Tanto de meu estado me acho incerto, Que em vivo ardor tremendo estou de frio; Sem causa, justamente choro e rio, O mundo todo abarco e nada aperto.
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- Lucas Gabriel Vasques Bernardes
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1 Nome: Nº: Turma: Português 1º ano Tanto de meu estado me acho incerto João J. Nov/09 Tanto de meu estado me acho incerto (Poema), de Luís Vaz de Camões O soneto Tanto de meu estado me acho incerto, de Luís de Camões, é inspirado no neoplatonismo, em Petrarca e na lírica trovadoresca. O soneto promove uma intersecção de resíduos medievais, procedimentos clássicos renascentistas e antecipações barrocas. O tratamento distanciado da figura feminina, tratada, como nas cantigas de amor trovadorescas, respeitosamente por "Senhora" e a intermediação dos sentimentos, que provoca apenas a sua contemplação, "só porque vos vi", sugerem, na construção dessa imagem espiritualizada da mulher, a atitude medieval. Tanto de meu estado me acho incerto, Que em vivo ardor tremendo estou de frio; Sem causa, justamente choro e rio, O mundo todo abarco e nada aperto. É tudo quanto sinto, um desconcerto; Da alma um fogo me sai, da vista um rio; Agora espero, agora desconfio, Agora desvario, agora acerto.
2 Estando em terra, chego ao Céu voando; Numa hora acho mil anos, e é jeito Que em mil anos não posso achar uma hora. Se me pergunta alguém por que assim ando, Respondo que não sei; porém suspeito Que só porque vos vi, minha Senhora. A adoção da métrica decassilábica e da forma fixa do soneto; a adesão aos postulados da medida nova; a seleção do léxico, sóbrio, claro, elegante; enfim, a estrutura formal remete à atitude clássica. Renascentista é também a figura masculina, humanizada, terrena, que sente, chora, ri, desvaria, acerta e tenta raciocinar sobre suas desencontradas reações. A construção antitética e a intensidade dos sentimentos, esta última refletida nas hipérboles líricas, são prenúncios da atitude maneirista e barroquizante. A inquietação do poeta manifesta-se por meio da construção antitética e paradoxal, e a intensidade de seus sentimentos, por meio de hipérboles líricas. O caráter dramático da composição resulta da constante tensão entre aparência e essência, construída pelo sistema de oposição do texto: ardor x frio o mundo todo abarco x nada aperto
3 alma x vista fogo x rio espero x desconfio desvario x acerto terra x Céu O poeta tem consciência de seu drama, de seu desconcerto: Numa hora acho mil, e é de jeito Que em mil anos não posso achar uma hora. Prosodicamente, esse teor dramático é reforçado pela reiteração do prefixo "des": "desconcerto", "desconfio", "desvario", além da conjunção condicional "se", que inicia o primeiro verso do último terceto, aliás conjunção marcante na lírica camoniana, que traduz a indecisão causada pelo "desconcerto". Logo no primeiro verso, o eu-lírico afirma a "certeza de sua incerteza", exprimindo, a partir daí, sucessivamente o desconcerto: de ser ("...e é de jeito / Que em mil anos não posso avhar uma hora"); de estar ("...tremendo estou de frio;...estando em terra, chego ao Céu voando"). Interrogando sobre a causa de seu drama (verso 12), o resultado é de negação: "respondo que não
4 sei". Contudo, sem poder afirmar, o eu-lírico "desconfia" que a resposta está no ver, está no amor:...porém suspeito Que só porque vos vi, minha Senhora. O ver é a única possibilidade do sentimento poder "confiar", poder encontrar a causa de seu estado; causa que se confirma pela repetição da conjunção causal porque. Causa do estado provocada pelo sentir. ("...por que assim ando" "porque vos vi, minha Senhora"). O motivo possível para o desconcerto do poeta é a mulher idealizada, presença do seu imaginário, caracterizada pelo pronome possessivo minha, além do caráter evocativo da expressão "minha Senhora". O tempo articula outro aspecto fundamental à compreensão do soneto. O poeta presentifica o tempo ("acho", "vivo", "estou" etc.), enfatizado na segunda estrofe pela repetição do advérbio agora, tempo em tensão, inscrito no jogo das oposições: agora desconfio agora acerto
5 Este presente se prolonga por meio do gerúndio: "tremendo" (verso 2) e "Estando" (verso 9). Mas a possibilidade de "concerto" está no passado ("porque vos vi"). Esse redimensionamento do tempo é o que permite deduzir a possibilidade / impossibilidade de "concerto". As tensões entre: aparência e essência, presente e passado, alegria e tristeza, ser e estar, certeza e incerteza e afirmação e negação constituem o eixo em que se apóia a construção do discurso poético.
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