Superior Tribunal de Justiça

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1 RECURSO ESPECIAL Nº RS (2006/ ) RECORRENTE : FUNDAÇÃO DOS ECONOMIÁRIOS FEDERAIS - FUNCEF ADVOGADOS : LUIZ ANTÔNIO MUNIZ MACHADO FABRÍCIO ZIR BOTHOMÉ E OUTRO(S) RECORRIDO : ASSOCIAÇÃO DO PESSOAL DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL ADVOGADO : RICARDO G SO DE CASTRO E OUTRO(S) RELATÓRIO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): Recurso especial interposto por FUNDAÇÃO DOS ECONOMIÁRIOS FEDERAIS FUNCEF, com fundamento na alínea 'a' do permissivo constitucional. Ação: revisional de pagamento de benefícios de previdência privada, proposta por ASSOCIAÇÃO DO PESSOAL DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - APCEF em desfavor da ora recorrente. Segundo consta da inicial, a FUNCEF, entidade de previdência privada fechada, oferecia aos seus associados planos de 'benefício definido' conhecidos por REG e REPLAN, que se caracterizam pelo prévio conhecimento do valor que será objeto de fruição após o implemento das condições, assim como pela existência de complementariedade e mutualismo entre os participantes, cujas contribuições formam um fundo único, inexistindo contas individuais para cada um dos membros. O objetivo de tais planos é, portanto, o de manter a paridade de vencimentos entre os aposentados e os ativos. Contudo, a partir de 1.996, com a estabilização econômica que tornou prescindível a prática dos reajustes freqüentes de salários em face da inflação galopante, a CEF passou a se utilizar do expediente relativo à concessão de abonos e gratificações vinculadas diretamente ao exercício da atividade profissional, a partir dos dissídios coletivos instaurados perante a categoria. Com isso, e em face da ausência de incorporação dessas verbas ao conceito de salário, os reajustes aos aposentados relativos às perdas inflacionárias deixaram de ser feitos, pois, para todos os efeitos, não havia aumento nominal do salário pago aos funcionários ativos. Com tal Documento: RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 1 de 9

2 prática, a ré passou a desrespeitar, segundo a autora, a obrigação imposta pelo 1º do art. 21 do Decreto-lei nº /78 que obriga, ao menos, a revisão anual dos valores. Além disso, a ré passou a distorcer ainda mais a regra de paridade, pois, além de não repassar aos inativos aquelas gratificações que eram concedidas aos ativos de forma questionável, também começou a se utilizar dos reajustes anualmente concedidos pelo INSS sobre o valor do benefício oficial como forma de diminuir sua participação na complementação da aposentadoria. Com efeito, como o salário permanece o mesmo, entende o instituto de previdência privada que basta complementar nominalmente o valor pago pelo INSS até aquele limite, desconsiderando os efeitos da inflação, de forma que, na prática, tornou-se possível reduzir cada vez mais o valor da complementação em face do aumento dos valores pagos pelo instituto oficial de previdência, que não deixaram de ser reajustados nos últimos anos, ao contrário do salário dos bancários. Sustenta a autora que o instituto de previdência privada não pode fazer uso dos reajustes concedidos pelo INSS para diminuir os valores que paga mensalmente, pois, se admitida tal possibilidade, muito em breve o plano de previdência estará completamente exonerado de suas obrigações contratuais, se as pensões oficiais do INSS continuarem sendo reajustadas com freqüência, ao mesmo tempo em que o valor nominal do salário-base dos funcionários da ativa vai sendo corroído pela inflação por não sofrer qualquer reajuste. Sustenta, ainda, que a própria ré admite a necessidade de revisão anual dos benefícios, pois, a partir de 1.998, passou a aplicar contratualmente o INPC como índice de revisão anual dos benefícios para adeptos das novas contratações, que passaram a ser firmadas com base em um novo plano, em substituição àqueles que são objeto de análise na presente ação. Os pedidos foram, em resumo, formulados no sentido de que seja restabelecida a proporção existente entre benefício oficial e benefício contratado em junho de 1.996, e, a partir da data do ajuizamento da presente ação, seja o valor assim apurado corrigido pelo INPC. Alternativamente, foi formulado pedido para que o INPC seja aplicado desde Em contestação, alegou a ré que a autora requer, na verdade, alteração no próprio regulamento dos planos antigos, que expressamente vinculam eventuais Documento: RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 2 de 9

3 aumentos do benefício apenas ao reajuste do pessoal da ativa. Sustenta que o 2º do mesmo art. 21 do Decreto-lei nº /78 autoriza essa sistemática, em detrimento da correção anual por índices de inflação que é prevista no parágrafo anterior, e que a pretensão esbarra na necessidade de respeito ao ato jurídico perfeito. Sentença: julgou parcialmente procedente o pedido para determinar a restituição das diferenças descontadas em face do aumento dos valores pagos pelo INSS, afastando o pleito de aplicação do INPC, porque os Regulamentos dos Planos REG e REPLAN não autorizam tal medida. A ora recorrente FUNCEF apelou, alegando que sua obrigação contratual, firmada em ato jurídico perfeito, resume-se a manter a paridade entre empregados da ativa e aposentados e não a manter, eternamente, aquela mesma contribuição conferida no primeiro mês de benefício a cada aposentado, desconsiderando eventual alteração na relação de participação do fundo e do INSS nos proventos dos inativos. A ora recorrida APCEF também apelou, pleiteando a aplicação do INPC como índice de correção anual dos benefícios. Acórdão: negou provimento às apelações, com a seguinte ementa: PREVIDÊNCIA PRIVADA. FUNCEF. ASSOCIAÇÃO DO PESSOAL DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. A Fundação está obrigada a observar as regras do Regulamento e a revisar os benefícios concedidos aos pensionistas e aos inativos. Por igual, deve devolver os valores descontados de aposentadoria, decorrentes de aumentos concedidos pelo INSS, com o que haverá de manter o poder aquisitivo dos beneficiários (fls. 394). Recurso especial: alega violação aos arts. 42, 2º, da Lei nº 6.435/77 e ao art. 82 do CC/16, porque existe autorização legal para a utilização, pelo Regulamento dos Planos, da vinculação do reajuste dos benefícios apenas ao aumento concedido ao pessoal da ativa, sendo justamente a adoção dessa paridade o fundamento legal para a redução do pagamento da complementação, em face do Documento: RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 3 de 9

4 aumento dos valores pagos pelo INSS sem que houvesse alteração global do salário dos funcionários. Contra-razões a fls. 435/448. É o relatório. Documento: RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 4 de 9

5 RECURSO ESPECIAL Nº RS (2006/ ) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : FUNDAÇÃO DOS ECONOMIÁRIOS FEDERAIS - FUNCEF ADVOGADOS : LUIZ ANTÔNIO MUNIZ MACHADO FABRÍCIO ZIR BOTHOMÉ E OUTRO(S) RECORRIDO : ASSOCIAÇÃO DO PESSOAL DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL ADVOGADO : RICARDO G SO DE CASTRO E OUTRO(S) VOTO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): Cinge-se a controvérsia, unicamente, a verificar o acerto do acórdão recorrido ao entender que o plano de previdência privada tem obrigação de assegurar, aos aposentados, a percepção de vencimentos cuja equiparação com o valor auferido pelos funcionários ativos seja, na medida do possível, não apenas nominal, mas também real. Embora a questão seja única, é necessário delinear, com clareza, algumas premissas extraídas dos autos e que são fundamentais para definir a importância do problema. Trata-se de dois contratos firmados com instituto de previdência privada fechada e que se baseiam no sistema do 'benefício definido', cujo objetivo é a formação de um fundo único, com contribuição dos empregados e do empregador, para assegurar o objetivo estatutário, que neste caso é a manutenção da paridade entre ativos e inativos. Importa ressaltar, quanto aos objetivos dos planos em análise, que estes foram estipulados em Regulamentos firmados há cerca de trinta anos, quando a situação econômica do país era radicalmente diversa. A própria recorrida definiu perfeitamente que o conflito ora em análise tem total correlação com o impacto que as alterações econômicas da última década causaram nas relações jurídicas relativas a estes antigos planos de previdência, quando, nas suas razões de apelação, assim se manifestou: Documento: RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 5 de 9

6 É fundamental registrar que o critério atualmente em vigor, chamado corriqueiramente como de 'paridade entre ativos e inativos', foi adotado no longínquo ano de 1978, (...) quando as reposições das perdas inflacionárias eram obrigatórias aos trabalhadores da ativa a cada data-base, o que garantia a manutenção do poder aquisitivo das suplementações de aposentadoria dos assistidos da FUNCEF, cumprindo assim o contrato previdenciário a sua finalidade. Nos dias de hoje, no entanto, a realidade é integralmente diferente, não havendo indexação dos salários dos empregados da ativa, que dependem de negociações coletivas que, invariavelmente, resultam na concessão de reposição parcial das perdas decorrentes da inflação e, compensatoriamente, o pagamento de abonos que não são estendidos aos aposentados e pensionistas. Resultado: a permanente perda do poder aquisitivo das suplementações de aposentadoria pagas pela FUNCEF, e até redução do valor nominal dos benefícios, mesmo o fundo de pensão possuindo como índice atualizador de suas reservas técnicas, o INPC, acrescidos de juros de 6% ao ano (fls. 336/337). Como fez questão de salientar a própria entidade autora, na verdade, o problema tem sua fonte primeira no sucesso da política de estabilização econômica do Governo Federal, que provocou uma mudança radical nas relações entre os empregadores e as categorias profissionais. Com efeito, em tempos de inflação alta, a reposição da desvalorização da moeda era inevitável, bastando a previsão de uma equiparação nominal entre salário e benefício, como prevêem os planos em questão, para que o aposentado ficasse protegido, ao menos, das perdas inflacionárias. Hoje, porém, a reposição salarial se dá na perspectiva das negociações coletivas, quando não se garante, nem mesmo, a integral reposição da inflação. Tal fato se agrava na medida em que a política da CEF, segundo alega a autora, vem sendo a de conceder reposições negociadas com a categoria sob rubricas denominadas de abonos e participações nos lucros, cujo repasse aos inativos é sempre questionado. Em resumo, portanto, além das mudanças econômicas dos últimos anos, é importantíssimo ressaltar que a origem do problema, na verdade, decorre da política de aumentos que vem sendo adotada pelas empresas quanto aos trabalhadores da Documento: RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 6 de 9

7 ativa. É na concessão de gratificações por atividade e demais congêneres que se encontra a raiz da questão, como o STJ tem verificado em dezenas de ações ajuizadas com o objetivo de ver repassados aos aposentados essas diversas rubricas decorrentes de acordos coletivos de trabalho (nesse sentido, e apenas para ficar em um caso recente, cite-se o Resp nº /RS, de minha relatoria, julgado em , quanto à discussão a respeito da natureza do auxílio-alimentação). A presente ação, portanto, não aborda a origem do conflito; os dois pedidos formulados pela associação que representa os aposentados buscam, ao contrário, apenas um paliativo para uma situação que se toma como consolidada, ao menos no contexto desta lide. Assim, conquanto já afastado definitivamente o pedido para aplicação do INPC desde 1.996, resta proceder a uma interpretação do significado da previsão de necessária 'equiparação entre ativos e inativos', na esteira do acórdão recorrido. Tal equiparação pode, com efeito, apresentar dois significados. O primeiro, mais literal, é aquele relativo à mera equiparação nominal entre vencimentos, sobre o qual foram feitas as considerações supra ; nessa perspectiva, que é a defendida pela recorrente, basta ao instituto de previdência privada assegurar que não haverá perda de valor nominal entre salário e aposentadoria, sendo descabidas, assim, quaisquer considerações sobre a eventual perda do poder de compra do benefício em face da inflação e especialmente em face de políticas empresariais que concedem aumentos particularizados apenas aos funcionários ativos. Nesse prisma, portanto, uma política governamental que adote, quanto ao Regime Geral de Previdência Social coordenado pelo INSS, uma tendência de manutenção ou mesmo acréscimo do poder aquisitivo tem necessariamente, em contrapartida, influência no sentido de diminuir o valor da complementação paga em virtude do contrato, muito embora a natureza desses pagamentos e dos próprios regimes previdenciários aos quais se vinculam seja radicalmente diversa e independente. Porém, a adoção dessa perspectiva está obstada, na presente hipótese, pela interpretação que o TJ/RS fez da totalidade das cláusulas dos Regulamentos em questão, e não apenas da disposição específica que trata dos critérios de reajuste. Documento: RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 7 de 9

8 Muito embora a cláusula de 'paridade entre ativos e inativos' não seja, realmente, ilegal, entendeu o TJ/RS que os Regulamentos como um todo indicam que a melhor interpretação para essa paridade é a que envolve a tentativa de equiparação real dos vencimentos, especialmente quando a mera equiparação nominal não é suficiente para atingir o objetivo dos contratos, como vem ocorrendo nos últimos anos. recorrido: É fundamental, portanto, que se faça referência ao seguinte trecho do acórdão Resta evidente que o contrato previdenciário firmado pela autora não está atingindo a sua finalidade, conforme prevê sua cláusula 7.2, que tem a seguinte redação: 'A suplementação da aposentadoria por tempo de serviço para o filiado que houver completado 35 (trinta e cinco) anos de contribuição ao órgão oficial de previdência se do sexo masculino, e 30 (trinta) anos se do sexo feminino, consistirá numa renda mensal correspondente à diferença entre o salário real de benefício e o valor do benefício concedido por aquele órgão previdenciário' (fls. 105). E não há falar em concessão de aumento de complementação de aposentadoria em detrimento dos demais aposentados e empregados em atividade, nem de alteração unilateral de cláusula contratual, porquanto não se trata de reajustar o benefício recebido pela autora, mas adequá-lo à sua finalidade, afastando a redução progressiva havida no decorrer dos anos (fls. 396/vº - sem grifos no original). O acórdão, assim, não procedeu a uma eventual violação ao art. 42, 2º, da Lei nº 6.435/77, que segundo a recorrente dá validade à disposição estatutária delimitadora da 'paridade entre ativos e inativos' contida no item 4.4 do Regulamento dos Planos (fls. 409), mas apenas decidiu que este mesmo Regulamento, quando interpretado em sua completude e de acordo com seus objetivos, afasta a interpretação meramente nominal do que seria aquela paridade como a única possibilidade concreta, especialmente em face do que dispõe a supra transcrita cláusula 7.2, para adotar uma interpretação segundo a qual, a partir da patente insuficiência daquela paridade nominal, deve-se adotar providências no sentido de assegurar a manutenção do poder de compra do trabalhador, que é indiscutivelmente o fim único desse tipo de contrato. Documento: RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 8 de 9

9 De acordo com tal interpretação, portanto, a premissa fundamental a ser adotada é aquela referente aos objetivos do contrato, qual seja, a expectativa dos beneficiários em continuarem desfrutando, na inatividade, do mesmo padrão de vida que mantinham quando ativos. A paridade meramente nominal de vencimentos, conquanto tenha sido suficiente durante alguns anos para manter tal situação, só o foi porque o cenário econômico brasileiro era pior do que o atual e porque havia outra política de reajustamento de salários, que não excluía deliberadamente os aposentados. No atual momento, quando a paridade nominal não mais dá ensejo à realização do objetivo contratual, não há que se inverter a ordem de importância dos fatores, dando mais relevância a esta do que àquele, pois a equiparação nominal é apenas um instrumento e não o fim precípuo do acordo. Assim colocada a questão, verifica-se que os óbices das Súmulas nº 5 e 7/STJ impedem o prosseguimento da análise na perspectiva da revisão do julgado. Uma vez que os planos de previdência privada aqui analisados tinham por objetivo declarado o de garantir, ao aposentado, a manutenção de seu padrão de vida, e estando a interpretação do contrato assim delineada pelas instâncias ordinárias, não há como, nesse contexto, extrair a suposta violação aos dispositivos trazidos nas razões de recurso especial. Ressalte-se, por fim, que mesmo o impacto econômico da manutenção do acórdão recorrido não é tão extenso quando se poderia supor, pois é fato inconteste que a presente discussão tem aplicação bastante delimitada no contexto geral dos contratos firmados com a FUNCEF. Afinal, a partir de 1.998, o próprio instituto substituiu as modalidades REG e REPLAN pelo contrato REB, que estipula expressamente a revisão anual dos benefícios por meio do INPC, conforme havia sido solicitado pela autora em seu segundo pedido, que aqui restou indeferido nas instâncias ordinárias. A presente discussão, portanto, não abarca a totalidade dos participantes do fundo, mas apenas uma parcela deles, representativa dos contratos mais antigos. Forte em tais razões, NÃO CONHEÇO do recurso especial. Documento: RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 9 de 9