Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo

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1 Acórdãos STA Processo: 0910/12 Data do Acordão: Tribunal: 2 SECÇÃO Relator: LINO RIBEIRO Descritores: Sumário: Nº Convencional: JSTA000P14512 Nº do Documento: SA Data de Entrada: Recorrente: A... Recorrido 1: FAZENDA PÚBLICA Votação: UNANIMIDADE Aditamento: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo EXECUÇÃO FISCAL NOTIFICAÇÃO PRESTAÇÃO DE GARANTIA PRINCÍPIO DA PROTECÇÃO DA CONFIANÇA I - As alterações efectuadas aos artigos 169º, 170º e 190º do CPPT pela Lei nº 64-B/2011 de 30/12 tiveram por objectivo acabar com a notificação autónoma para a prestação de garantia e incluir tal informação na citação para a execução, de modo que os 15 dias para constituir ou oferecer a garantia ou requer a sua dispensa começam a contar a partir da apresentação dos meios de reacção previstos na lei como susceptíveis de proporcionar a suspensão da execução fiscal. II - Apesar do artigo 154º daquela Lei determinar a aplicabilidade imediata do artigo 169º aos processos de execução fiscal pendentes, sob pena de violação do princípio da protecção da confiança, a norma daquele artigo deve ser interpretada no sentido de só se aplicar aos processos pendentes em que o executado ainda não foi citado para a execução. 0. Texto Integral Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. A, com os demais sinais nos autos, interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a reclamação que, ao abrigo do artigo 276º do CPPT, deduziu do despacho do Chefe de Finanças de Loures - 1, que na execução fiscal nº , ordenou a penhora de dinheiro e de valores depositados. Para tal, nas respectivas alegações, conclui o seguinte: 1- O thema decidenduum neste processo é saber se a nova redacção do art. 169, n.º 6 do CPPT, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 64 B/2011 de 30.12, deve ter a interpretação que lhe foi emprestada pela sentença recorrida, ou seja, o legislador transferiu esse ónus para o contribuinte, devendo, por isso, consultar o portal das finanças na Internet ou ir ao órgão de execução fiscal saber a informação relativa ao montante da dívida e ao montante a garantir. 2 - Ou, a interpretação defendida pelo Recorrente de que caso o contribuinte não tenha computador e que, por isso não tenha acesso à internet, nem ao portal das finanças, como é o caso, se neste caso, não deverá ser o órgão de execução fiscal a informar o contribuinte, via postal, do montante da dívida e do montante a garantir e do respectivo prazo.

2 3 - No entender do Recorrente esta é a melhor e a única interpretação que satisfaz os interesses do Fisco e dos contribuintes, por ser a mais consentânea e apropriada à satisfação dos direitos e garantias dos contribuintes na satisfação das suas obrigações tributárias. 4 - Por isso, a sentença recorrida violou o art. 169, n.º 6 do CPPT. 1.2 Não houve contra-alegações O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento. 2. A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto: a) Contra o ora reclamante corre no Serviço de Finanças de Loures 1, a execução fiscal nº , para cobrança de dívidas ao Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, LP. - INIR, I.P., no montante global de 1.325,40, nos termos constantes de fls. 3, dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. b) Em 2/12/2011, o reclamante foi citada para a execução fiscal, referida em a), nos termos constantes de fls. 6, dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. c) Em 16/1/2012, o reclamante deduziu oposição ao processo de execução fiscal, referido em a). d) No âmbito do processo de execução, referido em a), foram penhoradas diversas quantias, nos termos constantes de fls. 9, 11 e 27, dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. e) Em 5/4/2012, foi emitido mandando de penhora aos bens pertencentes ao ora reclamante, nos termos constantes de fls. 7, dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 3. A única questão que se impõe resolver consiste em saber se a nova redacção dada ao nº 6 do artigo 169º do CPPT pela Lei nº 64- B/2011 de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento Geral do Estado) se aplica ao caso dos autos, que é uma execução fiscal que já encontrava pendente à data em que entrou em vigor aquela lei. A sentença recorrida, invocando o artigo 154º daquela Lei considerou que: (i) «resulta da matéria de facto provada que o reclamante deduziu oposição ao processo de execução fiscal em 16/1/2012, já na vigência da Lei 64-B/2011, de 30 de Setembro, pelo que se aplica a nova redacção do artigo 169º do CPPT»; (ii) «a mens legislatoris foi no sentido de quebrar com o regime jurídico anterior, não querendo onerar a administração com a notificação para prestação de garantia mas outrossim responsabilizar o contribuinte que, após deduzir oposição, preste garantia, no prazo de 15 dias, de forma a suspender a execução». O recorrente não concorda com a essa decisão por, no seu entender, a melhor interpretação da alteração efectuada é aquela que impõe ao Fisco, no caso do contribuinte não ter internet, que lhe seja comunicado (informado) o montante da garantia a prestar e o respectivo prazo, aliás o que faz actualmente ao inserir na própria nota de citação o valor da garantia a prestar, caso não queira

3 contestar a legalidade e/ou exigibilidade de tal dívida e o prazo em que o deve fazer ou em que requerer a sua dispensa. Até à alteração dos artigos 169º, 170º e 190º do CPPT levada a efeito pela Lei nº 64-B/2011, o processamento da suspensão da execução fiscal através da prestação de garantia ou da sua dispensa estava dependente de uma «notificação» do órgão de execução fiscal para a prestar ou para requerer a sua dispensa. Prescrevia o nº 6 do artigo 169º que «se não houver garantia constituída ou prestada, nem penhora, ou os bens penhorados não garantirem a dívida exequenda e acrescido, é ordenada a notificação do executado para prestar a garantia referida no nº 1 dentro do prazo de 15 dias»; e no nº 1 do artigo 170º estabelecia que «quando a garantia possa ser dispensada nos termos previstos na lei, deve o executado requerer a dispensa ao órgão da execução fiscal no prazo referido no nº 2 do artigo anterior». A referência ao número 2 nesta norma deve ser reportada ao nº 6, porque, após a alteração operada pela Lei nº 3-B/2010, de 18/4, aquele número passou a ser o actual número 6, sem que no artigo 170º tivesse sido efectuada a devida correcção. Por conseguinte, em face destas normas, o termo inicial para se prestar garantia ou para se requerer a sua dispensa dependia da prévia notificação do órgão da execução fiscal para o efeito. A Lei nº 64-B/2011 acabou com a formalidade da notificação autónoma, como momento a partir do qual se iniciava o prazo de 15 dias para se prestar a garantia ou se requerer a sua dispensa, e fixou o termo inicial desses actos no momento da apresentação de qualquer dos meios de reacção previsto no artigo 169º. O nº 6 do artigo 169º passou a ter a seguinte redacção: «se não houver garantia constituída ou prestada, nem penhora, ou os bens penhorados não garantirem a dívida exequenda e acrescido, é disponibilizado no portal das finanças na Internet, mediante acesso restrito ao executado, ou através do órgão da execução fiscal, a informação relativa aos montantes da dívida exequenda e acrescido, bem como da garantia a prestar, apenas se suspendendo a execução quando da sua efectiva prestação»; o número 7 passou a dizer que: «caso no prazo de 15 dias, a contar da apresentação de qualquer dos meios de reacção previstos neste artigo, não tenha sido apresentada garantia idónea ou requerida a sua dispensa, procede-se de imediato à penhora»; e o nº 1 do artigo 170º foi alterado para a seguinte redacção: «quando a garantia possa ser dispensada nos termos previstos na lei, deve o executado requerer a dispensa ao órgão da execução fiscal no prazo de 15 dias a contar da apresentação de meio de reacção previsto no artigo anterior». Todavia, a comunicação para o executado prestar garantia ou para solicitar a sua dispensa não foi eliminada na totalidade, uma vez que as alterações efectuadas ao CPPT continuaram a prever tal comunicação, embora numa fase processual diferente. É que, tal informação deixou de ser feita de modo autónomo, mas passou a fazer parte da citação para a execução. Com efeito, a Lei nº 64- B/2011 também deu nova redacção ao nº 2 do artigo 190º, de modo a que se incluam na citação os elementos informativos necessários à

4 prestação da garantia: «a citação é sempre acompanhada da nota indicativa do prazo para oposição, ou para dação em pagamento, nos termos do presente título, bem como da indicação de que, nos casos referidos no artigo 169.º e no artigo 52.º da lei geral tributária, a suspensão da execução e a regularização da situação tributária dependem da efectiva existência de garantia idónea, cujo valor deve constar da citação, ou em alternativa da obtenção de autorização da sua dispensa». Com esta norma, em conjugação com as alterações efectuadas aos artigos 169º e 170º, verifica-se que a intenção do legislador foi acabar com a notificação autónoma para a prestação de garantia e incluir tal informação na citação para a execução, de modo que os 15 dias para constituir ou oferecer a garantia ou requer a sua dispensa começam a contar a partir da apresentação dos meios de reacção previstos na lei como susceptíveis de proporcionar a suspensão da execução fiscal. No artigo 154º da Lei 64-B/2011 estabeleceu-se uma norma transitória sobre a aplicabilidade das novas normas do seguinte teor: «as alterações aos artigos 169º e 199º do CPPT, têm aplicação imediata em todos os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes a partir da entrada em vigor da presente lei». À primeira vista, dir-se-á que a sentença recorrida fez correcta aplicação desta norma, pois a forma imperativa como está redigida parece não deixar dúvidas que nas execuções pendentes já não ocorre a notificação do órgão de execução fiscal para a prestação de garantia. Simplesmente, ao não se referir também às alterações ocorridas nos artigos 170º e 190º, normas directamente conexionadas com a alteração efectuada no nº 6 do artigo 169º, acaba pode afectar as expectativas jurídicas de quem já foi citado para a execução nos termos do regime anterior. A nova lei acabou com a notificação autónoma para a prestação de garantia, mas ao mesmo tempo deslocou tal informação para o momento da citação. Ora, nas execuções pendentes em que já ocorreu a citação, o executado que esperava uma notificação para se iniciar o prazo para prestar a garantia ou requer a sua dispensa, ficou surpreendido com uma norma que não contava e que até, pela forma como foi publicada, pode ter alguma dificuldade em a conhecer em tempo útil. Ao não se referir às alterações efectuadas nos artigos 170º e 190º, a norma transitória do artigo 154º deixa transparecer a contrario que tais normas não se aplicam imediatamente aos processos de execução fiscal pendentes, o que não tem qualquer sentido. Se na data da sua entrada em vigor 1/1/2012 a execução já está instaurada, mas o executado ainda não foi citado, a aplicar-se apenas o nº 6 do artigo 169º, proceder-se-ia a sua citação segundo o regime anterior, ou seja, sem a informação relativa à garantia ou sua dispensa, mas o prazo de 15 dias para a prestar contar-se-ia logo a partir da apresentação da oposição. E quem já impugnou administrativa ou contenciosamente o acto exequendo e não pretende deduzir oposição, ficaria sem qualquer prazo para prestar a garantia ou requerer a sua dispensa, caso fosse aplicado imediatamente a norma do nº 6 do artigo 169º. Nos processos de execução fiscal, a norma do nº 6 do artigo 169º tem

5 a sua justificação no facto de na citação para a execução já estar incluída toda a informação necessária à prestação da garantia ou sobre a autorização para a sua dispensa. Foi por isso mesmo que também se alterou a norma do nº 2 do artigo 190º, tendo por objectivo conceder ao executado garantias de cognoscibilidade ou compreensibilidade da forma como se pode suspender a execução. Daí que a aplicação imediata do artigo 169º só está em conformidade com a ratio legis nas situações que também se aplica o disposto nos artigos 170º, nº 1 e 190º, nº 2. Se na data da entrada em vigor da nova norma, a citação para a execução já ocorreu, estando em curso o prazo para a oposição, a eliminação da notificação para a prestação de garantia, para além de poder criar uma situação de desigualdade relativamente a quem ainda não foi citado, apesar da execução também estar pendente, afecta de modo intolerável o direito à prestação da garantia ou o direito à sua dispensa. Embora o recorrente não o diga directamente, é contra a frustração que lhe causou a aplicabilidade imediata da nova norma que ele reage. Ele não aceita que o órgão de execução fiscal seja obrigado a incluir na nota de citação a informação sobre a prestação de garantia e no seu caso, em que tal infirmação não foi fornecida, esteja obrigado a procurá-la na internet afim de a prestar ou requerer a dispensa em tempo adequado. E em nossa opinião tem razão. Uma interpretação puramente literal do artigo 154º da Lei 64-B/2012, que não se conjugue com as novas normas dos artigos 170º e 190º, pode violar a Constituição, na medida em que pode pôr em causa o princípio da protecção da confiança dos particulares, vertente subjectiva da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito (art. 2º e 18º da CRP). Apesar da natureza processual das normas, que justifica a sua aplicação imediata, após a citação para a execução há verdadeiras expectativas jurídicas do executado relativamente à continuidade da ordem jurídica que devem ser respeitadas e tuteladas. Se após a citação para a execução, o executado fica na expectativa de ser notificado para prestar a garantia e, com essa notificação, se inicia o prazo para requerer a sua dispensa, há uma desvalorização dessa posição se entretanto surge uma nova lei com que ele não contava e que o obriga a uma actuação diferente num curto espaço de tempo. Ora, os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança impõem limites que o legislador deve respeitar, obrigando-o a ponderar a confiança do indivíduo na manutenção de um certo regime jurídico e a importância do interesse público visado. A segurança jurídica e a protecção da confiança como critérios de interpretação e aplicação de direito constitucional são também exigíveis quando o legislador produz efeitos numa determinada situação jurídico processual. Como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional nº 287/90 (processo nº 309/88) «também o direito processual pode fundamentar posições de confiança, nomeadamente em processo pendentes e em situações processuais concretas. No domínio de processo civis ou administrativos, através de alterações do direito processual, como efeito nos processos pendentes, podem ser

6 reduzidas ou eliminadas posições essenciais do cidadão para uma defesa dos seus direitos, com condições de sucesso». No caso dos autos, a citação para a execução ocorreu antes da entrada em vigor da Lei nº 64-B/2012: a citação ocorreu em 2/12/2011 e lei entrou em vigor em 1/1/2012. Nesta data estava a decorrer o prazo para a dedução de oposição, o que aconteceu em 16/1/2012. No regime vigente à data da citação, a expectativa do executado era a de que o prazo para a prestação da garantia e/ou para requerer a sua dispensa começava apenas quando fosse notificado para o efeito. No novo regime, sob pena de nulidade, a citação já contém a informação necessária à prestação da garantia, incluindo o respectivo valor. Como a citação do executado não incluiu esta informação, não há dúvida que houve uma mutação da ordem jurídica, em sentido desfavorável, com que ele razoavelmente não podia contar. E tal mudança ocorreu apenas para tornar mais célere a prestação de garantia ou o incidente da sua dispensa e/ou para desonerar o órgão de execução fiscal de uma formalidade que podia ser incluída na citação, e não para salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devessem considerar-se prevalecentes. Para que as expectativas dos executados em processos pendentes em que já houve citação não fiquem excessivamente frustradas deve pois interpretar-se o artigo 154º da Lei 64-B/2011 no sentido de se aplicar imediatamente as alterações efectuadas ao artigo 169º, em conjugação com as alterações efectuadas aos artigos 170º e 190º, apenas em relação aos processos de execução em que ainda não ocorreu a citação do executado. Naqueles em que já se verificou a citação, sob pena de violação da protecção da confiança, deve proceder-se à notificação do executado para prestar a garantia. Embora o legislador não esteja impedido de alterar o sistema legal afectando relações jurídicas já constituídas e que ainda subsistam no momento em que é emitida a nova regulamentação, o que é uma necessária decorrência da autorevisibilidade das leis, não pode defraudar as «expectativas» legitimas, justificadas e fundadas de continuidade, sem que haja razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a expectativa. Ora, a citação nos termos do regime anterior, em que nada informava sobre o modo com a execução poderia ser suspensa, é um «comportamento» que gerava a expectativa de uma nova notificação para efeitos de uma actuação do executado que evitasse a penhora dos seus bens. Não tendo ocorrido tal notificação, foi ilegal o acto de penhora reclamado, o que conduz à revogação da sentença recorrida. Por erro de julgamento, e à procedência da reclamação, anulando-se o acto reclamado. 4. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a reclamação, anulando o acto reclamado. Sem custas, nesta e na 1ª instância.

7 Lisboa, 12 de Setembro, de Lino Ribeiro (relator) Dulce Neto Isabel Marques da Silva.