SIMULAÇÃO DAS TENSÕES E DEFORMAÇÕES RESIDUAIS NO PROCESSO DE JATEAMENTO EMPREGANDO O MÉTODO DOS ELEMENTOS FINITOS

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1 SIMULAÇÃO DAS TENSÕES E DEFORMAÇÕES RESIDUAIS NO PROCESSO DE JATEAMENTO EMPREGANDO O MÉTODO DOS ELEMENTOS FINITOS D. Benítez, Dr. Eng. Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo - SP, Brasil. danielbb@usp.br E. Gonçalves, PhD. Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Brasil. edison@usp.br Miguel A. Calle Gonzales, Eng. Centro de Estruturas Navais e Oceânicas da Universidade de São Paulo, Brasil. miguelon_calle@yahoo.com Resumo. O jateamento com granalha é um dos processos mecânicos empregados para melhorar a resistência superficial dos metais. Este estudo enfoca a modelagem do jateamento com granalha através de técnicas de análise não linear usando o programa profissional denominado LUSAS, considerando o impacto simultâneo de três projéteis sobre uma placa de aço A São apresentados como principais resultados, as distribuições de tensões residuais e deformações plásticas provocadas pelos impactos, assim como a profundidade da zona plástica atingida. Estes resultados apresentam uma concordância satisfatória quando comparados com os obtidos por modelos teóricos e ensaios experimentais apresentados na literatura. Embora os autores considerem que esta seja uma simulação preliminar, a modelagem acurada deste importante tratamento superficial poderia se constituir, em uma poderosa ferramenta para o controle dos parâmetros mais importantes que intervêm no processo de jateamento por granalha, melhorando a sua eficiência. Palavras- chave: Jateamento por granalha, tensões residuais, elementos finitos. 1.0 INTRODUÇÃO O jateamento com granalha foi originado do martelamento, que começou a ser empregado pelo homem já na antigüidade (The Wheelebrator Co. 1977). Quando o antigo ferreiro fabricava uma espada, por exemplo, ele continuava a martelar a peça mesmo após ela já se ter esfriado abaixo da temperatura normal de forjado. Com esta técnica era obtido um produto mais durável e de elevada tenacidade. Atualmente, o jateamento com granalha já não é mais uma arte, trata-se de um procedimento mecânico muito bem definido, cuidadosamente controlado e capaz de produzir resultados uniformes de acordo com a demanda dos modernos métodos de produção em massa. O jateamento com granalha é um procedimento mecânico, o qual consiste em aplicar uma chuva de pequenas bolas de aço comum, aço inoxidável, vidro ou material cerâmico à superfície da peça, tendo como objetivo de introduzir uma camada com elevadas tensões de compressão na superfície da peça. Esse procedimento melhora significativamente a vida útil à fadiga do elemento de máquina ou do componente estrutural.

2 2. EFEITO DO JATEAMENTO SOBRE A SUPERFÍCIE Cada impacto provoca uma pequena punção na superfície, trazendo como conseqüência, um alongamento permanente dessa superfície e de uma pequena região embaixo dela, Fig 1 (The Wheelebrator Co, 1977). Trajetória Superfície v Projétil Punção provocada pelo impacto Figura 1. Impacto da bola sobre a superfície da peça Este fenômeno ocasiona um aumento na resistência da superfície através da mudança da forma e orientação dos grãos cristalinos. Isto oferece a vantagem de elevar a resistência ao escoamento e à fratura. A variação na forma, e orientação dos grãos cristalinos, não é a única mudança causada pelo jateamento. Devido aos impactos aparecem tensões normais de compressão em todas as direções. Depois de terminado o processo, as tensões permanecem na peça jateada na forma de tensões residuais. Este estado tridimensional de tensões reduz os efeitos das tensões trativas originadas pela aplicação de carregamentos externos. As fibras localizadas abaixo das camadas superficiais não são deformadas até seu limite de escoamento, e assim mantêm seu comportamento elástico. Estas fibras encontram-se unidas às superiores, já deformadas pelo processo de jateamento por granalha, e, depois de finalizado o tratamento, levam estas até um comprimento menor que aquele que elas iriam atingir. Do equilíbrio resultante tem-se que as fibras da superfície ficam com tensões residuais de compressão, enquanto que as outras possuem tensões de tração. Trabalhos desenvolvidos experimentalmente demonstram que as tensões superficiais de compressão são várias vezes superiores às tensões de tração no interior da seção. Assim, quando são aplicadas as tensões de serviço, que podem impor tensões de tração na superfície, a mesma é reduzida pelas tensões residuais de compressão existentes nas fibras superficiais. Por outro lado, é conhecido que as falhas por fadiga geralmente são uma conseqüência das tensões de tração. Quanto menores as tensões de tração, maior a resistência do material à fadiga, (Drechsler, 1998). É indiscutível que o jateamento por granalha, em todos os casos, melhora a resistência à fadiga das peças, retarda o fissuramento por corrosão sob tensão, elimina distorções provenientes de tratamentos térmicos, entre outros benefícios. Entretanto, e como já foi dito, cada material e cada tipo de peça possui as suas particularidades, razão pela qual é necessário, em cada situação, estudar o processo com o maior grau de detalhes possível. A Figura 2 representa a influência do material da peça, da espessura da mesma (δ), da velocidade (v p ) e do raio da esfera (R) sobre o perfil de tensões residuais, Schiffner et al. (1999). Figura 2. Influência de diversos fatores no perfil de tensões residuais

3 3. ZONA PLÁSTICA Cada impacto provoca o surgimento de uma pequena zona plástica. Ao longo do tempo, o fluxo do jato de esferas sobre a superfície possibilita o surgimento sucessivo de regiões plastificadas até formar uma camada plástica uniforme de espessura h p, Al-Obaid (1995). As deformações locais produzidas por cada impacto irão interagir umas com as outras, originando um valor final médio em toda a superfície, de maneira que o estado final de tensão é provocado como um resultado do efeito integrado de ações progressivas e não por uma ação instantânea sobre a mesma. A seguir é apresentada a equação empregada para calcular a profundidade da zona plástica (h p ) atingida após os impactos. h p = 3R 2 3 ρv p 2 p 1 4 onde ρ é a densidade do material, R o raio do projétil e V p a velocidade do projétil e p usualmente considera-se p = 3σ e, sendo σ e a tensão de escoamento do material analisado. Esta equação relaciona os parâmetros no processo de jateamento. A equação revela que o valor da profundidade da zona plástica é incrementado com o aumento de tamanho da esfera, o aumento da densidade e da velocidade e é inversamente proporcional à dureza da superfície. Na medida em que se aumenta o limite de escoamento, maior será a dureza do material. (1) 4. MODELAGEM POR ELEMENTOS FINITOS Empregando o programa comercial de Elementos Finitos, LUSAS (2000), foi feita a modelagem do impacto simultâneo de três bolas de aço, sobre uma placa de aço Al94-4. O diâmetro selecionado, de acordo com o que ocorre na prática foi de 0,8 mm, e as suas propriedades mecânicas importantes para a análise estabelecidas como: Módulo de Elasticidades E = MPa, coeficiente de Poisson ν = 0.3 e limite de escoamento do material σ e = 1600 MPa. O comprimento e espessura especificados para a placa foram, respectivamente, de 30 mm e de 5 mm. Para ambos materiais empregou-se o critério de plastificação de von Mises. Os elementos finitos utilizados na modelagem foram triangulares, TAX3E (empregados nas zonas de transição), e quadriláteros, QAX4E (para modelar a zona do impacto), ambos elementos com formulação dinâmica explícita. Esta modelagem foi semelhante à empregada por Benítez et al (2000), para simular um ensaio de tração e apresentando bons resultados. Para modelar a zona de contato entre o projétil e a placa, foram definidas linhas de deslizamento (slidelines), a velocidade do impacto foi 100 m/s. A Figura 3 apresenta uma modelagem em que foram utilizados elementos finitos com formulação explícita, empregados para simular um estado plano de deformação. Podem ser observadas as principais características do modelo, denominado shot3: malha de elementos finitos, condições de contorno e carregamento aplicado. Esta modelagem tem a inconveniência de representar a região de contacto como uma linha, ao invés de um ponto.

4 Figura 3. Malha de elementos finitos, condições de contorno, carregamento e linhas de deslizamento para o contacto no modelo shot3. Figura 4. Distribuição da deformação plástica ε px Na Figura 4 pode ser observado que na zona do impacto dos projéteis, os valores de deformação possuem sinal de tração. Isto comprova os resultados experimentais obtidos por Kobayashi et al (1998), onde foi constatado que na região externa ao impacto surgem as deformações de compressão. Pode se induzir pela Figura 4 que a distribuição uniforme de tensões e de deformações residuais pode ser alcançada pelo efeito de múltiplos impactos.

5 Deformação 0,014 0,012 0,01 0,008 0,006 0,004 (1) 0, ,0005 0,001 0,0015 0,002-0,002 (2) -0,004 Distância [m] Figura 5. Gráficos de deformação plástica na zona do impacto e na vizinhança A Figura 5 apresenta o gráfico com as curvas correspondentes aos valores das deformações ao longo da espessura da peça até uma profundidade de 2 mm no centro da região do impacto (curva 1), e fora da região do impacto (curva 2). Figura 6. Distribuição da tensão residual σ R x [Pa] A Figura 6 ilustra a tendência de ocorrer um aumento dos níveis de tensões nas regiões correspondentes aos impactos dos projéteis, mesma ao acontecido com as deformações. Nas regiões afastadas da zona do impacto dos projéteis, surgem tensões residuais de compressão. Estes resultados também confirmam aqueles obtidos experimentalmente por Kobayashi et al (1998).

6 Tensões [MPa] (1) 0 0,0002 0,0004 0,0006 0,0008 0,001 0,0012 0,0014 0,0016 0,0018 0,002 (2) Distância [m] Figura 7. Gráficos das tensões residuais σ xx na zona de impacto e na vizinhança A Figura 7 apresenta os gráficos correspondentes aos valores das tensões ao longo da espessura da peça até uma profundidade de 2 mm na região do impacto ( curva 1) e na vizinhança da zona de impacto dos projéteis (curva 2). Aplicando a equação (1), Al-Obaid (1995), com ρ = 7800 kg/m 3, V = 100 m/s, p = 3σ e, (σ e = 1600 MPa, para uma taxa de deformação de 1,3) e R = 0,4 mm, foi obtida uma profundidade da zona plástica h p igual a 0,38 mm. Através da modelagem, tomando como referência a zona da vizinhança e não a região do impacto direto, foi obtida uma profundidade da zona plástica h p = 0,36 mm, sendo a diferença em relação ao valor fornecido pela equação (1) de apenas 5,26 %. 5. CONCLUSÕES A modelagem do processo de jateamento por granalha apresentou uma distribuição de tensões residuais de compressão na superfície da placa, originada pelo impacto, sendo o pico de tensão localizado a uma pequena distância abaixo da superfície (neste caso aproximadamente de 0,2 mm). Verificou-se que as deformações residuais foram de tração na zona do impacto e de compressão nas regiões vizinhas. Somente através da aplicação de múltiplos impactos é possível obter-se uma camada uniforme de tensões e deformações de compressão, que podem propiciar um aumento considerável de vida a fadiga. Neste estudo pode-se concluir que, na região do impacto, a profundidade da zona plástica define a transição entre os valores das tensões de compressão e tração ao longo da espessura da placa. Este aspecto possibilita determinar a profundidade da camada superficial de tensões residuais de compressão para o material analisado. O valor da profundidade da zona plástica apresentou uma boa concordância quando comparado como o valor obtido mediante o uso de expressões encontradas na literatura especializada, que por sua vez concordaram com resultados experimentais. O algoritmo de tipo explícito, empregado na modelagem do jateamento por granalha, revelou-se muito eficiente para este tipo de simulação, devido à facilidade de sua implementação e a rapidez na geração dos resultados. A utilização de diferentes tipos de elementos numa mesma malha para a simulação de fenômenos de contato pode ser de difícil implementação. Neste trabalho, essa dificuldade foi contornada através do emprego de linhas de deslizamento, o que facilitou significativamente a construção do modelo.

7 Com o desenvolvimento deste trabalho pôde verificar-se que a modelagem do processo de jateamento por granalha pode constituir-se numa poderosa ferramenta, tanto para o controle dos parâmetros do processo de jateamento como para a previsão do valor de tensão residual de compressão induzido para um determinado material. Conhecendo-se estes valores de tensão residual, poder-se-ia implementar modelos bi ou tridimensionais. A escolha dos parâmetros do processo tornar-se-ia iterativa de acordo com os resultados de tensões e deformações residuais obtidos na análise. 6. BIBLIOGRAFIA Al-Obaid, Y. F. The automated simulation of dynamic non-linearity to shot-peening mechanics. Computers & Structures, New York, v.40, n.6, p , Al-Obaid, Y. F. Shot peening mechanics: experimental and theoretical analysis. Mechanics of Materials, Amsterdam, v.19, n.2/3, p , Benítez, D.; Gonçalves, E. Modelagem do processo de jateamento empregando o Método dos Elementos Finitos. V Congreso Iberoamericano de Ingenieria Mecánica y IV Congreso Nacional de Ingeniería Mecánica, Mérida, Venezuela, Octubre Benítez, D. Metodologia de análise da influência das tensões residuais no comportamento à fratura. São Paulo, p. (Tese de Doutorado - Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EPUSP)). Drechsler, A.; Dörr, T.; Wagner, L. Mechanical surface treatments on Ti-10V-2Fe-3Al for improved fatigue resistance. Materials Science and Engineering, Lausanne, v.243, n.1/2, p , mar., Kobayashi, M.; Matsui, T.; Murakami, Y. Mechanism of creation of compressive residual stress by shot peening. International Journal of Fatigue, Surrey, v. 20, n. 5, p , LUSAS. Theory manual. United Kingdom: FEA Ltd., Schiffner, K.; Helling, C.D. Simulation of residual stresses by shot peening. Computers and Structures, New York, v.72, n.1/3, p , jul./ago.,1999. The Wheelebrator Corporation. Shot Peening. 10.ed. Minshawaka: Wheelabrator, p. FINITE ELEMENT SHOT PEENING SIMULATION FOR RESIDUAL STRESS AND STRAIN ANALYSIS D. Benítez, Dr. Eng. Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo SP, Brasil. danielbb@usp.br E. Gonçalves, PhD. Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Brasil. edison@usp.br Miguel A. Calle Gonzales, Eng. Centro de Estruturas Navais e Oceânicas da Universidade de São Paulo, Brasil. miguelon_calle@yahoo.com Abstract. Shot peening is one of the surface treatments for metals. It is largely used to increase fatigue and fracture strength of metals. This study was performed using the Finite Element Method with the main objective of simulate the shot peening process to evaluate the residual stresses and strain. Shot peening was simulated considering three shot impact of small hard spheres against a

8 plate considering plane strain model. An integration explicit dynamic algorithm was employed, taking into consideration the elastic plastic behavior of the three spheres in contact with the plate. Slidelines were utilized to simulate the impact zones. The obtained results were compared with experimental results found in specialized literature. The finite elements professional software denominated LUSAS was used in the simulation. Keywords. Shot-peening, residual stress, finite elements.