DIRETORIA LEGISLATIVA CONSULTORIA LEGISLATIVA. TIPO DE TRABALHO: ESTUDO TÉCNICO ESPECÍFICO ASSUNTO: Financiamento de campanhas nos Estados Unidos

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1 DIRETORIA LEGISLATIVA CONSULTORIA LEGISLATIVA TIPO DE TRABALHO: ESTUDO TÉCNICO ESPECÍFICO ASSUNTO: Financiamento de campanhas nos Estados Unidos CONSULTORA: ANA LUIZA BACKES DATA: 21/09/2005

2 2 Neste trabalho, é comparado o financiamento de campanha do Brasil com o dos Estados Unidos, centrando nas questões sobre quem financia as campanhas eleitorais, e de que maneira 1. Os dois países usam financiamento misto, combinando financiamento público com doações de pessoas físicas e jurídicas. Examinamos aqui as modalidades que assume o aporte financeiro do Estado, nos dois casos, bem como as formas por que transita o dinheiro privado, procurando acompanhar a evolução da legislação que disciplina esses temas. As informações sobre os Estados Unidos dizem respeito principalmente à regulamentação federal das campanhas, atingindo especialmente a eleição para Presidente. ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA FINANCIAMENTO PÚBLICO existe um fundo público que financia os candidatos, vindo de contribuições voluntárias de cidadãos, feitas no imposto de renda. O candidato que aceita esse financiamento sujeita-se a controles legais, e tem estabelecido um limite para seus gastos. Desde a criação desse fundo, todos os principais candidatos à Presidência optaram por sua utilização uma das exceções conhecidas foi o milionário Ross Perot. Nas eleições de 2004, o limite estabelecido para os gastos de Bush e Kerry foi de 76 milhões. 2 DOAÇÕES PRIVADAS A legislação federal limitou em 1974 as contribuições diretas a candidatos, estabelecendo um teto de no máximo U$ 1000 por ano e ciclo eleitoral, enquanto que as feitas a partidos não podiam ultrapassar U$ Segundo especialistas, a lei também proíbe empresas, 1 Penalidades, formas de prestação de contas, órgãos de controle, por exemplo, não foram examinados, por serem informações de mais difícil acesso. 2 Baran

3 3 bancos e sindicatos de usar fundos das suas tesourarias para contribuir nas eleições federais 3. As doações diretas a candidatos ou partidos, que se submetem ao sistema regulador das eleições federais, constituem o chamado hard money. Essa limitação legal sempre foi na prática tornada inócua, pela existência de brechas na lei. Assim, até 2002, empresas, e também qualquer grupo de indivíduos, podiam formar PACs (Political Action Commitees), que reuniam doações sem limites, e as repassavam para os partidos, desde que não fossem usadas diretamente para favorecer candidatos. Esse segundo tipo de doação, que escapa ao controle da legislação, foi batizado de soft money. A burla ao controle legal também é possibilitada pelas diferenças entre a lei federal e as leis estaduais, constatando-se, por exemplo, que grande parte das doações aos candidatos federais corria formalmente através das seções estaduais dos partidos, não controladas pela legislação nacional. Em março de 2002, as regras de financiamento foram alteradas, pela lei que ficou conhecida como McCain Feingold, segundo o nome dos senadores que a apresentaram. As informações a respeito em alguns pontos são controversas, embora seja claro que houve uma tentativa para controlar as doações indiretas nas campanhas. Segundo o site teria sido proibida a captação e uso de soft money em campanhas federais, e a veiculação de propaganda de apoio a um tema, patrocinada por grupos externos, poucas semanas antes de uma eleição federal (foi proibida nos trinta dias anteriores às primárias e nos sessenta dias anteriores às eleições gerais) 4. A lei proibiu também que os partidos estaduais e locais gastem soft money no que é definido como atividades de eleições federais. De outro lado, a lei aumentou as doações de pessoas físicas para no máximo dois mil para candidatos. Entretanto, as empresas, sindicatos e grupos de interesse acharam uma nova brecha, com novos tipos de doações, que se tornaram conhecidas na eleição de 2004 pelo número do código tributário no qual se enquadram: 527. Essas doações não são controladas pela Comissão Federal Eleitoral, mas pela Receita Federal. As quantias que trafegam por essa via continuam sendo altas: entre janeiro de 2003 e julho de 2005 foram levantados 150 milhões de dólares pelas doações 527. Esse dinheiro, segundo várias 3 Cantor, Joseph 4 Idem

4 4 notícias, seria usado em campanhas publicitárias de apoio a determinados temas (um exemplo é um grupo chamado Swiftboard Veterans for Truth, que patrocinou campanha na TV atacando o candidato John Kerry). Assim, a legislação não proibiu que o soft money financiasse propaganda parece apenas ter proibido sua destinação direta a partidos, e ter fixado limites de datas nos quais esse tipo de propaganda pode ir ao ar. O controle alcançado pela lei sobre o soft money parece ter sido mínimo o financiamento sem limites, por parte de grupos de interesse apenas mudou de forma. Os gastos nas eleições de 2004, de acordo com várias matérias jornalísticas, se elevaram a patamares sem precedentes. Além das doações 527, houve outro tipo de captação financeira que contribuiu para isso: a doação de recursos para as eleições primárias. Os limites de gastos para os candidatos que aceitam os recursos públicos só se aplicam na campanha para as eleições gerais, ou seja, depois que os candidatos foram escolhidos nas convenções dos partidos; assim, grandes somas são captadas antes das primárias. Até agosto de 2004, os democratas teriam levantado 186 milhões de hard money, contra 228,7 milhões dos republicanos. Segundo estimativas dos gastos totais da campanha de 2004, essa teria sido a disputa mais cara da história: somando os gastos de candidatos, partidos e grupos de interesse, chegar-se-ia a 1 bilhão de dólares. BRASIL FINANCIAMENTO PÚBLICO a lei brasileira estabelece dois tipos de financiamento público aos partidos: um, direto, de doações orçamentárias da União, distribuídas pelo Fundo Partidário (são aproximadamente 40 milhões por ano, distribuídos aos partidos basicamente na proporção dos votos para a Câmara dos deputados, cf. art. 38 da Lei 9096/95); o outro, indireto, garantindo acesso de partidos e candidatos a horário gratuito em rádio e televisão, custeado por renúncia fiscal. Esse financiamento indireto não pode ser subestimado, já que a compra de horários nos meios de comunicação costuma ser dos itens mais caros de campanha, nos países em que não há horário gratuito. Está em discussão no Congresso a proposta de um financiamento público exclusivo, ou seja, um financiamento integral das campanhas eleitorais por parte

5 5 do Estado (no projeto que foi batizado de projeto da reforma política, o PL 2679/03). DOAÇÕES são permitidas no Brasil doações de empresas e indivíduos, diretamente a partidos e candidatos. Os limites para pessoas físicas são de até dez por cento dos rendimentos brutos e de empresas de até dois por cento do faturamento bruto (arts. 23 e 81 da lei 9504/97). A lei não estabelece claramente se esses valores se aplicam ao conjunto de doações feitas por um indivíduo ou empresa, ou se a cada uma. Até 1993, eram proibidas doações de empresas, as quais no entanto sempre ocorreram por via de caixa dois. Após a CPI que analisou as atividades do tesoureiro do presidente Collor, onde ficaram claros os elevadíssimos aportes financeiros via caixa dois, a legislação optou por permitir as doações, em busca de maior transparência. As evidências demonstram, contudo, que mesmo sendo possíveis doações legais por parte de empresas, uma grande parte, talvez até a maioria, opta por contribuir de forma ilegal, não contabilizada. COMENTÁRIOS Nos breves comentários que se seguem, procuramos apontar algumas das principais diferenças que se constata entre o financiamento nos dois países. Embora os dois sistemas admitam financiamento público, as formas usadas são diferentes. No Brasil, não é permitida a propaganda paga em rádio e televisão (art.44 da Lei 9504/97) O horário gratuito é uma grande conquista, criando condições mais igualitárias de acesso aos meios de comunicação. Os mecanismos de controle sobre o financiamento privado, visando restringir a força do poder econômico, revelam-se ineficazes nos dois países. Contudo, a forma usada para burlar os controles legais é diferente: nos EUA, o dinheiro circula principalmente como soft money, em associações e grupos de interesse, escapando dos controles sobre os partidos, mas sem ser propriamente ilegal. No Brasil, circula por caixa 2, ilegalmente. As tentativas de controlar o dinheiro nas eleições, estabelecendo limites legais para sua influência tem esbarrado na interpretação

6 6 dada pela Suprema Corte à Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos, segundo a qual a limitação das despesas de comunicação constitui uma restrição ilícita à liberdade de expressão. Esse foi o entendimento expresso numa conhecida decisão de 1976 (Buckley vs. Valeo), onde a Corte derrubou as limitações dos gastos de comunicação dos partidos e grupos de interesse. Foram permitidos apenas limites às doações, justificados pela necessidade de proteger a administração pública da corrupção gerada pela troca de influência entre doadores e administradores. Essa decisão teve um profundo efeito sobre a forma que assumiu o financiamento de campanhas nos Estados Unidos. É facilmente constatável, contudo, que os problemas suscitados pela falta de controle continuam presentes, gerando relações no mínimo complicadas entre financiadores e governos 5. O resultado pífio da lei McCain-Feingold já levou os dois senadores a apresentar novo projeto, visando um controle mais efetivo. No que tange a comparações sobre o volume de gastos nos dois países, é muito difícil estabelecer parâmetros, dadas as diferenças apontadas, afora o fato de que grande parte do dinheiro não circula de forma transparente. A análise das contas dos EUA tem de levar em conta o soft money, não adianta comparar apenas os gastos dos partidos. Como essa é uma forma de financiamento sobre a qual há pouco controle, os valores gastos são apenas estimados. Os gastos oficiais de campanha no Brasil nas eleições de 2004 foram de 1 bilhão e duzentos mil reais; na eleição presidencial de 2002 foram de 830 milhões 6. No entanto, toda vez que se investiga o financiamento real das campanhas, aparecem vultosas quantias não declaradas nas contas de candidatos e partidos. Uma análise muito interessante sobre o financiamento de campanhas no Brasil foi feita por David Samuels, analisando as prestações de contas dos candidatos entregues à Justiça Eleitoral, para os pleitos de 1994 e Nesse trabalho, foi analisado o perfil dos doadores oficiais, aparecendo algumas relações que ajudam a entender o que leva alguém a contribuir 5 A discussão das relações promíscuas entre políticos e grandes corporações veio à tona recentemente com o escândalo da Enron, gigante do setor de energia, que entrou em colapso. A empresa, que se envolveu em fraudes contábeis, foi uma das grandes contribuintes da campanha de George Bush e também de grande parte dos senadores e deputados, que deveriam investigar as fraudes. 6 Relatórios de gestão do TSE, 2002 e 2004

7 7 financeiramente com um determinado candidato. Algumas de suas principais constatações foram as seguintes: A maior parte dos recursos para os candidatos em todos os níveis vem de fontes empresariais. As empresas que mais contribuem são as que dependem de regulamentação governamental ou de contratos com o governo: setores bancário, financeiro, de indústria pesada e da construção civil. Os que mais ajudam candidatos a Presidente da República são o setor financeiro e a indústria pesada, como a de aço e a petroquímica. Isso porque cabe ao Presidente lidar com questões como o marco regulatório, a concessão de subsídios, além das definições macroeconômicas, como juros, tarifas e câmbio, que afetam a vida de empresas exportadoras. As empresas que mais ajudam os candidatos a governador são as empreiteiras. Isso porque, hoje em dia, as decisões sobre grandes obras estão mais nas mãos dos governadores de Estado que nas do Presidente. Os bancos costumam dar mais dinheiro aos candidatos a senador que aos candidatos a governador ou deputado federal. Talvez seja decorrência do fato de que cabe ao Senado supervisionar o Banco Central e autorizar empréstimos para entidades do setor público. A conclusão do autor foi que ''o sistema brasileiro tende a perpetuar o status quo, ao estreitar os laços entre interesses empresariais e elites políticas conservadoras''. O autor indica outro dado interessante, do ponto de vista comparativo: as campanhas no Brasil contam com poucos doadores que dão muito dinheiro, ao passo que nos EUA há muitos doadores que dão pouco dinheiro tanto entre indivíduos quanto entre empresas. Cabe lembrar, contudo, que esta afirmação apenas se aplica ao hard money, pois nas doações do tipo 527, há registros de contribuições individuais próximas aos 30 milhões de dólares. No Brasil, são relativamente poucas as companhias que participam do financiamento eleitoral, e as pessoas físicas raramente contribuem, quando o fazem são por laços de amizade ou parentesco. Em 1994, cada candidato a deputado federal recebeu, em média, contribuições de dezessete pessoas. Em 1998, o número caiu para doze. Segundo dados citados pelo

8 8 pesquisador, até 10% dos eleitores americanos fizeram alguma doação financeira aos candidatos em 1984, o que equivale a cerca de 10 milhões de pessoas. No Brasil, foram menos de pessoas a fazer doações na campanha de Consultoria Legislativa, em 21 de setembro de Ana Luiza Backes Consultora Legislativa BIBLIOGRAFIA: *Araújo, Caetano Ernesto Pereira de. Financiamento de campanhas eleitorais. In: Revista de informação legislativa, ano 41, nº 161, jan-mar 2004 Baran, Jan. Financiamento de campanhas eleitorais. No site *Cantor, Joseph: A situação do financiamento de campanhas. In: Eleições 2004, publicação distribuída pelo Departamento de Estado dos EUA *Samuels, David: Financiamento de campanha e eleições no Brasil. In: Reforma Política e cidadania. Instituto Cidadania. Editora Fundação Perseu Abramo *Relatórios de gestão do Tribunal Superior Eleitoral, 2002 e 2004 *Revista Carta Capital: ano X, nºs 299, 301 e 303, julho e agosto de 2004.