AGREGANDO ESTRATÉGIAS METACOGNITIVAS À FORMAÇÃO DO PSICOPEDAGOGO 1

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1 AGREGANDO ESTRATÉGIAS METACOGNITIVAS À FORMAÇÃO DO PSICOPEDAGOGO 1 Evelise Maria Labatut Portilho Simone Aparecida de Souza Dreher A Oficina de Metacognição A idéia de realizar uma oficina que, segundo o dicionário Houaiss (2001), é o lugar onde se elabora, fabrica ou conserta algo, foi o de proporcionar às pessoas presentes um espaço de reflexão no grupo e com o grupo, sobre a modalidade de aprendizagem de cada um e o reflexo dessa aprendizagem no cotidiano das atividades psicopedagógicas em que estão inseridos e comprometidos. Num espaço de sala de aula, com 16 participantes, psicopedagogos, professores de diferentes áreas do conhecimento, a Oficina de Metacognição aconteceu em três momentos: o espaço da conceituação no qual foram apresentados alguns conceitos-chaves para o estudo e trabalho com a metacognição; o espaço da vivência no qual o grupo, primeiramente dividido em duplas e posteriormente em conjunto, compartilhou suas percepções, experiências e aprendizagens sobre a dinâmica realizada; e o espaço da reflexão sobre a vivência e as conseqüências na prática pedagógica. Neste trabalho, propõe-se a apresentar momentos significativos dessa experiência, acreditando que aquele que ensina precisa ser convidado a conhecer-se como aprendiz em todas as dimensões que o envolvem o sentir, o pensar, o agir e o interagir para poder compreender a aprendizagem daquele que aprende. O espaço da conceituação Entende-se que o psicopedagogo é aquele que faz do seu movimento interno, a sua atitude profissional. Procura desenvolver consciência do seu processo de aprender, refletindo sobre as estratégias que utiliza, buscando a auto-regulação de sua atividade cognitiva e ampliando, assim, seu potencial de aprendiz. A metacognição faz um convite para que cada um perceba o seu próprio processo de aprender, mas com o compromisso de, ao olhar para si mesmo, sentir-se comprometido com o outro. Esse é desafio que está posto! 1 Artigo publicado no livro Aprendizagem na Diversidade. A Psicopedagogia Agregando Formadores. São José dos Campos: Pulso, 2008.

2 2 Nas palavras de Flavell (1976, p. 232), um dos precursores no estudo da metacognição, encontra-se a seguinte definição sobre a metacognição: Refere-se ao conhecimento que alguém tem sobre os próprios processos e produtos cognitivos ou qualquer outro assunto relacionado a eles; por exemplo, as propriedades da informação relevantes para a aprendizagem. Pratico a metacognição (metamemória, metaaprendizagem, metaatenção, metalinguagem etc.) quando me dou conta de que tenho mais dificuldade em aprender A que B; quando compreendo que devo verificar pela segunda vez C, antes de aceitá-lo como um fato... Segundo o autor, a metacognição, antes denominada de metamemória, metaatenção, metalinguagem e outros, é todo o movimento que a pessoa realiza para tomar consciência e controle dos seus processos cognitivos. Como simplifica Burón (1997), a metacognição é o conhecimento e a regulação das próprias cognições e dos próprios processos mentais do sujeito. É no exercício da tomada de consciência do que se sabe, pensa e sente que o sujeito torna-se virtualmente apto a exercer controle sobre sua experiência (PORTILHO; TESCAROLO, 2006). Claxton (2005, p. 180) refere que a pessoa precisa conhecer suas próprias potencialidades e fragilidades para decidir o que precisa aprender em seguida. Com essas citações, percebe-se a importância de conhecer o próprio conhecer, visando a uma aprendizagem com compreensão, repleta de sentido. Ao referir-se à aprendizagem com compreensão, inclui-se tanto os saberes, como os não-saberes; tanto as facilidades para aprender, como as dificuldades que estão presentes nesse processo. O importante é tomar consciência do movimento que se faz e como o faz, a fim de obter sucesso na constante jornada como aprendiz. Pozo (2004, p. 21) salienta que não construímos somente os objetos e o mundo que vemos, mas também o olhar com o qual o vemos e a nós mesmos, enquanto [sic] sujeitos do conhecimento. No entanto, que olhar é esse que se deve construir? Com quais olhos observa-se o mundo? Ao lembrar o conceito de meta, ir além de, é necessário, para a tomada de consciência, ir além da cognição, isto é, da linguagem, do pensamento, da memória. A metacognição exige que se busque conhecer como, por que e para quê se dispõe desses processos cognitivos na hora de aprender. Os autores clássicos da metacognição apresentam duas estratégias básicas.

3 3 A primeira é a consciência ou a tomada de consciência, isto é, quando se tem uma atividade a desenvolver, seja ela qual for, por exemplo, aprender a tocar piano, é necessário compreender a atividade a ser desenvolvida, as possibilidades e as limitações da atividade em si, assim como conhecer as estratégias necessárias para que a atividade aconteça. A tomada de consciência é o início da atividade metacognitiva, mas é necessário ir além. A segunda estratégia metacognitiva, o controle ou auto-regulação, solicita da pessoa reflexão constante sobre suas ações; exige planejamento, supervisão e avaliação do processo. Por exemplo: Faço isso quando percebo que é o melhor caminho para obter o resultado que eu quero. Quando se redimensiona os próprios objetivos, promove-se a auto-regulação ou o controle da situação. O grupo de pesquisadores de Juan Mayor (1995) propõe uma terceira estratégia metacognitiva, chamada autopoiese, um conceito adotado de Maturana 2 para explicar a adaptação dos seres vivos, ou melhor, o auto-fazer-se. Essa estratégia complementa a idéia da tomada de consciência sobre a atividade de aprendizagem, sua regulação e a transformação que o sujeito deve fazer a partir da experiência vivida, ou seja, os significados que ele constrói. As estratégias metacognitivas podem ser visualizadas no diagrama a seguir: Estratégias metacognitivas variáveis e processos. METACOGNIÇÃO CONSCIÊNCIA CONTROLE pessoa tarefa estratégias planejamento supervisão regulação avaliação AUTOPOIESE Diante dessas conceituações, pergunta-se: Quando, em sua vida escolar, alguém perguntou ao sujeito como é que ele aprende? Percebe-se que, quando não se pergunta, não se 2 MATURANA, H.R.; VARELA, F.G. Autopoiesis and cognition: The realization of living. Dordrecht: Reidel, 1980.

4 4 problematiza e, muitas vezes, passa-se uma vida escolar inteira sem se dar conta de que forma aprende-se. Pode-se pensar, então, como o psicopedagogo vai dar conta da aprendizagem do outro, se ele próprio não tem consciência do seu processo de aprendizagem? Em linhas gerais, o conhecer do próprio conhecer tem a ver com as aprendizagens que se desenvolvem no decorrer da vida, na história do sujeito como aprendiz. Os psicopedagogos, de maneira geral, são frutos de um ensino no qual o pensar não era o objetivo. Não foi dado a eles o direito de refletirem sobre a informação, transformando-a em conhecimento, dando-lhe significado. Entre muitas razões que o levam a procurar a formação psicopedagógica, está o fato de, ao reconhecerem-se como sujeitos da sua aprendizagem, sentirem-se comprometidos com o desejo e a construção de uma aprendizagem significativa no trabalho com o outro. O espaço da vivência Inicialmente, o grupo de participantes foi dividido em pares, após a realização da dinâmica que está descrita a seguir. Foram apresentadas oito figuras sobre os mais variados temas, cada uma delas com dois exemplares, num total de 16 cartões, distribuídos em duas mesas distintas. Os participantes foram convidados a observar as figuras e, em seguida, escolher a que mais lhe chamasse a atenção. Após a escolha da figura, cada um deveria registrar, numa folha, os seguintes passos: a) escreva o que conhece sobre esta figura, o que lhe chamou atenção, o que gostaria de saber sobre ela; b) escreva sobre o que você buscaria para conhecer mais sobre esta figura; c) procure seu par (colega que tenha escolhido uma figura igual), para que possa compartilhar seus registros, discutir as escolhas, as diferenças, semelhanças e estratégias adotadas. O que cada um disse conhecer sobre as figuras variou muito. Alguns participantes eram mais detalhistas e objetivos, enquanto outros se mostraram mais subjetivos. Relatos como O que me chamou a atenção foi a sintonia e a união nesta figura e Observei as cores e o formato da figura descrevem tal situação. Quando a discussão foi aberta ao grande grupo, as seguintes questões foram destacadas: Quais as estratégias utilizadas para a realização da tarefa? Qual(is) a(s) diferença(s) entre a sua percepção e a de seu par?

5 5 Foi uma rica experiência ver e ouvir o processo de cada um, o quanto o mesmo estímulo (a figura) pode levar a diferentes percepções e buscas. Alguns relatos confirmam isso, como é o caso da dupla que observou a figura de um grupo de quatro moças em posição de dança. Uma disse: Eu pensei mais na minha aprendizagem, no que eu queria aprender com esta foto, pensei no nome da apresentação, no nome do grupo, na fonte da figura ; e sua colega disse: Eu pensei no desafio encontrado e superado por cada uma dessas meninas para alcançar a sintonia da dança. Em outra dupla, que observou a figura de uma mão adulta segurando a mão de um bebê, uma relatou: Eu observei a estrutura física e morfológica; porém, quando escrevia, comecei a prestar mais atenção na figura e observei que o meu primeiro olhar foi muito superficial. Não parei, realmente, para pensar; pensei mais no gênero da figura. A outra relatou: A base da aprendizagem, para mim, é afetiva; sem vínculo, eu não aprendo [...] parto do princípio que, sem vínculo, a pessoa não aprende. O interessante a destacar é que a primeira pessoa é formada em Educação Física, e a outra é pedagoga, com especialização em Psicopedagogia. A mesma dupla salientou: Achamos nossas semelhanças a partir das nossas diferenças. O relato de outra dupla abordou o aspecto da percepção do todo ou das partes: Nosso pano de fundo e o conteúdo foi o mesmo; porém, uma partiu da parte para o todo, e a outra do todo para a parte. O tempo da vivência foi suficiente para perceber que, quando se pára para refletir sobre as próprias atividades, sobre aquilo que é proposto a aprender, ampliam-se as possibilidades de significar o conteúdo, obtendo mais sucesso na aprendizagem. Se isso acontecer no grupo, a qualidade da aprendizagem pode ser ainda melhor. Assim, coube ao grupo uma indagação: O professor possibilita as trocas em sala de aula? O espaço da reflexão O olhar de cada um para o seu processo de aprendizagem é ampliado no encontro com o outro. Essa foi uma fala constante na oficina, chamando a atenção pela presença da dimensão do outro no processo de aprendizagem ou, como diz O'Sullivan (2004, p. 330), o eu ecológico: Há uma unidade de ser, na qual o eu é o mundo e o mundo é o eu. Vou chamar esse nível transpessoal, de consciência do eu ecológico. Ao deparar-se com o seu processo de conhecer, com as influências, referências e experiências que dele fazem parte, o sujeito descobre a possibilidade de ressignificar esse

6 6 conhecer, porque permite a si mesmo ir além do que o real traz. Uma das colocações de uma participante da oficina reafirma a questão, ao destacar: Se eu tivesse sozinha, eu ficaria com as minhas respostas. Nós fomos achando as nossas semelhanças através das diferenças. Essa idéia está presente também na colocação de Portilho e Tescarolo (2006, p. 4): Eu sou eu e minha circunstância, dizia Ortega-y-Gasset 3 [...], entendida como tudo o que a rodeia, não apenas o imediato e a soma das coisas e dos fatos, mas a totalidade das coisas e dos fatos, e o que está além deles, o remoto, o eterno, o infinito, o histórico e o espiritual, incluindo nós mesmos [...]. Ortega-y-Gasset segue afirmando que as pessoas constituem, enfim, o problema da vida, algo concreto, incomparável, único, que se realiza no com-viver e no co-existir, na troca de substâncias e no entrelaçamento de circunstâncias... Durante o trabalho na oficina, observou-se a dimensão do tempo, isto é, o tempo não só cronológico, mas o tempo subjetivo de cada um na hora de aprender. Com certeza, este é um dos desafios do professor em sala de aula e do psicopedagogo: observar as diferenças, considerando os tempos individuais no trabalho coletivo. Isso exige uma atitude criativa e, até mesmo, ousada por parte do docente. Acredita-se que uma das condições essenciais para que o professor encontre possibilidades de criação e inovação no ambiente educativo está no estudo, na construção do seu conhecimento, na ressignificação que faz das informações que recebe. É necessário e urgente desenvolver uma postura interior que permite profunda compreensão relacional de tudo o que podemos experimentar dentro e fora de nós (O SULLIVAN, 2004, p. 373). As pesquisas na área comprovam a presença da metacognição no desenvolvimento das pessoas desde muito cedo. Ao tomar-se consciência e obter controle sobre as próprias atividades, existem mais condições de autotransformação, isto é, de potencializar as próprias aprendizagens. Desde pequena, a criança pode ter consciência e regulação da forma como aprende. Se os professores e psicopedagogos tiverem a paciência e a competência para estimular o desenvolvimento de estratégias metacognitivas, seguramente ela poderá se tornar um adulto mais desenvolto, reflexivo e eficaz nas suas aprendizagens. 3 ORTEGA-Y-GASSET, J. O Homem e a Gente. Intercomunicação Humana. Trad. J. Carlos Lisboa, 2.ed. Rio de Janeiro: LIAL, 1973.

7 7 Referências BURÓN, J. Enseñar a aprender: introducción a la metacognición. Bilbao: Mensajero, 1997HOUAISS, A. Dicionário eletrônico da língua portuguesa. São Paulo: Objetiva, CLAXTON, G. O desafio de aprender ao longo da vida. Porto Alegre: Artmed, FLAVELL, J. H. Metacognitive aspects of problem solving. In: RESNICK, L. B. (Ed.) The nature of intelligence. Hillsdale: Erlbaum, p MAYOR, J. Estratégias metacognitivas. Aprender a aprender y aprender a pensar. Madrid: Síntesis, O SULLIVAN, E. Aprendizagem transformadora: uma visão educacional para o século XXI. São Paulo: Cortez, Instituto Paulo Freire, PORTILHO, E.; TESCAROLO, R. Metacognição e Ética planetária. Trabalho apresentado no 4. Seminário de Pesquisa em Educação da Região Sul, 4. ANPED. Santa Maria, Anais. Disponível em CD-ROM. POZO, J. I. Aquisição de conhecimento: Quando a carne de faz verbo. Porto Alegre: Artmed,