natural não pode mais suportar tamanha pressão. (MMA, sem data h, grifos nossos). Os trechos apontam, sobretudo, para o valor de uso de elementos específicos da biodiversidade e não para o valor intrínseco da natureza. Ainda que se mencione a preocupação com o meio ambiente e com a vida na Terra, a natureza e a sustentabilidade são associadas aos recursos necessários à satisfação das necessidades humanas e à importância de ambas para a economia. Questiona-se a intensidade e as consequências, potenciais ou reais, do uso intensivo e da perda de biodiversidade em termos econômicos e ambientais, mas não se questiona o tipo e a finalidade do uso que se faz do mundo natural. Desse modo, apesar de considerar a questão da sustentabilidade ambiental e o próprio uso da natureza, pode-se afirmar, com alguma cautela, que a visão de natureza e de sustentabilidade implícita nos discursos do MMA é predominantemente instrumental. Criado em 1989, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis [Ibama], vinculado ao MMA, tem como atribuições o controle da qualidade ambiental, incluindo o policiamento, licenciamento e fiscalização ambientais (Ibama, sem data a, b). O Ibama tem uma perspectiva mais direta em relação à sustentabilidade, contudo, sua posição em relação ao valor intrínseco da natureza é mais ambígua. Apesar de apresentar consideração moral ao meio ambiente e aos animais nãohumanos em algumas ocasiões, também se refere a estes de forma instrumental, mencionando-os de forma genérica como recursos ambientais. No relatório de acidentes ambientais de 2014, define estes como [ ] eventos não planejados e indesejados, que podem causar direta ou indiretamente, danos ao meio ambiente e à saúde da população (Ibama, 2015: 5). Nesse sentido, incluem o meio ambiente e a população humana como fontes de preocupação.

164 162 A capa de outro documento, exibindo uma ave parcialmente coberta por petróleo cru, indica uma possível consideração moral com os animais afetados pelos acidentes ambientais: Figura 2 - Capa do documento Implementação do Plano Nacional de Contingência (Alves; Aaltonen, 2015). Ainda sobre acidentes ambientais, o Ibama comenta: A denominação não se aplica (NA) se refere àquelas ocorrências em que não há envolvimento de produtos perigosos. Tais eventos são: rompimento de barragens com água, em que houve danos ambientais; acidentes causados por fenômenos naturais, tais como, afloração de algas e também aqueles envolvendo grãos, que em contato com corpos hídricos podem causar alteração na qualidade da água e consequentemente impacto nos organismos aquáticos (Ibama, 2015: 16, grifo nosso).

165 163 Dessa forma, há uma indicação de uma possível consideração moral aos seres sencientes pelo Ibama, ainda que não explicitamente. No documento Implementação do Plano Nacional de Contingência, comentando os acidentes com petroleiros, pesquisadores do Ibama observam: [ ] não são somente os petroleiros que poluem o ambiente marinho, as atividades offshore são os responsáveis por acidentes de proporções muito maiores. O vazamento ocorrido na plataforma da Deepwater Horizon no Golfo do México, em 2010, pode ter causado mais danos à vida marinha e as áreas costeiras de que se tem notícia até hoje (Alves; Aaltonen, 2015: 79, grifo nosso). O trecho apresenta, ainda que de forma genérica, uma preocupação com a vida marinha. Comentando um caso de acidente ambiental no Brasil, afirmam: [ ] o acidente de maior repercussão no país foi o rompimento do oleoduto na Baía da Guanabara, em Janeiro de 2000, com o vazamento de 1.300m³ de óleo combustível marítimo, causando a contaminação de praias, costões, manguezais, e impactos negativos à pesca, extrativismo e turismo. [ ] o incêndio do navio químico Vicuña, no Porto de Paranaguá em 2004, com o vazamento de 400 toneladas de metanol, causou fatalidades, grande impacto à vida marinha e prejuízos às atividades econômicas da região (Alves; Aaltonen, 2015: 79, grifos nossos). Novamente, apontam os impactos à vida marinha, às atividades econômicas e às pessoas. Sobre o uso de organismos aquáticos, o Ibama informa em seu site oficial que: A gestão de uma pescaria, segundo conceito da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação FAO (1997), é o processo integrado de agrupamento de informações, análises, planejamento, consulta, tomada de decisões, alocação de recursos e implementação das regulamentações ou normas que governam as atividades pesqueiras, de modo a assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos e o alcance de outros objetivos das pescarias. Até dezembro de 1989, não havia regulamentação específica à pesca de peixes ornamentais, sendo permitida a explotação desse recurso sem qualquer controle. Com a criação do IBAMA, percebe-se que há um ordenamento da atividade, por meio de regulamentações para promover a gestão do uso sobre esses recursos pelo Departamento de Pesca e Aqüicultura DEPAQ. Após uma série de mudanças políticas na Estrutura regimental do IBAMA ao longo dos últimos anos, atualmente a gestão do uso de organismos aquáticos com finalidade ornamental no Brasil é realizada pela

166 164 Coordenação de Ordenamento Pesqueiro (COOPE), vinculada diretamente à Coordenação-Geral de Autorização de Uso e Gestão de Fauna e Recursos Pesqueiros (CGFAP), por sua vez subordinada à Diretoria de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas (DBFLO) do IBAMA (Ibama, sem data c, grifos nossos). Nas passagens, ressalta-se a questão de regulamentação da atividade pesqueira. Embora tenha intenção de impedir ou amenizar o risco de sobreexplotação, não há demonstração de preocupação com a vida aquática, com seu valor intrínseco, sendo considerada apenas do ponto de vista instrumental, como recurso a ser gerido. No item 8 do referido relatório, que aborda a classificação de incidentes, comenta-se as questões ambientais e que afetam pessoas, mas não há menção aos animais afetados pelos incidentes (Alves; Aaltonen, 2015: ). A preocupação com a vida dos animais aparece nos textos dos pesquisadores do Ibama de forma dúbia, sobressaindo-se a preocupação com o meio ambiente (recursos, meio biótico), entendido de modo genérico e técnico, relacionado à atividade econômica e às pessoas. Com alguma cautela, é possível afirmar que se sobressai uma visão instrumental de natureza e de sustentabilidade Segmentos Mais Instrumentais do Estado As Centrais Elétricas Brasileiras [Eletrobras], empresa de sociedade de economia mista controlada pelo governo, foi criada oficialmente em 1962, porém vinha sendo proposta por Getúlio Vargas desde 1954 (Eletrobras, sem data a). Na apresentação do Relatório Anual e de Sustentabilidade 2014, afirma que: Fazer mais com menos. Criar competitividade em processos e potencializar o crescimento com eficiência e inovação. Como a maior companhia do setor de energia elétrica da América Latina, acreditamos que as ações de sustentabilidade não só em questões relacionadas ao meio ambiente, mas também à geração de valor para todos os nossos públicos de interesse são uma alavanca para nossos negócios. [ ] este relatório tem como objetivo auxiliar no estabelecimento de um plano de ação para futuros projetos e ações que envolvam a governança da sustentabilidade, avaliando os aspectos mais relevantes para a perenidade do negócio sob o ponto de vista tanto da empresa quanto da sociedade (Eletrobras, 2014, grifo nosso).

167 165 Mais do que uma preocupação com o meio ambiente, a ideia de sustentabilidade figura como um diferencial para os negócios, que pode beneficiar tanto a empresa como a sociedade. Portanto, não aparece nesse horizonte uma preocupação com a sustentabilidade, com o meio ambiente ou a natureza em si, mas com a perenidade do negócio. No mesmo relatório, trechos da mensagem do presidente da empresa também apontam uma preocupação com os negócios e com a sociedade: O ano de 2014 trouxe ainda um novo desafio: uma crise hídrica sem precedentes, que além de afetar o abastecimento de água para milhões de brasileiros, prejudicou também a geração de energia elétrica por nossas hidrelétricas (Eletrobras, 2014: 11, grifo nosso). Frente a crise hídrica, a preocupação se relaciona apenas às pessoas, desconsiderando os impactos ambientais da falta d água. Em outra passagem, a Eletrobras observa: O ano de 2014 foi profícuo para a Eletrobras em termos de reconhecimento. Pela terceira vez consecutiva, a empresa foi listada no Dow Jones Sustainability Emerging Markets Index, índice composto por 86 empresas, sendo apenas 17 brasileiras e somente três destas do setor de energia elétrica, selecionadas dentre as que adotam as melhores práticas de desenvolvimento sustentável. Além disso, pelo oitavo ano seguido, a Eletrobras integra o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBOVESPA). É por acreditar no desenvolvimento sustentável como elemento fundamental para a perenidade do nosso negócio que, em 2014, ao concluirmos a elaboração do Plano Estratégico das Empresas Eletrobras , incluímos a sustentabilidade como um de nossos valores. A atuação sustentável das empresas Eletrobras, indissociável de nossa estratégia, reforça o nosso compromisso com o Pacto Global, do qual somos signatários desde 2006 (Eletrobras, 2014: 13). A sustentabilidade aparece intimamente associada aos aspectos econômico e comercial da atuação da empresa. O que garante que a empresa é sustentável é o cumprimento de critérios de organizações econômicas nacionais e estrangeiras. No mesmo sentido, o presidente do conselho de administração afirma: Em sintonia com os ideais sustentáveis, a Eletrobras continua a investir fortemente em novos negócios de geração, transmissão e distribuição de energia limpa e renovável, norteada por princípios como a confiabilidade, segurança e qualidade, proporcionando ganhos importantes ao Brasil (Eletrobras, 2014: 15, grifo nosso).

168 166 A sustentabilidade é apreendida do ponto de vista econômico, não questionando o modelo de desenvolvimento dependente da produção contínua de energia. Não se questiona os impactos socioambientais da construção de usinas hidrelétricas ou do aumento contínuo da demanda energética. Mais adiante, falando explicitamente sobre sustentabilidade, observa: Este conceito está diretamente ligado às ações da empresa nas dimensões econômica, social e ambiental e influencia na rentabilidade e na manutenção do negócio. Ao incluir este valor em sua estratégia, a Eletrobras se mostra preparada para reafirmar seu compromisso com todos os públicos de interesse e comprometida com diversas práticas associadas ao desenvolvimento sustentável, como, por exemplo, a eficiência energética (Eletrobras, 2014: 25, grifo nosso). Os trechos citados revelam a apropriação da noção de sustentabilidade, especialmente o aspecto ambiental, sob o prisma empresarial e tecnocrático, isto é, como oportunidade de negócio que pode beneficiar a empresa e a sociedade. A empresa enfatiza que tem investido em programas e projetos de cunho socioambiental (Eletrobras, 2014: , , 178). Entretanto, a passagem a seguir revela que se trata de uma etapa obrigatória para o prosseguimento de suas atividades, sem mostrar uma preocupação com a sustentabilidade em si ou com o valor intrínseco da natureza: A implantação de um empreendimento avança na medida em que as etapas do processo de licenciamento ambiental são autorizadas. Para a obtenção da Licença de Operação de um empreendimento e suas renovações, os programas socioambientais devem estar com suas atividades em andamento. Os programas socioambientais dos empreendimentos são propostos de modo a atender as exigências legais e regulamentos, buscando seu contínuo aprimoramento e não se atendo apenas ao legalmente recomendado, mas também atendendo a negociações sociais. (Eletrobras, 2014: 151, grifos nossos). No tópico Biodiversidade do relatório (Eletrobras, 2014: ), aborda-se resumidamente e de modo genérico os possíveis impactos à biodiversidade causados pelas atividades de geração e transmissão de energia, propondo-se soluções técnicas para amenizá-los ou mitigá-los. Na página de seu site oficial dedicada ao Meio Ambiente, a empresa informa que:

169 167 A implantação de empreendimentos de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica apresenta grande complexidade de inter-relações. A Eletrobras tem claro entendimento disso e, além do cumprimento da legislação ambiental e social do país, atuam continuadamente em busca do melhor desempenho socioambiental, desde o apoio ao desenvolvimento técnico-científico à ampliação de mecanismos de comunicação e capacidade de negociação. Desde a década de 80, a preocupação com os impactos socioambientais dos empreendimentos setoriais levou a Eletrobras a coordenar esforços, em conjunto com as empresas do setor, que garantissem o adequado tratamento dessas questões. Fruto desse trabalho são as diretrizes de atuação e as políticas ambientais, aplicadas em consonância com o desenvolvimento técnico-científico e as demandas políticas e sociais do país (Eletrobras, sem data b, grifos nossos). Novamente, a ideia de sustentabilidade é considerada do ponto de vista técnico. Não há menções explícitas que demonstrem preocupação com o meio ambiente ou com a natureza em si. Dessa maneira, é possível inferir que a visão de natureza e de sustentabilidade da Eletrobras é predominantemente instrumental. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária [Embrapa], criada em 1973, ligada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento [MAPA], é uma empresa com grande capacidade de intervenção na natureza, sendo a grande responsável por pesquisas envolvendo melhoramento genético e inovação tecnológica para a produção agropecuária. Além da influência direta na manipulação do mundo natural, bem como na criação de tecnologias aplicadas à produção agropecuária, a Embrapa pode influenciar direta e indiretamente na forma como a natureza é pensada e utilizada entre pesquisadores e produtores rurais. Em sua página oficial, no item Quem somos, informa que: Hoje a nossa agropecuária é uma das mais eficientes e sustentáveis do planeta. Incorporamos uma larga área de terras degradadas dos cerrados aos sistemas produtivos. Uma região que hoje é responsável por quase 50% da nossa produção de grãos. Quadruplicamos a oferta de carne bovina e suína e ampliamos em 22 vezes a oferta de frango. Essas são algumas das conquistas que tiraram o País de uma condição de importador de alimentos básicos para a condição de um dos maiores produtores e exportadores mundiais (Embrapa, sem data a, grifos nossos). A Embrapa informa que a agropecuária brasileira [ ] é uma das mais eficientes e sustentáveis do planeta (Embrapa, sem data a). No entanto, é fato conhecido que a produção de carne é ambientalmente nociva, tanto pela geração de gases do efeito estufa [GEE] quanto pela degradação do solo e da água, além de ser eticamente questionável (ver Grava, 2013; Ministério da Ciência e Tecnologia e

170 168 Inovação [MCT], 2009; Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura [FAO], 2006; 2009; 2012; 2013a; 2013b). Além disso, grande parte da produção de grãos envolve organismos geneticamente modificados [OGMs] e uso massivo de insumos químicos, questões polêmicas para aqueles que discutem sustentabilidade, mesmo em sentido limitado. Coloca como sua missão viabilizar soluções de pesquisa, desenvolvimento e inovação para a sustentabilidade da agricultura, em benefício da sociedade brasileira, sua visão, ser um dos líderes mundiais na geração de conhecimento, tecnologia e inovação para a produção sustentável de alimentos, fibras e agroenergia, e entre seus valores a [ ] Responsabilidade Socioambiental: Buscamos soluções que possam devolver para a sociedade os investimentos realizados de forma comprometida com o meio ambiente (Embrapa, sem data b, grifos nossos). A ideia de sustentabilidade está conectada especialmente à inovação tecnológica e com foco na produção agropecuária. Cita o compromisso com o meio ambiente, embora a ênfase esteja nos benefícios à sociedade brasileira. O conceito de desenvolvimento sustentável aparece em um glossário dedicado a questões da biodiversidade: Modelo de desenvolvimento que leva em consideração, além dos fatores econômicos, aqueles de caráter social e cológico [sic], assim como as disponibilidades dos recursos vivos e inanimados, as vantagens e os inconvenientes, a curo [sic], médio e longo prazos, de outros tipos de ação. Tese defendida a partir do teórico indiano Anil Agarwal, pela qual não pode haver desenvolvimento que não seja harmônico com o meio ambiente. Assim, o desenvolvimento sustentado que no Brasil tem sido defendido mais intensamente, é um tipo de desenvolvimento que satisfaz as necessidades econômicas do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras (Embrapa, sem data c, grifos nossos). Nessa definição, baseada no teórico indiano Agarwal, a ideia de desenvolvimento sustentável inclui a consideração de fatores econômicos e sociais. Contudo, a natureza é encarada como fonte de recursos, vivos ou inanimados, sem consideração ao seu valor intrínseco. Em uma página temática dedicada ao público infantil, a Embrapa apresenta outro glossário. Nele, o conceito de sustentabilidade ambiental figura de maneira bastante técnica e unidimensional (exclusivamente ambiental ou ecológica): [A sustentabilidade] Consiste na manutenção das funções e componentes vitais de um determinado ambiente, ou ecossistema, de modo a tornar

171 169 essas funções equilibradas e duradouras, podendo, igualmente, ser definida como a capacidade que o ambiente natural possui para manter as condições de vida para os seres humanos e para as demais espécies vivas (Embrapa, sem data d). O adjetivo sustentável seria o princípio segundo o qual o uso dos recursos naturais para a satisfação de necessidades presentes não pode comprometer a satisfação das necessidades das gerações futuras (Embrapa, sem data d). Novamente, aparece a ideia de natureza como recurso, especialmente voltado às necessidades humanas. No mesmo espaço, a Embrapa comenta a importância das carnes de suínos e aves, observando suas qualidades nutricionais e sua importância para a economia do país, enfatizando a geração de empregos, revelando toda uma rede sociotécnica na produção com animais, envolvendo pesquisadores, técnicos, transportadoras, fabricantes de insumos, etc. Entretanto, não faz nenhum comentário acerca dos graves problemas ambientais envolvendo a produção de suínos e aves e nenhum comentário sobre as condições de vida e de abate dos animais (Embrapa, sem data e). Ainda que em certos contextos a preocupação com a sustentabilidade apareça com ênfase, especialmente no que se refere ao meio ambiente, a preocupação maior da Embrapa é com a eficiência da produção no campo e o atendimento das necessidades humanas. A visão de sustentabilidade da Embrapa está pautada na criação e adoção de tecnologias eficientes que contribuam para a produção agropecuária brasileira. A natureza é tida como recurso, vivo ou inanimado, ficando evidente que, de modo geral, não há uma consideração moral da natureza, não se considera seu valor intrínseco. Dessa forma, a Embrapa pode ser incluída entre os atores com visão instrumental de natureza e de sustentabilidade. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento [MAPA] é o órgão responsável pela gestão das políticas públicas de estímulo, de regulação e normatização dos serviços e de fomento do setor agropecuário brasileiro (MAPA, sem data a). Em seu site oficial existe um espaço dedicado à temática do desenvolvimento sustentável. Na apresentação, afirma que: [ ] o Ministério da Agricultura desenvolve e estimula as boas práticas agropecuárias privilegiando os aspectos sociais, econômicos, culturais, bióticos e ambientais. Nesse caso, estão incluídos sistemas de produção integrada, de plantio direto, agricultura orgânica, integração lavoura-

172 170 pecuária-floresta plantada, conservação do solo e recuperação de áreas degradadas. Para apoiar o produtor, o ministério elabora projetos e programas direcionados para a assistência técnica, financiamento e normatização das práticas rurais sustentáveis. É dessa forma que se pretende superar o grande desafio de manter o Brasil como provedor mundial de matériasprimas e alimentos aliado à necessidade da conservação do meio ambiente (MAPA, sem data b, grifos nossos). Os argumentos mostram que existe uma preocupação com boas práticas agropecuárias e mencionam os aspectos sociais, econômicos, culturais, bióticos e ambientais como fonte de preocupação. Enfatiza-se o objetivo de manter o Brasil como provedor mundial de matérias-primas conservando o meio ambiente. No entanto, contrasta-se o discurso do MAPA com o que acontece na agropecuária brasileira, especialmente na pecuária, que é a atividade socioeconômica que causa os maiores danos ambientais ao país. Além de ocupar mais de 20% do território nacional (dos quais cerca de 50% apresentavam algum grau de degradação até 2011), a pecuária é a maior responsável pela emissão de gases do efeito estufa [GEE] (cerca de metade do total que o país produz), causa a degradação dos solos e contaminação das águas. Ademais, as condições de trabalho no setor estão entre as piores do país, com menores rendimentos, trabalho degradante e relativamente poucos postos de trabalho gerados. Procura-se muitas vezes enaltecer o setor por sua contribuição para a balança comercial do Brasil, contudo, apesar da grande arrecadação, é o setor que paga menos tributos proporcionalmente (Grava, 2013; MCT, 2009; FAO, 2006; 2009; 2012; 2013a; 2013b). O MAPA destaca a questão do bem-estar animal, tendo uma comissão especial para discutir o tema. Em um vídeo produzido pelo ministério, afirma que: assegurar o uso de boas práticas para o bem-estar animal é investir na produtividade, na qualidade dos produtos e na reputação dos produtores brasileiros (MAPA, sem data c: 1m22-1m32, grifos nossos). Nesse sentido, a consideração ao bem-estar animal parece estar ligada mais aos interesses dos produtores do que com os animais em si. A questão se torna mais evidente quando se observa que: Dentre as atribuições da CTBEA [Comissão Técnica Permanente de Bem- Estar Animal] estão a divulgação e a proposição de boas práticas de manejo, o alinhamento da legislação brasileira com os avanços científicos e os critérios estabelecidos pelos acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário, bem como preparar e estimular o setor agropecuário brasileiro

173 171 para o atendimento às novas exigências dos principais mercados importadores (MAPA, sem data c, grifos nossos). Mais do que considerar os interesses dos animais de produção, a preocupação maior é com a eficiência produtiva, em se adequar à legislação e, especialmente, ao mercado internacional, uma vez que muitos dos importadores exigem o atendimento de condições mínimas de bem-estar animal. O discurso do bem-estar animal é apropriado de maneira instrumental, seja para agregar valor ao produto final ou para legitimar o uso de animais para a produção. No link da Comissão de Ética, expressa que [ ] todos nós servidores devemos ter na mente e no coração que no Mapa Existe comprometimento com a honestidade e a conduta ética, com a consequente valorização do ser humano. Todos os grupos da sociedade são tratados com atenção (MAPA, sem data d, grifo nosso). No link dedicado a falar sobre o que é Ética (MAPA, sem data e) e nos relatórios de ética (MAPA, sem data f) não aparecem menções ao status moral da natureza, apenas considerações a ações de pessoas. A Comissão de Ética do MAPA tem preocupações legítimas em relação à conduta dos servidores, mas a falta de discussão crítica sobre os animais de produção e a pressão sobre o mundo natural revela que a consideração moral de seres sencientes não figura no horizonte do ministério, e tampouco em relação ao resto do mundo natural. Assim, é possível constatar que o MAPA expressa algumas das preocupações (ao menos discursivas) com o desenvolvimento sustentável, ainda que o foco esteja no crescimento produtivo com alguma consideração à sustentabilidade ambiental, principalmente através da adoção de tecnologias adequadas que minimizem os impactos ambientais negativos do setor. A preocupação com o bem-estar animal foca na qualidade do produto final e no cumprimento da legislação e das exigências dos importadores, portanto, sem consideração moral pelos animais. Dessa forma, enquadra-se o MAPA na visão instrumental de natureza e de sustentabilidade. Os atores dessa categoria focalizam a questão da sustentabilidade em seus aspectos ambientais e técnicos, sem incluir fortes preocupações sociais ou éticas e sem discutir criticamente o modelo de desenvolvimento no qual estão inseridos. A sustentabilidade passa principalmente pela criação e adoção de [novas] tecnologias para mitigar ou amenizar os danos ambientais causados pelas práticas produtivas, seja na produção industrial, na agropecuária, na mineração ou na geração de

174 172 energia. Não se questiona o modelo de desenvolvimento industrial capitalista em nenhum momento. Com exceção parcial no caso do MMA e do Ibama, os atores analisados não apresentam explicitamente uma consideração ao valor intrínseco da natureza, sendo esta vista de modo predominantemente instrumental, aparecendo nos discursos na forma genérica de recursos naturais, ambiente ou organismos. Desse modo, reitera-se que a visão de natureza e de sustentabilidade desses atores é predominantemente instrumental Associações Setoriais A Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica [ABCE], criada em 1971 (como Associação Brasileira de Concessionárias de Energia Elétrica), congrega representantes de empresas do setor (ABCE, sem data a). Em 2002, frente à crescente relevância que o tema ambiental ganhou, foi criado o Comitê de Meio Ambiente, e, em 2007, a coordenação do Fórum do Meio Ambiente do Setor Elétrico (ABCE, sem data b). No link sobre meio ambiente, informa que o Comitê de Meio Ambiente, coordenado pela Renata Messias Fonseca [advogada], foi criado em 2002, visando atender premente demanda das associadas da ABCE no que concerne à defesa de seus interesses nas questões socioambientais (ABCE, sem data c, grifos nossos). Percebe-se uma preocupação com os interesses das empresas frente as questões ambientais e não com o ambiente ou com a sustentabilidade em si. A última notícia divulgada no link Artigos e Clipping Meio Ambiente, sobre a Semana Eletrobras Eletronuclear do Meio Ambiente, é de No texto, observa que a intenção da Semana é incentivar os empregados e a sociedade a refletir sobre a importância da preservação do meio ambiente e do uso sustentável dos recursos naturais. Aparentemente, existe uma preocupação legítima com a questão ambiental. Contudo, mais adiante, falando sobre a construção da usina nuclear de Angra 3, afirma que quando entrar em operação comercial, em 2016, a unidade [ ] será capaz de gerar mais de 10 milhões de MWh por ano energia limpa, segura e suficiente para abastecer as cidades de Brasília e Belo Horizonte durante o mesmo

175 173 período (ABCE, 2013). A ideia da energia nuclear como limpa e segura contraria afirmações de ambientalistas e desconsidera os vários acidentes já ocorridos em usinas nucleares. No Informe Ambiental da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo ([Fiesp], 2013), divulgado (logo, endossado) pela ABCE 76, figuram notícias vinculadas ao meio ambiente, mas limitadas a questões de interesse do setor, notas técnicas, questões de legislação, eventos, cursos e prêmios, sem menções ao tema da sustentabilidade. Os assuntos relacionados ao meio ambiente aparecem ligados a assuntos de gestão, eficiência, recursos, diminuição de custos. Questões socioeconômicas consistem no respeito ou cumprimento da legislação. O uso dos recursos naturais é entendido também como subordinado à legislação. No informe de 2012, diz: visando contribuir com o desenvolvimento sustentável do país, o DMA [Departamento de Meio Ambiente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Fiesp] apoia o fortalecimento da indústria brasileira (aspecto econômico) com a geração de empregos (aspecto social) em respeito às legislações ambientais vigentes (aspecto ambiental) (Fiesp, 2012: 2). Dessa forma, a associação apresenta um entendimento limitado da ideia de sustentabilidade, colocando o aspecto econômico como fortalecimento da indústria e o social como ligado apenas ao emprego, ou seja, não se questiona o modelo de desenvolvimento capitalista moderno gerador de desigualdades, do consumismo e da crescente exploração da natureza. A questão ambiental é limitada ao cumprimento da legislação, aparentemente sem consideração ao valor intrínseco da natureza. Assim, é possível alocar a ABCE na categoria de atores que apresentam uma visão instrumental de natureza e de sustentabilidade. A Associação Brasileira de Metalurgia, Materiais e Mineração [ABM] foi criada nos anos 1940 e possui mais de cinco mil associados, incluindo empresas do setor e pessoas do meio acadêmico entre seus filiados. No link Apresentação, que inclui sua missão e valores, não há nenhuma menção ao tema da sustentabilidade ou do meio ambiente (ABM, sem data a). Em 2011, a ABM publicou um breve texto na área dedicada à discussão sobre Meio Ambiente: 76 Na falta de materiais próprios que abordassem os temas, analisou-se o documento da Fiesp divulgado pela ACBE, entendendo-se que o mesmo apresenta posições defendidas pelas duas entidades sobre sustentabilidade e meio ambiente.

176 174 Como vocês sabem, em 2012 sediaremos, pela primeira vez na América do Sul, o ICSTI (International Congress on the Science and Technology of Ironmaking). Um dos maiores argumentos durante a nossa candidatura para trazer o evento para o Brasil foi que teríamos um programa especial sobre Fabricação de Ferro Gusa com Carvão Vegetal (setor guseiro e indústria integrada), hoje tema de interesse geral em função das crescentes restrições técnicas, econômicas e ambientais que estão esmagando a competitividade da siderurgia em outrora grandes centros (Noldin Júnior, 2011, grifos nossos). As questões ambientais são vistas como restrições, um obstáculo à competitividade do setor. Há uma única outra postagem no link de meio ambiente, no entanto, não relacionada com o tema e sim com a crise do setor frente a recessão nos EUA e na Europa, em Comentando a história da metalurgia no Brasil, sobre a atuação da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira, a ABM observa que: Na década de 70, sua floresta de eucaliptos cobria hectares ( alqueires paulistas) e, em dez anos tencionava cobrir hectares, suficientes para um consumo de m³ de carvão vegetal, necessários para sustentar uma produção de toneladas de aço. Essa atitude, pioneira no gênero, e que até os dias de hoje ainda é esperada de várias empresas de grande porte, permitiu que pudessem conviver em harmonia a indústria e a preservação de reservas florestais e do meio ambiente (ABM, sem data b). Segundo a associação, a monocultura de eucalipto para atender as necessidades energéticas da própria empresa seria uma contribuição à preservação do meio ambiente. Embora a prática possa realmente poupar outras reservas florestais de uma exploração mais intensa, não há indício de que a empresa visasse a preservação ambiental ou expressasse preocupação com a natureza, mais do que isso, objetivava a autossuficiência energética. Nos documentos analisados, fazem-se breves referências ao mundo natural e aos recursos naturais: Muitos foram os portugueses que invadiram as matas na esperança de encontrar metais mas [sic] que, no entanto, nem notícias trouxeram de volta. Ou se perdiam e sucumbiam vítimas de uma natureza selvagem e desconhecida, ou iam parar em mãos indígenas. Dos metais, não se teve sinal (ABM, sem data b, grifos nossos).

177 175 Nesse trecho, a natureza é considerada como um ambiente selvagem e perigoso que vitimava aqueles que a invadiam em busca de recursos preciosos. Assim, a natureza aparece como um domínio separado e apenas certos elementos são valorizados. Outra passagem informa que: no planejamento apresentado pela Missão Abbink 77, o tema que gerou maior polêmica referia-se ao aproveitamento dos recursos naturais do Brasil, especialmente o petróleo (ABM, sem data b, grifos nossos). A polêmica se dava em torno da participação estrangeira na exploração dos recursos e não a qualquer questão socioambiental. Existem referências ao tema da sustentabilidade nos cursos, nas notícias e nas revistas divulgados e oferecidos pela associação, mas sempre vinculados aos processos produtivos e focados em questões estritamente ambientais e técnicas, buscando diminuir custos, melhorar a competitividade do setor e se adequar às restrições ambientais (ABM, sem data c; d). Na edição de sua revista de setembro a outubro de 2015, comenta: Com o objetivo de mostrar que o uso de biomassa na produção de aço é um diferencial e uma vantagem comparativa do Brasil em relação aos demais países e que o setor cumpre as normas ambientais e trabalhistas, o Instituto Aço Brasil e empresas associadas lançaram, em 2012, o Protocolo de Sustentabilidade do Carvão Vegetal. Este protocolo alinha oito compromissos que buscam assegurar a sustentabilidade da produção de gusa a carvão vegetal pelas empresas associadas ao Aço Brasil e demandar dos fornecedores desta cadeia o cumprimento de preceitos legais (Yuan, 2015: 422, grifos nossos). [ ] O próprio capitalismo vem encarregando-se, de certa forma, em encontrar saídas para os gargalos econômicos e ambientais da crise [ ] o capitalismo tem se reproduzido por meio de ondas e que a sexta onda produzirá um incremento na produtividade dos recursos naturais, através de inovações (Silva, 2015: , grifos nossos). Dessa forma, a sustentabilidade é vista apenas do ponto de vista ambiental, atrelada à legislação e servindo essencialmente como um diferencial do negócio. Além disso, as questões ambientais, na visão da ABM, podem ser resolvidas através do uso de tecnologia, sem que seja questionado o modelo de desenvolvimento vigente. Assim, é possível incluir a ABM na visão instrumental de natureza e de sustentabilidade. 77 Comissão formada, nos anos 1950, por brasileiros e estadunidenses e visava elaborar projetos de investimentos que pudessem trazer divisas ao Brasil. Foi desfeita com a criação da Petrobras e o veto ao capital estrangeiro (ABM, sem data b).

178 176 Criada em 1928, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo [Fiesp] representa cerca de 130 mil indústrias de diversos setores distribuídas em 131 sindicatos patronais, sendo a maior entidade de classe da indústria brasileira. A Fiesp atua em âmbito nacional, tendo como causas principais a busca pela competitividade brasileira através da diminuição de custos de produção e a contenção do processo de desindustrialização (Fiesp, sem data a, b). Para lidar com questões ambientais, a Fiesp criou o Departamento de Meio ambiente [DMA] e o Conselho Superior de Meio Ambiente [Cosema]. O DMA: [ ] desenvolve ações estratégicas e institucionais destinadas a subsidiar tecnicamente a tomada de decisão do corpo executivo da Fiesp em questões ligadas ao meio ambiente. O DMA tem como missão promover as relações entre produção e meio ambiente, com ênfase na prática do desenvolvimento sustentável, defendendo e conciliando os interesses e negócios da indústria (Fiesp, sem data c, grifos nossos). O Cosema: [ ] é o órgão Técnico Estratégico da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), coordenado pelo Instituto Roberto Simonsen (IRS). Missão Ser instrumento estratégico para manter a Fiesp como referência na sustentabilidade do setor industrial contribuindo para a consolidação do conceito de Desenvolvimento Sustentável no Estado de São Paulo. Objetivo Ser um painel de ideias e propostas sobre a estrutura e conjuntura nacionais, promovendo a interação da Fiesp com os temas ligados ao Meio Ambiente (Fiesp, sem data d, grifos nossos). Note-se que o DMA enfatiza que o desenvolvimento sustentável deve ser praticado defendendo e conciliando os interesses e negócios da indústria. O Cosema procura aplicar a estratégia de colocar a Fiesp como referência de sustentabilidade no setor industrial, consolidando um conceito de desenvolvimento sustentável. Não é mencionado a importância da sustentabilidade socioambiental em si e nem se desenvolve alguma crítica ao modelo de desenvolvimento industrial. No último Informe Ambiental, de 2015 (Fiesp, 2015a), ressaltam-se especialmente temas ligados ao direito ambiental e às tecnologias que minimizam danos ambientais e reduzem custos de produção. Uma das notícias em destaque aborda o tema sustentabilidade e investimentos, debatido em uma das reuniões do Cosema. Na notícia, a federação observa que:

179 177 O palestrante apresentou alguns cases de sucesso de investimentos que seguem essa linha, relacionados, por exemplo, com eficiência energética e resíduos sólidos e enfatizou que investimentos que tenham potencial de crescimento atrativo em sustentabilidade têm que trazer um benefício econômico muito claro para o cliente. Para ele, os investimentos voltados para a solução tecnológica permitem diminuição do custo e aumento da produtividade e, portanto, têm um efeito positivo sobre a sustentabilidade da produção (Fiesp, 2015a: 7). Assim como os demais atores da categoria, a Fiesp dá ênfase ao uso de novas tecnologias que reduzam custos e aumentem a produtividade; a sustentabilidade aparece como um efeito secundário (argumento controverso, pois pode haver um incremento no uso de matéria-prima). Preocupações com o meio ambiente em si não aparecem de modo explícito. Em outro trecho, destaca-se o encontro com um superintendente do Ibama, no qual debatem a questão das autuações: Em encontro da Câmara Ambiental da Indústria Paulista, Murilo Rocha, superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) esclareceu questões de empresários quanto a metodologia [sic] de autuações e imposições de penalidades pelo órgão ambiental e, das possibilidades de recurso contra elas. O encontro foi coordenado pelo diretor-titular do DMA, Nelson Pereira dos Reis. Segundo Rocha, algumas infrações têm valor fixo, enquanto para outras é considerado o porte da empresa e o dano causado. Para todas as infrações há a possibilidade de contestação e depois de recurso há diferentes instâncias para diferentes infrações (Fiesp, 2015a: 6, grifos nossos). A Fiesp destaca as possibilidades de se recorrer contra possíveis autuações ambientais. Temas como prevenção e mitigação de danos ambientais, a partir de mudanças na própria indústria, não aparecem na notícia. No entanto, para incentivar a sustentabilidade na indústria, desde 1995 a Fiesp promove o Prêmio de Mérito Ambiental : [ ] cujo objetivo é incentivar a empresa industrial, extrativa, manufatureira ou agroindustrial a desenvolver boas práticas, respeitando-se o meio ambiente. Trata-se de uma forma de reconhecer o trabalho desenvolvido pelas indústrias que se destacaram com resultados significativos na implementação de projetos ambientais no Estado de São Paulo. Os projetos devem contemplar um ou mais dos seguintes temas: gestão ambiental, eficiência energética, educação ambiental, gestão de resíduos, gestão de emissões de gases de efeito estufa (GEE), gestão de emissões atmosféricas, construção sustentável, mudanças climáticas, recuperação de áreas degradadas, remediação de áreas contaminadas, soluções sustentáveis e sustentabilidade. A partir deste ano também serão recebidos

180 178 projetos com foco na responsabilidade social, voltados às comunidades locais e ao público interno da indústria (Borges, 2016b, grifos nossos). O objetivo do prêmio é incentivar boas práticas, respeitando-se o meio ambiente. Para isso, concentra-se na gestão ambiental, na busca da eficiência dos processos produtivos e na remediação de danos ambientais. O enfoque é predominantemente técnico e não questiona o modelo de desenvolvimento ou o próprio sistema produtivo industrial. Embora louvável, o prêmio serve também como uma forma de autopromoção para firmar a imagem da indústria como ambientalmente amigável, que atua em favor da sustentabilidade, conquistando legitimidade e a consolidação de estratégias de mercado. Esse aspecto pode ser visto também em uma notícia de 2015 divulgada pela Fiesp: Em 2015, o Comitê de Responsabilidade Social (Cores) da Fiesp, em parceria com Ciesp e Sesi-SP, promoveu, na Grande São Paulo e no interior paulista, workshops, seminários, encontros e reuniões técnicas com empresários, profissionais de diversos setores e entidades para disseminar o conceito de sustentabilidade nas estratégias de negócios e melhoria da competitividade (Fiesp 2015b, grifos nossos). Outro aspecto que deve ser mencionado é a divisão dos temas ambientais. A Fiesp informa que [ ] tem acompanhado a evolução e respectiva complexidade dos temas ambientais contribuindo para atuação da indústria sob os princípios da sustentabilidade (Fiesp, sem data e). Para acompanhar essa complexidade, a questão ambiental é dividida em vários temas, todos voltados às atividades industriais: acústica e vibrações, áreas contaminadas, emissões atmosféricas, recursos hídricos, gestão empresarial ambiental, resíduos sólidos, licenciamento ambiental. Essa divisão mostra que, além do enfoque técnico, a preocupação maior, ainda que legítima, é com a atuação da indústria e não tanto com o meio ambiente em si. Falando sobre a missão de seu Boletim de Sustentabilidade, a Fiesp afirma que: O boletim eletrônico Sustentabilidade Fiesp nasceu da necessidade de divulgar o que a indústria já faz na área de sustentabilidade, para incentivar outras empresas, independente do porte, a também inserirem projetos que minimizem seus impactos negativos no meio ambiente e na comunidade em que estão inseridas. O boletim pretende mostrar que projetos de sustentabilidade e responsabilidade social não aumentam os custos quando

181 179 bem planejados e voltados para o seu negócio (Fiesp, sem data f, grifos nossos). Apesar de mostrar preocupação com os impactos negativos ao meio ambiente e às comunidades, o objetivo maior aparente é mostrar as ações da indústria em prol do meio ambiente, possivelmente para melhorar sua imagem, sem ter aumento de custos. No boletim especial Sustentabilidade Fiesp (Fiesp, 2014), o diretor titular do Comitê de Responsabilidade Social e vice-presidente do Conselho Superior de Responsabilidade Social da entidade, Nilton Torres de Bastos, comenta a importância da sustentabilidade, da inclusão social e outras questões, mas observa que: O Comitê de Responsabilidade Social da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Cores-Fiesp) tem como foco principal mostrar que a Sustentabilidade pode ser um grande diferencial competitivo para a indústria brasileira. Nosso trabalho é orientar e estimular as empresas a adotarem uma gestão ética e transparente, promovendo o diálogo e considerando a visão dos públicos de interesse. Nossa intenção é fazer a Indústria crescer do jeito certo, com competência e responsabilidade. O desenvolvimento do setor industrial deve trazer benefícios para toda a sociedade e, neste sentido, criamos o boletim Sustentabilidade Fiesp, para compartilhar experiências, informações relevantes e de qualidade, a fim de mostrar as vantagens competitivas que são geradas ao integrar a sustentabilidade nos negócios [ ] (Fiesp, 2014: 3, grifos nossos). Neste mês, o boletim completa um ano e, para celebrar esta importante etapa, elaboramos esta edição especial, que destaca os principais projetos e ações desenvolvidas em diversas empresas e evidencia como a sustentabilidade está transformando cenários e as relações no mundo dos negócios, proporcionando mais lucratividade, reconhecimento público, legitimidade e perenidade (ibidem: 3, grifos originais). Nesses trechos, a sustentabilidade aparece explicitamente como oportunidade de negócio, proporcionando mais lucratividade, reconhecimento público, legitimidade, e não como uma forma de comprometimento independente, com consideração ao valor intrínseco do mundo natural. Assim como os demais atores, a Fiesp apreende a natureza e a sustentabilidade principalmente através de um enfoque técnico e instrumental, prevalecendo uma visão instrumental de natureza e de sustentabilidade. Como representante do agronegócio, selecionou-se a Frente Parlamentar Agropecuária [FPA] (e, de modo breve, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil [CNA] e o Movimento Sou Agro [MSA]). A FPA existe desde os anos 1990,

182 180 mas só foi lançada oficialmente com a denominação atual em 2008, congregando partidos e políticos. Seu objetivo principal: [ ] é o de estimular a ampliação de políticas públicas para o desenvolvimento do agronegócio nacional. Dentre as prioridades atuais estão a modernização da legislação trabalhista, fundiária, tributária, além da regulamentação da questão de terras indígenas e áreas de quilombolas, para garantir a segurança jurídica necessária à competitividade do setor (FPA, sem data). Em sua página oficial, a FPA disponibiliza um link com Discursos, que apresenta a posição da entidade em relação a certos acontecimentos e temas sensíveis à agropecuária. Um dos tópicos discutidos é o risco da proibição do uso de um agrotóxico (ou defensivo agrícola, para os adeptos do seu uso) utilizado na produção de algodão, sobre o qual afirma que: O paraquate é fundamental no plantio direto, que reduz os processos de erosão e protege as bacias hidrográficas. Em consequência, também é benéfico na diminuição dos custos de produção. Mais do isso [sic], ao permitir a antecipação da colheita, proporciona o plantio da segunda safra na melhor época, resultando em maior produtividade e aumento da renda do agricultor (FPA, 2015, grifo nosso). Visto que estavam em discussão os riscos ambientais do uso do produto em questão, fica patente a preocupação com a lucratividade da produção acima das preocupações ambientais. Em outro caso, a FPA dirige críticas severas contra a Agência Nacional de Vigilância Sanitária [ANVISA]. Entre as acusações, a frente reclama da demora no registro de novos agrotóxicos e do [suposto] viés ideológico na atuação da agência. Nesse sentido, afirma que: o atraso no registro de defensivos agrícolas tira a competitividade do negócio agrícola e mina a sustentabilidade da agricultura brasileira (Silveira, 2013). Aqui a ideia de sustentabilidade assume um viés técnico e econômico, ligado ao uso de agrotóxicos que tornam a produção mais barata, sem consideração aos impactos ambientais. Segundo Silveira (2013), [ ] para evitar que as pragas fiquem resistentes, as próprias empresas fazem um rodízio de produtos no mercado, mas com o passar do tempo ou aparece um produto novo ou os insetos prevalecerão e causarão grandes prejuízos nas lavouras. Dessa forma, a FPA enfatiza as perdas ocasionadas por pragas, insetos e outros organismos indesejados, que ocorrem pelo não uso de

183 181 novos insumos químicos, mostrando preocupação apenas com as perdas econômicas do não uso do agrotóxico e nenhuma preocupação com o meio ambiente ou com os insetos e outros organismos afetados pelo uso do produto. Não colocam em questões formas alternativas no controle da produção. Em outra notícia, observa que: O produtor rural vem fazendo a sua parte, absorvendo tecnologia, fazendo cada vez mais em menos área e com menos insumos. A intensificação e o melhor uso da terra por meio de boas práticas como plantio direto e rotação de culturas; a sofisticação de sementes, defensivos e fertilizantes; a modernização das máquinas e implementos; o avanço da agricultura de precisão; o empreendedorismo e a profissionalização no campo são fatores que vêm consolidando o Brasil como protagonista no cenário mundial (Silva, 2013, grifos nossos). Enfatiza-se a intensificação da produção com a absorção de novas tecnologias como aspecto positivo do agronegócio, todavia sem questionar os impactos negativos das tecnologias utilizadas na produção. Comentando sobre o novo Código Florestal, em notícia divulgada pela FPA, Gustavo Junqueira (presidente da Sociedade Rural Brasileira) e Juliano Assunção (professor de Economia da PUC-SP) ponderam: O novo Código Florestal, aprovado em 2012, leva adiante o compromisso da sociedade brasileira de proteger fração substantiva de vegetação nativa nas propriedades rurais. Esse compromisso tem implicações importantes não só para o meio ambiente, mas, sobretudo, para avançarmos no desenvolvimento econômico das áreas rurais e no acesso a mercados internacionais. Esse avanço passa, necessariamente, pelo sucesso da aplicação da sustentabilidade em duas frentes. A primeira diz respeito à inovação na gestão e na diferenciação dos produtos brasileiros. A segunda se refere a conquistas de mercados mais estratégicos e produtos made in Brazil a preços competitivos. São grandes as oportunidades para conciliarmos crescimento da produção de alimentos e proteção dos ativos ambientais (Junqueira; Assunção, 2015, grifos nossos). A importância da sustentabilidade consiste principalmente na diferenciação do produto brasileiro, no acesso a novos mercados e na valorização econômica dos produtos do agronegócio. A sustentabilidade aparece como estando ligada especialmente às inovações e aplicações de tecnologia, seja na forma de novos agrotóxicos, máquinas ou técnicas de produção, sem questionar as consequências de curto ou longo prazo desta forma de produção.

184 182 Em outra notícia divulgada no site da frente, a falta de simpatia pela ideia forte de sustentabilidade e do ambientalismo aparece claramente na crítica à Encíclica do Papa Francisco. Segundo Richard Jakubaszko, a partir da Encíclica do Papa Francisco o estupro ambientalista contra a humanidade é inevitável. Não falta mais nada. O autor do texto complementa: [ ] não vejo com bons olhos essa tomada de posição da Igreja, mesmo sendo um praticante de fé católica. Até porque, somos todos ambientalistas (Jakubaszko, 2015, grifo nosso). Para Jakubaszko, indo contra as conclusões de especialistas do IPCC [Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas] e da maioria dos climatologistas: [ ] o AGA Aquecimento Global Antropogênico, popularmente conhecido como aquecimento, e ainda as mudanças climáticas, são plataformas publicitárias de agendas com interesses políticos e comerciais, e a Encíclica Papal, interpretada pelo lado ideológico, deixou os ambientalistas eufóricos (Jakubaszko, 2015). Para Jakubaszko (2015), os avanços de princípios ambientalistas (em outros termos, da sustentabilidade) colocariam em risco a atividade produtiva, o que representaria o estupro da humanidade. As falas mostram a falta de empatia aos princípios ambientalistas, acreditando não serem compatíveis a proteção ambiental com a produção agropecuária, devendo prevalecer os interesses do setor sobre a sustentabilidade. A restrição ambiental à produção agropecuária é mal vista pelo autor. Outras associações do agronegócio apresentam posições semelhantes. Em seu site oficial, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil [CNA], representante máximo do setor agropecuário brasileiro, expõe explicitamente que um dos seus objetivos é a defesa do livre comércio de produtos da agropecuária e agroindústria (CNA, sem data). Uma das notícias veiculadas pelo site da CNA destaca o estudo de um especialista do setor agropecuário: Para atender a uma população estimada em nove bilhões de pessoas, em 2050, e amenizar a fome no mundo, será fundamental a continuidade do uso intensivo das tecnologias existentes e de técnicas inovadoras na produção agrícola que possam garantir a melhoria crescente dos índices de produtividade no setor (CNA, 2014, grifos nossos). Enfatiza-se a necessidade de incorporação constante de novas tecnologias para se produzir mais, sem se questionar os impactos desse tipo de produção.

185 183 De modo semelhante, o Movimento Sou Agro [MSA], organização multissetorial de defesa do agronegócio brasileiro, afirma em seu site oficial que: A contribuição do agro é decisiva para o PIB, a geração de empregos e as nossas exportações. O setor irradia oportunidades e renda para toda a economia e é o alicerce do desenvolvimento brasileiro. O Brasil pode perfeitamente ser a potência dos alimentos, da energia limpa e dos produtos advindos da combinação da ciência com a nossa megabiodiversidade (MSA, sem data). Para a FPA, assim como para outras associações do setor, a sustentabilidade econômica do agronegócio depende do uso de novas tecnologias e da eliminação de espécies que possam diminuir a produtividade ou a lucratividade. Apesar de o layout da página da FPA apresentar a frase Promovendo o desenvolvimento com sustentabilidade, não se encontra uma definição do que seria sustentabilidade fora do âmbito econômico, de uma estratégia de negócio para alcançar novos mercados e valorizar os produtos do agronegócio. Além disso, como visto anteriormente, a FPA defende o uso de agrotóxicos para a produção em larga escala, mesmo sem estudos conclusivos sobre seus impactos (ou mesmo que os estudos indiquem possíveis impactos negativos), considerando apenas as perdas e ganhos econômicos relativos a esta prática. Assim, é possível classificar a FPA como tendo uma visão instrumental de natureza e de sustentabilidade Empresas Privadas As empresas privadas foram selecionadas considerando o setor de atuação e a importância ou tamanho das empresas (segundo Exame, 2015a). No setor de energia, devido às grandes polêmicas que a envolvem e seu tamanho, selecionouse a Norte Energia, responsável pela Usina Hidrelétrica de Belo Monte [UHEBM]. Na mineração, a Vale é a maior empresa brasileira. Além disso, esteve implicada indiretamente em uma das maiores tragédias socioambientais da história brasileira, ocorrida em Mariana, Minas Gerais [MG], em novembro de 2015, depois do rompimento de uma barragem de uma de suas empresas subsidiárias, a Samarco. O fato a torna ainda mais relevante para esta discussão. No setor agropecuário,

186 184 destaca-se a JBS, uma das maiores empresas de produção animal de todo o mundo. Em seu site oficial 78, a Norte Energia S.A. [NE] informa que é composta por empresas estatais e privadas do setor elétrico e também por fundos de pensão e investimento e empresas autoprodutoras. Além de ser uma das maiores do país, a empresa é conhecida principalmente pelas polêmicas envolvendo a UHEBM, cuja concessão foi ganha pela empresa em leilão no ano de 2010 (NE, sem data). A NE enfatiza os investimentos feitos para atender as condicionantes socioambientais para a construção da usina. Até 2015, estimava-se que o Projeto Básico Ambiental [PBA] resultaria em gastos de R$4,051 bilhões, contando 117 projetos ambientais, econômicos, sociais e culturais nas Áreas de Influência Direta [AID] da usina. Outros R$500 milhões seriam destinados ao Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu (NE, 2015: 6). Entre as ações socioambientais, a NE elenca projetos realizados nas áreas de assistência social, capacitação, educação ambiental, assistência técnica e preservação do patrimônio (NE, 2015: 15). Entre as ações ambientais, ressaltam o resgate e a devolução de cerca de 210 mil animais, sendo que cerca de 90% foi devolvido ao habitat e o restante entregue ao Centro de Estudos Ambientais [CEA] da própria empresa ou a outras instituições. Segundo a NE, o trabalho de resgate, previsto no PBA e realizado de maneira técnica, com biólogos e outros profissionais alocados para esta tarefa, visa [ ] garantir e conservar a biodiversidade da região do Xingu (NE, 2015: 16). A definição de ambiente, ainda que aparentemente mais holista, é inspirada em uma norma técnica: Em acordo com a Norma ISO , aspecto ambiental é o elemento das atividades, produtos ou serviços de uma organização (portanto também de um empreendimento) que pode interagir com o meio ambiente, aqui entendendo-se meio ambiente como a circunvizinhança na qual o empreendimento será implementado e irá operar, incluindo os recursos ambientais ar, água, solo, flora, fauna, sociais, econômicos e culturais, bem como suas interrelações (NE, 2011: 111). 78 Foram realizadas várias tentativas de acesso a links com documentos sobre Assuntos indígenas, Licenças ambientais, Legislação, Projeto básico ambiental [PBA], porém sem sucesso. As tentativas se deram nos dias 08/10/2015, 04/11/15, 09/11/2015 e 20/11/2015, contudo, figurava constantemente a mensagem Erro no servidor 500, mesmo acessando através de diferentes navegadores. Foi enviada uma mensagem pelo site da empresa no dia 04/11/2015, mas não houve resposta. Conseguiu-se encontrar e baixar o arquivo do PBA após várias tentativas.

187 185 Nota-se que os elementos do mundo natural aparecem como recursos, seja a fauna e a flora, seja o ar, a água ou o solo. A natureza é concebida como recurso ou como meio ambiente natural, oposto ao socioeconômico e o cultural (NE, 2011: 346, 349, 350). Os termos ambiente e ambiental (em NE, 2011), os mais recorrentes no PBA, figuram sempre de maneira técnica, ligados essencialmente a questões de gestão ambiental (geralmente associados a: controle, qualidade, ação, qualidade dos atributos, aspectos, indicadores, impactos). A definição de educação ambiental se apresenta de forma semelhante, derivando de uma interpretação da Lei 9.795/99 da Política Nacional de Educação Ambiental, de Mais especificamente, afirma que: Os princípios básicos da educação ambiental são: o enfoque humanista, holístico, democrático e participativo; a concepção do meio ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o sócio-econômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade; o pluralismo de idéias e concepções pedagógicas, na perspectiva da inter, multi e transdisciplinaridade; o vínculo entre a ética, a educação, o trabalho e as práticas sociais; a garantia de continuidade bem como a avaliação permanente e crítica do processo educativo; a abordagem articulada das questões ambientais locais, regionais, nacionais e globais; o reconhecimento e o respeito à pluralidade e à diversidade individual e cultural (NE, 2011: 346). Segundo a NE, o Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu [PDRSX] [ ] desenvolve ações para promover o desenvolvimento sustentável na região, como as reformas do Hospital de Medicilândia e Uruará, e a aquisição do hospital de Brasil Novo (NE, 2015: 20). Ações assistenciais são tidas como promotoras do desenvolvimento sustentável. Contudo, em outro trecho é possível observar uma divisão entre o que se entende por sustentabilidade [ambiental] e responsabilidade social: Em suma, reforça-se a conclusão antes apresentada no EIA em termos da justificativa para o PGA [Plano de Gestão Ambiental] e para o SGA [Sistema de Gestão Ambiental] e o Sistema de Gestão de Saúde e Segurança (SGSS) associados, ora especificados: a necessidade de se configurar, com eficácia, um sistema planejador e fiscalizador da qualidade ambiental e das condições de saúde e segurança concomitantes com o avanço das obras e, posteriormente, com o início e continuidade das operações, decorrente do registro, da avaliação e da melhoria, sempre que necessário, da multiplicidade de ações ambientais propostas e das interações com pessoas e instituições, para garantir a implementação sustentável, e com responsabilidade social, da UHE Belo Monte (NE, 2011: 97, grifos nossos).

188 186 O seguinte trecho revela uma possível subordinação dos princípios de sustentabilidade da NE aos órgãos financiadores do projeto, sem uma valorização da sustentabilidade em si: Observa-se ainda que, a depender da engenharia financeira a ser delineada para implementação da UHE Belo Monte, outros requisitos poderão ser aplicáveis ao PGA, e devidamente cadastrados e disponibilizados para consulta no âmbito do SGA. Tais requisitos são referentes a entidades normativas, como a International Finance Corporation (IFC), que integrem SGAs e procedimentos de sustentabilidade atinentes a órgãos que venham eventualmente a financiar o empreendimento em tela, e/ou a entidades signatárias do Principles for Responsible Investment (PRI), aqui incluindo-se os denominados Princípios do Equador (NE, 2011: , grifo nosso). Outro ponto importante é a hierarquia relativa às questões de sustentabilidade, sendo que apenas certas instâncias da empresa têm poder de decisão sobre o tema (NE, 2011: 107, 117, 118), não havendo, internamente, portanto, participação democrática na tomada de decisões. Questiona-se também a finalidade da construção da usina, a que interesses atende. Nesse sentido, a figura 2 mostra como será distribuída a energia gerada por Belo Monte:

189 187 Figura 3 - Distribuição da energia gerada por Belo Monte por estado da federação (NE, 2015: 23). O estado de São Paulo, com 29,22%, será o maior consumidor da energia gerada por Belo Monte, seguido de Minas Gerais, com 14,56%, e Bahia, com 13,85%. O Pará, estado produtor, consumirá apenas 3,22% do total. Ou seja, os maiores consumidores da geração da energia de Belo Monte serão estados distantes da região do Xingu. No item Perguntas Frequentes (NE, 2015: 27), a NE afirma que a usina é necessária ao país, que os estudos realizados foram suficientes, que nenhuma terra indígena será alagada e que o diálogo com os povos indígenas é constante. No entanto, há diversas notícias com denúncias envolvendo a NE e a UHEBM. Algumas relacionam diretamente a NE ao não cumprimento das condicionantes para operação da usina (Fellet, 2015; Olharjurídico, 2015) e à violação de direitos humanos (Brum, 2015; Craide, 2015; ISA, 2015); indiretamente, ligam o projeto ao aumento do desmatamento na região do empreendimento (Fellet, 2013) e ao incentivo à indústria do sexo e ao tráfico de drogas (Giusti, 2014).

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