TÓPICO ESPECIAL Agosto

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1 Jan-94 Dec-94 Nov-95 Oct-96 Sep-97 Aug-98 Jul-99 Jun-00 May-01 Apr-02 Mar-03 Feb-04 Jan-05 Dec-05 Nov-06 Oct-07 Sep-08 Aug-09 Jul-10 Jun-11 May-12 Apr-13 Mar-14 Feb-15 Mar-10 Jul-10 Nov-10 Mar-11 Jul-11 Nov-11 Mar-12 Jul-12 Nov-12 Mar-13 Jul-13 Nov-13 Mar-14 Jul-14 Nov-14 Mar-15 TÓPICO ESPECIAL Agosto Substituição de importações e o ajuste da economia brasileira Hugo Ribas Costa Fernando Honorato Barbosa A economia brasileira passa por um ajuste econômico clássico para lidar com os elevados déficits externo e fiscal dos últimos anos. Quando somados, os chamados déficits gêmeos posicionam o Brasil entre os países com um dos piores desempenhos do mundo. Do lado fiscal há uma série de iniciativas que pretendem reverter a trajetória de deterioração das contas públicas, mas elas são limitadas pela rigidez dos gastos obrigatórios, pela queda de receitas e pela falta de consenso político. Do lado externo, por sua vez, o ajuste irá necessariamente ocorrer em vistas de dois fatos consumados: o baixo crescimento econômico e a depreciação do Real. O objetivo deste Tópico Especial é tratar particularmente do ajuste do setor externo, com ênfase no processo clássico de substituição de importações e suas implicações setoriais que podem contribuir para o crescimento da economia adiante. O aumento dos gastos públicos e a ampliação do consumo das famílias estão na origem do déficit externo dos últimos anos, que chegou a atingir 4,6% do PIB. O país conviveu durante muito tempo com excesso de utilização de capacidade instalada, fortes pressões salariais, elevada inflação e câmbio apreciado, sintomas de desequilíbrios macroeconômicos que produziram a ampliação do déficit externo. Sem o vetor de crescimento vindo dos preços das commodities, por conta da deterioração do ambiente global, esses desequilíbrios se traduziram em recessão e deterioração da dinâmica da dívida nos últimos trimestres (Gráfico 1), pressionando o ambiente político e os preços dos ativos. Com isso houve uma depreciação efetiva do câmbio real (Gráfico 2) que, somado ao baixo crescimento, criam as condições necessárias para que haja um ajuste nas contas externas Gráfico 1: Desempenho fiscal e atividade Gráfico 2 - Câmbio Real (A preços de agosto/2015) (Cesta de moedas 20 países ) Fonte: BCB, BRAM (ago/15): PIB (Índice 100 = mar/2010) Fonte: IBGE, BCB, BRAM Dívida Bruta (% PIB, dir.) De fato, olhando do ponto de vista agregado, já há indícios de ajustes nas contas externas. O déficit em conta corrente passou de um ritmo anualizado de US$ 118 bilhões no final do ano passado para algo próximo a US$ 58 bilhões recentemente (Gráfico 3). Esse ajuste decorre tanto de menores gastos com viagens e passagens aéreas, como da melhora da balança comercial. As importações em 1

2 jan-06 ago-06 mar-07 out-07 mai-08 dez-08 jul-09 fev-10 set-10 abr-11 nov-11 jun-12 jan-13 ago-13 mar-14 out-14 mai-15 Jan-05 Jul-05 Jan-06 Jul-06 Jan-07 Jul-07 Jan-08 Jul-08 Jan-09 Jul-09 Jan-10 Jul-10 Jan-11 Jul-11 Jan-12 Jul-12 Jan-13 Jul-13 Jan-14 Jul-14 Jan-15 TÓPICO ESPECIAL quantum já cederam cerca de 16% desde o pico e as exportações gradualmente vão se recuperando (Gráfico 4). O efeito sobre a balança comercial já é notável. Se até julho de 2014 a balança comercial acumulava déficit de US$3,9 bilhões no ano, no mesmo período de 2015 a balança comercial registra superávit de US$4,6 bilhões. O efeito só não é maior justamente por conta da queda nos preços de exportação. No passado, em períodos de crises similares à atual, o baixo crescimento e a desvalorização cambial produziram efeitos rápidos sobre o setor externo. Entre 1998 e 1999, as transações correntes saíram de um déficit de US$34 bilhões para US$23 bilhões em meio a uma forte queda nos termos de troca. Entre 2002 e 2003, o saldo em transações correntes recuou de um déficit de US$25,0 bilhões para US$10,7 bilhões nesse intervalo Gráfico 3 - Transações correntes (US$ bilhões, dessazonalizado e anualizado - Média trimestral) 18.5 Fonte: BRAM Gráfico 4: Exportações e Importações Índice de Quantidade Fonte: FUNCEX Exportações Importações Vale salientar, entretanto, que o déficit externo tem se reduzido por conta de fatores locais e não por uma crise de financiamento do balanço de pagamentos. As elevadas reservas internacionais e a baixa dívida pública externa não indicam dificuldades de financiamento externo. De toda forma, como o ajuste fiscal tem esbarrado em alguns limites e as commodities têm caído de preço, o prêmio de risco do país se amplia, produzindo uma depreciação da moeda que ocorre a despeito da ausência de grandes problemas no financiamento do balanço de pagamentos. Logo, independente da origem do fenômeno, o fato é que o país tende a ver uma ampliação do ajuste externo nos próximos anos, que contribui para atenuar a percepção de risco adiante. Obviamente, se houver um colapso nos preços das commodities em função de uma grave crise na China, por exemplo o ajuste externo será mais lento, mas ainda assim a direção não será alterada. Para que o ajuste externo possa contribuir para o crescimento da economia, por sua vez, uma sequência de fatos precisa ser observada. Em primeiro lugar, o deslocamento de demanda de produtos importados por produtos locais precisa consumir os estoques industriais existentes, que estão muito elevados (Gráfico 5). Depois disso, é preciso que essa demanda comece a se traduzir em maior produção local, ocupando o excesso de capacidade ociosa, para que haja maior investimento (Gráfico 6). A ociosidade em si é uma condição necessária para que a indústria local possa dar conta de atender o deslocamento da demanda externa para o país. E, por fim, é preciso que a inflação, incluindo a de salários, seja baixa o suficiente para que os benefícios dessa maior competitividade externa não se percam. A ociosidade da indústria, juntamente com aquela que vem se desenhando no mercado de trabalho, é uma condição importante para que haja baixa inflação. Entretanto, não será suficiente se a política econômica não se mantiver restritiva, de modo que a indexação prevaleça sobre a ociosidade. Se essa sequência for observada, é possível que o ajuste externo contribua efetivamente para uma alguma recuperação do crescimento nos próximos trimestres. 2

3 Feb-08 Jul-08 Dec-08 May-09 Oct-09 Mar-10 Aug-10 Jan-11 Jun-11 Nov-11 Apr-12 Sep-12 Feb-13 Jul-13 Dec-13 May-14 Oct-14 Mar-15 Aug-15 Feb-03 Aug-03 Feb-04 Aug-04 Feb-05 Aug-05 Feb-06 Aug-06 Feb-07 Aug-07 Feb-08 Aug-08 Feb-09 Aug-09 Feb-10 Aug-10 Feb-11 Aug-11 Feb-12 Aug-12 Feb-13 Aug-13 Feb-14 Aug-14 Feb-15 Aug-15 TÓPICO ESPECIAL Gráfico 5 - Estoques da Indústria dessazonalizado Gráfico 6 - Utilização da capacidade instalada (Indústria Geral) Fonte: FGV Fonte: FGV estoque mensal média 2003 a 2013 De toda forma, é importante registrar que o processo de substituição de importações não produz crescimento de longo prazo. Apenas a abertura comercial e a integração do país em cadeias globais é que pode expandir a fronteira de produção de maneira mais permanente. Mas a substituição de importações pode dar o impulso inicial até que a economia se rearranje e encontre novas formas de se tornar mais produtiva. Esse processo não pode prescindir de um ajuste fiscal que sinalize claramente para a estabilização da dívida pública e contribua para a redução do custo de capital da economia, fator chave para contribuir para a competitividade. Partindo para uma discussão mais específica, do ponto de vista setorial já é possível identificar alguns beneficiários da depreciação cambial. Já se nota alguma redução do coeficiente de penetração das importações 1 (C.P.I) ou aumento do coeficiente de exportações (C.E.) em setores específicos ainda que, no agregado, essas alterações sejam muito tímidas (Tabela 1). Ao verificarmos a variação entre o segundo trimestre de 2014 e o segundo de 2015, os setores de outros equipamentos de transporte, derivados de petróleo, calçados e couros, fumo e produtos diversos apresentaram redução na penetração de importações, ou seja, queda no consumo de bens importados em relação ao total consumido no país. No caso de metalurgia, madeira, têxtil, informática e eletrônicos, minerais não metálicos e papel e celulose nota-se o aumento do coeficiente de exportação (C.E), ou seja, aumento da parcela produzida que tem como destino o consumo externo. Ao calcularmos a razão do coeficiente de exportação pelo de importação 2 (C.E / C.P.I) somos capazes de identificar os setores que tiveram o maior benefício liquido (aumento de exportações e queda de importações) nesse período, são eles: fumo, madeira, papel e celulose, minerais não metálicos, metalurgia, têxtil, calçados e couros e produtos de metal. 1 O Coeficiente de penetração das importações corresponde à razão entre o valor das importações e o consumo aparente (valor da produção valor das exportações + valor das importações). O Coeficiente de exportações corresponde à razão entre o valor exportado e o valor produzido. 2 A relação entre C.E e o C.P.I possui algumas limitações, entre elas o fato de uma queda da produção nacional levar ao aumento dessa relação, desde que a situação externa permaneça a mesma. 3

4 Tabela 1 - Variação dos coeficientes entre o 2º tri de 2015 e o 2º tri de 2014 (p.p) C.P.I C.E C. E / C.P.I Fumo Madeira Papel e celulose Min. Não metálicos Metalurgia Têxtil Calçados e couros Prod. Metal Borracha e material plástico Bebidas Móveis Impressão Máq/equip Informática/eletrônicos Prod. Diversos Químicos Veículos automotores Farmacêuticos Indústria Vestuário Máq/mat. Elétricos Outros equipam. Transporte Alimentos Derivados de petróleo Média Mediana Fonte: CNI/FUNCEX Essa mudança nos coeficientes de comércio exterior já se reflete na produção industrial desses setores. Enquanto a produção industrial total mostra queda de 6,3% no primeiro semestre, a produção combinada dos setores de fumo, madeira, papel e celulose e minerais não metálicos caiu 3,5% em termos anuais (Tabela 2). Na margem, nos primeiros seis meses do ano, enquanto a produção total caiu 2,8%, esse grupo apresentou estabilidade (-0,1%). Pode-se notar que não apenas o desempenho foi melhor do que a média da indústria, mas esses setores figuram entre os melhores desempenhos entre todos, indicando ser possível atribuir ao ajuste externo a sua melhor performance na produção (Tabela 3). A exceção se dá nos setores de alimentos e bebidas, que figuram entre os melhores desempenhos industriais, mas cujos coeficientes de exportação e importação não mostraram variação significativa, apesar de observarmos queda nos volumes importados de ambos e aumento de exportações em alimentos. TABELA 2 - Desempenho dos setores da indústria com melhora no quadro externo Setores Fumo Madeira Papel e celulose Minerais não metálicos Setores Selecionados Indústria - Total Fonte:IBGE, BRAM Peso total Produção Industrial Var. do setor em 12 meses Var. marginal jan/jun 4

5 TABELA 3 - Produção Industrial e Quantum Comercializado (% Variação na margem acumulada) Produção Quantum comercializado jan/15 - jun/15 Industrial Importações Exportações Produtos alimentícios Produtos de madeira Celulose, papel e produtos de papel Produtos diversos Produtos do fumo Produtos têxteis Bebidas Produtos de minerais não-metálicos Indústria Geral Metalurgia Couros, artigos para viagem e calçados Produtos de metal, exceto máquinas e equipamentos Fonte: IBGE, FUNCEX, BRAM De forma análoga, tanto em 1999 e em 2002 observaram-se efeitos setoriais desse processo. Enquanto entre março e setembro de 2002 a produção industrial acumulou alta na margem de 0,3%, setores como madeira, metalurgia, máquinas e equipamentos, papel e celulose, presenciaram um aumento bem acima do apresentado pela indústria, acompanhados da melhora no quantum exportado e, em alguns casos, da queda na quantidade importada. Esse mesmo raciocínio se aplica ao processo ocorrido em 1998/1999 (Tabela 4). Observamos novamente que setores como metalurgia, papel e celulose e madeira tiveram desempenho acima do apresentado pela indústria nesse período (1,7%) em que houve depreciação expressiva do câmbio. TABELA 4 - Produção Industrial e Quantum Comercializado (% Variação na margem acumulada entre as datas) Produção Quantum comercializado dez/98 - mai/99 Industrial Importações Exportações Outros equipamentos de transporte, exc. veículos auto Metalurgia básica Alimentos Produtos de madeira Celulose, papel e produtos de papel Fumo Borracha e plástico Veículos automotores Produtos de metal - excl. máquinas e equipamentos Calçados e artigos de couro Indústria Geral mar/02 - set/02 Outros equipamentos de transporte, exc. veículos auto Produtos de madeira Outros produtos químicos Metalurgia Máquinas e equipamentos Máquinas, aparelhos e materiais elétricos Celulose, papel e produtos de papel Produtos de metal, exceto máquinas e equipamentos Produtos diversos Indústria Geral Fonte: IBGE, FUNCEX, BRAM 5

6 A análise dos dados, portanto, indica que o câmbio mais depreciado já exerce influência positiva sobre alguns segmentos da indústria. Esse movimento, ainda incipiente, tende a se aprofundar dada a expectativa de baixo crescimento e de preservação ou ampliação da depreciação do câmbio real. Esse processo pode ajudar na estabilização do crescimento adiante e para a continuidade da melhora das contas externas, perfazendo o caminho que se observou nos últimos ajustes externos do Brasil (1999 e 2003), especialmente em um ambiente desfavorável para os emergentes com a queda nos preços das commodities e a menor liquidez global. 6

7 FERNANDO HONORATO BARBOSA Economista-chefe ANDRE NASCIMENTO NOGGERINI DANIEL XAVIER FRANCISCO HUGO RIBAS DA COSTA JOSE LUCIANO DA SILVA COSTA THIAGO NEVES PEREIRA Tel.: Material produzido em 28/08/2015 às 15h00 Outras edições estão disponíveis no Site: As opiniões, estimativas e previsões apresentadas neste relatório constituem o nosso julgamento e estão sujeitas a mudanças sem aviso prévio, assim como as perspectivas para os mercados financeiros, que são baseadas nas condições atuais de mercado. Acreditamos que as informações apresentadas aqui são confiáveis, mas não garantimos a sua exatidão e informamos que podem estar apresentadas de maneira resumida. Este material não tem intenção de ser uma oferta ou solicitação de compra ou venda de qualquer instrumento financeiro. BRAM - Bradesco Asset Management é a empresa responsável pela atividade de administração de recursos de terceiros do Banco Bradesco S.A. BRAM - Bradesco Asset Management - Todos os direitos reservados. 7