Setor sucroalcooleiro paranaense: do proálcool ao biodiesel 1

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1 Setor sucroalcooleiro paranaense: do proálcool ao biodiesel 1 Rosana Paczyk 1 Introdução Este artigo objetiva analisar o setor sucroalcooleiro do Paraná desde o programa nacional do álcool em meados de 1975 até os dias atuais, momento marcado pelo biodiesel, que se caracteriza pelo cunho ambiental, ou seja, o de reduzir as emissões de dióxido de carbono (CO2), principal responsável pelo Efeito Estufa, conforme proposto no Tratado de Kyoto. O setor tem como marcos os incentivos concedidos pelo governo federal ao elaborar dois programas ao longo destes trinta anos, o Proálcool e o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel, com o objetivo de complementar a capacidade energética do país e tornar o país menos vulnerável aos altos preços de petróleo. Portanto, buscou-se localizar o Paraná neste contexto, demonstrando as transformações ocorridas na produção da matéria-prima do álcool e do próprio álcool. 2 Proálcool: uma visão geral O Brasil, no início de 1970, era um grande importador de petróleo, principalmente pela necessidade do combustível para sustentar o crescimento econômico no período, denominado como milagre econômico. Em 1973, o combustível fóssil configurava a principal matriz energética utilizada, sendo que 73% desse produto era importado para atender a demanda nacional. Neste mesmo ano, os países membros da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) aumentaram os preços do barril de petróleo de US$ 2 para US$ 11, gerando altos déficits comerciais para o país. Para tornar o país menos vulnerável aos choques externos - preços altos do petróleo -, buscou-se uma alternativa para substituir os derivados de petróleo, o uso do álcool. Para isso, no Governo Geisel, em 1975, foi criado o Proálcool, que se dividiu em duas fases: "na primeira, o álcool (anidro) seria misturado à gasolina. A intenção, nesta fase, era a de diminuir o volume importado de óleo e derivados. Na segunda fase, o objetivo era produzir uma frota de veículos movidos somente a álcool (hidratado) (ROPPA, 2005, p.18). Desta forma, o governo incentivou o cultivo de cana-de-açúcar e estimulou o aumento da capacidade industrial de transformação por meio da construção e da modernização das destilarias, assim como encorajou, por parte da demanda, o uso do álcool, fixando uma cota a ser misturada com a gasolina e modificando os motores dos veículos para o uso do etanol. 1 Estudo apresentado à disciplina de Economia Paranaense do terceiro ano do curso de Ciências Econômicas da FAE Centro Universitário, sob a orientação do Prof. Gilmar Mendes Lourenço

2 Dentre outros objetivos oficiais do programa estavam a: maior flexibilidade na produção de açúcar, redução das disparidades regionais e individuais de renda, crescimento da renda interna, expansão da produção de bens de capital, geração de empregos, melhoria nas condições ambientais (LOPES, 1987 apud CARVALHO et al., 2007, p.3). Outro fator que contribuiu para a implantação do PNA (Programa Nacional do Álcool) foi a oscilação e queda dos preços do açúcar no mercado internacional, que vinham ocorrendo desde o final dos anos 60 (CARVALHO et al., 2007, p. 03). Assim, os investimentos voltaram-se para a produção do álcool e não do açúcar. Portanto, o programa teve um papel importante na expansão da cultura da cana-de-açúcar, ocorrida a partir de 1975 e teve importante repercussão na geração de empregos no meio rural e na substituição de culturas alimentares pela cultura da cana-de-açúcar (CARVALHO et al., 2007, p.2). 2.1 Proálcool no Paraná No Paraná, a utilização da cana-de-açúcar em escala industrial remonta à década de 40, quando foram instaladas as primeiras usinas de açúcar na região norte paranaense (IPARDES, 1983, p.38). O álcool produzido era resultado do processo de transformação para chegar até o açúcar. Em 1975, antes da implantação do programa nacional do álcool, a produção canavieira do estado tinha uma participação pouco expressiva na renda agrícola, apenas 0,55%. A base industrial necessária para a fabricação da alternativa energética foi construída a partir do Plano de Desenvolvimento do Estado do Paraná (PLADEP), implantado no Governo de Ney Braga, cujo objetivo era [...] atender às exigências de financiamento da infra-estrutura básica do Estado - aumento da oferta de energia elétrica, construção de rodovias e ferrovias, adequação do porto de Paranaguá, implantação de rede de armazenagem pública, modernização das telecomunicações-, condição essencial para dinamizar o escoamento da produção agrícola e receber, posteriormente, a indústria (RODRIGUES et al., 2007, p.13). Logo após a geada negra de 1975, que destruiu diversos pés de café, o solo foi ocupado por outras culturas, um marco para a economia paranaense que deixou a monocultura do café, passando a diversificar as plantações agrícolas, abrigando, dentre estas culturas, a cana-de-açúcar. No período compreendido pelas safras 77/78 a 81/82 ocorrem importantes alterações na agroindústria de cana-de-açúcar no Paraná. Nessa época inicia-se o processo de instalação das destilarias autônomas financiadas pelo Programa Nacional do Álcool, além da modernização e ampliação das destilarias anexas às usinas tradicionais (IPARDES, 1983, p.51). As destilarias concentraram-se nas regiões próximas ao cultivo da matéria-prima, com o intuito de reduzir os custos na produção e baratear o combustível. A região noroeste e norte foram as que mais abrigaram os investimentos para o etanol, isso se deveu à ampliação das unidades industriais já existentes. 2

3 O segundo choque de petróleo, em 1979, triplicou os preços da commodity, concretizando o programa para incentivar a produção de álcool. Isto levou as indústrias a adaptarem os motores dos carros para o uso do novo combustível, aumentando a demanda pela nova alternativa energética. O setor sucroalcooleiro viveu ciclos alternados de super oferta e escassez de oferta, fazendo com que o processo intervencionista do setor tivesse como fundamento preservar o equilíbrio entre produção e consumo, utilizando-se de dois instrumentos básicos: os planos de safra e as políticas de preço e crédito (WATANABE, 2001, p.36). A partir de 1986, o preço do hidrocarboneto retorna a patamares menores. Na política energética brasileira, seus efeitos foram sentidos a partir de 1988, coincidindo com um período de escassez de recursos públicos para subsidiar os programas de estímulo aos energéticos alternativos, resultando num sensível decréscimo no volume de investimentos nos projetos de produção interna de energia (BIODIESELBR, 2009). Para os consumidores ainda era mais atrativo não comprar carros movidos a gasolina devido aos preços menores resultantes da redução dos impostos. Mas os produtores recebiam menos pelos seus produtos, o que desestimulava o plantio de novas áreas da cana-de-açúcar e a sua transformação em combustível. 2.3 Exaustão do Programa Nacional O desequilíbrio entre a oferta e a demanda provocou a falta de confiança no programa do governo, que foi abandonado por Collor num momento marcado pela menor participação do estado e pela abertura comercial. As indústrias automobilísticas brasileiras adotaram os padrões internacionais, o de fabricar carros movidos a diesel ou gasolina. Os efeitos do processo de liberalização no setor sucroalcooleiro foram sentidos no ambiente institucional e organizacional, nos sistemas de fixação de preço dos insumos e produtos desta cadeia e nas formas de comercialização [...] e plano de safra (WATANABE, 2001, p.39). Posteriormente, a crise só foi superada com a adoção de uma mistura composta pelo etanol hidratado, pelo metanol e gasolina. Para este estímulo cria-se, em 1997, o Conselho Interministerial do Açúcar e do Álcool (CIMA), obrigando a adição de um percentual à gasolina, sendo que hoje o combustível é composto por 25% de anidro e 75% de gasolina. 3 Evolução da Produção do Etanol No período compreendido entre os anos 1991 e 1994, observa-se, de acordo com a tabela 1, a pouca variabilidade da produção total do etanol. No ano 2000, problemas sazonais como a seca no centro-sul e a geada no Paraná provocaram quebra de 15% na safra de cana-de-açúcar (SEVERO, 2009). Isso refletiu, consequentemente, a redução da quantidade do combustível fabricado no estado. 3

4 TABELA 1 - HISTÓRICO DA PRODUÇÃO DE ÁLCOOL NO PARANÁ (Em m 3 ) SAFRAS ANIDRO HIDRATADO TOTAL 1990/ / / / / / / / / / / / / / / / / / FONTE: Alcopar (2009) O Paraná é o segundo estado produtor de cana-de-açúcar, atendendo à demanda de exportações dos Estados Unidos, Holanda e Japão. Em 2007, a participação no total das exportações foi de 13,26%, perdendo somente para o Estado de São Paulo, maior produtor. 4 Biodiesel O governo brasileiro vem priorizando a substituição de recursos não renováveis pelos renováveis, numa linha sustentável, determinado a diminuir a emissão de monóxido de carbono e a atender a demanda externa pelo combustível menos poluente, medida pela qual os países estão se comprometendo a misturar os combustíveis. Tal fato é possível graças aos carros flex fuel, que permitem o uso simultâneo do álcool e gasolina ou a utilização de um ou outro. Isso agradou ao consumidor, tanto é que nos últimos anos houve um aumento de demanda por carros com essa tecnologia. Hoje, a produção corresponde a mais de 80% dos carros leves produzidos no Brasil. Existem dois tipos de álcool, o Anidro e o hidratado. O primeiro contém uma pureza de 99,3% (nível de álcool etílico) e sua produção exige maiores custos. Já o hidratado apresenta um nível máximo de 94,3%. O Anidro, pelo seu nível de pureza, é misturado à gasolina e seu uso distingue-se pela peculiaridade em apresentar uma reserva de mercado proporcional ao consumo de gasolina observado no País (WATANABE, 2001, p.40). Com o aumento da venda dos carros flex, nota-se uma inversão no consumo a partir de 2003, quando os veículos foram lançados. O setor sucroalcooleiro paranaense, neste contexto, apresentou, segundo o censo agropecuário feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2006, o resultado de toneladas de cana, o que representa um aumento de 53,3% em relação a A área plantada em 2006 foi de

5 hectares, ou seja, 33% a mais do que 2000 (RIBEIRO et al., 2008, p.6). Portanto, ao verificar a quantidade produzida de álcool paranaense pós-implantação do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) em 2003, nota-se uma produção de etanol no valor de metros cúbicos, o que corresponde a um aumento de aproximadamente 20%, se comparado ao período anterior. 5 Efeitos da Crise no Setor Sucroalcooleiro Paranaense A queda no valor do barril de petróleo tornou menos atrativo o consumo de álcool pelos países exportadores. Neste ano, entre janeiro e março, o Paraná exportou 174 toneladas de álcool, que renderam às usinas do estado exatos U$$ No mesmo período do ano passado, o estado havia embarcado mais de 75 mil toneladas do produto, ou quase 39 U$$ milhões (JASPER, 2009), o que refletiu uma queda de 99,8% nas receitas. O etanol seria viável se o preço do barril superasse os U$S 70,00, pois o seu rendimento como combustível para os carros é menor. O setor cresceu excessivamente sem o retorno da demanda esperada, levando muitas empresas do setor a ter prejuízos. A queda nas safras da Índia e China proporcionou ao estado a alta nas vendas de 71% da cana-de-açúcar, de certa forma compensando a queda. Conclusão O setor sucroalcooleiro paranaense foi beneficiado pelos incentivos concedidos pelo governo brasileiro e aproveitou as condições favoráveis encontradas no estado, como o clima adequado, a pouca incidência de geadas, terras aptas ao cultivo da matéria-prima necessária para a alternativa energética renovável, o que resultou no aumento da produção da cana-de-açúcar e na expansão da produção do álcool. O programa para o incentivo da produção de biodiesel neste início de século deu continuidade à produção do etanol, que tem como um dos obstáculos a competitividade com a gasolina e o diesel, produzidos a base de petróleo. Referências ALCOPAR - Associação dos Produtores de Álcool e Açúcar do Estado do Paraná. Disponível em: < Acesso em: 15 maio BIODIESELBR - Proálcool - Programa Brasileiro de Álcool. Disponível em: < proalcool/pro-alcool.htm>. Acesso em: 15 maio CARVALHO, Simone Pereira de et. al. A produção de álcool: do Proálcool ao contexto atual. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, IPARDES. Impacto das culturas voltadas às alternativas energéticas e à exportação sobre a agricultura de alimentos. Curitiba, Volume I e II. JASPER, Fernando. Exportação de álcool dá lugar ao açúcar. Gazeta do Povo, Curitiba, 3 maio RIBEIRO, Vitor Hugo et al. O setor sucro-alcooleiro do Paraná dos engenhos às usinas. Paraná, RODRIGUES, Rossana Lott et al. Análise setorial e topografia da estrutura produtiva: as cooperativas agropecuárias no Paraná. São Paulo,

6 ROPPA, Bruna Fontes. Evolução do consumo de gasolina no Brasil e suas elasticidades: 1973 a Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, SEVERO, José Ricardo. Cana-de-açúcar: autogestão é alternativa para a falta de políticas públicas. Disponível em: < Acesso em: 02 jun WATANABE, Melissa. A desregulamentação do setor sucroalcooleiro e seu impacto na estratégia de produção das usinas no estado do Paraná Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Administração) Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre,