VARIAÇÕES CLIMÁTICAS LOCAIS: UMA APLICAÇÃO DO CONCEITO DE TEMPERATURA EFETIVA

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1 VARIAÇÕES CLIMÁTICAS LOCAIS: UMA APLICAÇÃO DO CONCEITO DE TEMPERATURA EFETIVA Rafael Calixto 1 Nisia Krusche 2 RESUMO Uma das preocupações mundiais são as grandes variações temperaturas globais, que podem vir a ser um dos grandes problemas enfrentados pela população mundial nos próximos anos. Para uma melhor compreensão desse fenômeno, o presente trabalho propõe a validação dos dados de temperatura e umidade específica da Reanálise, do NCEP-NCAR, para três cidades do Rio Grande do Sul. Realiza-se, também, uma avaliação do conteúdo de calor superficial, que considera, além da temperatura, a contribuição potencial da umidade específica para o aquecimento. Para a validação dos dados com uma significância de 90% no teste de Kolmogorov-Smirnov, foi encontrado que a série de dados observados de Rio Grande apresenta similaridade aos de Reanálise, enquanto as séries de temperatura de Porto Alegre e Santa Maria não apresentam. Para a umidade específica, os dados de Santa Maria e Rio Grande são semelhantes e os dados de Porto Alegre não. Nas anomalias, todas as séries são representativas de uma mesma população. Para as temperaturas efetivas, os resultados encontrados demonstram que as calculadas com os dados de Reanálise se mostram similares com as calculadas com os dados observados. Adicionalmente, a metodologia proposta foi bastante satisfatória, pois os dados foram validados, tornando viável a utilização de séries mais longas de temperatura e umidade específica possibilitando a expansão do trabalho para o estado inteiro. ABSTRACT One of the global concerns is the increase of temperature in the last century, which accelerated in the last decade. To fully understand this problem, this article attempts to validate temperature and specific humidity data from NCEP/NCAR Reanalysis at three cities in Rio Grande do Sul. The surface heat content, which considers the contribution of both temperature and specific humidity to the global warming, is also evaluated. According to the Kolmogorov-Smirnov test, the observed temperature series of Porto Alegre and Santa Maria, and the observed specific humidity Porto Alegre are no t similar to the Reanalysis ones, although all the others are. After calculating the anomalies, all data were representatives of the same population. The comparison for the effective temperatures series demonstrated that both the observed data and the Reanalysis data produced similar results. Moreover, this methodology was satisfactory, since the data have been validated. Therefore, the use to longer series of temperature and specific humidity to calculate the effective temperature is reasonable, favoring the expansion of the work for the entire state. Palavras-Chave: variações climáticas, temperatura efetiva, aquecimento global. INTRODUÇÃO Todos dos cinco anos mais quentes desde o início dos registros climáticos modernos, em 1880, ocorreram na última década. Para os cientistas, o mais preocupante é que a temperatura do planeta atingiu o mesmo patamar de momentos incomuns, sem precisar da ajuda de um fenômeno climático, como o El Niño. O aquecimento total nos últimos 100 anos é de 0,8ºC e, deste total, 0,6ºC aconteceu nas últimas três décadas (NASA, 2005). 1 Fundação Universidade Federal do Rio Grande, Caixa Postal 474, , Rio Grande, RS. Tel.: (53) , geocal@furg.br. 2 nkrusche@furg.br 1

2 O termo aquecimento global tem sido usado para descrever o que se pode observar no aumento da temperatura do ar superficial no século XX, segundo Pielke (2004). Este aumento da temperatura teria como causa principal o aumento da concentração de CO 2 na atmosfera devido à queima de combustíveis fósseis (IPCC, 2001). Pielke (2003) propõe a aplicação dos conceitos de mudanças de temperatura no oceano, por exemplo, para diagnosticar mudanças no aquecimento do sistema climático da Terra. Os oceanos são os componentes do sistema climático no qual o maior número de mudanças de aquecimento ou esfriamento realmente ocorre. Propõe também que seja considerada a contribuição do calor latente de evaporação à pressão constante quando do cálculo da temperatura. Em um trabalho anterior (Calixto e Krusche, 2004), foi calculada a temperatura efetiva, que é a temperatura associada à soma da contribuição do calor latente com a energia estática seca, para Rio Grande. Demonstrou-se que houve um aumento de aproximadamente 1ºC na temperatura no período de 1990 a Em outro trabalho (Calixto e Krusche, 2005), para que fosse efetuada a comparação entre três locais com características geográficas distintas: como diferenças significativas no relevo, na quantidade de precipitação e na região de localização como um todo, foi calculada a temperatura efetiva para Santa Maria e Porto Alegre. Aumento similar ao do primeiro trabalho foi encontrado para as outras duas estações, mostrando também que existe forte dependência da temperatura em relação a variação latitudinal. Percebeu-se nos trabalhos acima citados, a necessidade de uma série mais longa de dados para a identificação das variações de temperatura efetiva. Propõe-se utilizar dados de Reanálise, pois esses são registros de mais de 50 anos de análises globais de variáveis atmosféricas que servem para dar suporte às pesquisas climáticas. Esses dados são produzidos pelo NCEP (National Center for Environmental Prediction) e pelo NCAR (National Center for Atmospheric Research), conforme Kistler et al. (2001). Propõem-se comparar os dados da Reanálise NCEP/NCAR com dados observados em três estações meteorológicas de superfície, para as varáveis temperatura e umidade específica. Essa validação visa à expansão dos trabalhos já citados para uma região maior e uma série mais consistente que possa realmente determinar o aquecimento global no estado. Pretende-se, caso a validação seja efetiva, a determinação da variação desses parâmetros por um longo período, o que permitirá estimar mais adequadamente a variabilidade climática nesta região. A seguir são descritos os métodos utilizados para a validação dos dados. Logo após são discutidos os resultados, mostrando que os dados são mais representativos para regiões litorâneas; bem como as etapas futuras do trabalho, isto é, o cálculo das tendências de aquecimento e a variabilidade climática presente no período analisado. 2

3 METODOLOGIA A cidade de Rio Grande está localizada na Planície Costeira Sul do Rio Grande do Sul, apresenta topografia plana e suas terras estão em constante evolução pela progressão do delta submerso da Lagoa dos Patos (Villwock e Tomazelli, 1995). Sua latitude é de 32º 04 S e longitude de 52º 10 W e está a uma altitude aproximada de 2 m acima do nível do mar (INMET, 2006). A cidade de Santa Maria, localizada na região central do estado com latitude de 29º 42 S e longitude de 53º 42 W, com altitude média de 95 m acima do nível do mar e um total de precipitação em torno de 1700 mm (INMET, 2006). Está localizada sobre a depressão central do Rio Grande do Sul (Ross, 1998). Já a cidade de Porto Alegre, a leste do Rio Grande do Sul, localizada a 30º 10 S e a 51º 12 W e a uma altitude de 72, 9 m (INMET, 2006). Foram utilizados dados das estações meteorológicas do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) acima citadas como temperatura, umidade relativa e pressão coletados entre os anos de 1994 e A umidade específica foi calculada através da equação de Clausius-Clayperon (Wallace e Hobbs, 1977). Os dados a serem validados foram os de temperatura e umidade específica da Reanálise NCEP/NCAR para o mesmo período de 1994 a Segundo a classificação das variáveis geradas pelo Reanálise, estas são da classe B, que tem seus dados influenciados por observações e pelo modelo utilizado pelo NCEP/NCAR, possuindo relativa confiabilidade (Kistler et al., 2001). A grade utilizada está localizada entre 20º S e 45º S e entre 40º W e 65ºW, para que pudessem ser efetuadas as interpolações necessárias à obtenção dos dados para a localização exata de cada cidade. Esse teste de Kolmogorov-Smirnov (Conover, 1980) é aplicado para verificar se os valores de certa amostra de dados podem ser considerados como provenientes de uma população teórica preestabelecida, sob a hipótese da nulidade. Ele é também estendido para verificar se duas amostras são provenientes de uma mesma população. É calculado o valor de referência para o nível de significância em que se deseja enquadrar a séries e comparado com a diferença entre as distribuições de freqüência para as duas amostras. RESULTADOS A comparação das médias de temperatura mostra que os dados de Reanálise para Porto Alegre superestimam as máximas e mantêm as mínimas com valores semelhantes aos observados na maioria dos anos observados. Já para Santa Maria há uma pequena diferença e para Rio Grande subestimam as máximas e superestima as mínimas temperaturas (figuras não apresentadas). Essa diferença entre os valores observados e os de Reanálise pode provavelmente ser explicada pela geração dos dados, por modelo, em terrenos com variação brusca de topografia. Tanto Porto Alegre quanto Santa Maria estão nas proximidades da Serra do Mar, cuja altitude é de cerca de 1000 m. 3

4 Fato contrário é o da cidade de Rio Grande que se encontra sobre a planície costeira; outro fato importante é o de os dados de Reanálise com melhor similaridade com os dados observados estarem na localidade mais litorânea do estudo. Fato semelhante ao ocorrido com as temperaturas ocorre também com os dados de umidade específica de Porto Alegre. Já as anomalias de umidade específica de Porto Alegre apresentam-se semelhantemente relacionadas com os dados observados. As diferenças encontradas são principalmente no verão e no inverno. Para Rio Grande os dados apresentam-se semelhantes. A distribuição de freqüência dos dados de temperatura e umidade específica mostra que, para a cidade de Porto Alegre, a distribuição dos dados de Reanálise mostra-se deslocada em relação às distribuições dos dados observados, apresentando os dados mais concentrados no final da distribuição, em relação à distribuição dos dados observados, confirmando o observado da comparação das séries temporais. Para a distribuição de freqüência de Rio Grande, a temperatura mostra-se distribuída de forma semelhante tanto nos dados observados como nas Reanálises. Para as anomalias, as distribuições de freqüências tanto de temperatura como de umidade, mostram-se semelhantes entre os dados observados e os dados de Reanálise para as três localidades em questão e para as duas variáveis, isto é, os dados têm uma distribuição similar para a observação e para a Reanálise. O resultado do teste de Kolmogorov-Smirnov (tabela 1) demonstra que somente as anomalias são amostras da mesma população para os três locais e para as duas variáveis. Tabela 1: Resumo do teste de Kolmogorov Smirnov para Porto Alegre, Santa Maria e Rio Grande, onde 0,16 é o valor de referência. Localidade Variável Anomalia Temperatura Umidade Temperatura Umidade Rio Grande 0,07 0,06 0,07 0,07 Santa Maria 0,17 0,03 0,12 0,02 Porto Alegre 0,20 0,18 0,12 0,02 A anomalia das médias anuais das temperaturas efetivas dos dados observados (fig. 1a), comparada com a anomalia da média das temperaturas efetivas da Reanálise (fig. 1c) mostra que os dados são bastante semelhantes entre si, ocorrendo apenas alguma diferença nos anos de 1996, 1997 e Nos dados de temperatura efetiva dos dados de Reanálise (fig. 1d) nota-se uma variação de aproximadamente 0,5ºC no início da série para os dados observados (fig. 1a), além de os dados de Reanálise, tanto de temperatura (fig. 1b e 1d) quanto de temperatura efetiva (fig. 1a e 1b) estarem superestimados para as três cidades. 4

5 Figura 1: Anomalia das médias anuais de (a) temperatura efetiva e (b) temperatura dos dados Anomalia das médias anuais de (c) temperatura efetiva e (d) temperatura dos dados de reanálise observados para Porto Alegre (linha contínua), Santa Maria (linha tracejada-pontilhada) e Rio Grande (linha tracejada); no período de 1994 a Os diagramas de dispersão das médias mensais, tanto de umidade específica como de temperatura de Porto Alegre, reforçam os resultados encontrados nas distribuições de freqüência, onde as distribuições mostram que as anomalias das médias da Reanálise são mais fiéis aos dados observados do às médias da Reanálise propriamente ditas que não possuem uma distribuição coerente com os dados observados. Figura 2: Dispersão das médias mensais de temperatura efetiva para (a) Porto Alegre, (c) Santa Maria e (e) Rio Grande. Dispersão das anomalias das médias mensais de temperatura efetiva para (b) Porto Alegre, (d) Santa Maria e (f) Rio Grande no período de janeiro de 1994 a dezembro de 2003; onde Te é temperatura efetiva. Para as dispersões dos dados de temperatura efetiva das três cidades em estudo pode-se observar que os dados de Rio Grande apresentam os máximos valores menores do que os apresentados por Porto Alegre e Santa Maria, bem como os menores valores. Nas anomalias esse fato não se apresenta tão marcadamente. Entretanto, a dispersão é mínima tanto para as médias mensais quanto para as anomalias. CONCLUSÃO Para Porto Alegre e Santa Maria os dados de temperatura de Reanálise não são amostras da mesma população que os dados observados. O mesmo acontece para os dados de umidade 5

6 específica de Porto Alegre. As anomalias de Porto Alegre, Santa Maria e Rio Grande para as duas variáveis são amostras da mesma população. Já as anomalias de temperatura efetiva dos dados de Reanálise apresentam a mesma variação dos dados observados de temperatura efetiva. A distribuição de freqüência das anomalias dos dados de temperatura de Porto Alegre da Reanálise parece corrigir os dados em relação aos dados observados, mostrando que os erros encontrados são influenciados pelas médias dos dados de Reanálise. Portanto, as anomalias de temperatura efetiva de Reanálise podem ser utilizadas para analisar variações climáticas na região em estudo, possivelmente por períodos maiores que o analisado. Como etapas futuras, o trabalho será ampliado para um período maior dos dados de Reanálise, ou seja, de 1948 a Além disso, será efetuado o cálculo da temperatura efetiva para o mesmo período visando estimar a tendência de aquecimento global no estado do Rio Grande do Sul. AGRADECIMENTOS O projeto PESQUECLIMA está sendo financiando pelo CNPq, através dos Editais Universal 019/2004, processo número /2004-6, e pela FAPERGS, através do Edital PROCOREDES 2 001/2005, processo número 05/ Agradecemos dados disponibilizados para esse trabalho pelo 8º Distrito de Meteorologia do INMET e ao NCEP/NCAR. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CALIXTO, R. T., KRUSCHE, N. Aquecimento Global em Escala Local. In: Mostra de Produção Universitária, III, 2004, Rio Grande. Relação de Trabalhos. Rio Grande: FURG, CALIXTO, R. T., Aquecimento Global no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. In: Congresso Argentino de Meteorologia, IX, 2005, Buenos Aires Anais do IX Congremet. Buenos Aires: Centro Argentino de Meteorologia, p CONOVER, W. J., Practical Nonparametric Statistics. 2º Ed. New York: John Wiley & Sons, Climate Change 2001: the scientific basis. Intergovernmental panel on climate change (IPCC). Cambridge University Press, Disponível em: < Acesso em: 14 março KISTLER, R. Et al. The NCEP-NCAR 50-year Reanalysis: Monthly Means CD-ROM and Documentation. Bull. Amer. Meteor. Soc., Boston, 82, 2, , Feb INMET (Brasil), Instituto Nacional de Meteorologia < Acesso em: 25 julho NASA (EUA) Was Warmest Year in Over a Century. Disponível em: < Acesso em: 10 julho PIELKE, R. A. Heat Storage Within the Earth System. Bull. Amer. Meteor. Soc., Boston, 84, 3, , Mar PIELKE, R. A., DAVEY, C., MORGAN, J., Assessing Global Warming with Surface Heat Content. Eos Transactions, Washington, 85, , May WALLACE, J. M., HOBBS, P. V. Atmospheric Science: an introductory survey. New York: Academic Press, Inc,