Cuidados dentários em cães e gatos

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1 Anátomo-Fisiologia Estrutura do dente (fig. 1) Cuidados dentários em cães e gatos Externamente divide-se em duas áreas: coroa (superfície para fora da junção com a margem gengival) e a raiz (porção para dentro da mesma junção). A superfície externa da coroa é composta por esmalte que é a substância mais dura do dente, enquanto a raiz é recoberta por uma substância chamada de cemento. À fronteira entre estas duas áreas chama-se colo do dente, marcando a transição da superfície branca e lisa da coroa (esmalte), para a superfície rugosa e amarelada da raiz (cemento). A dentina é a camada estrutural do dente localizada na coroa e na raiz. É menos dura que o esmalte, mas mais que o osso. Limita a cavidade pulpar, onde se aloja a polpa dentária, que é a única parte mole do dente. A polpa comporta as estruturas vasculares e nervosas que entram no dente pelo ápice da raiz. Na superfície interna da cavidade pulpar alojam-se as células que produzem o crescimento do dente Periodonto Fig. 1 Compõe-se das estruturas que suportam o dente (gengiva, ligamento periodontal, osso alveolar, cemento). A gengiva saudável tem um bordo afunilado que fica junto à coroa do dente. A gengiva livre forma um fosso em torno do dente chamado de sulco gengival. A ligação da gengiva ao cemento da raiz forma o limite inferior do sulco gengival. A profundidade deste sulco varia de 1 a 3 mm no gato são.

2 Fórmulas dentárias Fórmula dentária cão

3 Fórmula dentária gato Doença Periodontal (Fig. 2) É a inflamação das estruturas em torno do dente, também chamada de periodontite. É a doença mais comum de animais e humanos: cerca de 80% de cães e 70% de gatos com 3 ou mais anos, têm alguma forma de doença periodontal. O processo é iniciado pela placa bacteriana, que é uma pelicula viscosa que se começa por acumular no sulco gengival. É composta por bactérias, restos alimentares, células exfoliadas e glicoproteínas salivares. Com o tempo a placa começa a mineralizar na superfície do dente, formando tártaro (concretizações castanho-amareladas). Á medida que a placa se acumula em torno do dente, inicia um processo de agressão aos tecidos que suportam o dente (periodonto) através da libertação de endotoxinas bacterianas. O sistema imunitário do animal, na tentativa de combater as bactérias, liberta subprodutos que também danificam o periodonto. Numa fase inicial a gengiva começa a ficar inflamada, sendo o sangramento progressivamente mais fácil (fase de gengivite). Á medida que a doença progride começa a haver destruição do periodonto, com descolamento do ligamento periodontal, retração gengival e perda do osso alveolar (fase de periodontite). A doença periodontal uma vez instalada é difícil de controlar, por isso tem a prevenção um aspecto tão importante. Quando a periodontite já está instalada, a destruição dos tecidos periodontais faz com que a profundidade dos sulcos gengivais seja cada vez maior, formando mesmo grandes espaços chamados de bolsas periodontais. Á medida que o dente fica mais solto, mais propensão existe para a acumulação de placa nas bolsas periodontais, em torno das raízes, sendo um ciclo de feed-back positivo.

4 A proliferação bacteriana associada às bolsas periodontais, assume contornos de uma infecção localizada, com possibilidade de se espalhar, através da entrada de bactérias na corrente sanguínea e atingir outros órgãos, como por exemplo: fígado, rins, coração e pulmões. O tratamento consiste em remover a placa bacteriana e o tártaro (destartarização) e minimizar a formação de nova placa (polimento, instituição de um programa de profilaxia). Nos casos mais graves pode ser necessário recorrer a cirurgia periodontal e/ou extração dentária para minimizar o reaparecimento de nova placa e tártaro. Destartarização Preparativos Fig. 2 A área onde vai ser efetuado o processo, deve estar preparada, com os instrumentos necessários à mão, limpos, afiados e esterilizados. O paciente deve ser examinado antes da anestesia, para avaliar o grau de doença periodontal e considerar se necessária a administração de antibióticos pré-operatória. O paciente é anestesiado e deve ser entubado com o cuff do tubo endotraqueal cheio, de modo a prevenir que a água e detritos possam entrar no aparelho respiratório. Para evitar danos na traqueia deve-se desligar o tubo endotraqueal do circuito anestésico, antes de reposicionar o animal, minimizando o movimento do tubo endotraqueal, enchendo o cuff só o suficiente para impedir a fuga de gases anestésicos. A cabeça do paciente deve estar ligeiramente inclinada (nariz para baixo), inclinando a mesa ou colocando uma toalha enrolada sob o pescoço. Tudo isto se destina a fazer a água e resíduos escoarem bem da boca, não entrando na via respiratória.

5 O executor deve iniciar a sua própria preparação, usando máscara, luvas, proteção ocular (óculos ou barreira transparente), touca e roupa específica. Estas proteções são importantes porque durante a destartarização são pulverizadas grandes quantidades de bactérias que podem ser inaladas ou saturarem as roupas, levando a contaminação para outras áreas do hospital (Fig. 3). Remoção do tártaro Fig. 3 Os pedaços maiores de tártaro podem ser retirados por pinças de remoção de tártaro ou boticões. Este processo só se destina a retirar os pedaços grandes para tornar o processo mais expedito. Contudo deve-se ter cuidado para não danificar o esmalte ou partir as pontas da coroa do dente (Fig 4). Os destartarizadores ultra-sónicos, através de rápidas vibrações das suas pontas desfazem e despegam o tártaro. Como produzem calor, têm um jacto água associado para não produzirem lesão térmica na polpa do dente. Mesmo assim deve-se evitar usar a ponta do instrumento e permanecer em cada dente mais de 10 a 15 s, voltando a ele mais tarde se necessário.

6 Os destartarizadores manuais são instrumentos úteis para pequenas áreas ou para áreas mais inacessíveis. Têm faces com arestas para rasparem a superfície do dente. São mais morosos e têm maior probabilidade de marcar o esmalte. Devem ser mantidos afiados para trabalharem bem. Fig. 4 Fig. 5 A destartarização também deve ser subgengival. Para isso usam-se pontas especificas (< 0,5 mm) no destartarizador ultra-sónico, colocando-se a potência no mínimo possível. Os destartarizadores manuais (curetas, fig. 5) devem ter as pontas redondas (em vez das normais afiadas) para não lesionarem a junção gengival. A cureta é colocada no fundo do sulco gengival, com as costas macias viradas para o epitélio da gengiva. Quando chegam ao fundo do sulco, são reposicionadas com as costas para o fundo, de modo às arestas rasparem o tártaro na raiz dentária. A cureta é então puxada em direção à coroa do dente, removendo o tártaro do sulco gengival. Polimento A destartarização provoca arranhões e sulcos microscópicos no esmalte que vão proporcionar o rápido regresso da placa bacteriana a esta superfície rugosa. O polimento (Fig. 6) é efetuado com um motor (peça de mão) de baixa velocidade, ligado a uma taça de profilaxia (borracha), cheia de pasta de polimento. Todas as superfícies da coroa devem ser polidas. As rotações devem ser mantidas baixas (< 4000 r.p.m.) e o polidor deve ser constantemente movido para evitar o sobreaquecimento do dente. Pela mesma razão cada dente não deve ser polido por mais de 5 s, voltando a ele mais tarde se necessário. Devem-se usar quantidades generosas de pasta, não só para polir adequadamente mas também para impedir o sobreaquecimento produzido pela fricção. A taça de profilaxia deve ser ligeiramente pressionada para abrir os seus bordos durante o polimento e assim chegar ao sulco gengival.

7 No fim deve-se efetuar a fase de enxaguamento, com um jato de água fraco para limpar os restos de pasta de polimento e tártaro (fig. 7). Fig 6 Fig. 7 Cirurgia periodontal e extração dentária Depois de concluída a fase anterior, deve-se fazer um exame e registo de anomalias encontradas: fratura dentária, cárie (reabsorção) a nível da junção entre coroa e raiz, retração gengival, bolsas periodontais e exposição da furca da raiz. A sonda periodontal é um dos instrumentos usados para nos ajudar nesta fase, tendo a ponta marcas para permitir determinar a profundidade das bolsas periodontais e a medida da retração gengival (Fig. 8). Fig. 8 Quaisquer anomalias encontradas nesta fase devem ser apontadas ao Médico Veterinário responsável para se decidir sobre o tratamento adequado: cirurgia periodontal e/ou extração dentária, sendo eventualmente precedidas por um raio-x dentário para determinar com mais exatidão o grau de afeção do dente.

8 Instituição de um programa de higiene oral O método mais eficaz de profilaxia é a lavagem diária com escova e pasta de dentes específica. Exige disponibilidade e dedicação da parte do proprietário, para além de um período de aprendizagem quer do animal quer do dono. A técnica de escovagem envolve um processo de treino que pode levar semanas a dominar e a conseguir a aceitação do animal. Deve-se começar lentamente e com suavidade nas primeiras tentativas. Antes de mais deve-se habituar o animal ao toque nos dentes e manipulação da boca, aproveitando os momentos de calma e descontração entre dono e animal, estimulando sempre com reforços positivos (palavras, recompensas alimentares, festas, etc.) Quando o animal já estiver bem confortável com a manipulação da boca, deve-se introduzir a pasta, massajando com o dedo. Por último introduz-se a escova que deve ser suave e ter um tamanho adequado à boca do animal. A pasta deve ser aplicada entre as cerdas para o animal não a deglutir e a escovagem deve ser feita suavemente na superfície externa dos dentes.