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4 AGRADECIMENTOS Acho que mais difícil do que lembrar todos aqueles que tiveram participação neste trabalho, e na minha trajetória até aqui, é conseguir registrar em palavras o real sentimento que dedico a cada um deles. Para começar, devo agradecer a meus pais. Sem eles, essa jornada certamente não teria sido possível. O apoio deles foi fundamental na minha decisão de deixar a cidade onde estava morando e voltar para a casa deles (que com muito carinho e razão chamam de nossa) no Rio. E, como foi um caminho, não posso deixar de agradecer-lhes pelos sacrifícios que sempre fizeram para que eu tivesse a melhor educação possível, pela presença nos momentos importantes da minha vida, pela valorosa infusão de valores, pelas conversas sempre ricas, principalmente nos jantares mais longos. Agradeço a minha irmã, que sempre foi exemplo de dedicação, pelas valiosas dicas acadêmicas, que ela conhece tão bem. Pelo incentivo que sempre deu para que eu retornasse à minha cidade natal e pela ajuda em alguns momentos de estresse e dúvida nesta fase de pesquisador. Aos meus tios Cláudio, Sônia e Marlene que, junto com minha avó, participaram da minha criação, sempre presentes, solícitos e carinhosos, um muito obrigado, que é pequeno para o que representam pra mim. Agradeço a minha amada Emanuela, pela compreensão, ajuda, carinho e, principalmente pelo amor que sempre demonstrou, sempre se superando para me entender nos dias de mau humor e cansaço. Por tudo que dividiu comigo nas conversas, viagens, trabalhos. Pela companhia sempre prazerosa. Aos meus mais que amigos, irmãos, Dedé, Thiago, Pig, Rafael e Vinícius pelo apoio, incentivo, pelos papos sempre inteligentes, pelo convívio agradável que sempre tivemos. Novamente ao Thiago e também à Renata da turma 2006 por terem sido meus veteranos presentes e na torcida por mim, desde o primeiro dia de curso no Coppead. Como não agradecer aos meus sogros e cunhada pelo carinho com que sempre me receberam e pela ajuda quando eu precisava de um espaço tranqüilo para estudar. Sem contar os almoços sensacionais preparados por dona Regina, cuja autoria sempre era reivindicada pelo Antônio. iv

5 Agradeço a minha grande amiga Silvia Rogar pela ajuda na pesquisa, pelo seu interesse na discussão dos assuntos que eu aprendia no curso e que, pra minha felicidade, nesse período casou-se com um dos meus irmãos. Não posso deixar de agradecer aos grandes amigos Iguti, Jones, Boca e Guilherme pela atenção e carinho com que sempre me receberam em São José dos Campos nas minhas visitas para a pesquisa e pela amizade que mantemos. Também não poderia me esquecer dos amigos e companheiros Marcelo, Antonini e Adriana, que tornavam as idas e vindas de São José para o Rio muito mais rápidas e agradáveis, e que, com toda a certeza, muito me ajudaram e torceram para que essa aposta desse certo. Preciso deixar um muito obrigado ao meu irmão Daniel. Um amigo inseparável, sempre disposto a ajudar com opiniões inteligentes e críticas, além de excelente figura para dividir alguns questionamentos, às vezes um pouco ácidos. Um agradecimento especial a todos os meus entrevistados, que não apenas enriqueceram este trabalho com os detalhes passados, como o tornaram possível. Aproveito para agradecer a confiança que depositaram e o tempo dispensado muitas vezes em algumas boas horas de entrevistas. A eles, preciso dizer que estas horas foram das mais prazerosas do trabalho, que naquele momento apenas iniciava. Jamais esquecerei o carinho, a atenção que me deram, as belas histórias que me contaram. Enfim, uma experiência rara e única. Também aproveito para parabenizá-los pela participação na construção dessa empresa, que é hoje mundialmente conhecida e admirada. Agradeço ao professor Respício não só por aceitar prontamente o convite para participar da defesa desta dissertação, como pelo cuidado com que tratou o trabalho e pelo imenso conhecimento da indústria que dividiu comigo sempre de forma muito simples e acessível. Aproveito para agradecer os aconselhamentos, a troca de idéias e parabenizá-lo pela criação do Instituto Cepta. Também agradeço ao professor Agrícola, não apenas pela participação nesta defesa, como também por dividir conosco todo o seu conhecimento da empresa estudada. Aos meus amigos e estrategistas Duda, Renato e Paulinha, um muito obrigado especial por tudo que vivemos nesses mais de dois anos. Pessoas brilhantes, que tornaram este trabalho mais rico, mais prazeroso e em vários momentos menos árido. Obrigado pelos debates inteligentes, pelo apoio e incentivo nos momentos de desânimo. Dessas conversas jamais me esquecerei! v

6 É impossível não agradecer e dizer que sou mais feliz pelas amizades construídas nessa jornada. Obrigado a toda a turma Aos meus amigos Marcio (agora Saraiva), Flavinha, Fred, Ricardo, Marcio Stern, Luciana, Fernando Henrique, Silvia, Pedro Ivo, Fernanda e Raquel, muito obrigado por tudo. Agradeço a todos os professores do Coppead, que tornaram esta experiência única, em especial à professora Úrsula e ao Sergio Abranches. Não posso deixar de agradecer à Cida, Simone e Lucianita pela atenção, carinho e profissionalismo com que sempre nos atenderam. Gostaria de finalizar agradecendo especialmente à professora Denise Fleck. Sem nenhuma dúvida, a professora foi fundamental para que o Mestrado se tornasse uma experiência ainda mais marcante em minha vida. Seu incentivo para que desenvolvêssemos uma visão crítica, sua dedicação na leitura dos trabalhos escritos pelos alunos, os valiosos questionamentos que sempre enriqueciam a pesquisa e, principalmente, pelo senso ético e pelo profissionalismo que servem de exemplo para quem tem a experiência de trabalhar com ela. Não posso deixar de agradecer imensamente a ela pelas inúmeras horas de atenção que dispensou a mim nos momentos em que precisei de sua ajuda. Muito obrigado por tudo! Meu muito obrigado a todos por esta experiência inesquecível! vi

7 RESUMO Guerrante, Gustavo Di Sabato. Desafios para a longevidade saudável das organizações após processos de reestruturação organizacional: o caso Embraer. Orientadora: Denise Lima Fleck. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, Dissertação (Mestrado em Administração) A Empresa Brasileira de Aeronáutica S/A - Embraer é um caso raro num país em desenvolvimento como o Brasil. Inserida numa indústria que, ao longo da história, não perdoou um grande número de corporações, a empresa brasileira manteve um crescimento forte, principalmente durante os anos 70 e a segunda metade da década de 90, até se tornar a quarta maior fabricante de aeronaves, perdendo apenas para Boeing, Airbus e Bombardier. No entanto, para estudá-la é importante voltar no tempo e entender o papel do governo brasileiro e, principalmente, de dois empreendedores de atuação crucial em sua história: o brigadeiro Casimiro Montenegro, que construiu no país uma escola de excelência que se tornou um celeiro de conhecimento e empreendedores, e Ozires Silva, o engenheiro aeronáutico e aviador que permitiu que do CTA nascesse a Embraer. A empresa brasileira de aeronáutica, ao longo de seus quase 40 anos de história, se capacitou para oferecer ao mercado aviões cada vez mais competitivos, até mais do que aqueles oriundos de países nos quais a indústria já vivia a maturidade quando a Embraer ainda nascia. A oferta destes produtos permitiu que a Embraer se tornasse uma protagonista no setor, tendo inclusive contribuído para induzir algumas tendências da indústria aeronáutica, como o desenvolvimento de aeronaves baseado em parcerias de risco. O presente estudo tem como objetivo levar ao entendimento de como a empresa respondeu aos desafios do crescimento propostos por Fleck (2006), buscando identificar se a empresa desenvolveu capacitações que a tornam propensa à longevidade saudável ou a autodestruição, bem como entender os impactos da privatização numa empresa inserida numa indústria dependente de capital estatal. Dividindo a história da empresa em dois períodos, a análise da trajetória de crescimento da Embraer, com uso do modelo de arquétipos de Fleck (2006), sugere-se que a empresa desenvolveu capacitações empreendedoras desde o princípio em quase todas as dimensões, e que tais capacitações foram mantidas mesmo após um período de grave crise que antecedeu a privatização, graças principalmente ao seu quadro de engenharia altamente capacitado, que se mantém até hoje. No entanto, não se pode dizer o mesmo com relação à gestão dos recursos vii

8 humanos e da integridade da firma, que no longo prazo, indicam que pode haver risco a longevidade da empresa. viii

9 ABSTRACT Guerrante, Gustavo Di Sabato. Embraer: a caminho da longevidade saudável? Orientadora: Denise Lima Fleck. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, Dissertação (Mestrado em Administração) Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A. - Embraer is a rare case in a country under development such as Brazil. Inserted in an industry that, throughout the history, hasn t forgiven a great number of corporations, the Brazilian company has maintained a strong growth, mainly in the 70 s and the second half of the 90 s, until became the fourth bigger airplane manufacturer, only after Boeing, Airbus and Bombardier. However, in order to study Embraer, it is important to go back in time and understand the role of the Brazilian government and, mainly, of two entrepreneurs of crucial participation in its history: air force general Casimiro Montenegro, which built in the country a school of excellence that became a barn of knowledge and entrepreneurs; and Ozires Silva, the aeronautical engineer and aviator which enabled Embraer to be born from CTA. The aeronautical Brazilian company, throughout its almost forty years of history, qualified itself to offer to the market airplanes more and more competitive, even more than the ones arising from countries in which the industry was already mature when Embraer was born. The offer of such products allowed Embraer to become an important character in the sector, having also contributed to induce some tendencies in the aeronautical industry, such as the development of airplanes based on risk partnerships. This study aims to understand how the company has responded to the growth challenges proposed by Fleck (2006), trying to identify if it has developed capabilities that can show its tendency to the healthy longevity or self destruction, as well as understand the impacts of the privatization on a company still inserted on an industry dependent on the public capital. Dividing the history of the company into two periods, the analysis of the growth of Embraer, using Fleck s (2006) archetype, suggests that the company has, since the beginning, developed entrepreneur capacities in almost all dimensions. And such capacities were maintained even after the critical crisis that occurred before the company was turned into a private corporation, thanks mainly to its highly qualified team of engineers, which remains until today. However, it is not reasonable to state the same with respect to the management of human resources and the integrity of the company, which in the long term may risk the longevity of the company. ix

10 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ACS Aerial Common Sensor AEITA Associação dos Engenheiros do ITA AFA Academia da Força Aérea AMI Aeronautica Militar Italiana ANAC Agência Nacional de Aviação Civil APVE Associação dos Pioneiros e Veteranos da Embraer ASA Atlantic Southeast Airlines ASA Atlantic Southeast Airlines ASTEF Association pour l Organisation des Stages en France ATA Air Transport Association BAe British Aerospace BBV Banco Bilbao y Viscaya BCB Banco Central Brasileiro BEA Bureau of Economic Analysis BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico BOVESPA Bolsa de Valores de São Paulo CAA Civil Aviation Authority CACEX Cacex - Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil S.A, criada em 1953 no governo de Getúlio Vargas em substituição a antiga Carteira de Exportação e Importação do Banco do Brasil. CALTECH California Institute of Technology CAM Correio Aéreo Militar CAN Correio Aéreo Nacional CAP Companhia Aérea Paulista CASA Construcciones Aeronáuticas SA CBERS China - Brazil Earth Resources Satellite Cel Coronel CELMA Companhia Eletromecânica do Brasil CENIPA Centro de investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos CHT Certificado de Homologação de Tipo CINDACTA Centro Integrado de Defesa Aérea e de Controle do Tráfego Aéreo. COCTA Comissão de Organização do Centro Técnico da Aeronáutica COMTA Comando do Transporte Aéreo Confirem Comissão de Fiscalização e Recebimento Copersucar Cooperativa dos Produtores de Açúcar e Álcool CTA Comando-Geral de Tecnologia Aeroespacial DAC Departamento de Aviação Civil DGAC Direction Générale de L Aviation Civile EAC Embraer Aircraft Company EADS European Aeronautic Defence and Space Company EAI Embraer Aviation Internacional EAY Empresa Aeronáutica Ypiranga x

11 EDE Embraer Divisão de Equipamentos EFIS Electronc Flight Instrumentation System EICAS Engine Indication and Crew Alert System EMBRAER Empresa Brasileira de Aeronáutica ERJ Embraer Regional Jet EsTE Escola Técnica do Exército EUA Estados Unidos da América FAA Federal Aviation Administration FAB Força Aérea Brasileira FAF Força Aérea Francesa FedEx Federal Express FIESP Federação das Indústrias do Estado de São Paulo FINEP Financiadora de Estudos e Projetos FINEX Fundo de Financiamento à Exportação FMA Fábirca Militar de Aviones GNP Gross National Product HEAI Harbin Embraer Aircraft Industry (HEAI HP Horse-Power IAE Instituto de Atividades Espaciais IAEv Instituto de Estudos Avançados IATA International Air Transport Association ICM Imposto de Circulação de Mercadorias IFI Instituto de Fomento e Coordenação Industrial IFR Instrument Flight Rules IME Instituto Militar de Engenharia IPD Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento IPEA Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada IPI Imposto sobre Produtos Industrializados ITA Instituto Técnológico de Aeronáutica ITC International Trade Comission JK Juscelino Kubitschek Jpats Joint Primary Aircraft Training System JUCESP Junta Comercial do Estado de São Paulo KBE Knowledge Based Engineering LJ Light Jet MEN Moderna Empresa de Negócios MIT Massachussets Institute of Technology NASA National Aeronautics and Space Administration NFTC Nato Flight Training in Canada OMC Organização Mundial do Comércio PAR Departamento de Aeronaves do IPD (PAR) PBA Provincetown Boston Airlines PEA Departamento de Eletrônica do IPD PFO Permanent Failing Organizations PIB Produto Interno Bruto xi

12 PM PMO PMR PROEX PT RAF SAAB SAR SECA SITAR SIVAM TABA UNE USAF USN UTA VASP VLJ Polícia Militar Departamento de Motores do IPD Departamento de Materiais do IPD Programa Brasileiro de Financiamento as Exportações Primary Trainers Royal Air Force Svenska Aeroplan AB (aktiebolaget)" (Swedish for "Swedish Aeroplane Limited") Serviços de Busca e Salvamento Societé d'exploitation et de Construction Aéronautique Serviço Integrado de Transporte Aéreo Regional Sistemas de Proteção e Vigilância da Amazônia Transportes Aéreos da Bacia Amazônica União Nacional dos Estudantes United States Air Force United States Navy Unions de Transportes Aériens Viação Aérea São Paulo Very Light Jet xii

13 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 4.5: Composição relativa do conjunto de aeronaves 135 estacionadas em julho de 2002 Gráfico 5.1: Receita/PIB Brasileiro 161 Gráfico 5.2: Distribuição da Receita por Segmento (1999) 214 Gráfico 5.3: Composição da Receita 215 Gráfico 5.4: Fontes de Financiamento às Vendas das Aeronaves da Embraer Segundo Origem Público-Privada Gráfico 8.1: Variação anual do número de empregados 293 Gráfico 8.2: Evolução da receita bruta por número de funcionários 294 Gráfico 8.3: Evolução do investimento em pesquisa e desenvolvimento em relação à receita bruta Gráfico 8.4: Evolução do investimento em pesquisa e desenvolvimento em relação ao PIB brasileiro Gráfico 8.5: Evolução do investimento em pesquisa e desenvolvimento em relação ao GNP Gráfico 8.6: Evolução da receita bruta em relação ao GNP 298 Gráfico 8.7: Evolução da receita bruta em relação ao GNP (em %) por empregado Gráfico 8.8: Evolução investimento em produção e investimento em relação ao GNP (em %) por empregado xiii

14 LISTA DE FIGURAS Figura 2.1 Estrutura geral do motor de crescimento contínuo. 11 Figura 2.2 Estrutura geral do motor de co-evolução de Todos e 12 Partes. Figura 2.3: Modelo de requisitos para o desenvolvimento da propensão 21 à autoperpetuação da organização (Fleck, 2006) Figura 4.1: Processo de consolidação dos fabricantes de aeronaves nas 111 décadas de 80 e 90 (2004b) Figura 4.2: Organograma da Embraer em Figura 4.3: Participação das empresas parceiras no desenvolvimento do ERJ Figura 4.4: Organograma da Embraer em Figura 4.5: Responsabilidades dos parceiros de compartilhamento de risco no 132 EMB-170/190. Figura 5.1: Análise da reposta aos desafios da primeira fase 145 Figura 5.2: Análise da reposta aos desafios da segunda fase 207 Figura 5.3: Organograma Embraer (2006) 233 Figura 6.1: Análise das repostas aos desafios da primeira e segunda 257 fases Figura 8.1: Classificação ambiente ao longo do tempo estudado 281 Figura 8.2: Relação dos desafios ao longo do período estudado 282 Figura 8.3: Fases do projeto aeronáutico 283 Figura 8.4: Fases de desenvolvimento de produto 288 Figura 8.5: Fases de desenvolvimento de produto segundo Wantal 290 (1999) Figura 8.6: Fases do projeto 291 Figura 8.7: Fases de desenvolvimento do Programa ERJ xiv

15 LISTA DE TABELAS Tabela 2.1: Os cinco desafios organizacionais 8 Tabela 2.2: Estratégias e táticas de respostas a processos 14 institucionais. Tabela 3.1: Situações relevantes para diferentes estratégias de 23 pesquisa. Tabela Fontes de informação 28 Tabela 3.3: Lista de capacitações para análise 34 Tabela 8.1: Tabela de fatos 284 Tabela 8.2: Continuação da tabela de fatos mostrando colunas de 285 análise Tabela 8.3: Tabela para análise de entrevistas 286 Tabela 8.4 Etapas consideradas para um projeto aeronáutico 287 Tabela 8.5: Etapas consideradas para um projeto aeronáutico por Walton (1999) Tabela 8.6: Dados do projeto Convertiplano 301 Tabela 8.7: Dados do projeto Beija-Flor 302 Tabela 8.8: Dados do projeto EMB-400 Urupema 303 Tabela 8.9: Dados do projeto EMB-110 Bandeirante 304 Tabela 8.10: Dados do projeto EMB-200 Ipanema 305 Tabela 8.11: Dados do projeto EMB-326 Xavante 306 Tabela 8.12: Dados do projeto EMB-710 Carioca 307 Tabela 8.13: Dados do projeto EMB-711 Corisco 308 Tabela 8.14: Dados do projeto EMB-720 Minuano 308 Tabela 8.15: Dados do projeto EMB-721 Sertanejo 309 Tabela 8.16: Dados do projeto EMB-810 Seneca 309 Tabela 8.17: Dados do projeto EMB-820 Navajo 310 Tabela 8.18: Dados do projeto EMB-121 Xingu 311 Tabela 8.19: Dados do projeto EMB-312 Tucano 312 Tabela 8.20: Dados do projeto EMB-120 Brasilia 313 Tabela 8.21: Dados do projeto AMX 314 Tabela 8.22: Dados do projeto CBA-123 Vector 315 Tabela 8.23: Dados do projeto ERJ xv

16 Tabela 8.24: Dados dos projetos ERJ-145 AEW&C e ERJ-145 Multi 317 Intel Tabela 8.25: Dados do projeto ERJ Tabela 8.26: Dados do projeto ERJ Tabela 8.27: Dados do projeto EMB Tabela 8.28: Dados do projeto EMB Tabela 8.29: Dados do projeto EMB Tabela 8.30: Dados do Legacy Tabela 8.31: Dados do projeto EMB Tabela 8.32: Dados do projeto Phenom 100 (VLJ) 325 Tabela 8.33: Dados do projeto Phenom 300 (LJ) 326 Tabela 8.34: Dados do projeto Lineage Tabela 8.35: Dados do projeto Legacy Tabela 8.36: Dados do projeto Legacy Tabela 8.37: Dados do projeto Embraer KC LISTA DE QUADROS Quadro 4.1: Parceiros de risco do programa 170/ xvi

17 Sumário 1. INTRODUÇÃO REVISÃO DE LITERATURA Arquétipos do Sucesso e do Fracasso Organizacional Empreendedorismo Navegação no Ambiente Gestão dos Recursos Humanos Gestão da Diversidade Gestão da Complexidade Gestão da Folga Organizacional Interação entre os diferentes desafios METODOLOGIA Definição do tema e empresa a serem estudados O Processo de Desenvolvimento da Pesquisa Coleta de Dados Entrevistas Análise dos dados A HISTÓRIA DA EMBRAER Do Início da Indústria no País à Embraer A Criação da Embraer e o Crescimento da Década de Fim da Década de 70 - Mais Desafios O Projeto CBA-123 e o Início da Crise A Privatização e a Recuperação da Empresa RESULTADO DA ANÁLISE Primeira Fase Desafio do Empreendedorismo Desafio da Navegação no Ambiente Desafio da Gestão dos Recursos Humanos

18 5.1.4 Desafio da Gestão da Diversidade Desafio da Gestão da Complexidade Gestão da Folga Segunda Fase ( ) Desafio do Empreendedorismo Desafio da Navegação no Ambiente Desafio da Gestão de Recursos Humanos Desafio da Gestão da Diversidade Desafio da Gestão da Complexidade Gestão da Folga CONCLUSÃO Primeiras conclusões Conclusões com relação às respostas aos desafios do crescimento Conclusões gerais sobre a indústria e posição da Embraer neste cenário Contribuições do estudo Propostas para futuras pesquisas REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANEXOS Mapas Tabelas Fases de desenvolvimento de projeto aeronáutico Gráficos Resumo dos projetos CTA e Embraer (em ordem cronológica por início do projeto)

19 1. INTRODUÇÃO A Embraer é hoje a quarta maior fabricante de aeronaves comerciais do mundo e, diferentemente das outras três (Boeing, Airbus e Bombardier), a única localizada em um país em desenvolvimento. É fruto do trabalho de longo prazo do governo brasileiro, que começou em 1941 com a criação do Ministério da Aeronáutica e, principalmente, da visão empreendedora do brigadeiro Casimiro Montenegro, que, ao criar o Comando-Geral de Tecnologia Aeroespacial (CTA), trouxe para o Brasil um nível de excelência em ensino até então inexistente. Do CTA nasceram, além da capacidade de produzir aeronaves, também empreendedores como Ozires Silva, que desde a infância sonhava em construir aviões no Brasil. Com habilidade ímpar para harmonizar visões diferentes, grande conhecimento do setor e muita dedicação, o engenheiro Ozires conseguiu erguer no país uma empresa competitiva numa área exigente e de alto risco, que requer elevado volume de capital, força de trabalho muito qualificada, tecnologia de ponta e longo tempo de maturação dos projetos. A empresa estudada atua em um setor que vem sofrendo uma série de mudanças desde o fim da década de 80, quando enfrentou uma de suas piores crises, e na qual se concretizaram várias fusões e aquisições no mundo inteiro. A consolidação dessa indústria foi apenas parte de um processo de redução de riscos inerentes à atividade. Mas a busca pela redução de riscos e de custos trouxe uma mudança ainda maior, que foi a terceirização da produção através de alianças estratégicas. Uma configuração que a Embraer soube usar de forma excepcional, após ter quase chegado à inanição no início da década de 90. As parcerias de risco, viáveis após a privatização da empresa, trouxeram uma nova fase de crescimento e, paralelamente, mais complexidade num ambiente de competitividade cada vez mais intensa. Trata-se, portanto, de uma empresa que em quarenta anos saiu de um pequeno hangar, dentro de um Centro Técnico, que fabricava protótipos para ensino da engenharia aeronáutica, tornou-se uma das mais importantes players do setor tendo sobrevivido às principais mudanças políticas e econômicas do país e passado por um processo de reestruturação no início da década de 90, saindo das mãos do Estado para a iniciativa privada. 3

20 Usando o referencial teórico de Fleck (2006), o presente estudo teve como objetivo investigar em que medida a Embraer desenvolveu capacitações de forma consistente ao longo de sua trajetória que a tornam propensa à longevidade saudável. Outra questão: como as respostas aos desafios do crescimento podem mostrar os impactos da privatização numa empresa inserida numa indústria extremamente dependente de capital estatal? Para isso, o estudo foi organizado em seis capítulos. O presente capítulo apresenta a introdução ao estudo, seu objetivo e estrutura. Na segunda parte, é apresentado o referencial teórico utilizado para a análise do estudo, que tem como base os arquétipos do sucesso e do fracasso organizacional Fleck (2006). O referencial é apoiado também pelos estudos de Fleck (2001, 2003, 2005a, 2005b, 2006), Penrose (2006), Selznick (1957) e Oliver (1991), que contribuem para detalhar o conceito de arquétipos e, assim, descrever os cinco desafios do crescimento. No terceiro capítulo é descrita a metodologia utilizada para a realização do estudo, que apresenta a definição do tema e a empresa a serem estudadas; o método de pesquisa; como foi feita a coleta de dados; como foram realizadas as entrevistas; e, por fim, como foi feita a análise dos dados. O quarto capítulo busca mostrar a história detalhada da empresa, porém ressaltando os principais eventos do setor aeronáutico antes da formação da empresa e ao longo de sua história, no Brasil e no mundo. Para isso, foram coletados dados que remontam à década de 30, a fim de mostrar o contexto no qual a empresa nasceu, bem como as iniciativas anteriores de formação de uma indústria aeronáutica nacional. No quinto capítulo é mostrada a análise realizada, dividida em duas grandes fases, a primeira entre 1969 a 1991; a segunda, de 1992 a 2008, ano de conclusão do estudo. O sexto e último capítulo apresenta as conclusões encontradas quando analisadas as respostas aos desafios e também considerações finais sobre a posição da Embraer dentro da indústria da forma como está configurada atualmente. 4

21 2. REVISÃO DE LITERATURA O presente estudo tomará como base para a análise os arquétipos de fracasso e sucesso organizacional de Fleck (2006), segundo os quais pode ser possível enxergar a propensão das organizações à autoperpetuação (Chandler, 1977) ou à autodestruição através das repostas dadas a cinco desafios, como será visto adiante. O conceito de autoperpetuação vem do estudo de Chandler (1977) The Visible Hand, no qual o autor afirma que a mão visível dos gestores permitiu que as modernas empresas de negócios (MENs) se destacassem ao longo dos anos, simplesmente substituindo a mão invisível do mercado. É importante estabelecer que também serão consideradas as definições de Fleck (2006) para o sucesso e o fracasso organizacional. Neste caso, sucesso seria a capacidade da empresa de alcançar a longevidade de forma saudável, crescendo de forma rentável e preservando sua integridade a longo prazo. Selznick (1957) defende que a integridade institucional é a persistência de uma organização nos seus valores mais distintos, competências e papéis a que é vulnerável, quando os valores são tênues e inseguros. Por este motivo, segundo o autor, a liderança tem um papel fundamental na institucionalização. Assim, as missões-chave dos líderes incluem: definição da missão institucional e papel; a incorporação institucional do propósito; a defesa da integridade institucional; e a ordenação dos conflitos internos. Desta forma, fica claro que a permanência de uma organização durante muitos anos num determinado campo organizacional não a faz necessariamente um exemplo de sucesso. Podem existir companhias que sobrevivem por um grande espaço de tempo com resultados abaixo do esperado, ou incompatíveis com sua operação, mas que podem escapar da extinção por estarem inseridas num ambiente piedoso. Meyer e Zucker (1989) sugerem que tais organizações sejam consideradas Permanent Failing Organizations (PFO). A idéia de PFO de certa forma contrapõe à de Barnard (1971), que acredita que o indicador de sucesso de uma organização reside na sua capacidade de sobrevivência, ou seja, na existência continuada. Sendo assim, a missão dela seria a de existir, e não necessariamente crescer ou ser rentável. Existiria, então, o imperativo da sobrevivência, e não o imperativo do crescimento, como estudado com Fleck (2007). O conceito apresentado por Fleck (2006), além de indicar que a sobrevivência por si só não é um fator de sucesso, também não afirma que o sucesso seja apenas a 5

22 rentabilidade da empresa, como Doyle (1994), que indica a lucratividade como o principal indicador de sucesso da organização nas empresas ocidentais. Logo, o sucesso da organização está em crescer de forma continuada e sobreviver de forma saudável. Para isso, Fleck (2006) busca identificar ao longo da história das empresas comportamentos organizacionais que podem levá-las ao sucesso ou ao fracasso organizacional. Significa que a propensão a autoperpetuação ou auto destruição de uma empresa pode estar associada a traços que ela nutre ao longo de seu processo de crescimento. Isto dife do apresentado por Collins e Porras (1995) em Feitas para durar, no qual adotaram a definição de empresas visionárias, para aquelas líderes de seus setores, fundadas antes de 1950 e empresas de comparação (não-visionárias). No estudo, os autores buscaram identificar características comuns às empresas visionárias, mas não houve a preocupação de mostrar como tais empresas nutriram tais características. A fim de facilitar a identificação do processo de crescimento da organização, ou seja, o aumento de tamanho utilizou-se como medida o crescimento relativo, apresentado por Fleck (2004a), no qual a medida consiste na divisão dos valores de receita da empresa pelos valores de PIB e, no caso deste estudo, também do GNP, conforme será demonstrado no capítulo de métodos. Penrose (2006) acrescenta que o crescimento pode ser considerado uma utilização melhor dos serviços intrínsecos nos recursos produtivos (físicos ou humanos) disponíveis na firma, e que pode ser atingido via aquisição de novos recursos ou pela descoberta de novos serviços referentes a recursos já existentes. Porém, esta última considera que todos os recursos da firma são subutilizados porque são explorados segundo as características específicas ao seu negócio e ao seu grau de experiência e maturidade. Para a autora, a existência de recursos subutilizados na empresa é um estímulo à descoberta de novos meios de explorá-los. Mas, assim como é importante definir o sucesso, também se deve definir o que seria a falha ou o declínio da organização. Segundo Weitzel e Jonsson (1989), é possível que até empresas que estejam no topo possam estar nos primeiros passos para o declínio. Os autores dizem que o declínio pode ser considerado como a redução de algum indicador de tamanho da organização (força de trabalho, participação de mercado, volume do ativo, entre outros), um estágio no ciclo de vida da organização, a estagnação interna, o fracasso em reconhecer sinais internos ou externos de 6

23 indicativos de mudanças necessárias para a manutenção da competitividade ou um fracasso em adequar-se às demandas do ambiente no qual está inserida. Weitzel e Jonsson (1989) explicam que o declínio acontece quando a organização se torna inábil em antecipar, reconhecer, evitar, neutralizar ou adaptar-se às pressões internas e externas que ameaçam sua sobrevivência a longo prazo. Sendo assim, os autores definem que o declínio das empresas se dá em cinco etapas, começando pela cegueira na identificação dos sinais internos e externos, seguido da inércia em implementar as modificações necessárias, passando para ações falhas, o que finalmente leva à crise e à dissolução da organização, o que está em linha com Fleck (2006) como estado final de dissolução da empresa. Desta forma, também para a definição de fracasso, não se consideram apenas evidências financeiras da organização, mas também a incapacidade de adaptação da empresa. 2.1 Arquétipos do Sucesso e do Fracasso Organizacional Como dito acima, o modelo de arquétipos (Fleck, 2006), que é a base deste estudo, busca identificar a propensão das empresas à autoperpetuação ou à autodestruição, mas é importante alertar que estes são dois pólos, e que nenhuma empresa está situada em uma ou outra extremidade, mas sim em algum ponto entre eles. Neste caso, as empresas podem ter padrões de respostas que trazem comportamentos institucionalizados (Selznick, 1957) e, segundo Fleck (2005b), se a empresa institucionaliza capacitações dinâmicas (Teece, Pisano e Shuen, 1997), as chances de sucesso a longo prazo são maiores. Como será mostrado pela figura abaixo, o modelo de arquétipos está dividido em dois processos simultâneos, um de crescimento contínuo, relacionado ao crescimento como forma de expansão e renovação, e o de existência continuada, relacionado à capacidade da organização de preservar sua integridade. 7

24 Tabela 2.1: Os cinco desafios organizacionais: Categoria do Desafio Descrição do Desafio Pólo de Respostas aos Desafios Autodestruição Autoperpetuação Empreendedorismo Promoção de contínuo empreendedorismo a partir da disposição da empresa de realizar expansões com mecanismos de reforço e criação de valor sem expô-la a riscos desnecessários Baixo (baixos níveis de ambição, versatilidade, imaginação, visão, capacidade de levantar recursos financeiros, e realização de expansões nulas ou defensivas) Alto (altos níveis de ambição, versatilidade, imaginação, visão, capacidade de levantar recursos financeiros, e realização de expansões produtivas ou híbridas) Navegação no Ambiente Tratar com múltiplas partes interessadas para assegurar captura de valor e legitimidade. Passivo (Monitoramento ruim, mau uso de estratégias de navegação) Ativo (Monitoramento regular, uso correto de estratégias de navegação) Gestão da Diversidade Manter integridade da firma diante de aumento de conflitos e rivalidades. Fragmentação Integração (Fracasso no estabelecimento de relacionamentos de integração e de capacitações em coordenação) (Estabelecimento bemsucedido de relacionamentos de integração e de capacitações em coordenação) Formação de Recursos Gerenciais Suprir a firma com recursos humanos qualificados de forma estável Tarde (Ações no momento em que existe necessidade ou depois dela) Planejado (Ações planejadas com antecedência) Gestão da Complexidade Gerenciar problemas complexos e solucioná-los diante de aumento de complexidade Ad-hoc (Baixa capacitação para solução de problemas, utilizando rápida análise e sem aprendizado) Sistemático (Capacitação para solução de problemas, promovendo busca correta por soluções e aprendizado) Fonte: Fleck (2006) 8

25 2.1.1 Empreendedorismo Segundo Fleck (2006), o desafio empreendedor consiste em desenvolver a disposição da firma para expandir-se numa base continuada. Para isso, as expansões devem promover mecanismos de reforço que permitem a continuidade do crescimento, em vez de expansões que apenas visam o crescimento momentâneo. Para isso, segundo Penrose (2006), a firma deve ser capaz de correr riscos, procurar formas de evitá-los e ainda se manter expandindo com os recursos disponíveis. Os serviços empreendedores estão diretamente ligados a respostas maduras da firma, que são caracterizadas por ambição, versatilidade, capacidade de levantar recursos e capacidade de julgamento (detalhadas logo abaixo), além de expansões de reforço que põem em movimento um processo de reforço capaz de gerar novas possibilidades para expansão e criação de valor (Chandler, 1977; Penrose, 2006). Versatilidade A versatilidade empresarial é uma qualidade que vai além da capacidade técnica instalada ou administrativa. Tem a ver com a capacidade imaginativa e a visão dos empreendedores envolvidos no processo. Não são idéias impraticáveis, mas também não são obtusas, convencionais e míopes. Envolve senso de oportunidade, esforços de imaginação, reconhecimento instintivo de que poderá ter sucesso, ou de como obter sucesso tornam-se fatores de importância decisiva. Uma capacidade de investigar novos serviços provenientes de recursos produtivos já existentes. Habilidade para levantar recursos financeiros - As dificuldades de obter capital figuram muitas vezes entre os principais fatores que impedem a expansão de pequenas firmas, mas isto só chega a ser legítimo num sentido muito limitado. Firmas novas, pequenas e desconhecidas não têm as mesmas facilidades de mobilizar capitais que as já estabelecidas, grandes e conhecidas. No entanto, muitas firmas pequenas sem adequados recursos financeiras iniciais conseguem ser bemsucedidas, mobilizar capitais, crescer e tornar-se grandes. Sendo assim, a mobilização de capitais pode estar claramente relacionada à habilidade do empreendedor em gerar confiança no investidor. Ambição É a mola propulsora dos empreendedores. São aqueles que nunca estão satisfeitos com os níveis vigentes de lucratividade e estão sempre buscando formas de expandi-la. No entanto, na ambição de crescer, Penrose (2006) diferencia dois tipos de empreendedores, os product-minded e os empire-builders. Os primeiros são aqueles interessados na melhoria da qualidade de seus produtos, na redução de seus 9

26 custos, no desenvolvimento de uma tecnologia melhor, na ampliação de seus mercados através de melhores serviços aos consumidores e na introdução de novos produtos para os quais eles acreditam que suas firmas dispõem de vantagens produtivas. São empreendedores que se orgulham de suas firmas e defendem a idéia de que a melhor maneira de obter lucros é por meio da melhoria e da expansão das atividades de suas organizações. Os empire-builders, por sua vez, são motivados pela criação de poderosos impérios produtivos, abrangendo amplas áreas. Embora possam se interessar pela melhoria e desenvolvimento dos produtos como forma de manter uma posição competitiva de suas firmas, tais atividades são delegadas a outras pessoas dentro da firma, pois eles normalmente se encontram envolvidos com a ampliação do escopo de suas empresas através da aquisição ou da eliminação de concorrentes por meios alheios à competição nos mercados. Apegam-se bastante à idéia de ter uma posição dominante, eliminando concorrentes e buscando ganhos passageiros. Capacidade de julgamento de riscos e incertezas - Diz respeito aos critérios de julgamentos empresariais, que, para Penrose (2006), envolvem mais do que uma combinação de imaginação, de bom-senso, de autoconfiança e de outras qualidades pessoais. Está vinculada à capacidade da organização em coletar informações e interpretá-las de forma a evitar riscos e incertezas envolvidos no processo de crescimento. Penrose (2006) diz que a maneira como a firma interpreta o entorno é uma função tanto dos recursos internos como das qualidades pessoais de seus empreendedores. Penrose (2006) também chama a atenção para a importância dos serviços gerenciais da firma, que são responsáveis pela realização das tarefas no dia-a-dia e que, segundo a autora, não estão disponíveis no mercado com facilidade, já que dependem do aprendizado empresarial ao longo do tempo. Nesse caso, quanto mais tempo o recurso gerencial permanece na firma, maior é a sua experiência e, conseqüentemente, maior o seu domínio sobre as práticas empresariais. Portanto, se os serviços empreendedores são fundamentais para a promoção do crescimento rentável, os serviços gerenciais são essenciais para a coordenação do uso dos recursos de forma adequada diante do aumento da complexidade trazida pelo crescimento. Chandler (1977) também diferencia o crescimento ente produtivo e defensivo. O primeiro seria aquele que promove as mudanças e aumenta a produtividade, diminuindo o custo unitário. O segundo seria responsável por controlar as mudanças, buscando segurança, como, por exemplo, a redução da oferta de recursos a fim de 10

27 evitar a entrada de novos competidores no mercado. O autor afirma ainda que o crescimento defensivo raramente promove o aumento da produtividade, enquanto o produtivo, além de aumentá-la, também traz mecanismos de reforço necessários à continuidade do crescimento. Esta continuidade aumenta as chances de geração de recursos subutilizados ou a folga de recursos (Penrose, 2006). Em linha com o estudo de Chandler (1977), Fleck (2003) propôs o motor do crescimento contínuo, como mostra a figura abaixo. Segundo a autora, o desequilíbrio seria causado pela busca de uma utilização melhor dos recursos existentes na empresa (Chandler, 1977), que resultaria então em expansão, gerando algum tipo de mudança que, então, pode intensificar o desequilíbrio. Figura 2.1 Estrutura geral do motor de crescimento contínuo. Fonte: Fleck (2003) Em contrapartida, a expansão defensiva busca assegurar a continuidade do negócio existente, segundo Fleck (2006). A autora classifica possíveis expansões defensivas: aquisições horizontais, integrações verticais, expansões que visam prevenir escassez de fontes de suprimento e principalmente expansões que dificultam o acesso de novos entrantes. Também afirma que existem expansões híbridas, que são aquelas que ao mesmo tempo geram mecanismos de reforço para o crescimento contínuo e defendem o negócio da empresa. Além das expansões nulas, que não geram mecanismos de reforço nem protegem os negócios existentes, que estão relacionados aos empirebuilders definidos por Penrose (2006) Para o motor de co-evolução a autora propõe que se trata de um mecanismo de crescimento no nível da indústria, sendo pré-requisito para o crescimento das firmas. O estudo de Chandler (1977) baseado no crescimento do transporte ferroviário 11

28 mostrou que a coordenação de várias empresas do setor possibilitou a padronização na indústria, que uniformizou as plataformas nos Estados Unidos. Essa plataforma única trouxe o crescimento da indústria e de todos os players envolvidos, além de uma competição mais acirrada que estimulou o aprimoramento tecnológico. Figura 2.2 Estrutura geral do motor de co-evolução de Todos e Partes. Fonte: Fleck (2003) Navegação no Ambiente Segundo Fleck (2006), o desafio da navegação consiste em lidar com sucesso com os múltiplos stakeholders num ambiente em constante mudança, de forma a garantir a captura de valor e a legitimidade organizacional. Enquanto o desafio do empreendedorismo busca a criação de valor, o de navegação busca a captura de valor. Uma resposta bem-sucedida ao desafio da navegação depende, então, do mapeamento constante das pressões do ambiente para que se aplique no momento certo as estratégias de resposta a processos institucionalizados (Oliver, 1991). Por outro lado, o fracasso no monitoramento do ambiente e o emprego de respostas erradas podem, segundo Fleck (2006), trazer riscos à sobrevivência da empresa a longo prazo, porque podem ser perdidas oportunidades importantes de captura de valor. A habilidade da firma de promover ou reagir a mudanças fica reduzida, não se percebendo os riscos à legitimidade da organização. Oliver (1991) propôs cinco diferentes estratégias de resposta para o desafio da navegação no ambiente, que variam de posturas passivas a ativas diante das pressões do ambiente, sendo elas (da mais passiva para a mais ativa): aceitação, negociação, evitar, desafiar e moldar. 12

29 a) Aceitação: trata-se da mais passiva de todas as estratégias, pois se resume a aceitar as pressões institucionalizadas no ambiente e simplesmente adequar-se a elas. b) Negociação: nesta situação, há conflito entre os objetivos organizacionais e as expectativas institucionalizadas; desta forma, tenta-se negociar melhor solução para ambas as partes. c) Evitar: consiste na tentativa da organização em evitar a necessidade de conformidade a regras e pressões institucionais. d) Desafiar: mais ativa que as anteriores. Consiste em tentar resistir a processos institucionais, rejeitando normas e expectativas externas. Aparece com maior freqüência quando há a percepção de que o custo de rejeição é baixo. e) Moldar: é a estratégia mais ativa de todas. Por meio dela, a organização busca obter vantagens mudando ou exercendo poder sobre a fonte de pressão institucional. Oliver (1991) também descreve as possíveis táticas empregadas em cada uma das estratégias, que estão organizadas na tabela abaixo. 13

30 Tabela 2.2: Estratégias e táticas de respostas a processos institucionais. Postura Estratégia Tática Descrição Passiva Hábito Seguir inconscientemente as normas e hábitos institucionalizados Aceitação Imitação Consentimento Copiar conscientemente ou inconscientemente modelos institucionais, como, por exemplo, organizações de sucesso. Obedecer conscientemente e incorporar valores, regras ou requerimentos institucionalizados. A organização pode se conformar com as pressões externas porque a aprovação de constituintes externos pode aumentar sua legitimidade ou estabilidade. Negociação Evitar Balanceamento Pacificação Barganha Ocultação Prevenção Fuga Balancear os interesses externos com os interesses da organização, chegando a uma solução que de alguma forma contemple as partes envolvidas. A empresa mantém uma pequena resistência, porém busca pacificarse com as partes geradoras de pressão. Por exemplo, se sua linha de produção é muito poluidora e a comunidade vizinha pressiona pelo seu fechamento, a empresa concentrará esforços para minimizar a poluição gerada. A empresa negocia concessões com os agentes de pressão de acordo com suas necessidades. Aparenta agir conforme as fontes de pressão, apresentando planos e projetos, embora não pretenda implementá-los. Busca reduzir a freqüência com a qual a organização é inspecionada, examinada ou avaliada, ou de afastar suas atividades técnicas do contato externo. Sair do domínio onde a pressão é exercida ou alterar significativamente seus objetivos, atividades ou domínios para evitar a necessidade de conformidade. Ativa Ignorar Mais utilizada quando a imposição de regras institucionalizadas é considerada baixa, ou quando objetivos internos divergem drasticamente dessas regras Desafiar Moldar Contestar Atacar Cooptar As empresas saem dos padrões institucionais estabelecidos por normas e regras, como, por exemplo, escolas que optam por métodos diferenciados de ensino. Mais agressiva e intensa do que as táticas ignorar e contestar, é mais utilizada quando a pressão institucional é exercida contra a organização, especificamente. Busca persuadir constituintes externos a juntar-se ao conselho de diretores da empresa. A intenção é neutralizar pressões opostas e melhorar a legitimidade. 14

31 Influenciar Busca influenciar a percepção pública sobre a indústria onde a empresa atua ou fazer lobby com órgãos reguladores para mudar regras institucionalizadas. Busca estabelecer poder e dominância sobre constituintes Controlar externos que aplicam pressão na organização. É a forma mais agressiva de resposta a pressões institucionalizadas, pois a intenção da organização é dominar. Fonte: Oliver (1991) Gestão dos Recursos Humanos Segundo Fleck (2006), o desafio de formação de recursos gerenciais está relacionado ao permanente e estável abastecimento da empresa com recursos humanos qualificados. Para isso, a empresa deve antecipar as necessidades, através da formação, da retenção, do desenvolvimento e da renovação desses recursos. Para Penrose (2006), a formação, a retenção, o desenvolvimento e a renovação são vitais para o crescimento contínuo e a existência continuada (Chandler, 1977) da firma. A falha no correto provisionamento dos recursos gerenciais adequados pode não somente obstruir a expansão da firma, como também enfraquecer sua integridade organizacional, conforme citado por Fleck (2006), nos casos em que há a contratação de recursos gerencias em massa a fim de atender um determinado movimento de expansão. Segundo Penrose (2006), os recursos gerenciais devem estar disponíveis na firma antes que o movimento de expansão aconteça, ou seja, a quantidade máxima de expansão será determinada pela disponibilidade dos serviços gerenciais na firma. Chandler (1992) acrescenta que, para que as empresas estejam preparadas para o longo prazo, é necessário que seus gestores também estejam orientados para esse horizonte de tempo dentro da organização. Tal condição é alcançada quando as empresas promovem meios para estimular carreiras duradouras de seus funcionários; caso contrário, as ações tomadas na empresa podem incorporar uma orientação de curto prazo. Segundo Fleck (2005a), a continuidade dos administradores na empresa também permite o desenvolvimento de relações interpessoais e o surgimento de iniciativas de longo prazo. Chandler (1962) chama a atenção para o fato de que pessoal treinado em diferentes áreas da empresa é mais valioso do que ativos, como escritórios, que podem ser adquiridos caso necessário. Na mesma linha, Penrose (2006) destacou a importância do papel do corpo gerencial da empresa, responsável pela execução das tarefas do dia-a-dia. Para ela, esse staff gerencial deve ser composto por pessoas que 15

32 tenham a experiência na empresa, uma vez que não se encontram prontos no mercado para uma contratação a qualquer momento. Portanto, os serviços gerenciais podem atuar como limitadores do crescimento caso não haja provisionamento, desenvolvimento e retenção do grupo gerencial Gestão da Diversidade Para Fleck (2006), o desafio de gestão da diversidade está em sustentar a integridade da firma à medida que vai crescendo, pois, segundo a autora, esse crescimento traz mais e maiores fontes de diversidade, tais como mercados, produtos, tecnologias e recursos humanos. Com isso, a heterogeneidade entre as partes constituintes da organização pode trazer conflitos e rivalidades, o que impõe risco à unidade organizacional. Caso a organização da firma falhe na gestão desta heterogeneidade, pode haver fragmentação, com riscos à integridade da empresa. No entanto, a empresa pode usar a fragmentação a seu favor, de forma a trazer economias de escala e de escopo, aproveitando as diferentes características destes recursos para trazer integração. Selznick (1957) alerta que a rivalidade organizacional pode ser um dos principais problemas que uma organização pode enfrentar em sua trajetória de crescimento, pois se trata da principal ameaça à integridade da empresa. A busca por segurança ou realizações pode se refletir numa busca por destaque na empresa, o que pode gerar a formação de ilhas de poder para o atendimento de objetivos individuais ou de grupos, que Cyert e March (1963) destacam como potencialmente conflitantes entre si. Mintzberg (1985) chamou a atenção para a formação de arenas políticas na organização, que são exercidas por grupos distintos, de características fragmentadoras e conflitantes. Tais grupos, segundo o autor, exercem poder tecnicamente ilegítimo perante a organização, questionando, por exemplo, a legitimidade da autoridade. Por isso, a existência de uma arena política dentro da organização pode trazer fragmentação, pois pode haver gasto de energia desnecessário entre um grupo querendo provar sua legitimidade e outro desperdiçando energia para atacá-la. No entanto, ela pode trabalhar a favor quando atua favoravelmente à organização, como, por exemplo, questionando atitudes ilegítimas de grupos legítimos. Por isso, Barnard (1938) alerta que, nestes casos, faz-se necessário o desenvolvimento de mecanismos que estimulem a cooperação na empresa, e Fleck (2006) ressalta que a organização deve ser capaz de gerenciar esta diversidade de 16

33 forma a não eliminá-la, mas sim aproveitá-la de maneira que possa utilizar seus benefícios, gerando vantagens para a empresa. O líder tem então um papel fundamental de gerenciar e proteger a integridade organizacional. Segundo Selznick (1957), o líder deve ser capaz de manter o caráter organizacional protegendo sua competência distintiva, que uma vez preservada se configura como uma vantagem competitiva sustentável (Barney, 1991), caracterizada pela impossibilidade de ser copiada por se tratar de uma característica única na organização. Para isso, o líder deve se mostrar capaz de infundir valores, princípios e práticas na empresa para que se tornem institucionalizados e, assim, tragam um caráter à organização (Selznick, 1957). Neste sentido, sugere que uma forma de manter a integridade da organização a longo prazo pode ser através do cultivo de mitos. No entanto, uma vez institucionalizados tais valores, princípios e práticas, é necessário manter a legitimidade destes processos a fim de preservá-los, pois existe o risco da desinstitucionalização alertado por Oliver (1992), e que contribui para a fragmentação da organização. Ghoshal e Mintzberg (1994), no artigo Diversifiction and Diversifact, cujo título chama a atenção, num jogo de palavras, para o que é de fato diversificação, alertam para algumas vantagens da diversidade, como o conflito entre autonomia e sinergia, ou até mesmo as diferenças entre modelos centralizadores ou descentralizadores. Segundo os autores, a autonomia traz liberdade de ação, o que pode se traduzir em velocidade e agilidade, mas pode cobrar um preço por isso ao transformar a empresa numa coleção de partes. E, ao tentar resgatar controle, a empresa pode gerar uma série de procedimentos-padrão que, por sua vez podem aumentar exageradamente a burocracia. Portanto, um gerenciamento bem-sucedido da diversidade deve distinguir os elementos organizacionais heterogêneos dos homogêneos, segundo Stickland (1998). Ou seja, é importante o compartilhamento de recursos para aspectos homogêneos e o intercâmbio de recursos para os aspectos heterogêneos. Fleck (2006) diferencia essas duas formas de relacionamento: a) Compartilhamento: ao utilizar-se de procedimentos padronizados para o compartilhamento de recursos entre elementos organizacionais homogêneos, a empresa favorece a promoção de economias de escala, escopo e velocidade. Os recursos são: o Itens tangíveis: produtos, instalações, empregados e serviços comuns; 17

34 o Itens intangíveis: reputação organizacional, mitos organizacionais, percepções compartilhadas de ameaças à existência organizacional. b) Intercâmbio: intercâmbio e combinação de produtos, instalação, empregados e serviços, e processos organizacionais. Requer complexa interação entre elementos organizacionais. No entanto, segundo a autora, a construção desses relacionamentos de compartilhamento e intercâmbio de recursos entre elementos organizacionais exige o desenvolvimento de capacitações de coordenação. E tais capacitações requerem a implementação de mecanismos de coordenação, tais como: construção de relacionamentos, forças-tarefa, comitês permanentes, gerentes de integração e departamentos de integração. Segundo Fleck (2006), a implementação bem-sucedida desses mecanismos não reduz a heterogeneidade, ao contrário, faz dela uso positivo, ao mesmo tempo que contribui para a integração organizacional. Em caso de insucesso em promover capacitações de coordenação, a organização perde a oportunidade de usufruir das vantagens de compartilhar e intercambiar recursos entre seus elementos e aumenta o risco de fragmentação ao aumentar a autonomia Gestão da Complexidade O desafio da complexidade, segundo Fleck (2006), compreende o gerenciamento adequado de assuntos complexos e a solução de problemas que envolvem grande número de variáveis interdependentes, de forma a evitar colocar a existência da organização em risco à medida que ela cresce e amplia sua complexidade. Segundo a autora, a empresa pode responder ao desafio da complexidade de duas maneiras, sistemática ou ad hoc (na medida em que aparecem). Se a empresa propõe soluções sistemáticas para seus problemas, ela tende a desenvolver sua capacidade de avaliar seus problemas em um processo de autoaprendizado. Já se a empresa tem o hábito de solucionar seus problemas na medida em que surgem (ad hoc), ela perde a oportunidade de aprender com esse processo e põe em risco sua continuidade ao ficar mais vulnerável a novos problemas que venham a surgir. Segundo Fleck (2006), este é o único desafio que afeta a qualidade das respostas dadas a todos os outros desafios de crescimento. 18

35 2.1.6 Gestão da Folga Organizacional Segundo Fleck (2006), a folga organizacional é constituída de todas as formas de recursos que excedam os necessários para que a organização opere com um determinado desempenho. Tais recursos podem ser tanto tangíveis como intangíveis, tais como, pessoas, equipamentos, capital/lucro, marcas, reputação, etc. Como visto no desafio de gestão de recursos humanos, Penrose (2006) propõe que os recursos gerenciais devem estar disponíveis antes do movimento de expansão, pois senão a qualidade/eficiência e velocidade da expansão podem ser comprometidas. Da mesma forma, o crescimento alimenta a folga porque, tanto Penrose (2006) como Chandler (1977) colocaram, o processo de crescimento produz recursos não utilizados que podem se juntar ao pool de recursos disponíveis que podem ser usados em expansões futuras. Mas, da mesma forma que o crescimento pode fazer uso das folgas disponíveis, os movimentos de expansão também podem aumentar e/ou diminuir a folga organizacional de forma qualitativa ou quantitativa. A folga também interage com a promoção da integridade organizacional. No curso do processo de reestruturação organizacional, por exemplo, a folga pode influenciar positivamente a integridade organizacional quando aplicada, por exemplo, para desenvolver e implementar mecanismos de integração e coordenação. No entanto, se usada para compensar procedimentos mal estabelecidos, comunicação deficiente e baixa capacidade de lidar com conflitos organizacionais pode afetar negativamente a integridade organizacional, isto quer dizer, desperdício. A produção de folga tem um papel diferente no desenvolvimento da propensão à auto-perpetuação da firma, pois afeta tanto a renovação organizacional como a preservação da integridade. Alimenta o crescimento contínuo, que é condição necessária para renovação organizacional. 19

36 2.1.7 Interação entre os diferentes desafios Conforme dito, nenhuma empresa se posiciona perfeitamente em um dos pólos, de autodestruição ou autoperpetuação, mas sim em algum ponto entre eles. O que determinará sua posição é a forma como ela responderá aos cinco desafios propostos por Fleck (2006). Aquelas que desenvolvem capacitações que trazem mecanismos de respostas aos desafios tendem a caminhar na direção da autoperpetuação, enquanto aquelas que não as desenvolvem tendem a caminhar para a autodestruição, e, neste caso, para a possível extinção. Na figura abaixo é possível ver as interações entre os diferentes desafios e as condições para que a empresa caminhe para a autoperpetuação. Conforme dito anteriormente, o desafio da complexidade está relacionado com todos os outros quatro desafios. Por sua vez, as respostas aos desafios do empreendedorismo e da navegação no ambiente determinarão a capacidade da organização de crescer e se renovar. Já os desafios da gestão dos recursos humanos e da gestão da diversidade determinarão a capacidade da organização em se manter integrada. A folga de recursos, de acordo com Penrose (2006), é essencial para que a expansão seja possível, como no caso dos recursos gerenciais que devem estar na firma antes que o processo de expansão aconteça. Fleck (2006) também destaca a importância do papel da folga na manutenção da integridade, por tornar possível a criação de mecanismos de integração e coordenação. Portanto, é importante que a empresa consiga, ao longo do seu processo de crescimento, manter a integridade caso deseje caminhar para autoperpetuação, em vez de simplesmente crescer e se tornar uma coleção de partes dispersas. 20

37 Figura 2.3: Modelo de requisitos para o desenvolvimento da propensão à autoperpetuação da organização (Fleck, 2006) Fonte: Fleck (2006) 21

38 3. METODOLOGIA 3.1 Definição do tema e empresa a serem estudados A motivação para a escolha da Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica) como foco do estudo para a dissertação originou-se antes mesmo do início do curso de mestrado. Tendo o autor do presente estudo trabalhado durante quase cinco anos na empresa, foi neste período de experiência profissional que diversas questões começaram a aparecer, como, por exemplo, o porquê de determinadas decisões e como eram tomadas, que mecanismos guiavam essas decisões, enfim, uma série de questionamentos sobre o funcionamento da enorme engrenagem das organizações, que poderiam ser compreendidas através do estudo aprofundado de uma organização complexa inserida numa indústria mais complexa ainda. Nesse sentido, o modelo de Fleck (2006), associado à organização de uma série de eventos cronologicamente, possibilitou a identificação da construção dos principais traços organizacionais da empresa ao longo de sua história, como se refletiam nas respostas dadas aos desafios do crescimento, bem como estes (desafios) interagem. Ao contrário do proposto por Collins e Porras (1995), que destacaram as principais características de um grupo selecionado de empresas classificadas como visionárias, sem, no entanto, mostrar como tais características foram internalizadas, nutridas e preservadas por estas organizações. Como não houve suporte direto da empresa, foi necessário buscar material de informação fora da empresa, além de localizar ex-empregados ou outras pessoas que conhecessem a história e que concordassem em dar entrevista. Na parte bibliográfica, as dificuldades apresentadas foram menores, visto que havia algum material impresso sobre a empresa e o setor. As entrevistas foram sendo conseguidas aos poucos. Por meio de conhecidos, buscavam-se nomes que muitas vezes traziam novos contatos, e assim sucessivamente. Desta forma foram realizadas dezessete entrevistas, com duração entre uma hora e meia e três horas. O resultado foi um material rico, que permitiu atestar a qualidade e a precisão das informações discutidas e trabalhadas no estudo (Yin, 1989). Da mesma forma que o autor ia se familiarizando com a história da empresa, progressivamente, as entrevistas também foram acontecendo aos poucos. Por isto, ia se tornando possível esclarecer pontos não muito claros na bibliografia, principalmente quando esclarecidas por aqueles que participaram do processo. 22

39 Com o aprofundamento cada vez maior na história da empresa, alguns pontos foram chamando mais a atenção que outros, como, por exemplo, a forma como a empresa havia saído de uma situação na qual parecia ser rejeitada por parte do governo federal ainda perto do seu nascimento para um crescimento espantoso na década seguinte. Como um pequeno departamento do CTA se transformou numa potente fabricante de aeronaves de influência mundial? Como se dera a transição de uma empresa estatal, que praticamente apenas atendia as necessidades da FAB, para uma das principais fabricantes de aeronaves comerciais? Se no início, buscava-se apenas mostrar se a empresa havia criado capacitações que a tornassem propensa a longevidade saudável, um entendimento melhor da indústria e da história da empresa, chamaram a atenção para os efeitos da privatização na Embraer, uma empresa inserida numa indústria dependente de capital estatal. 3.2 O Processo de Desenvolvimento da Pesquisa Conforme nos apresenta Yin (1989), o pesquisador deve seguir diferentes estratégias de pesquisa, dependendo do tipo de pergunta a que pretende dar resposta. Yin (1989) então associa tais tipos de estratégia a três situações relevantes, que devem ser consideradas para a escolha da melhor estratégia de pesquisa, como mostra a tabela abaixo: Tabela 3.1: Situações relevantes para diferentes estratégias de pesquisa. Estratégia Forma de Pergunta da Pesquisa Necessita de controle sobre eventos comportamentais? Está focada em eventos contemporâneos? Experimento Como, por quê Sim Sim Amostra Quem, o quê, onde, quanto Não Sim Análise de arquivos (ex.: Estudos econômicos) Quem, o quê, onde, quanto Não Sim/Não Histórica Como, por quê Não Não Estudo de caso Como, por quê Não Sim Fonte: Yin (1989, p. 17) 23

40 Desta forma, quando se associa a tabela 1 à pergunta feita acima, pode-se perceber que no caso específico desta pesquisa deve haver um mix de estratégias, pois a pergunta para ser respondida necessitará de uma análise de arquivos, uma perspectiva histórica e também um estudo de caso específico. Portanto, era essencial identificar quem fez, quando fez, o que fez, como fez, quanto fez e por que fez. Ambicionava-se também entender os mecanismos (Bunge, 1999) que levaram a firma ao crescimento ao longo de sua história, bem como a maneira como esse crescimento se deu, ou não se deu, para então tornar possível uma análise sobre a ocorrência de mudança na forma de responder aos desafios. Segundo Bunge (1999), o mecanismo é um processo num sistema concreto, que é capaz de trazer ou prevenir alguma mudança no sistema como um todo ou num de seus subsistemas. Resumindo: um mecanismo é qualquer processo que faz uma estrutura complexa funcionar. Em outras palavras, um mecanismo é a forma como um processo se realiza. Também segundo o autor, existem cinco tipos de sistemas: (a) natural (moléculas ou organismo); (b) social (escola, firma); (c) técnico (máquina); (d) conceitual (código legal); (e) semiótico (língua). O autor ainda expõe que a maior parte dos mecanismos, sejam eles sociais ou físicos, está escondida. Sendo assim, podem não ser percebidos mecanismos essenciais de firmas e, ainda mais importante, o fato de que mecanismos ocultos não podem ser inferidos empiricamente: eles devem ser conjecturados. Como a maioria dos mecanismos estão escondidos, são conjecturados antes de realmente poderem ser descobertos. Então, no caso do presente estudo, a qualidade da informação obtida seria essencial para a realização do estudo. Além disso, a importância na qualidade e na quantidade de informação recolhida reside no fato de em sendo um estudo longitudinal, a abordagem de maior número de aspectos contribui para um estudo processual, de acordo com a definição de Langley (1999). Conforme a autora, a forma processual de pensar envolve considerar o fenômeno dinamicamente em termos de movimento, atividade, eventos, mudança e evolução temporal, porque as pessoas, organizações, estratégias e ambientes mudam. Em sendo assim, estar travado a certa quantidade de aspectos pode trazer perda de conteúdos importantes. No entanto, após uma primeira análise dos eventos ocorridos ao longo dos anos na empresa estudada, e após a releitura de todas as entrevistas realizadas, surgiram novas dúvidas com relação aos processos pelos quais a empresa passou. A dúvida que mais preocupava, no entanto, era talvez, a impossibilidade de se definir se 24

41 alguns dos importantes processos observados poderiam ser levados em consideração sem um entendimento do ambiente no qual a empresa estava inserida no momento histórico em que os fatos aconteceram. Segundo Pettigrew (1992) e Yin (1994) apud Langley (1999), uma das principais razões para adotar uma visão qualitativa é levar em consideração precisamente o contexto. Isso leva, inevitavelmente, à consideração de múltiplos níveis de análise que, às vezes, são difíceis de separar uns dos outros (provenientes de um contínuo), em vez de considerar-se primordialmente uma hierarquia ou classificação clara. Pettigrew (1992) apud Langley (1999) explica que fenômenos mais complexos, tais como a formação de estratégias ou aprendizado, são ainda mais difíceis de isolar. Os fenômenos processuais têm um caráter fluido, que faz com que se espalhem tanto no espaço como no tempo. Esta era exatamente uma das barreiras verificadas durante a pesquisa desta dissertação, e que foi muito bem percebida pela orientadora, que sugeriu uma estratégia de mapeamento apresentada por Langley (1999). Ela sugere sete estratégias para ajudar a pesquisa a fazer sentido. Para a autora, as estratégias são aproximações genéricas, mais do que uma receita de passo-a-passo ou de técnicas. A estratégia de mapeamento (visual maping strategy), segundo a autora, permite a apresentação de grande quantidade de informações em relativamente pouco espaço. Estas informações podem ser ferramentas valiosas para o desenvolvimento e verificação de teorias. As representações gráficas visuais são particularmente atraentes para a análise de dados de um processo, já que permitem representação simultânea de grande número de dimensões, além de poderem ser facilmente usadas para mostrar a procedência, os processos paralelos e a passagem do tempo. Ainda segundo Langley (1999), este tipo de desenho obviamente não é uma teoria, mas um passo intermediário entre a informação primária e uma conceituação mais abstrata. Um ponto negativo deste tipo de representação é o fato de não dar espaço para fatores tais como poder, conflito e emoção. Em parte, o range de possibilidades para mapear depende dos objetivos e da criatividade do pesquisador. No entanto, as formas gráficas podem ter vieses a favor de certos tipos de informação e contra outros. Relações de procedência temporal, autoridade e influência entre objetos ou indivíduos são mais facilmente representadas. Rastros contínuos também poderiam ser usados para representar os níveis de variáveis-chave. No entanto, emoções e 25

42 cognições são mais difíceis de expressar nesta forma, por serem difíceis de contextualizá-las no tempo. Neste sentido, foi elaborado um gráfico (figura 8.1) de três ambientes possíveis, que serão detalhados adiante: inóspito, desafiador e piedoso. Classificações definidas por Fleck (2007) durante as aulas. Esses três ambientes possíveis foram dispostos no eixo das ordenadas, enquanto a abscissa ficou como variável tempo, neste caso, de 1965 a O ano de 1965 foi escolhido como ponto de partida por representar o ano em que a empresa começou a ser esboçada, tendo sido fundada quatro anos depois. Neste gráfico, feito a lápis numa folha A4, foram sendo inseridos alguns eventos relevantes no campo organizacional em que a empresa está inserida. Foram considerados aproximadamente oitenta eventos relevantes do período definido, eventos estes que, a princípio, ajudaram a mostrar que a empresa nunca dispôs em sua história de um ambiente piedoso para navegar. Outros dois mapas do mesmo tipo (figuras 8.2 e 8.3) também foram usados com a finalidade de ajudar a visualização das repostas dos desafios do crescimento e, na compreensão das fases de desenvolvimento de um projeto aeronáutico, respectivamente. Como Langley (1999) sugere, pode-se dizer que tal representação gráfica também se utilizou de outra estratégia indicada pela autora, qual seja a de decomposição em fases (temporal backeting strategy), uma vez que alguns eventos tinham ação duradoura, o que tornava impossível uma representação de cada caso. Esta estratégia trata de uma decomposição em fases, que não necessariamente tenham significado teórico. Não são fases no sentido de que fazem parte de um processo seqüencial previsível, mas simplesmente uma forma de estruturar a descrição dos eventos. Sendo assim, se um determinado rótulo foi escolhido, é porque há certa continuidade nas atividades entre cada período e certas descontinuidades nas suas fronteiras (Langley & Traux, 1994, apud Langley, 1999). Vários processos temporais podem ser decompostos desta maneira, pelo menos em parte, sem presumir qualquer desenvolvimento lógico progressivo. No entanto, além da utilidade descritiva, este tipo de decomposição temporal também oferece oportunidades interessantes para estruturar a análise de processos e dar-lhes sentido. Especificamente, permite a constituição de unidades comparativas de análise para a exploração e replicação de teorias. A estratégia de divisão de fases faz referência à teoria de estruturação de Giddens (1984 apud Langley, 1999), um exemplo clássico de uma perspectiva 26

43 envolvendo modelagem mútua (mutual shaping). No coração da teoria de estruturação está a idéia de que ações de indivíduos são restringidas pela estrutura (incluindo normas e regras formais e informais), mas que estas ações também podem servir para reconstituir essas estruturas ao longo do tempo. Devido ao fato de influências mútuas serem difíceis de captar simultaneamente, é mais fácil analisar os dois processos numa forma seqüencial, decompondo temporalmente uma delas (Giddens, 1984 apud Langley, 1999). É importante uma definição ou mapeamento do ambiente no qual a empresa esteve inserida ao longo de sua história, pois pode ajudar a mostrar ou explicar o porquê de algumas respostas dadas pela empresa. No caso de uma indústria de construção de aeronaves, talvez esse contexto tenha ainda mais importância, devido a uma série de peculiaridades. A principal delas é a natureza complexa da fabricação, que exige capital intensivo e envolve grande número de fornecedores e parceiros, além de players com vantagens competitivas significantes, entre outros. Esse tipo de indústria sofreu uma série de alterações nos últimos 20 anos. Uma delas foi a consolidação de grandes grupos, como a McDonnell-Douglas e a Boeing nos EUA, e também a falência de várias outras, como Fokker e Fairchild- Dornier. Outro aspecto importante que também chama bastante a atenção é a formação de parcerias a fim de reduzir riscos, custos e encurtar o tempo de desenvolvimento do produto. A Embraer foi uma das pioneiras em executar um projeto desenvolvido com base em parcerias de risco com parceiros das mais diversas nacionalidades, com partes fabricadas ao redor do mundo para serem integradas em São José dos Campos. No entanto, tal prática também deve ser contextualizada, já que vem sendo amplamente adotada por outros fabricantes, aparentemente como a única solução possível para a manutenção da competitividade dentro dessa arena, indicando mimetismo no setor. As fabricantes, neste caso, diferem apenas em grau de terceirização. Outra característica de imensa influência do ambiente na indústria reside no fato de se tratar de uma operação com necessidade de capital intensivo para o desenvolvimento dos projetos. E, nesta situação, indústrias instaladas em nações cujo acesso à tecnologia é maior têm vantagem competitiva muito grande em relação a indústrias de países com baixo investimento em tecnologia, como no Brasil. Ainda sob 27

44 este aspecto, países com investimento pesado em desenvolvimentos militares acabam naturalmente favorecendo suas indústrias com fluxo constante de tecnologia. Desta forma, a fim de entender melhor este ambiente, foram estabelecidas as três condições citadas anteriormente (inóspito, desafiador e piedoso), formando um mapa que serviu de consulta constante para a pesquisa, principalmente durante a análise. Com base na análise das respostas aos desafios da empresa e contextualizando os eventos e os caminhos pelos quais a indústria passou, pode ser mais fácil explicar as mudanças de comportamento nas respostas aos desafios. 3.3 Coleta de Dados Iniciou-se então o processo de coleta de dados, pois só através dele se poderia saber se seria possível ou não ter material suficiente para a continuidade da pesquisa de dissertação. Sendo assim, a busca de dados começou na cidade-sede da empresa, São José dos Campos, interior de São Paulo. Na cidade se localiza o CTA (Comando-Geral de Tecnologia Aeroespacial), que abriga, entre vários outros departamentos de pesquisa, o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica). Em seguidas visitas à biblioteca desta instituição, foi possível encontrar um grande acervo com informações da empresa. Diversas dissertações e teses, balanços anuais da década de 70 e livros, além de professores com imenso conhecimento sobre a história da empresa que indicaram fontes e caminhos valiosos na busca por material de pesquisa. Entre as principais fontes de dados podem-se relacionar as seguintes: Tabela Fontes de informação Fontes de Informação Biblioteca ITA Editora Abril IPEA BNDES Tipo de Informação Dissertações, teses, livros, balanços anuais. Notícias veiculadas nas revistas Veja e Exame sobre a empresa e o setor de 1987 a Estudos sobre o setor aeronáutico. Estudos sobre o setor. 28

45 ANAC Embraer Revista Flight International Prof. Bento Mattos Base de dados do jornal Valor Econômico Base de dados da Editora Abril José Carlos de Souza Reis Estatísticas do setor. Press-releases e balanços anuais. Notícias sobre o setor. Edições especiais comemorativas sobre a história da Embraer. Matérias sobre a empresa veiculadas no jornal de 1999 a 2008 Matérias sobre a empresa veiculadas nas revistas Veja e Exame entre os anos de 1996 e 2008 Apresentação feita ao ITA sobre a história da empresa. O material coletado para leitura era então lido, selecionando-se os fatos relevantes, que eram reproduzidos numa tabela de arquivo Excel como mostra a figura 8.1. Na figura foi selecionado um trecho da tabela, apenas para mostrar como foi feita a organização. A reprodução da tabela inteira demandaria um número muito grande páginas, uma vez que foram extraídos 988 fatos. Desta forma, era possível ordenar a tabela da maneira que melhor conviesse para facilitar a análise. Assim, foi possível não apenas isolar tais fatos para análise, como também organizar as informações que permitiram montar o histórico da empresa e, posteriormente, a análise, como será visto mais adiante. No caso da inserção dos fatos na tabela, primeiro lia-se todo um capítulo ou trecho sobre um determinado fato, seja em livro, revista, paper. Marcavam-se os trechos considerados essenciais e só depois de acabada a leitura de cada trecho é que as partes selecionadas eram incluídas na tabela. Este procedimento evitava que a leitura fosse interrompida e a compreensão dos fatos prejudicada. Uma parte importante do estudo consistia em levantar os principais dados financeiros da empresa, a fim de estabelecer um indicador de crescimento relativo. Tal indicador foi baseado no artigo de Fleck (2004), no qual a autora apresenta uma medida de tamanho relativo para a GE e a Westinghouse, fruto de sua tese de doutorado de A medida consiste na divisão do valor de vendas totais das empresas pelo valor do Produto Nacional Bruto (PNB) norte-americano (no caso do presente estudo, também do PIB brasileiro). Desta forma, a autora construiu, para o período estudado (1916 a 1999), uma série de valores que mostrava como as 29

46 empresas se comportaram ao longo desses anos em relação à economia norteamericana. Desta forma, era possível visualizar se as empresas realmente haviam crescido (ou se apenas acompanhado o crescimento da economia), contraído ou permanecido estagnadas. Ou seja, demonstra-se se de fato o crescimento ocorreu ou não em função da economia do país, como por exemplo: se se analisa isoladamente a receita bruta e se vê que esta cresceu 10%, pode parecer um enorme ganho, mas se a análise se dá à luz da economia local e se constata que neste mesmo período o Produto Nacional cresceu 20%, pode-se dizer que o crescimento não foi tão significativo quanto parecia à primeira vista. No caso do presente estudo, foi necessária pequena adaptação, pois se objetivava medir o desempenho da empresa não apenas em relação ao mercado norte-americano, como também em relação ao mercado brasileiro. Por isso, utilizou-se o PIB (Produto Interno Bruto), que engloba os bens e serviços gerados internamente (por residentes e não residentes). Esta medida representa melhor a economia brasileira do que se considerarmos os bens e serviços gerados pela nação, o que inclui a renda líquida recebida ou enviada ao exterior. Outra vantagem do estudo de crescimento relativo diz respeito ao fato de o Brasil ter passado por grandes turbulências econômicas neste período que se visava estudar (1970 a 2008), Então, quando se faz a razão destes valores em unidades idênticas e em valores da mesma época, tem-se uma precisão maior, que dispensa as diversas correções monetárias ao longo de todo esse tempo. Ou seja, divide-se cruzeiro por cruzeiro, cruzado por cruzado e assim sucessivamente. Outros números importantes à pesquisa e que poderiam ajudar na demonstração do crescimento e comportamento da companhia eram os valores de investimento em pesquisa e desenvolvimento ao longo desses anos e o número de funcionários ao final de cada ano. No caso dos investimentos em produção e desenvolvimento, não foi possível conseguir os valores de 1986, 1987 e Desta forma, o valor apresentado nos gráficos para estes três anos foi estimado através do gráfico apresentado por Bernardes (2000). Com base nestes dados, foram desenhados os nove gráficos seguintes: Evolução anual do número de empregados (gráfico 8.1); Receita bruta /PIB brasileiro (gráfico 5.1); Evolução da receita bruta por número de funcionários (gráfico 8.2); Evolução do investimento em pesquisa e desenvolvimento em relação à receita bruta (gráfico 8.3); 30

47 Evolução do investimento em pesquisa e desenvolvimento em relação ao PIB brasileiro (gráfico 8.4); Evolução do investimento em pesquisa e desenvolvimento em relação ao GNP (gráfico 8.5); Evolução da receita bruta em relação ao GNP (gráfico 8.6); Evolução da receita bruta em relação ao GNP (em %) por empregado (gráfico 8.7); Evolução investimento em produção e investimento em relação ao GNP (em %) por empregado (gráfico 8.8); Como não havia uma fonte única e organizada com os dados visados (1970 a 2007), foi necessário buscar tais dados em diversas fontes. Sendo assim, os dados financeiros e de números de funcionários de 1970 a 1976 foram extraídos dos balanços anuais da empresa disponíveis na biblioteca do CTA. Os valores de 1977 a 1988 foram retirados de apresentação feita pela empresa em 2005, que se encontra disponível na internet. Esses valores, por sua vez, foram comparados àqueles apresentados por Bernardes (2000). Para os valores de 1989 a 1994, a fonte foi uma apresentação do BNDES com os dados que antecederam a privatização. Os dados de 1995 vieram do livro de Bernardes (2000, p. 216 e 217) e, de 1996 em diante, os valores foram obtidos dos balanços anuais, disponíveis no site da empresa. Como alguns desses valores se encontravam em dólares, outros em moedas correntes do Brasil à época, foi necessário converter tudo para uma unidade única. Neste caso, a unidade única escolhida foi o dólar norte-americano, já que as duas séries com as quais se desejava fazer a comparação, o GNP (Gross National Product) norte-americano e o PIB brasileiro estavam disponíveis nesta moeda. No caso do primeiro, a série está disponível no site do Bureau of Economic Analysis (BEA); a do PIB, no site do Banco Central do Brasil (BCB). Apesar de ser uma empresa brasileira, buscou-se fazer este comparativo com o GNP pelo fato de o mercado norte-americano representar o maior volume de vendas da empresa, principalmente após a privatização. No caso dos dados obtidos em moeda brasileira, é importante ressaltar que tais valores foram convertidos ao dólar correspondente ao dia do fechamento do balanço, valores estes também disponíveis no site do Banco Central. Deve-se destacar a estrutura do Coppead, essencial para a localização da literatura sobre o tema, bem como a alocação de uma sala de estudos em que foi possível realizar o trabalho com total tranqüilidade. 31

48 3. 4 Entrevistas Outra parte importante da coleta de dados foi a realização de entrevistas com ex-funcionários da empresa, preferencialmente aqueles que tivessem trabalhado por muitos anos na firma estudada. O motivo da escolha preferencial por ex-funcionários da empresa deveu-se a dois fatores principalmente. O primeiro é que a empresa já tinha alertado que seria inviável gravar as entrevistas nas instalações da empresa, o que certamente prejudicaria a pesquisa no momento da análise. E, o segundo é que muitos daqueles com grande tempo de experiência na empresa já não mais trabalhavam lá, especialmente seus principais fundadores. Entre todos os materiais obtidos, as entrevistas demonstraram ser as fontes mais ricas de informação, dado o maior grau de detalhamento conseguido através do relato daqueles que participaram ativamente da história da empresa, ou a observaram de perto ao longo de seus quase quarenta anos. E, como um dos principais objetivos do estudo era compreender alguns dos mecanismos (Bunge, 1999) presentes ao longo da história da companhia, o estudo poderia se tornar inviável sem as informações conseguidas. Os contatos para as entrevistas foram conseguidos, em sua grande maioria, por meio de amigos que conheciam ex-funcionários. Nesta busca, a internet se mostrou também uma excelente ferramenta. Através dela foi possível conseguir o contato de autores de alguns estudos realizados e publicados sobre a empresa e o setor, além de acesso a associações como a Aeita (Associação dos Engenheiros do ITA), APVE (Associação dos Pioneiros e Veteranos da Embraer) e a comunidades como a Coppead net. Conseguindo-se algum dado para contato, marcavam-se data e local adequado, tanto para o entrevistado quanto para o entrevistador. Como a maior parte destes ex-funcionários fixou residência em São José dos Campos, em função da localização da empresa (a maioria não era natural da cidade), foram necessárias quatro visitas à cidade para a realização das entrevistas. Para aumentar o aproveitamento das viagens, tentava-se marcar o maior número de entrevistas possíveis em cada uma delas. Foram necessárias, também, duas visitas à cidade de São Paulo, onde dois dos entrevistados trabalhavam, e uma à cidade de Guaratinguetá (SP), onde um dos entrevistados morava. 32

49 Vale ressaltar que grande parte dos entrevistados também serviu como fonte de contato de outros possíveis entrevistados, além de terem fornecido um rico acervo. No total, foram obtidos 27 contatos e realizadas 17 entrevistas, com duração entre uma hora e meia e três horas. Após as entrevistas, estas eram transcritas na íntegra, a fim de facilitar a análise. Desta forma, poder-se-ia selecionar o trecho a ser analisado, como será descrito adiante. Para a realização das entrevistas, foi preparado um questionário que continha os principais aspectos a serem abordados. No entanto, como o estudo compreendia uma perspectiva histórica, sempre se buscou iniciar as entrevistas pedindo que o entrevistado contasse sua história dentro da empresa, por que área(s) passou e quanto tempo permaneceu em cada uma. Dentro desta narrativa, o entrevistador buscava colocar perguntas sobre alguns aspectos da história da empresa que pudessem trazer detalhes importantes. 3.5 Análise dos dados Do material coletado e das entrevistas realizadas, buscou-se uma análise com base no referencial teórico de Fleck (2006), que estabelece as principais capacitações que a empresa desenvolve para enfrentar os desafios do crescimento, conforme a tabela abaixo. 33

50 Tabela 3.3: Lista de capacitações para análise DESAFIO CAPACITAÇÃO Ambição Empreendedorismo Versatilidade Recursos Financeiros Julgamento Navegação no Ambiente Gestão da Diversidade Legitimidade Captura de Valor Construção de ligações adequadas dos elementos organizacionais Antecipação de necessidade Gestão de Recursos Humanos Formação Retenção Renovação Gestão da Complexidade Gestão da Complexidade Sendo assim, como já havia sido feita uma tabela de fatos a partir do material coletado, acrescentaram-se mais oito colunas: a unidade de análise; a classificação do ambiente (caso o ambiente fosse a unidade em questão); o processo; o desafio; a dimensão do desafio; a resposta; a avaliação da resposta; e uma coluna para comentários, como mostra a tabela 8.2. Desta forma era possível ler o evento e classificá-lo na mesma tabela, o que permitia filtrar também pelo desafio ou pela classificação do ambiente. Um recurso que facilitou bastante na hora de escrever a análise. Neste ponto, é importante deixar claro que cada evento é analisado individualmente pela ótica de cada desafio, ou seja, os fatos eram lidos para a classificação diversas vezes (uma vez para cada desafio). Portanto, um mesmo evento pode estar ligado a vários desafios, e, neste caso, tinham sua linha repetida. A busca pela identificação dos processos aparece na constatação de que, aparentemente, alguns eventos ou ações não aconteceram isoladamente e tiveram 34

51 implicação em momentos e eventos posteriores da empresa. Ou seja, nasciam num determinado ponto da história e voltavam a aparecer bem mais à frente. Além disso, podem ser verificados na história da empresa longos períodos em que houve adoção de determinadas estratégias por um longo período de tempo. Neste sentido, o artigo de Langley (1999), que traz a estratégia de agrupamento temporal, foi de grande contribuição para facilitar a compreensão destas fases ou processos. De acordo com a autora, a análise longitudinal pode ser dividida em períodos, em fases em que se saiba que há uma seqüência de processos, estruturando assim a descrição das análises feitas. O que também ajudaria na busca de uma visão processual descrita anteriormente. Da mesma forma que foi feita uma tabela de fatos e a posterior inclusão dos campos de análise, também foi construída uma tabela para organizar a análise das entrevistas (tabela 8.3). Desta forma, após a transcrição, os trechos sobre um determinado assunto eram incluídos em outro arquivo do tipo Excel, com os seguintes campos: data início; data fim; entrevistado; número do entrevistado; evento; informação; observações; página (documento de transcrição); unidade de análise; classificação do ambiente; processo; desafio; dimensão; e avaliação da resposta (negativa, positiva ou neutra). Assim como no caso da tabela de fatos, foi possível filtrar os elementos da forma que fosse necessário, além de agilizar consideravelmente o processo de busca de uma determinada informação. No caso deste estudo, optou-se por dividir a análise em duas grandes fases. A primeira, de 1969 a 1991, que compreenderia a fase de fundação da empresa até o ano em que o Sr. Ozires Silva (fundador e que havia saído da empresa em 1986) retorna com a missão deliberada de preparar a empresa para a privatização em E, conseqüentemente, a outra fase, que seria de 1992 a Esta compreende a preparação da empresa para a privatização, sua privatização propriamente dita até o ano em que o estudo está sendo realizado. Para cada fase foi feito um quadro com os desafios de Fleck (2006), representados nas figuras 5.1 e 5.2, demonstrando em verde, amarelo ou branco os desafios para os quais a empresa aparentemente demonstrou respostas positivas, negativas ou aquelas em que não há evidências suficientes para afirmar em cada caso. No caso do desafio de empreendedorismo, na primeira fase optou-se por detalhar as dimensões da resposta por entender que não eram homogêneas para todas as dimensões, o que ficou demonstrado pela análise. 35

52 Tendo as informações da tabela de fatos e das entrevistas organizadas em tabelas do Excel, filtrava-se pela data e, em seguida, pelos desafios. Desta forma, ficava-se com uma série de eventos classificados tanto em ordem cronológica quanto pelo desafio que estava sendo analisado, o que facilitava muito na hora de escrever a análise. A fim de organizar melhor o texto da análise, o autor optou por tomar uma série de notas num bloco de papel sobre os assuntos que deveriam ser abordados e em que ordem deveriam aparecer. Esse bloco era então deixado ao lado do computador para servir de guia. Neste bloco também ficavam as indicações das citações a serem incluídas na análise. Outra medida tomada ao agrupar a tabela por fatos ao longo do tempo foi o de tentar identificar semelhanças nas respostas do fato, mais do que quantificar as respostas positivas e negativas que haviam sido dadas. Por dois motivos. Primeiro poderiam ter pesos absurdamente diferentes e distorcer a análise por eventos isolados; e segundo porque determinadas respostas estavam inseridas num contexto que teria que ser considerado ao dar uma resposta positiva ou negativa. É importante ressaltar que as classificações usadas na tabela como positivas, negativas ou neutras, usando os números (-1, 0, 1) serviram apenas como ferramenta para facilitar a qualificação da resposta como negativa e positiva e, por isso, não possui um peso quantitativo. Desta forma, ficava fácil filtrar os dados na tabela. 36

53 4. A HISTÓRIA DA EMBRAER 4.1 Do Início da Indústria no País à Embraer Falar acerca dos primórdios da aviação no Brasil é, inevitavelmente, remeter aos primórdios da aviação mundial e fazer uma viagem ao campo de Bagatelle, em Paris, onde, no dia 23 de outubro de 1906, o brasileiro Alberto Santos Dumont entrou para a história da aviação como o primeiro homem a fazer um objeto mais pesado do que o ar despegar-se do chão por meios próprios e voar. O objeto mais pesado do que o ar, chamado 14-Bis, e que trouxe o merecido reconhecimento a Santos Dumont, não era a primeira aventura do gênio da engenharia aeronáutica. Em 19 de outubro de 1901, esse brasileiro já havia voado sobre Paris no primeiro dirigível alado do mundo, o balão N-6, também projetado por ele. Santos Dumont disputou, e ainda disputa com os irmãos Wright, o título de verdadeiro pai da aviação. Patriotismos à parte, os irmãos Wright fizeram o primeiro vôo em 1903, três anos antes do brasileiro. Porém, decolaram com auxílio de uma catapulta e foram incapazes de manobrar a aeronave. O brasileiro o fez com a própria força da aeronave, e mantendo a sua manobrabilidade. Por ter comando sobre o vôo, atribui-se a Dumont também a criação das superfícies de controle 1. Segundo Barros (2003 apud Coelho, 2005), na época em que Santos Dumont fez seu primeiro vôo com o 14-Bis, havia uma disputa entre diversos institutos de pesquisa europeus e americanos sobre quem seria o primeiro homem capaz de voar num artefato mais pesado do que o ar, decolando com sua própria força motriz e, acima de tudo, mantendo o controle, não apenas voando ao sabor dos ventos. Neste contexto, projetistas europeus e americanos escondiam suas descobertas e patenteavam toda nova pequena descoberta. No entanto, Santos Dumont era uma exceção. Vindo de família abastada e sem investidores capitalistas para apoiar seus projetos, não se preocupava em esconder suas descobertas, mantendo assim seu espírito aventureiro. O que movia Santos Dumont e outros inventores da época, além da paixão pela aviação, era a certeza que tinham de que as aeronaves desempenhariam um papel importantíssimo no futuro, considerando-se a agilidade do transporte. Por isso, Santos Dumont tentava alertar também o governo brasileiro para a importância de um 1 Superfícies de controle: através de superfícies móveis nas asas e na empenagem traseira, é possível manobrar a aeronave, durante o vôo, em qualquer direção. 37

54 ensino de qualidade em engenharia aeronáutica. Isto fica claro num pronunciamento de Santos Dumont em 1918: É tempo, talvez, de se instalar uma escola de verdade em um campo adequado. Não é difícil encontrá-lo no Brasil. Nós temos para isso excelentes regiões, planas e extensas, favorecidas por ótimas condições atmosféricas. (...) Os alunos precisam dormir próximo à escola, ainda que, para isso, seja necessário fazer instalações adequadas (...) especialmente nas imediações de Mogi das Cruzes, avistam-se campos que parecem bons... (Cinqüentenário ITA, 2000, p. 1). Curiosamente, as características estabelecidas por Santos Dumont se assemelham, e muito, às características encontradas no CTA (Centro Técnico Aeroespacial) de São José dos Campos. No entanto, pode-se dizer que algo neste sentido vinha sendo feito no Brasil, desde o século anterior, com o início do curso de engenharia no país, ministrado pela Real Academia Militar, no Rio de Janeiro. O curso de engenharia, inicialmente, limitava-se à esfera militar, mas foi estendido a civis em 1842, quando a escola passou a se chamar Escola Central, ainda sob a tutela dos militares. Em 1874, a Escola Real virou Escola Politécnica e, posteriormente, Escola Nacional de Engenharia, tendo seu comando passado aos civis. Porém, o ensino de engenharia ainda continuou a ser realizado em algumas instituições do exército e, em 1939, teve início o ensino de Engenharia Aeronáutica no Brasil, através da Escola Técnica do Exército EsTE, o atual Instituto Militar de Engenharia (IME). Até então, a Escola formava engenheiros em Armamento, Eletricidade, Eletrônica, Química, Mecânica e Metalurgia, mas, por determinação do Ministério da Guerra, seria então instituído o curso de Engenharia Aeronáutica com duração de três anos, aberto a candidatos civis com formação superior em Ciências Exatas e a oficiais da aviação, como o major Montenegro, que participou da primeira turma. É importante ressaltar que Montenegro, nessa época, já havia sido promovido a major e ocupava o cargo de Diretor de Aviação Militar, subordinado diretamente ao Estado-Maior do Exército, no Rio de Janeiro, função esta que significava um progresso na carreira. Porém, segundo Morais (2006, p. 83), Montenegro não tinha visto grande vantagem em trocar uma rotina de contato direto com as aeronaves, como tinha em São Paulo como Diretor do Campo de Marte, por uma burocrática mesa de trabalho. Ainda segundo o autor, a inspiração para o curso surgira da constatação de Montenegro de que o desenvolvimento de uma tecnologia aeronáutica nacional, por meio da formação de engenheiros especialistas no ramo, passava a ser um fator 38

55 indispensável numa época em que as aeronaves se firmavam como a principal arma de combate em todo o mundo. E perder a possibilidade de desenvolvimento nessa área significava ficar em séria desvantagem diante do inimigo, num possível conflito. Para ele, não era mais suficiente apenas formar pilotos de combate à disposição das Forças Armadas, mas tornara-se estratégico também dominar, cada vez mais, a sofisticada tecnologia aeronáutica. Ou seja, começava a nascer a convicção, ainda um tanto quanto difusa na elite dos quartéis, de que investir em tecnologia seria uma condição indispensável para tanto. A formação de pilotos e observadores aéreos já ocorria na Escola de Aviação Naval da Marinha, que havia sido criada em 1916, na pequena Ilha das Enxadas, no litoral carioca. No entanto, por suas curtas dimensões, a ilha não permitia a construção de uma pista de pouso, o que fez com que as instruções fossem transferidas para o Campo dos Afonsos, no subúrbio carioca de Marechal Hermes. Por sua vez, a transformação do Campo dos Afonsos em Escola de Aviação Militar aconteceu pouco tempo depois, em 1920, quando desembarcou no Rio de Janeiro a Missão Militar Francesa. Com a fama de vencedores da Primeira Guerra Mundial, alguns oficiais, liderados por Maurice Gamelin (comandante da infantaria francesa e membro do estado-maior do general Joseph Joffre), chegaram com a missão de equipar e modernizar o Exército Brasileiro. Mas, em 1927, passaram também a dar instrução formal na Escola de Aviação Militar de Marechal Hermes. Segundo Morais (2006), havia um grupo de militares da escola que, no entanto, apresentava objeções às vendas e serviços prestados pela Missão Francesa, entre eles Montenegro. Relatavam já ter encontrado capacetes furados de balas e máscaras contra gases sujas de sangue entre o material de treinamento. Para eles, a Missão aproveitou-se do acordo militar com o Brasil para esvaziar seus depósitos de ferro velho. Esta escola se mostraria, no futuro, um celeiro de personalidades da vida política e militar brasileira. Como mostra Morais (2006, p. 27), dos 55 formandos das quatro primeiras turmas da escola, 16 encerraram suas carreiras como brigadeiros, cinco foram ministros de Estado e seis atingiram a mais alta patente militar, a de marechal-do-ar, entre eles um negro, Waldemiro Avíncula Montezuma. Dois deles também ficaram conhecidos por tomar o rumo da esquerda, os capitães Agliberto Vieira de Azevedo e Sócrates Gonçalves da Silva, responsáveis pela distribuição nos quartéis do panfleto Asas Vermelhas, de pregação marxista. Ambos acabaram presos por dez anos por tentarem sublevar a Escola de Aviação na revolta comunista de

56 No entanto, é importante voltar um pouco no tempo e destacar novamente a participação de Casimiro Montenegro num dos mais importantes passos para o desenvolvimento de uma indústria aeronáutica no país, a criação do Correio Aéreo Militar (CAM), em De acordo com Morais (2006), Montenegro acreditava que, em tempos de paz, o Exército deveria se dedicar a atividades que desonerassem o Tesouro. Uma das idéias era um serviço de correio aéreo que pudesse interligar diversos locais do inóspito Brasil de então. A esta altura, algumas prefeituras às quais foi apresentada a sugestão já haviam demonstrado apoio, prometendo a construção de pistas de pouso, caso fossem incluídas nas rotas do então planejado correio. O propósito não era somente o de transportar correspondências, mas também proporcionar experiência aos aviadores brasileiros em vôos de longa distância, o que permitiria, no futuro, a nacionalização das tripulações dos aviões comerciais de bandeira brasileira até então, só operados por pilotos, mecânicos e radiotelegrafistas estrangeiros. Segundo Morais (2006), a idéia era vista com muita resistência por vários dos superiores de Montenegro, como mostra o trecho abaixo: Para muitos de seus superiores, porém, aquilo não passava de devaneio de jovem. As distâncias continentais do Brasil e a falta de uma cultura epistolar entre os brasileiros - majoritariamente analfabetos, além do mais - reforçavam os argumentos dos que relutavam à idéia de criação do correio aéreo. O volume de correspondência trocado entre as duas maiores cidades do Brasil, São Paulo e Rio, era tão insignificante, diziam, que não justificava o altíssimo investimento representado pelo transporte aéreo. Colocada no Cruzeiro do Sul, o trem noturno que ligava as duas capitais, a mala postal estaria no destino na manhã seguinte. E em absoluta segurança, o que o avião nenhum podia garantir, "Para levar duas cartas por dia", ironizavam os renitentes, "não precisa um avião, basta um pombo correio". Morais (2006, p. 30). No entanto, em 21 de maio de 1931, com a criação do Grupo Misto de Aviação, sediado no Campo dos Afonsos, ficara mais fácil vender a idéia. Sendo assim, no mesmo ano de 1931, foi realizado o vôo inaugural do CAM por dois tenentes da Aviação Militar do Exército Brasileiro, Nelson Freire Lavanére- Wanderley e Casemiro Montenegro Filho, que deixaram o Rio rumo a São Paulo levando uma mala postal com duas cartas. O CAM, posteriormente, viraria Correio Aéreo Nacional (CAN), que viria a ter papel importantíssimo na integração nacional. Neste momento, é interessante entender um pouco do que acontecia no Brasil e, principalmente, do relacionamento de Montenegro com Eduardo Gomes, já que 40

57 vários problemas neste relacionamento trouxeram problemas a criação do CTA mais tarde. Desde o frustrado levante do Forte de Copacabana, em julho de 1922, evidenciava-se no país o movimento tenentista, que compreendia uma ala do exército brasileiro que pregava contra a decadência moral do país. Lutava por voto secreto, educação pública e justiça gratuita. Portanto, não foi muito difícil, nem se passou muito tempo para que o movimento ganhasse ares revolucionários e assim fosse visto. Segundo Morais (2006), embora pouco ligado à política e sempre discreto, Montenegro nunca se mostrara contra o tenentismo. No começo da década de 30, Montenegro começou a operar como um elo entre a Escola de Aviação Militar e alguns personagens importantes do movimento tenentista, como Juarez Távora, Siqueira Campos e Eduardo Gomes, este último já conhecido por ter sobrevivido ao movimento dos 18 do Forte, que desafiou a repressão federal e inspirou o nascimento do tenentismo. Para o autor, a aproximação de Montenegro e Eduardo Gomes se deu muito mais pela aviação do que pela política. Desde que os dois haviam se conhecido, o então aspirante cearense Montenegro tentava seduzir Eduardo Gomes a trocar a Artilharia pela nova Arma criada pela Missão Militar Francesa desde 1920, que havia sido encarregada de modernizar as Forças Armadas Nacionais, como mostrado anteriormente. No entanto, nesta época a política vivia um momento de grande turbulência. No ano de 1929, as lideranças paulistas haviam rompido a aliança com os mineiros, conhecida como política do café-com-leite, e indicado o paulista Júlio Prestes à Presidência da República. Como reação, o então presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (que se esperava fosse o candidato da aliança Minas - São Paulo) apoiou a candidatura oposicionista do gaúcho Getúlio Vargas, formando então a Aliança Liberal. Tendo como vice João Pessoa, então presidente da Paraíba, o terceiro estado depois de Minas Gerais e São Paulo a se levantar contra a candidatura paulista, a Aliança recebeu apoio do Movimento Tenentista. Em março de 1930, com a vitória de Júlio Prestes nas eleições, a Aliança Liberal alegou fraude e iniciou-se então a organização de um golpe pelos estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, para depor o então presidente Washington Luís em 24 de outubro de O golpe permitiu a posse de Getúlio Vargas, em 3 de novembro do mesmo ano, como chefe do Governo Provisório e fez com que Julio Prestes fosse exilado. Este evento marcaria o fim da República Velha no Brasil ( ). 41

58 Logo após o triunfo da Revolução, Eduardo Gomes acabou por se tornar um defensor do projeto de Montenegro - e foi ele, na verdade, quem convenceu o ministro de Guerra a assinar o ato criando o Grupo Misto de Aviação. Eduardo Gomes também ganhara mais poder em decorrência de um dos primeiros atos de Getúlio Vargas, que consistiu em nomear Miguel Costa como interventor na Polícia Militar (PM) de São Paulo. Sendo assim, em poucos dias, todos os postos de comando da PM tinham sido ocupados por jovens oficiais revolucionários do Exército, entre eles Eduardo Gomes. O objetivo principal de Getúlio era dissolver qualquer possível resistência que ainda pudesse existir na PM de São Paulo. Desta forma, Miguel Costa promove o que Morais (2006) chamara de uma verdadeira razzia na instituição: todos os aviões paulistas são transferidos para o Exército, entre eles os Curtis Fledling, que depois viriam a ser entregues ao CAM. Somente em 1934, Getúlio convocaria uma Assembléia Nacional Constituinte, que redemocratizaria o país e faria dele o Presidente Constitucional da República. Nesta mesma época, Casimiro Montenegro já havia assumido a direção do Campo de Marte e, como o contexto político no Brasil parecia caminhar para a normalidade novamente, decidiu reabrir a escola aos civis, para os quais havia sido fechada dez anos antes. Desta forma, instituiu um sistema de quotas para civis no curso de pilotagem. No entanto, tal manobra serviu para que explodisse seu primeiro problema de relacionamento com Eduardo Gomes. Relacionamento este que viria a se complicar cada vez mais ao longo da vida profissional de ambos. Em abril de 1934, o então diretor de Aviação Militar, Eurico Dutra, em ofício pouco cordial, exigiu que tais quotas fossem encerradas imediatamente. Pedia também o fim da instrução para sargentos, conforme mostra a transcrição do ofício abaixo. Conforme Montenegro apurou pouco tempo depois, tal ordem se originara de um pedido pessoal de Eduardo Gomes, que não concordava com o ponto de vista de Casimiro, defensor do compartilhamento dos avanços obtidos pelo Estado com a sociedade civil. Capital Federal, 9 de abril de Ao Sr. Capitão Comandante Destacamento de Aviação de São Paulo a) deveis envidar todos os esforços no sentido de evitar que as dependências desse Destacamento sejam freqüentadas por civis; b) não é conveniente, de forma alguma, que sargentos técnicos ou de fileira desse Destacamento continuem a receber instrução de pilotagem, desviando-se de suas atribuições e afazeres. Lembrai-vos 42

59 que um sargento já foi acidentado em vôo e que, se necessário, vos transferirei desse Destacamento, tal o interesse que tenho em que semelhante recomendação seja mantida; c) sem minha autorização não deve ser permitido o vôo de civis em aviões desse Destacamento, sendo absolutamente vedado às senhoras e crianças. Eurico Gaspar Dutra, General-de-Brigada, Diretor.. (Morais, 2006, p. 79) Enquanto no Brasil ainda amadureciam as questões políticas primordiais, os Estados Unidos, sob o governo de Franklin D. Roosevelt, aprovou no Congresso, em 1933, a Buy American Act, como ficou conhecida uma lei que impedia o governo daquele país de comprar fora do território norte-americano qualquer produto para seu uso. O governo norte-americano entendia que não se poderia dar o direito de converter os dólares dos tributos pagos pelo cidadão em moedas estrangeiras, e, com isso, gerar ou manter empregos no exterior. Segundo Silva (2008), é notória a contribuição dessa lei para o desenvolvimento dos empreendimentos nos EUA, um país que poucos anos antes havia enfrentado profunda crise. Outro evento importante também ocorreu em 1931, qual seja, o nascimento, em Bauru, interior de São Paulo, de Ozires Silva, futuro fundador e presidente da Embraer, como será apresentado mais detalhadamente adiante. Ainda criança, Ozires testemunhara a virada para a década de 1940, década esta que trouxe um profundo amadurecimento na aviação mundial, cujo marco foi a Segunda Guerra Mundial. No Brasil, Getúlio Vargas titubeou até decidir de que lado o Estado Novo ficaria no conflito, decisão que foi tomada a favor dos Aliados, somente em Como parte dos acordos assinados pelo Brasil, as tropas norte-americanas receberam a permissão para montar bases em território brasileiro e, conseqüentemente, passaram a fornecer equipamentos estratégicos ao país. Entre esses equipamentos estão aviões militares, especialmente os C-47, utilizados durante o conflito para o transporte de cargas e tropas e vendidos a preços irrisórios no imediato pós-guerra. Ozires viria posteriormente a pilotar essas aeronaves a serviço do CAN. Segundo Morais (2006), a guerra ajudou a mostrar que, no Brasil ou em qualquer outro lugar do mundo, seria impossível continuar fazendo da Aeronáutica um mero apêndice do Ministério de Guerra. O avanço tecnológico e o papel crucial que os aviões passaram a desempenhar na moderna estratégia militar estavam exigindo o surgimento de uma Força à parte, com a conseqüente criação de uma nova estrutura organizacional e de um novo ministério, até então referido com a abstrata 43

60 denominação de Ministério do Ar. Tal discussão tomou conta dos quartéis e ganhou repercussão maior ainda na Escola Técnica do Exército, especialmente entre os alunos do curso de Engenharia Aeronáutica, que passaram a defender a autonomia da aviação militar. O assunto também começou a ser debatido nas páginas dos jornais. A esta altura, Getúlio já tinha, segundo Morais (2006), uma coletânea de estudos e projetos que havia recebido, de várias procedências, sugerindo a criação do Ministério do Ar. Então, em 20 de janeiro de 1941 se deu, possivelmente, o fato mais importante na história recente da aviação brasileira, qual seja a criação do Ministério da Aeronáutica. A maior surpresa na criação do Ministério, no entanto, foi a escolha de um civil para a pasta. Getúlio designou o advogado gaúcho Joaquim Pedro Salgado Filho, um fiel contribuinte de sua campanha, que havia sido nomeado chefe da Polícia do Distrito Federal logo após a Revolução de 30. Em 1932, havia assumido o cargo de ministro do Trabalho, Indústria e Comércio e, desde 1937, quando Getúlio instituiu o Estado Novo, ocupava o cargo de ministro do Superior Tribunal Militar. O decreto estabelecia também que todas as unidades de aviação passassem a obedecer a um único comando, integrando assim os órgãos anteriormente dispersos pelos dois ministérios militares preexistentes. Desta forma, a Aviação Naval e a Aviação Militar foram extintas. Segundo Morais (2006), o decreto-lei, que era composto por 29 artigos, resumia os pontos basilares propostos por Nero Moura, Montenegro, Wanderley, Faria Lima, Travassos e Lampert. Sendo assim, não foi difícil entender por que a redação do decreto abraçava também a idéia de que caberia ao novo ministério fomentar a aviação nacional com a destinação de recursos específicos para a tecnologia aeronáutica. Havia, ainda segundo o autor, claras referências à idéia de que a pesquisa científica passara a ser condição essencial para o desenvolvimento do país. O comando do recém-criado Estado Maior da Aeronáutica ficou com o contraalmirante Armando Trompowsky de Almeida, ex-diretor-geral da Aviação Naval (já convertido ao novo posto de Brigadeiro-do-ar). Foram estabelecidas mais quatro diretorias: Pessoal, Material, Rotas Aéreas e Aeronáutica Civil. Como Montenegro concluía o curso de Engenharia Aeronáutica justamente nesta época, foi passada a ele a subchefia da Diretoria de Material, que ficara sob a responsabilidade do coronel aviador Ivan Carpenter Ferreira, além da organização de uma Subdiretoria Técnica Aeronáutica, cujo nome, por si só, confirmava a intenção do Ministério de investir em pesquisa tecnológica, segundo Morais (2006). Cabia à Diretoria de Material, entre 44

61 outras atribuições, a responsabilidade pela aquisição e manutenção de novos aviões militares para atualizar a frota aérea do país, pois a grande maioria das aeronaves herdadas do Exército e da Marinha era obsoleta. Com a criação do Ministério e o apoio irrestrito do governo, a aviação brasileira ganhava alguns importantes incentivos para seu crescimento, principalmente a aviação civil. Iniciativas como a campanha "Dê Asas para o Brasil", criada por Assis Chateaubriand na década de 40, ajudaram no aumento do número de pilotos na frota brasileira. A campanha de Chateaubriand contribuiu para a criação de 400 aeroclubes, e aproximadamente 700 aeronaves foram para os céus brasileiros. (Cilento, 2007 Rota Aérea). Mas é importante lembrar também que algumas iniciativas pioneiras já haviam sido arriscadas antes, como, por exemplo, a aeronave fabricada pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas, ligado à Escola Politécnica de São Paulo apelidado de Bichinho, cuja estrutura era fabricada a partir de freijó, uma madeira leve vinda do Pará. Outro movimento havia sido uma sociedade do norte-americano Orton Hoover com Henrique Santos Dumont, sobrinho do inventor do avião. Essa sociedade gerou, em 1931, a Empresa Aeronáutica Ypiranga (EAY). Em 1936, esta empresa lançou a aeronave EAY-201, fabricada nas oficinas do Campo de Marte, sob a supervisão do então capitão Montenegro. Em 1942, a EAY foi vendida ao empresário Francisco Baby Pignatari, que reprojetou o EAY-201 e o batizou de CAP-4A, mais conhecido como Paulistinha, já em O governo brasileiro, através do ministro da Aeronáutica, Salgado Filho, e o Governo de São Paulo, através do interventor Adhemar de Barros, subsidiaram a compra de aeronaves Paulistinha por parte dos vários aeroclubes criados em todo o país. Com isso, mais de 700 aparelhos deste modelo foram fabricados. Pouco antes, entre 1935 e 1941, o tenente-coronel Antônio Guedes Muniz, um alagoano que havia participado ativamente dos movimentos tenentistas no Rio de Janeiro, também construíra 26 unidades seriadas do Muniz 7, o M7, uma aeronave de fuselagem metálica e motor inglês Grispy Major (Morais, 2006). É interessante lembrar também que, entre 1938 e 1940, já se fabricava no Brasil, mais especificamente na Ilha do Governador, no Rio, os aviões da Fairchild (norte-americana), sob autorização da Marinha. Fabricavam-se os Stieglitz 44-J e o Focke Wulf 58-B (para passageiros). No entanto, estas fábricas duraram pouco, pois em 1939 a Alemanha foi proibida de fornecer peças, devido à eclosão da 2ª Guerra. 45

62 Tais aeronaves não tinham nenhum componente desenvolvido no Brasil, eram apenas montadas por concessão de seus fabricantes. No entanto, todos estes eram empreendimentos isolados e traziam resultados que não podiam de forma alguma ser comparados ao desempenho dos modernos aviões saídos dos hangares da indústria aeronáutica norte-americana. Enquanto isso, em Bauru, Ozires passava a infância e a adolescência alimentando, junto com seu melhor amigo Zico (Benedicto de Souza), o sonho de fabricar aviões no Brasil. Ainda bem jovens, divertiam-se construindo protótipos em miniatura de aeronaves e até mesmo fazendo experimentos, como um pequeno foguete. Para felicidade dos dois jovens, o Coronel Américo Martinho Lutz foi designado em 1943 para dirigir a Estrada de Ferro do Noroeste, cuja sede ficava em Bauru, cidade natal de Ozires. Embora sendo do Exército, Lutz era fascinado por aviação. E investiu num aeroclube local, adquirindo aviões de treinamento e planadores, além do estímulo que deu ao aeromodelismo, também já praticado precariamente por Zico e Ozires. No ano seguinte à sua posse, Lutz convidou o suíço Kurt Hendrick para ensinar vôo a vela no Aeroclube de Bauru. Porém, além de instrutor, Kurt também tinha pronto um projeto de planador desenvolvido por seu irmão, que, com o auxílio de outros entusiastas do aeroclube, inclusive o ainda menino Ozires Silva, começou a construí-lo ali mesmo. Paralelamente, no dia 30 de janeiro de 1943, já como subchefe da Diretoria de Material, Casimiro Montenegro embarcou para os Estados Unidos junto com os oficiais, com a incumbência de trazer um lote de aviões norte-americanos para o Ministério da Aeronáutica. Como também chefiava a Subdiretoria de Técnica Aeronáutica, Montenegro visitou a Wright Patterson Air Force Base (que depois seria conhecida apenas como Wright Field), em Ohio, avançado centro de pesquisas de engenharia mantido pela Força Aérea dos EUA. Segundo Morais (2006), Montenegro ficou deslumbrado com o que encontrou lá, o que só aumentou sua convicção de que o Brasil deveria usar o exemplo norteamericano e partir para o desenvolvimento de aeronaves, em vez de simplesmente importá-las. Foi também nesta mesma missão que Montenegro, atendendo a uma sugestão de Arthur Soares Amorim, foi conhecer o Massachusets Institute of Technology (MIT). Arthur era funcionário do Serviço Técnico de Aviação (órgão criado em 1934 por Getúlio Vargas para incentivar o estudo da engenharia aeronáutica) e fazia parte de 46

63 um pequeno grupo de civis e militares enviados em 1940 para estudar no MIT, já como parte do processo de aproximação que se verificava na época entre o governo brasileiro e os Estados Unidos. Como Arthur já havia se formado, colocou Montenegro em contato com o major aviador Oswaldo Nascimento Leal, recém-matriculado no curso de engenharia aeronáutica do MIT, que, coincidentemente, havia sido subordinado de Montenegro no Campo de Marte. Leal não só mostrou todos os detalhes da escola a Casimiro como também o apresentou ao professor Richard M. Smith, chefe do Departamento de Aeronáutica daquela instituição. O desejo de Montenegro era implementar no Brasil um centro de engenharia aeronáutica de alto nível, fiel ao modelo do MIT, mas para isso teria que atrair os professores da instituição norte-americana, oferecendo-lhes, no mínimo, um pacote atrativo de salário e qualidade de vida. Segundo Morais (2006), o assunto se tornou uma obsessão para Montenegro, que passou um ano costurando um plano com a ajuda de Leal e Arthur para atrair o professor Smith. Finalmente, em outubro de 1944, Montenegro embarcou para Boston, cidade onde se localiza o MIT, para entregar em mãos o projeto ao professor Smith. No ano seguinte, o professor norte-americano desembarcou no Brasil com um contrato de seis meses para participar do plano de implementação da escola. A aprovação para a contratação de Smith foi dada pelo então ministro da Aeronáutica, Salgado Filho, que não mostrou qualquer resistência. O resultado do contrato foi que, já em 1945, o professor do MIT deixou um documento, conhecido como Plano Smith, no qual definia com exatidão como deveria ser criado o CTA. O plano era bem detalhado, indicando os locais onde deveriam ser instalados o túnel de vento, o ITA, o aeroporto, enfim, como deveria ser dividida toda a área do CTA. Estipulava também que o aeroporto deveria servir de alternativa para as rotas a caminho de São Paulo. O professor acreditava que, terminada a guerra, havia espaço para que novas nações surgissem como potências da aviação, e o Brasil poderia ser uma delas. Smith também sugeria tipos de aeronaves que o Brasil deveria fabricar e que mercados de aviação o Brasil deveria buscar, como mostram alguns pontos presentes no plano (Cinqüentenário-ITA, 2000, p. 23), quais sejam: O Brasil, como país pobre em combustíveis e com baixo padrão de vida, deverá procurar desenvolver tipos de avião cuja principal característica seja a economia de combustível. 47

64 Os aviões norte-americanos e ingleses são dispendiosos, pois eles procuram reunir grande velocidade de cruzeiro ao máximo de conforto para os usuários. Os motores ingleses e norte-americanos são leves, mas dispendiosos, em virtude do grande consumo de combustível; países importadores de petróleo, como o Brasil, devem utilizar motores mais econômicos. O Brasil não deverá receber, nem mesmo que oferecido gratuitamente, material aeronáutico da guerra, a não ser para atendimento de necessidades imediatas, pois, caso contrário, ficará de posse de grande quantidade de material antiquado, caro para manter e dispendioso para operar, além de estar sempre na dependência de um país estrangeiro quanto a peças sobressalentes. Tal situação acarretaria o atraso de desenvolvimento da indústria aeronáutica brasileira, impedindo talvez a sua independência, porque protelaria a necessidade de recorrer à produção nacional. Se o Brasil procurar orientar sua aviação comercial para o transporte de carga a baixo custo, essa aviação não será concorrente da aviação inglesa ou norte-americana, mas complementar, e suas possibilidades serão ilimitadas. Smith definia também que o ITA deveria desfrutar de integral liberdade acadêmica, e seu reitor deveria ser um civil, eleito pela congregação formada pelos próprios professores. Ou seja, não deveria ficar sujeito às regras típicas da disciplina militar, algo que certamente não agradaria a uma grande parte da Aeronáutica. Independentemente disso, foi feito um plano de criação do CTA capitaneado pelo chefe do Estado-Maior da Aeronáutica, Armando Trompowski, que logo em seguida foi assinado pelo então presidente em exercício, José Linhares, já que Getúlio havia sido deposto. Neste contexto, em janeiro de 1946, o Ministério da Aeronáutica criou a Comissão de Organização do Centro Técnico da Aeronáutica COCTA, inicialmente no Aeroporto Santos-Dumont, onde já começaram a ser ministradas as aulas daquela que viria a ser a primeira turma do ainda inexistente ITA. Porém, já no ano seguinte, a Prefeitura de São José dos Campos, na região do Vale do Paraíba, em São Paulo, cedeu ao Governo Federal a área para a construção do CTA. Na realidade, a prefeitura de SJC já vinha, desde 1944, trabalhando para ter o CTA na cidade. O então prefeito de 1947, Jorge Zarur, concedeu a área ao 48

65 Ministério da Aeronáutica, na época administrado pelo então coronel Casemiro Montenegro Filho. Começou então, em 1948, a construção do CTA com um projeto do arquiteto Oscar Niemeyer. Para se proteger de mudanças de rumo na política brasileira, e sabedor da série de problemas enfrentados até aquele momento para a aprovação de construção do CTA/ITA, Montenegro inseriu no decreto de criação do COCTA a condição de total autonomia administrativa. Esta autonomia, além da proteção política imaginada por Montenegro, livrava a comissão de cair no emaranhado legal que regia o serviço público. Isto era fundamental para que o ITA tivesse liberdade de pagamento dos professores estrangeiros, que ganhavam muito mais do que os professores da rede pública na época. Conseguiu também que fosse estipulado um orçamento próprio para os primeiros cinco anos, segundo Morais (2006), o equivalente a R$ 140 milhões em valores de 2006, não incluídas aí as pesadas despesas com a construção física do centro. E, finalmente, em março de 1949, um decreto presidencial reorganizou a Comissão, que nomeou o próprio coronel Montenegro para chefia do órgão, liberandoo da subchefia da Diretoria de Material. Ao longo de todos estes anos, Ozires e Zico buscavam uma forma de se manter em contato com a aviação, mas divididos entre a vontade de voar e de fabricar aviões. Nesta condição, buscavam todas as opções possíveis e liam tudo o que aparecia sobre o assunto. Foi assim que viram um anúncio na revista aeronáutica norte-americana Flying, do California Aerotechnical Institute, de Burbank (Califórnia, Estados Unidos), selecionando candidatos ao curso de engenharia aeronáutica. Inscreveram-se imediatamente, mas o curso era pago e caríssimo para a realidade dos dois rapazes de vida simples de Bauru. A solução não demorou a aparecer. Em outubro de 1946, a Força Aérea Brasileira (FAB) divulgou o concurso nacional para a admissão ao curso de Oficiais Aviadores, na Escola de Aeronáutica, a ser realizado em janeiro de Com o pouco tempo de preparação, Ozires e Zico não foram aprovados, mas não desistiram. No ano seguinte, tentaram novamente e, em abril de 1948, ingressaram na escola de formação de cadetes do ar. Durante o curso, o futuro fundador da Embraer teve a oportunidade de conhecer personagens importantes e que, de alguma forma, contribuiriam com a história da empresa de aeronáutica, como, por exemplo, seu amigo de turma Lélio Viana Lobo, que mais tarde se tornaria tenente brigadeiro-do-ar e seria nomeado 49

66 ministro da Aeronáutica em 1994, durante o governo de Itamar Franco, e Sócrates da Costa Monteiro, que também viria a ser ministro da Aeronáutica. Durante o curso, que durou quase quatro anos, Ozires e Zico eram os únicos da turma interessados em entender o projeto dos aviões que usavam em treinamento, os PT-19 (primary trainers) que o governo brasileiro, por meio de aliança com os norteamericanos, havia acordado fabricar na Fábrica do Galeão, Ilha do Governador (Rio de Janeiro). Nesta época, segundo Silva (2005), seu maior questionamento era: será que o Brasil consegue dar um salto desses também? Que diferencial nossas aeronaves teriam? Que soluções de projeto nossa engenharia daria? Assim, ao mesmo tempo em que sentiam imenso entusiasmo, perguntavam-se se um dia no Brasil se faria algo parecido. Enquanto isso, nos EUA, com a aviação infinitamente mais avançada, originouse a Convenção de Chicago, em 1944, que só foi efetivada três anos depois. A Convenção foi a responsável pela criação da ICAO (International Civil Aviation Organization), localizada em Montreal, no Canadá. Foi também responsável pela definição dos princípios básicos para o desenvolvimento da aviação civil, estabelecendo as liberdades e obrigações das companhias aéreas. Neste período, as obras do CTA continuavam a todo vapor e, finalmente, o ITA foi inaugurado em janeiro de Para Silva (2005), o CTA era uma instituição ampla e baseada num tripé considerado fundamental para o desenvolvimento de uma indústria aeronáutica: ensino, pesquisa e indústria. Assim, entre o final da década de 40 e meados da década de 50, a nova instituição recebeu grande número de professores estrangeiros, muitos vindos principalmente do MIT e do renomado Califórnia Institute of Technology (Caltech). O ITA ficou conhecido como uma instituição de ensino de primeiríssima linha. Tinha algumas características peculiares, como o fato de seus alunos morarem em alojamentos próximos à escola e estudarem em horário integral, características não só semelhantes ao MIT, mas também àquelas pregadas por Dumont em A primeira turma do ITA formou-se em 1953, já que havia começado o curso ainda nas instalações do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro. Enquanto isso, Ozires, que havia se formado cadete do ar em 1951, já havia recebido no ano seguinte uma promoção para 2º tenente aviador e pilotava para o Correio Aéreo Nacional na Amazônia, com a missão de chegar a rincões brasileiros de difícil acesso e longe dos grandes centros. Cumpriu tal missão até Seu amigo Zico havia feito a opção de voar caças na Base de Santa Cruz do Rio e, segundo Silva 50

67 (2005), o fato de terem se separado pela primeira vez fez adormecer o sonho de construir aviões no Brasil, já que não se imaginava capaz de realizá-lo sozinho. Tinham continuidade, no entanto, algumas iniciativas nacionais para a construção de aeronaves no Brasil. Como exemplo, a fundação da Indústria Aeronáutica Neiva, por José Carlos de Barros Neiva, inicialmente instalada no Aeroporto de Manguinhos, no Rio de Janeiro. Criada para projetar e produzir os planadores BN-1 e Neiva B Monitor, transferiu-se em 1956 para Botucatu, onde passou a produzir os aviões Paulistinha em nova versão, o P-56 (fabricado até 1967 e o único sucesso industrial e comercial de uma aeronave genuinamente brasileira até então). Outra iniciativa foi a tentativa de Willibald Weber de lançar em produção seriada seu W.141. Mas o excesso de peso, acima dos produzidos pelos concorrentes, o condenou à derrocada, segundo Silva (2005). No mesmo ano de nascimento da Neiva, é fundado, no CTA, o IPD - Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento. O objetivo do instituto era ser o instrumento de execução de pesquisas e desenvolvimento no campo da aeronáutica. Era estruturado com um Departamento de Aeronaves (PAR), um de Eletrônica (PEA), um de Materiais (PMR) e um de Motores (PMO), e tinha como principais missões: ensaiar e homologar novos tipos de aeronaves produzidas no país, bem como aeronaves modificadas ou alteradas, e fornecer os certificados de tais homologações ; e ensaiar e homologar equipamentos, componentes e materiais de interesse dos órgãos da aeronáutica, por solicitação de outros órgãos do governo ou da indústria. Já de início, o IPD lançou o programa Beija-Flor, que consistia na fabricação de um helicóptero de rotor rígido com capacidade para duas pessoas, cuja intenção era ser de simples concepção e fácil industrialização, além de ter absorvido o programa Convertiplano, iniciado em 1954, nos primórdios do CTA. A história destes dois projetos pioneiros do CTA remete a uma visita feita por Montenegro a Amsterdã, em Naquele ano, Montenegro foi à capital holandesa levar uma proposta do Ministério da Aeronáutica brasileiro a Anthony Fokker, conhecido na época como o Holandês Voador. A idéia era fabricar aeronaves da Fokker, sob licença, no Rio de Janeiro. A proposta consistia no pagamento de R$ 45 milhões (valores de 2006) para a aquisição de 200 aviões da Fokker, que deveriam ser fabricados no Rio de Janeiro, além da compra de 50 jatos S-14. Para isso, seria criada a Fokker Indústria Aeronáutica S/A, com capital misto de R$ 9 milhões (valor de 2006), divididos meio a meio entre a empresa holandesa e um grupo de empresários nacionais. 51

68 Apesar de alguns focos de resistência dentro do próprio governo, como, por exemplo, de Eduardo Gomes, segundo Morais (2006), o contrato com a empresa holandesa foi assinado em agosto de Os opositores da idéia, segundo o mesmo autor, argumentavam que era um absurdo o Governo Federal colocar dinheiro público para viabilizar uma empresa de capital privado, ainda por cima estrangeira. No entanto, dentro do projeto de Montenegro de ter uma indústria aeronáutica no Brasil, a iniciativa parecia uma grande oportunidade e um passo nesse sentido. No entanto, o mais importante para a história do CTA e, posteriormente, da Embraer, foi que, nesta viagem à Holanda, Montenegro aproveitou para visitar a Alemanha. Devido à derrota na Segunda Grande Guerra, o país havia sido proibido de desenvolver projetos na área militar. Sendo assim, um grande número de profissionais do setor estava desempregado ou trabalhando com assuntos não relacionados à pesquisa aeronáutica ou militar. Neste contexto, a idéia de Montenegro era atrair as melhores cabeças do setor, oferecendo-lhes todas as condições para que prosseguissem suas pesquisas no Brasil. Com a ajuda do capitão Aldo Weber Vieira da Rosa, então membro do COCTA, que falava alemão fluentemente, chegou ao engenheiro e professor Heinrich Focke (apesar da semelhança dos sobrenomes, não tinha qualquer parentesco com Anthony Fokker, o Holandês Voador). Focke já era uma lenda na época por ter sido o primeiro homem a projetar e fazer voar um helicóptero, em 1936, o Focke-Achgelis FW-61. Diante da impossibilidade de continuar seus experimentos em decolagem vertical na Alemanha pós-guerra, e com o trabalho de convencimento feito por Montenegro junto ao ministro da Aeronáutica Nero Moura, Focke aceitou o convite para trabalhar no CTA. Segundo Morais (2006), Focke receberia cerca de R$ 9 mil (valores de 2006), mais 5% sobre o valor de cada aparelho que fosse vendido e mais 50% do lucro obtido com as vendas, casa mobiliada e mais US$ em 3 parcelas. Focke negociou também a possibilidade de trazer a equipe necessária a dar prosseguimento aos projetos. Neste caso, seu principal assistente era o húngaro Joseph Kovacs, além de especialistas em engenharia de transmissões, apontamento de vôos, aerodinâmica, normas e documentação técnica, ensaios, ajustagem e montagem final, projetistas e até mesmo pilotos de prova. Assim nasceram no CTA os projetos do helicóptero Beija-Flor e do Convertiplano (que nada mais era do que o projeto Heliconair que Focke havia 52

69 começado na Fokker), sendo este último um projeto revolucionário para a época, por se tratar de um misto de helicóptero e avião que decolava na vertical, dotado de quatro hélices movidas por um único motor, e que prosseguia o vôo na horizontal. A transmissão tinha sido projetada no CTA por um engenheiro alemão (Büssmann) e seria fabricada na BMW. Chegou a ser iniciada a construção da célula, adaptada de uma fuselagem do caça inglês Spitfire, da Segunda Guerra Mundial, tendo sido feitos também alguns ensaios de bancada do grupo motopropulsor. Assim como no caso da instalação da Fokker no Brasil, a chegada de um grande número de estrangeiros ao CTA também despertou alguma resistência por parte de grupos ligados ao Governo Federal. Segundo Morais (2006), um grande número de denúncias chegava ao Ministério da Aeronáutica dando conta de que rios de dinheiro público estavam descendo pelo ralo na fazendinha de Montenegro, como os opositores haviam apelidado o CTA, e que a história de um avião que subia verticalmente parecia conversa fiada. Por isso, não demorou muito e o projeto do Convertiplano passou a ser apelidado de "conversoplano". Além da crítica ao que julgavam desperdício financeiro, os opositores denunciavam a formação de grupos de estrangeiros que não se misturavam aos demais cientistas. Assim, surgiu o chamado Grupo Focke, composto pelos alemães aqui presentes. Segundo Morais (2006), até mesmo Kovacs, um húngaro, que falava alemão perfeitamente, sentia a separação conforme mostra o relato: Não sei se isso era fundamentado na inveja, em razões étnicas com origens na guerra ou nos privilégios de contratos polpudos". (Morais, 2006, p. 167). O projeto do Convertiplano foi abandonado quando a transmissão já estava pronta e com mais de horas de ensaios em bancada. A estrutura também já estava pronta, portanto faltavam a instalação da transmissão, a montagem final e o vôo. No caso do Beija-Flor foi um pouco diferente. Segundo o entrevistado # 12, o Beija-Flor tinha como objetivo aproveitar o tempo ocioso de algumas áreas do Grupo Focke e mostrar algum resultado prático em pouco tempo, já que o Convertiplano estava demorando muito e gastando em demasia também. O Beija-Flor, segundo alguns relatos, era uma forma de trazer legitimidade ao órgão, que vinha sofrendo uma série de críticas, e mostrar que o departamento era útil e estava fazendo por merecer. Tanto que, em 1959, Montenegro, saiu na capa da revista Visão, de grande circulação na época, segundo Morais (2006), ao lado da aeronave, a fim de trazer a opinião pública para seu lado. 53

70 Tratava-se de um helicóptero com capacidade para dois passageiros, com motor de 225 HP (horse-power) e velocidade máxima de 150km/h. Para Silva (2005), os projetos eram demasiadamente complexos em relação ao estado embrionário em que se encontrava a indústria aeronáutica brasileira. Um acidente com um protótipo do Beija Flor, em 1965, acabou por enterrá-los, embora o acidente tenha ocorrido quando o protótipo era operado por um capitão não pertencente à equipe de pilotos do helicóptero e que nunca tinha operado o aparelho, além de estar com um dos braços engessado, segundo um dos entrevistados, que já estava no CTA nesta época. O fim dos projetos também resultou na dissolução do Grupo Focke, apesar de grande parte dos profissionais da equipe ter ficado no CTA. Para Andrade (1976), quando o Grupo Focke foi desativado, o CTA já tinha passado da teoria à prática e provado sua importância. Apesar desses e de outros fracassos já narrados, parecia, nesta época, que o país buscava, através de diferentes iniciativas, construir uma indústria local, no entanto, ainda bem incipiente. Contrariando um dos princípios do Plano Smith, que pregava o fim da importação de equipamentos, naquele momento era necessário reequipar a FAB, que voava com aeronaves superadas. O contexto era de Guerra-Fria, período marcado pela polarização entre Estados Unidos e União Soviética. Como o Brasil já tinha certo alinhamento com os norte-americanos desde a Segunda Guerra Mundial, era natural a escolha por um equipamento norte-americano. No entanto, segundo Morais (2006), os EUA, em represália ao fato de Getúlio não ter enviado soldados à guerra travada entre sul e norte-coreanos, vetou o negócio. A escolha então ficou pelos jatos ingleses Gloster Meteor, uma aeronave capaz de atingir inimagináveis 950km/h na época. Os aviões foram pagos com algodão brasileiro. Uma solução encontrada pelo governo brasileiro, em 1953, para ganhar a opinião pública, que gritava contra o desperdício de dinheiro público com equipamentos para a FAB, e também para empurrar um produto que sobrava nos armazéns do Banco do Brasil. Foram 14 mil toneladas de algodão (o equivalente a 4,1 de milhões de libras esterlinas) por 70 aviões Gloster Meteor. Foi num desses aviões que, em 1955, o grande amigo de infância de Ozires, o Zico, veio a falecer em acidente. Acidente este que poderia ter posto em risco o sonho de Ozires de ver uma indústria nacional de aviação, como se percebe pela declaração de Silva (2005): 54

71 A idéia predominante é que dificilmente sairemos da dependência ao produto importado. O Brasil não tem dimensão financeira, nem capacidade tecnológica, para ombrear-se com as nações desenvolvidas e lançar projetos próprios de aviões e de equipamentos de defesa. Em suma, aviões são produtos que se compram, e não algo que se fabrica dentro de nossas fronteiras. Zico e eu, sonhadoramente, insistíamos que se alguém não começasse nunca chegaríamos a mudar o quadro. De tempos em tempos renascia nos nossos pensamentos mais íntimos a idéia de que o Brasil deveria fabricar aviões. Tinha dimensões geográficas imensas e somente o avião poderia transpor as grandes distâncias com eficiência e rapidez. Lembrava-me sempre de que uma pista de pousos e decolagens nada mais é do que um pequeno segmento de uma rodovia e, portanto, mais barata e rápida de construir. (Silva, 2005, p. 84) No entanto, após a morte de seu amigo, Silva (2005), declarou o seguinte: O enterro foi um sacrifício insuportável. Não me acostumava com a idéia de perdê-lo. Naqueles instantes via insistentemente desmoronarem os sonhos de construir aviões no Brasil; idéias que acalentávamos tão intensamente estavam agora impossíveis, distantes. Não tinha nenhuma convicção de que poderia tentar algo sem ele. (Silva, 2005, p. 86) É importante, no entanto, voltar ao ano anterior ao da morte de Zico, qual seja, O país vivia um momento conturbado. A oposição ao governo Getúlio havia se intensificado, principalmente dentro das Forças Armadas, que por sua vez tinham como um dos maiores opositores o brigadeiro Eduardo Gomes. Agora, também um grande opositor das idéias de Montenegro. A pressão ficou ainda maior após o atentado a Carlos Lacerda, dono do jornal Tribuna da Imprensa, que vinha sistematicamente criticando o governo de Getúlio. Após investigações comandadas pelo coronel Délio Jardim de Matos, chegou-se a um membro da guarda pessoal de Getúlio, Climério Euribes de Almeida, que havia contratado Alcino de Nascimento para assassinar Lacerda. Climério, posteriormente, confessou ter atendido a um pedido do chefe da guarda pessoal de Getúlio, Gregório Fortunato. A situação após o atentado se tornou insuportável e, em 24 de agosto de 1954, o então presidente Getúlio Vargas se matou no Palácio do Catete. Café Filho, seu vice, assumiu o governo e nomeou Eduardo Gomes novo ministro da Aeronáutica, que, segundo Morais (2006), era o chefe militar indiscutível da campanha e levara o governo às cordas e o presidente ao suicídio. Devido a todo um histórico de rusgas entre Eduardo Gomes e Montenegro, era evidente que o ainda embrionário CTA estava ameaçado. Para não deixar dúvidas, Eduardo Gomes exonerou Montenegro da Diretoria de Material com um ato 55

72 administrativo, logo após a posse, no dia 1º de setembro. No entanto, o devolveu à direção do CTA. Outra medida imediata do recém-empossado ministro foi suspender todas as ordens de pagamento para a Fokker do Brasil, a partir de 24 de setembro, sob o argumento de que uma análise técnico-financeira indicava que o Ministério estava desperdiçando recursos para manter a Fokker no Brasil. Segundo Morais (2006), Eduardo Gomes argumentava que o fato de apenas montar aviões fabricados na Holanda não trazia benefícios à indústria, e que o governo estava gastando demais sob o pretexto de construir aqui uma indústria aeronáutica. Por fim, a medida não conseguiu matar a Fokker, pois o contrato havia sido registrado no TCU e, se fosse rompido unilateralmente, garantiria indenizações milionárias à Fokker. No entanto, segundo Morais (2006), após esse evento, os atrasos de pagamento à Fokker tornaram-se rotina. Três anos depois, a empresa entrou com pedido de concordata, tendo fabricado 150 aviões de treinamento, porém nenhum a jato. Registros de Montenegro da época ajudam a mostrar o cenário: Aquele período foi péssimo. O Eduardo fez de tudo para desprestigiar o CTA. Costumava pegar um avião no Rio e chegar de surpresa ao CTA para se encontrar com um grupo de oficiais alunos do ITA. Estes oficiais eram liderados pelo major Burnier, que tudo fazia para prejudicar o CTA, porque não se conformava com o sistema ITA, com a presença de alunos civis, etc. Muitas vezes eu, diretor do CTA, nem sabia que o ministro estava no centro, reunido no restaurante com esses oficiais. O Eduardo ia pra lá para ouvir os comentários do Burnier e de seus liderados. (Morais, 2006, p. 195) Além de todas essas medidas, os salários começaram a ser achatados. A solução de pagar os professores do ITA com verba extra desvinculada da burocracia oficial, que se mostrara viável na época, agora cobrava seu preço. Como esses professores não eram funcionários públicos, ficavam de fora dos sucessivos aumentos e ainda tinham seus salários congelados facilmente. Com isso, tornou-se comum haver funcionários do administrativo do CTA ganhando muito mais do que os professores especialistas. Tal situação levou a uma perda de inúmeros professores e, dos que permaneceram, muitos estavam procurando outras escolas para dar aula, o que ia contra um dos mais importantes princípios do ITA para garantir a qualidade do ensino, o da dedicação exclusiva. Ou seja, a instituição estava correndo o risco de séria perda de reputação, visto que alguns departamentos já pensavam em encerrar suas aulas. 56

73 Uma tentativa de Montenegro para tirar o CTA desta situação foi apelar à opinião pública. Usou dos contatos que tinha nos principais meios de comunicação do país para lançar uma campanha pública em favor da sobrevivência do ITA e do CTA. Vários jornalistas visitaram o instituto e, com isso, uma série de matérias foram veiculadas, chamando a atenção para o empreendimento. No entanto, o Ministério não parecia se comover com as matérias veiculadas e entendia que aquilo tudo era desperdício de dinheiro público. Agora, o foco do Ministério era o IPD, o Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento do CTA, fundado em outubro de Enquanto o ITA ficava com o ensino, o IPD, como o nome sugeria, deveria concentrar seus esforços no desenvolvimento de projetos e pesquisa, inclusive em cooperação com a iniciativa privada. O então reitor André Meyer, segundo Morais (2006), acreditava que, naquele contexto de dificuldades extremas, os recursos necessários à manutenção adequada do IPD estavam vampirizando o ITA. Sobre o assunto, fez a seguinte declaração: Uma das falhas deste grande e valoroso país é a existência de muitos empreendimentos não acabados. O CTA, infelizmente, não está se livrando de ser uma exceção. Agora compreendo melhor este fato: uma nova inspiração sempre mata inspirações anteriores. (Morais, 2006, p. 205) Era do IPD, por exemplo, de onde havia partido a iniciativa de projeto do Convertiplano de Heinrich Focke. O fato de o projeto ter apresentando dificuldades de execução devido à sua complexidade, só agravara as insatisfações do Ministério da Aeronáutica, fora os já mencionados problemas de entendimento entre as equipes estrangeiras. Apesar dos problemas vividos, principalmente entre 1954 e 1956, o CTA/ITA sobreviveu e, em 1956, a eleição de Juscelino Kubitschek para presidente trouxe um novo alento à instituição, que voltou a receber alguns investimentos do Governo Federal. O mais importante, já no primeiro ano do novo governo, foi a chegada do então supercomputador IBM Com uma capacidade de processamento inimaginável para a época, o supercomputador da IBM poderia reduzir consideravelmente o tempo de cálculo de alguns projetos, bem como também serviria para o treinamento das equipes de engenheiros do ITA num equipamento de ponta. Este foi o primeiro computador desse porte a entrar no país. É interessante notar que no ITA, nesta época, o inglês era praticamente a língua local, conforme o relato de Morais (2006): 57

74 Se a língua inglesa tornou-se praticamente o idioma oficial do CTA - as reuniões da congregação de professores e a maior parte das aulas eram dadas em inglês, sendo o português a segunda língua -, havia uma linguagem universal que todo mundo no ITA entendia bem: a matemática. (Morais, 2006, p. 205) Anos mais tarde, em 1961, seria construído um computador 100% brasileiro nas instalações da instituição. Os alunos José Ellis Ripper, Fernando Vieira de Souza, Alfred Wolkner e Andras Vásárhelyi apresentaram como trabalho de final de curso de engenharia eletrônica, em 1961, a construção do primeiro computador feito com componentes inteiramente fabricados no Brasil. O computador foi batizado de Zezinho e tinha transistores. No final da década de 50, o ITA já havia conseguido certo prestígio no Brasil. A qualidade do seu ensino se tornava cada vez mais famosa e a escola começou a atrair candidatos provenientes de todos os lugares do país, fazendo com que a concorrência ultrapassasse o índice das maiores universidades brasileiras. Enquanto na USP os cursos mais concorridos ficavam em torno de 23 candidatos por vaga, no ITA a concorrência chegava a 60/vaga, segundo Morais (2006). Nessa época, Ozires seguia sua carreira de aviador quando, em 1957, o coronel Faria Lima foi designado para comandar a Base Aérea de SP, em Cumbica, e o convidou para formar um grupo especializado em Serviços de Busca e Salvamento (SAR). Com isso, Ozires voltou para São Paulo e sua nova função exigia recheques 2 de IFR (Instrument Flight Rules) a cada seis meses. Num desses testes, conheceu o major Antenor Gustavo Coelho de Souza, que estava cursando o ITA e disse a Ozires que ele, Ozires, tinha todas as credenciais necessárias para também se candidatar a uma vaga no curso de engenharia aeronáutica do ITA, mas para isso precisaria de uma autorização do ministro da Aeronáutica. Nessa época, o Ministério da Aeronáutica tinha um plano de incentivo para que seus oficiais também tivessem acesso ao curso do ITA. No ano seguinte, Ozires se tornou aluno do ITA e sua história finalmente se ligou ao CTA. Em 1959, Montenegro, que já havia sido promovido a major-brigadeiro no ano anterior, conseguiu uma audiência com o então presidente Juscelino Kubitschek para tratar da transformação do ITA em uma Fundação e, assim, torná-lo uma instituição universitária autônoma, com orçamento próprio, mantida pelo poder público, porém com independência financeira e administrativa, similar ao que se desejava fosse feito 2 Recheque Teste teórico e prático exigido periodicamente de pilotos com habilitação para voar com qualquer tempo, utilizando instrumentos. 58

75 em Brasília com a UnB. A idéia principal do major era proteger a instituição das intempéries dos governos e, mais especificamente, do Ministério da Aeronáutica, como, por exemplo, o problema do pagamento dos professores estrangeiros. Como resultado da reunião, atendendo a um pedido do presidente, Montenegro redigiu um relatório com a proposta, que foi entregue ao ministro da Aeronáutica na ocasião, o brigadeiro Francisco de Assis Correa de Melo, que na época era conhecido como Melo Maluco. Apesar de ter sido discutida ainda em 1959, segundo Morais (2006), a proposta de lei que transformaria o ITA numa Fundação só foi encaminhada ao Congresso por JK quando faltavam apenas vinte dias para terminar seu governo, em janeiro de No entanto, o fim do governo JK foi marcado por uma série de crises institucionais. O país enfrentava um colapso econômico, inflação alta e o presidente sofrendo inúmeras acusações de corrupção, levantadas principalmente por seu opositor Carlos Lacerda. Com esse quadro, era evidente que o projeto de lei seria esquecido em meio a tantos problemas, e ainda mais com a eleição de Jânio Quadros, opositor, que prometera, na campanha, varrer a bandalheira. Jânio derrotou nas urnas o candidato de JK, o marechal Henrique Teixeira Lott. No mesmo janeiro de 1961, ao tomar posse, Jânio nomeou ministro da Aeronáutica o brigadeiro Gabriel Grün Moss, que chefiou o Comando de Transporte Aéreo durante o governo de Juscelino, em substituição a Melo Maluco. No entanto, após apenas sete meses de exercício do poder, Jânio Quadros renunciou e, segundo Morais (2006), abriu-se um impasse institucional, pois o brigadeiro Grün Moss, ao lado dos demais ministros militares - o general Odílio Denys e o almirante Sílvio Heck - vetaram a posse do vice-presidente João Goulart, o Jango, principal herdeiro do getulismo e considerado à esquerda demais para o paladar dos militares. Assim, a saída encontrada foi a opção pelo parlamentarismo, que limitaria os poderes presidenciais: Jango seria o chefe de Estado, mas o governo seria exercido pelo recém-escolhido primeiro-ministro, Tancredo Neves. Mais uma mudança de governo e mais um nome para o Ministério da Aeronáutica. Desta vez o cargo ficou com o brigadeiro Clóvis Travassos, ligado a Eduardo Gomes. Não por acaso, pouco após assumir, o novo ministro exonerou Montenegro da diretoria do CTA, devolvendo-o à Diretoria de Material. O alento veio somente em 1963, quando o presidente João Goulart conseguiu retomar o poder, derrubando em plebiscito o parlamentarismo em vigor. Nomeou 59

76 então o brigadeiro Anysio Botelho para o comando do Ministério da Aeronáutica. Botelho, que era de uma das primeiras turmas da arma de aviação, tinha sido comandante no Campo de Marte nos anos 40. Ciente das intenções de Montenegro para o CTA e conhecendo o que já havia sido feito até então, Botelho recolocou Montenegro no CTA. Segundo Morais (2006), o novo ministro entendia que o cargo era um direito histórico de Montenegro. Sendo assim, Montenegro retornou à direção do CTA em 10 de janeiro de Apesar de tantas turbulências, o ITA continuava formando engenheiros aeronáuticos, o que começava a render frutos para a indústria. Em 1961, foi fundada a Avibrás, iniciativa de um grupo de engenheiros formados pelo ITA: Aloysio Figueiredo, João Verdi de Carvalho Leite, José Carlos de Souza Reis e Olímpio Sambatti. O primeiro projeto da empresa foi o Alvorada, um avião de treinamento para a FAB, que acabou tendo seu desenvolvimento feito em parceria com o CTA. No ano seguinte, a empresa lançou o projeto Falcão, também treinador de dois lugares para a Força Aérea. Em 1962, Ozires Silva se formou engenheiro aeronáutico pelo ITA e logo recebeu o convite do então major Hugo de Oliveira Piva, na época chefe do Departamento de Aeronaves (PAR), para que integrasse a equipe daquela divisão do IPD. Ozires já o conhecia do curso de formação de cadetes no Campo dos Afonsos, no qual Piva havia se formado dois anos antes. Os laços entre os dois foram estreitados, pois Ozires, que havia escolhido um trabalho final de graduação extremamente complexo 3, obteve muita ajuda de Piva para a conclusão do ambicioso projeto. Piva também cumpria, nessa época, a função de professor de ensaios em vôo. Ainda em 1962, foi fundada a Aerotec, do engenheiro Carlos Gonçalves, também ex-aluno do ITA da turma de No entanto, a empresa teve apenas um projeto de sucesso, o Uirapuru, avião de treinamento primário da FAB. O ano de 1962 também ficou marcado pelo lançamento do programa Regente, da Neiva, aeronave leve para quatro passageiros que tinha incentivo do Ministério da Aeronáutica e que, por isso, recebeu o acompanhamento de perto do CTA durante seu desenvolvimento. Ozires, já trabalhando no PAR quando o projeto foi finalizado, sugeriu ao Ministério para que este fizesse uma primeira encomenda e assim incentivasse o mercado civil. O Ministério encomendou, então, 120 aviões. 3 O projeto consistia na instalação de tanques de combustível extra nas pontas das asas das aeronaves norte-americanas T6, que tinham baixa autonomia. 60

77 O trabalho de Ozires gerou resultados, tanto que, quando a Neiva lançou o programa Universal, em 1964, o Ministério da Aeronáutica nomeou Ozires como seu contato com a Neiva. Nessa época, estreitaram-se os laços de Ozires com Joseph Kovacs, projetista chefe da Neiva. Foi também em 1964 que o Ministério da Aeronáutica encomendou ao CTA um estudo sobre a viabilidade de ser criada no Brasil uma linha de produção para aeronaves de passageiros de médio porte. Considerou-se fabricar, no país, aeronaves de origem estrangeira. Porém, decidiu-se por um projeto nacional que melhor atendesse às condições brasileiras. Começaram, assim, os primeiros estudos do Bandeirante, aquele que viria a ser a primeira aeronave produzida pela Embraer. Coincidentemente, aquele foi o ano em que Ozires se tornou chefe do PAR, por uma série de contingências. Luiz Carlos, então chefe do PAR, deixou o instituto para entrar para a reserva, e Piva assumiu sua posição. No entanto, Piva, que almejava há muito tempo estudar no exterior, foi para a Califórnia fazer doutorado na Caltech, deixando assim seu posto para Ozires Silva, que na época já havia sido promovido a major aviador engenheiro. Nessa época, em que algumas iniciativas pareciam começar a dar resultado, várias delas com o apoio do CTA, foi a vez de o país novamente viver uma de suas fases mais difíceis. No dia 1º de abril de 1964, o presidente da República em exercício, João Goulart, foi deposto por um golpe militar. Curiosamente, um dos eventos-símbolo do golpe foi a invasão da sede da União Nacional dos Estudantes (UNE), comandada por um ex-aluno do ITA, João Paulo Burnier, o mesmo que espionava para Eduardo Gomes o campus do ITA em São José dos Campos. Mais uma vez, Montenegro foi afastado do comando do CTA e, novamente, por Melo Maluco, que nesta época ocupava interinamente o cargo de ministro da Aeronáutica, em substituição a Anysio Botelho. Ao exonerar Montenegro, Melo Maluco o convidou para uma audiência no Ministério, e lhe disse o seguinte: - Montenegro, você vai ter que se afastar do CTA. Vou mandar para lá o comandante da IV Zona Aérea, o Brigadeiro Marcio de Souza Mello, para fazer uma devassa e prender todos os comunistas de lá. - O Marcio? Mas eu sou mais antigo do que ele! E eu mesmo posso tomar conta da situação, pois conheço o CTA melhor do que ninguém, como a palma da minha mão. - Você pode entender muito de CTA, mas nem você nem eu entendemos bulhufas de comunismo. O Marcio sim é entendido nesse negócio. (Morais, 2006, p. 263) 61

78 A tomada do comando do CTA pelo brigadeiro Melo resultou em um inquérito policial militar que destituiu dois professores e desligou doze alunos por suposta associação com os comunistas. Apesar do quadro complicado sob o ponto de vista político, para o Brasil e todas as instituições de ensino, da qual nem o ITA, sendo militar, escapava, o CTA teria uma chance com a posse do general Castelo Branco, no dia 14 de abril. O primeiro presidente do governo militar nomeou o major-brigadeiro Nelson Freire Lavanère-Wanderley para ministro da Aeronáutica. Wanderley era o mesmo que, em 1931, havia realizado o primeiro vôo do CAN junto com Casimiro Montenegro. Essa ligação permitiu a manutenção de Montenegro no comando do CTA, mesmo sob as acusações de que não havia colaborado o suficiente para limpar o ITA de todos os elementos subversivos (Morais, 2006). Apesar da amizade de Wanderley e Montenegro, a situação era muito frágil. Havia, segundo Morais (2006), a parte conservadora da Força Aérea que, desde o início, se opunha à construção do CTA, e que agora ganhava mais força com as denúncias de que o ITA seria um covil de comunistas, principalmente por também sempre ter aceitado alunos civis em seus cursos. Foi justamente neste contexto turbulento que Montenegro voltou a lutar pela classificação do ITA como fundação. Queria que o amigo Lavanère-Wanderley intercedesse junto ao governo a favor da modificação, mas desta vez estendeu o pedido de classificação como fundação também ao CTA. Mais uma vez a tentativa não teve êxito, porque, uma semana depois, no dia 15 de dezembro de 1964, o presidente Castello Branco exonerou o ministro da Aeronáutica, colocando no posto, interinamente, o brigadeiro Marcio Souza e Mello, o mesmo que comandara pouco tempo antes a caça aos comunistas do ITA. E, finalmente, um mês depois, o marechal-do-ar Eduardo Gomes assumiu de vez o comando do Ministério. Dado o histórico de desavenças ideológicas e atritos, não foi surpreendente quando, logo em seguida, Gomes exonerou Montenegro do comando do CTA. O incumbido de dar a notícia da exoneração a Montenegro foi o então chefe do PAR, Ozires Silva, justamente pelas boas relações que mantinha com o marechal, segundo Morais (2006). Mesmo tendo sido exonerado, Montenegro recebeu a patente de tenentebrigadeiro-do-ar, mas, poucas semanas depois, pediu passagem para a reserva. Para seu lugar foi nomeado o tenente-aviador Henrique Castro Neves, que até então tinha servido em algumas linhas nordestinas do CAN, dirigido o Parque da 62

79 Aeronáutica de Recife e dos Afonsos, além da subdiretoria de Rotas Aéreas. Segundo Morais (2006), Castro Neves tinha a missão de promover uma faxina ideológica no CTA, o que ficou mais claro um pouco depois. Em seis meses de gestão do tenente, três reitores pediram demissão, Cecchine, Catanhede e Künzi. Fora isso, 51 professores de um total de 150 deixaram o CTA. Nesse mesmo ano, 1965, Ozires recebeu em sua casa Neiva, Kovacs e um projetista francês, Max Holste, dono e fundador da Avions Max Holste (fundada em 1946). A ligação entre Max e os brasileiros se deu através de Douglas José Arcuri, um ex-aluno do ITA que, em 1959, havia estagiado na fábrica do francês junto com José Carlos de Souza Reis (também ex-iteano ), por intermédio do programa Association pour l Organisation des Stages en France (ASTEF), que em 1957 oferecera dez bolsas de trabalho ao ITA. Max vinha de uma seqüência de desilusões: seu projeto MH.260, ou Super Broussard, havia sido aprovado pelo governo francês, mas, na hora de produzi-lo, o governo o encomendou à Nord Aviation; pouco tempo depois havia brigado com seu sócio Pierre Clostermann, que, apesar do nome, era brasileiro, nascido em Curitiba, mas filho de diplomatas franceses. Clostermann, que foi para a França quando estourou a guerra, tornou-se piloto consagrado da RAF na Segunda Guerra com 26 aviões abatidos. Após a guerra, Holste tentou construir seu avião no Marrocos, mas segundo o entrevistado # 12, o projeto era demasiadamente ambicioso para a realidade marroquina. Holste estava à procura de um lugar para dar prosseguimento ao seu projeto quando recebeu de Arcuri, com quem mantinha contato via correspondência, a sugestão de procurar Neiva, na época o único industrial brasileiro com experiência na produção de aviões em série no Brasil. Neiva por sua vez argumentou que não tinha interesse, nem recursos para absorver um projeto daquela magnitude, mas sugeriu que o francês procurasse Ozires Silva no CTA. Daí a reunião realizada na casa de Ozires. Assim surgiu a idéia de um avião maior que o do Super Broussard e menor que o Broussard Major, ambos projetos de Max Holste. No entanto, percebeu-se que os projetos do francês não coincidiam com a necessidade brasileira, a começar pelo motor a gasolina. Silva (2005) relata que acreditava que a aeronave deveria ser um turboélice a querosene de aviação para o transporte de 9 a 12 passageiros, o que estava próximo dos estudos encomendados pelo Ministério da Aeronáutica no ano anterior. No entanto, como Max já havia feito um projeto de uma aeronave menor e 63

80 outra maior do que viria a ser o Bandeirante, muita coisa poderia vir a ser aproveitada. Desta forma, Max foi convidado a integrar o corpo do IPD. A partir destas idéias iniciais nascia de fato o projeto Bandeirante, aprovado no mesmo ano pelo Ministério da Aeronáutica, mas que encontrou um sem número de obstáculos, a começar pela gestão de Eduardo Gomes e Castro Neves no Ministério e na diretoria do CTA, respectivamente. Era sabido que ambos viam com desconfiança a instituição. Castro Neves, por exemplo, acreditava que o CTA deveria prestar maior apoio aos parques aeronáuticos, principalmente manutenção dos equipamentos, já que era competente para isso. Em visita ao PAR, no CTA, logo após sua posse, Castro Neves declarou: "Este Departamento não presta para nada! Vamos fechá-lo!" (Silva, 2005, p. 134). No entanto, nomeou como diretor do IPD o coronel Sergio Sobral de Oliveira, que tinha outra visão do PAR. Novamente o programa aprovado depois de tantas batalhas parecia correr o risco de morrer antes mesmo do nascimento do primeiro protótipo, já que, naquele ano, o Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento (IPD) foi obrigado a paralisar, por ordem do ministro Eduardo Gomes, o projeto IPD-6504 (Bandeirante), sob o argumento de que as pesquisas para a construção de uma aeronave brasileira já tinham drenado recursos em demasia da aeronáutica. E citou o projeto de Convertiplano, que, àquela altura, já fora abandonado. Douglas José Arcuri, em apresentação feita no ITA em 2007, relatou que a idéia de Max era bem parecida com a de Ozires na ocasião. Ele queria fundar uma empresa no Brasil para fabricar em série o avião que estava sendo projetado no CTA. A Max Holste Aviação Ltda. chegou a ser fundada em 1966 e registrada na Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp) sob o número , tendo três sócios em sua composição: Max, sua esposa e Douglas Arcuri. No entanto, a iniciativa não prosseguiu, segundo a explicação de Arcuri: Nessa ocasião, já estávamos no meio da fabricação do protótipo do Bandeirante, daí a idéia de dar continuidade ao Projeto Bandeirante por meio da empresa criada. Chegamos a ter orçamentos de materiais e aluguel de espaço na cidade de São José dos Campos para iniciar a empresa com um escritório de projetos, que depois evoluísse para a fabricação. A empresa se propunha, no início, também a usar instalações fabris existentes do Ministério da Aeronáutica para a fabricação de outros tipos de aviões, como o MH.350. Mas essa idéia depois não prosperou. (Reis, 2007, slide 23). 64

81 A solução para manter o PAR respirando veio justamente do desejo de Castro Neves de apoiar mais intensamente o Parque Aeronáutico. Naquela época, a FAB cogitava comprar novos aviões para substituir os velhos T-6 no treinamento de cadetes, uma vez que estas aeronaves estavam completamente ultrapassadas. Neste momento, percebeu-se que tais aviões poderiam ser modernizados e que, assim, se evitaria que o governo despendesse uma grande quantidade de recursos para substituir a frota. O trabalho de modernização dos T-6 era tarefa para o PAR. O projeto ganhou a simpatia de Castro Neves, que permitiu que o PAR desse andamento ao projeto. Também foram conseguidos os apoios de Max Holste e do diretor de Material do Ministério da Aeronáutica, brigadeiro Balloussier, para que fossem instalados motores franceses da Turbomeca, já que Max, como francês, e Balloussier, que tinha morado por lá durante muito tempo, tinham muita simpatia pelo projeto. Com o projeto em andamento, o PAR mantinha-se vivo e, conseqüentemente, ficava vivo também o projeto Bandeirante. O único problema passou a ser administrar o ego de Max, que deixou bem claro que não queria trabalhar a fundo no projeto de troca de motores, e sim do Bandeirante, já que alegava ser um projetista. Sendo assim, ficou acordado que ele seria o consultor do Bandeirante enquanto administrava o projeto de substituição do grupo motopropulsor dos T-6. O projeto Bandeirante também tinha a virtude de recuperar a antiga equipe técnica especializada do Grupo Focke, então dispersa pelo CTA. Desta forma, o PAR conseguiu montar rapidamente uma oficina com os equipamentos usados no Convertiplano e Beija-Flor para montar os protótipos, mas alguns antigos projetistas do IPD não se entusiasmaram com o projeto, pois ainda era muito presente em suas lembranças os dois projetos fracassados. Além disso, o país passava por um momento em que se buscava reduzir as importações, e um projeto com tantas partes importadas, como era o caso do Bandeirante, não era muito bem visto. Para Silva (2005), era impensável aumentar o número de sistemas fabricados no Brasil. Acreditava que, enquanto o Brasil engatinhava no desenvolvimento de sua indústria aeronáutica, os Estados Unidos e alguns países da Europa, principalmente, já tinham avançado muito em tecnologia aeronáutica, e que começar um desenvolvimento de sistemas do zero aqui era perda de tempo. Além disso, faria o programa crescer de uma maneira que poderia torná-lo 65

82 inviável. Para ele, os sistemas que já estivessem sendo fabricados por experts deveriam ser comprados prontos. No auge dos desafios apresentados pelo programa, o brigadeiro Castro Neves exigiu que Ozires fizesse uma pós-graduação em engenharia aeronáutica. Queria que o aviador fizesse PhD. Mas, como Ozires não queria ficar tanto tempo afastado do projeto, conseguiu convencê-lo de que faria apenas o mestrado na Caltech. Enquanto isso, já na reserva, Montenegro voltou a usar as amizades que tinha na mídia brasileira para mostrar o que vinha acontecendo no CTA/ITA. Conseguiu com o diretor-presidente do Jornal do Brasil, Nascimento Brito, uma matéria de capa destacando os mandos, desmandos e perseguições que vinham acontecendo no ITA (Morais, 2006). O movimento deu resultado e, em 12 de abril de 1966, Castello Branco exonerou o major brigadeiro-do-ar Castro Neves e colocou no seu lugar, interinamente, o brigadeiro Paulo Victor, um entusiasta dos projetos do CTA e que, mais tarde, se mostraria um grande incentivador para o início da Embraer. Paulo Victor também havia se formado pelo ITA e, na época de estudante, foi o primeiro presidente do Centro Acadêmico Santos Dumont, a representação estudantil dos alunos do ITA. A interinidade de Paulo Victor durou sete anos. Segundo Morais (2006), o brigadeiro ficou conhecido como O Pacificador", apesar de em 1956 ter ficado conhecido por ser um dos líderes da Revolta de Jacareacanga, cujo objetivo era desencadear uma rebelião para depor JK. Jacareacanga era o nome da base a sudoeste do Pará onde os revoltosos se reuniram. Mas o levante foi rapidamente sufocado e os participantes anistiados por decisão do próprio Juscelino Kubitschek. O importante é que as peças começavam a se encaixar um pouco melhor para o funcionamento do CTA/ITA, principalmente pela ausência de Castro Neves no comando da instituição e o retorno de Ozires, um ano após sua partida para o mestrado na Califórnia. Assim que chegou, Ozires começou a buscar os recursos humanos necessários para dar andamento aos projetos. Como as contratações externas estavam fechadas, Ozires teve que buscar pessoal do próprio CTA. Entre os contratados, o engenheiro aeronáutico Guido Pessotti destacou-se por sua liderança no escritório técnico do Bandeirante. Ele viria a ser de extrema importância para o desenvolvimento de outros projetos da Embraer no futuro. No entanto, como desenvolvia o projeto de um planador no ITA, onde lecionava, Pessotti aceitou o convite para integrar a equipe do IPD, com a condição de que seu projeto, o Urupema, pudesse ser continuado no PAR. 66

83 O tempo para a entrega da configuração final do projeto Bandeirante estava se esgotando. Após uma série de reuniões da equipe do PAR, chegou-se à configuração final, buscando as soluções que melhor atendessem e agradassem o mercado na época, principalmente o norte-americano. Isso significava usar o motor Pratt & Whitney, o mais popular nos EUA na época, certificá-lo com base nas normas FAA (Federal Aviation Administration), a agência norte-americana de aviação, e usar sistemas de fabricantes consagrados, principalmente os sistemas hidráulicos e eletrônicos. Ou seja, evitar a verticalização, a fim de poupar tempo e recursos em projetos. A preocupação com o mercado consumidor fica evidente na seguinte declaração: Sempre será muito importante que o lançamento de um produto possa estar ajustado aos requisitos de demanda cinco anos depois. Assim, a especificação do avião tem de ser abrangente e bem discutida com todos, tentando ajustá-lo às prováveis necessidades dos consumidores potenciais, não somente os domésticos, mas também, e se possível, do mundo. Não fugiam da nossa cabeça os inúmeros exemplos de pioneiros que, com obstinação e lucidez, tinham conseguido fabricar aviões no Brasil. Muitos tiveram sucesso e colocaram no ar seus aparelhos, mas falharam num ponto que sempre trazíamos para a mesa de discussões e identificávamos como fundamental: as vendas! Ou seja, para quem nossos aviões seriam vendidos? A busca de resposta a essa pergunta era o centro das discussões. O que basicamente se levantava era que o avião produzido teria de ser, no seu tempo de produção, o produto certo. E ao custo certo! (Silva, 2005, p. 162): Depois da definição completa da configuração da referida aeronave, no fim de 1966, iniciou-se, já nos primeiros dias de 1967, o corte das primeiras peças do Bandeirante. Ainda em 1967, foi preciso pensar na formação da equipe que faria o primeiro vôo do protótipo inicial da aeronave. Todos concordavam que piloto e engenheiro de vôo deveriam ser treinados em um órgão internacional com excelência no assunto. Como a Base Aérea de Edwards, na Califórnia (Estados Unidos), não respondeu ao pedido brasileiro, os escalados, major José Mariotto Ferreira e engenheiro Michel Cury, foram para o treinamento no Centro de Ensaios em Vôo de Istres, na França, onde permaneceram por quase um ano. Outra preocupação que tomava conta da equipe era a constituição de uma empresa que tornasse possível a construção das aeronaves de forma seriada e, assim, fosse, finalmente, superado o estigma de construção de protótipos que nunca vinham a ser produzidos em série. A declaração de Silva (2005, p. 185) evidencia esta 67

84 preocupação: "Era muito claro que o CTA poderia ser o berço dos protótipos, mas precisávamos, não tínhamos dúvidas, que uma empresa estivesse disponível para quando se chegasse à fabricação dos modelos de série". Depois de tantas barreiras e adversidades, finalmente, em 1968, ficou pronto o primeiro protótipo do Bandeirante, no qual foram gastos três anos e quatro meses e 110 mil horas de projeto. Trabalharam nele, cerca de 300 pessoas. Além da equipe IPD/PAR, participaram do projeto outras organizações do Ministério da Aeronáutica, como o Parque de Aeronáutica dos Afonsos, o Núcleo do Parque da Lagoa Santa, o grupo de Suprimento e Manutenção, assim como várias empresas do setor privado ligadas ao ramo aeronáutico, entre elas Aerotec e Avitec. E, finalmente, no dia 26 de outubro de 1968, a aeronave fez seu primeiro vôo oficial com as cores da FAB pintadas na fuselagem. Mesmo com a grande recompensa da realização do primeiro vôo, não havia tempo para descanso. A campanha de ensaios em vôo deveria começar imediatamente, além da construção de mais dois protótipos para vôo e mais um para ensaios estáticos. Com tantas atividades a serem feitas, representantes das várias empresas fabricantes dos principais equipamentos do Bandeirante, vindos de diferentes partes do mundo, se instalaram no CTA, como mostra o relato de Silva (2005, p. 189): Víamos os estrangeiros que estavam conosco, acompanhando em nome de suas empresas a instalação dos seus respectivos equipamentos, acotovelando-se ao lado dos brasileiros, buscando espaço dentro da pequena fuselagem do nosso bimotor. O curioso era que se viam franceses, americanos, canadenses e brasileiros, todos trabalhando nas horas mais exóticas, e ninguém protestava. Ou melhor, protestava por não encontrar espaço na apertada fuselagem e dar conta do seu recado. (Silva, 2005, p. 189) Foi também neste sentido de cooperação que nasceu a parceria entre a IBM e a Embraer, a empresa que ainda estava para nascer. Como o CTA tinha um único computador (IBM 1620), que já não dava conta do recado devido ao imenso número de simulações que tinham que ser feitas, o gerente da IBM de São Paulo autorizou os engenheiros do CTA a usarem os computadores da empresa, porém no período de meia-noite às seis da manhã. Os engenheiros saíam de São José dos Campos aproximadamente às nove da noite e trabalhavam lá a noite toda, retornando no dia seguinte pela manhã. Essa ajuda foi fundamental para a posterior parceria da Embraer com a IBM. Quando a empresa de aeronáutica foi então fundada, foram comprados supercomputadores da IBM, uma parceria que dura até hoje. 68

85 No entanto, novos problemas entraram no caminho da recém-nascida aeronave. Apenas cinco dias após o primeiro vôo oficial, o piloto de testes José Mariotto Ferreira morreu, em conseqüência de um acidente durante testes com um protótipo do Uirapuru da Aerotec. Ozires o substituiu como piloto de testes e treinou outros pilotos para a realização dos demais vôos de ensaio, visto que ele também tinha que desempenhar o papel de principal executivo do projeto e não sobraria tempo para realizar todos os ensaios. Na mesma época, o francês Max Holste abandonou o projeto, cansado das enormes dificuldades encontradas. Sentia-se estagnado por apenas construir protótipos e ainda enfrentava problemas de relacionamento com Guido Pessotti, que assumiu sua posição na Direção Técnica do Escritório de Projetos. O francês deu a seguinte declaração ao deixar o projeto: Eu me vou! Vocês me prometeram uma infra-estrutura de verdade. No final, o que tenho? Uma equipe de amadores que jamais fará um avião sequer. Estamos trabalhando há três anos e os erros se sucedem todos os dias. Sobre a industrialização, nem se fala. O governo brasileiro não está presente nem por um momento e, sem ele, isto eu sei pela minha experiência, este país jamais colocará um avião de produção no ar. (Silva, 2005, p. 215) No entanto, segundo um entrevistado relatou, a principal contribuição que o francês teria que dar já havia sido dada, e os membros do PAR aproveitaram um dia de estresse de Max, que já havia ameaçado ir embora outras vezes, e prepararam uma festa de despedida para ele. Depois daquilo, não havia como o francês ficar. Pelo fato de existir apenas um protótipo, o primeiro do Bandeirante, além de cumprir a dura campanha de ensaios, também era utilizado para demonstrações país afora, incluindo vôos até com a presença do presidente Costa e Silva. O fato era que, apesar da imprudência de se usar um protótipo em demonstrações, toda e qualquer propaganda para o projeto era bem-vinda. Logo em seguida, no início de 1969, começou a produção do planador Urupema, o projeto de Guido Pessotti que Ozires prometera ao engenheiro ao tirá-lo do ITA. No entanto, foram fabricadas apenas 10 unidades, algumas já pela Embraer, em 1970, mas apenas um exemplar foi vendido. As unidades restantes foram compradas pelo Ministério da Aeronáutica e doadas para aeroclubes de todo o Brasil. Foi no início de 1969 que começaram questionamentos mais intensos com relação ao tamanho escolhido para o Bandeirante. Com os sucessivos aumentos no valor do petróleo, aumentaram também as pressões sobre os fabricantes por aeronaves de maior eficiência. Os clientes (operadoras) davam preferência àquelas 69

86 aeronaves que fossem capazes de melhorar sua competitividade nos custos de operação. Uma solução "simples" neste caso seria aumentar o número de passageiros transportados e reduzir assim a relação custo por passageiro a cada milha voada do avião. No caso do Bandeirante, a solução seria alongar a fuselagem para pelo menos quinze pessoas, bem mais que os nove pensados anteriormente. Souza (2007) explica que, devido a considerações físicas e organizacionais, um avião terá menos custos de operação por passageiro quanto maior for aeronaves maiores demandam menor consumo de combustível por assento oferecido, utilizando apenas uma única tripulação e quanto menor o alcance planejado (já que menos espaço e peso serão destinados ao combustível). Seja como for, de modo geral, algumas rotas requerem aeronaves de longo alcance, enquanto outras são mais bem servidas por pequenas aeronaves que voam cheias do que por aeronaves maiores com assentos vagos. O autor também explica que os custos de desenvolvimento de aeronaves se elevaram muito e rapidamente no pós-guerra. Além disso, na década de 60 já ficava evidente a tendência à concentração do setor, com a diminuição progressiva nos tipos e aeronaves lançados no mercado, a expansão no número de produtos derivados de um mesmo modelo e a colaboração internacional. Souza (2007) usa o exemplo vivido pela Lockheed e McDonnell Douglas no fim da década de 60. As principais companhias aéreas americanas American, United, TWA e Eastern concordavam quanto à necessidade de um wide-body 4 trimotor capaz de voar sem escalas de costa a costa. Contudo, a discordância quanto à escolha de um único modelo fez com que a McDonnell Douglas e a Lockheed fossem adiante na produção de modelos bastante similares, com conseqüências desastrosas para ambas (especialmente para a produção de aeronaves civis da Lockheed) e para as próprias companhias aéreas. O caso ilustrou o perigo de dividir o mercado: as companhias que optaram pelo modelo da Lockheed ficaram com um jato cuja produção alcançou apenas 250 unidades; aquelas que optaram pelo DC-10 tiveram de arcar com custos mais altos, por causa do mercado dividido (Lorell et al, 2000 apud Souza, 2007). A cooperação, com o propósito de baixar os custos, emergia assim como uma questão central. 4 Pode-se dividir o segmento de aeronaves comerciais em duas categorias de produto: aeronaves narrow-body (corredor único e alcance até km, capazes de transportar até duzentos passageiros, como o Boeing 737, o Airbus 320 e o Embraer 190/195) e wide-body (corredor duplo, alcance de médio a longo, capazes de transportar acima de duzentos passageiros, como o Airbus 340 e o Boeing 777). 70

87 O ano começou, então, agitado para o pequeno time do PAR. O assistente do ministro da Agricultura (Luis Fernando Cirne Lima) coronel Marialdo Rodrigues Moreira, amigo de Ozires da época de Escola Aeronáutica do Campo dos Afonsos, levou ao conhecimento de Ozires que o Ministério planejava comprar várias aeronaves agrícolas importadas, mas que não seria difícil convencer o Governo Federal a fabricálos aqui, caso o PAR apresentasse um projeto competitivo. Imediatamente, Guido conduziu um time que projetou a aeronave em pouco tempo. O projeto foi concebido, tendo várias soluções sido encaminhadas por sugestão de operadores de aeronaves semelhantes do mercado. O agitado início de 1969 fica claro nas palavras de Silva (2005, p. 229): A situação no início de 1969 tornou-se pesada, exigindo de cada um muito trabalho. Dedicávamo-nos intensamente aos ensaios em vôo e aos estruturais do Bandeirante no recém-construído laboratório de testes. Paralelamente, na improvisada linha de produção do hangar do CTA, montava-se o segundo protótipo do nosso bimotor e iniciavase o projeto e a construção do Ipanema (avião agrícola). Tínhamos ainda o compromisso de transformar o planador Urupema em um produto que poderia ser fabricado em série. (Silva, 2005, p. 229) 4.2 A Criação da Embraer e o Crescimento da Década de 70 Ozires já havia percebido que não poderia montar uma linha de produção em série de aeronaves dentro do CTA e, que isso só seria possível caso fosse constituída uma empresa. Ainda ia mais longe. Tal empresa não deveria ser estatal pelo receio de não conseguir a agilidade necessária para competir no mercado externo, já que adiantava que só com a demanda interna não se sustentaria uma linha de produção do volume que desejava. O relato de um dos fundadores da empresa ajuda a mostrar essa intenção: Quer dizer, então desde o começo da Embraer, é porque eu não sei se você conhece a história prévia, nós queríamos fazer uma empresa privada. Era intenção do governo que a empresa fosse privada. Mas não conseguimos porque você pode imaginar, hoje se você sair tentando vender uma fabricação de aviões pra empresários brasileiros você já não consegue, imagine naquela época! Quer dizer, e por que é que nós achávamos que devia ser privada? Pela razão, fundamental, da agilidade de resposta. (Entrevistado # 6, 2008, p. 3) Nesse cenário, em 19 de agosto de 1969, o então presidente da República, Arthur da Costa e Silva, assinou o Decreto nº 770, criando a Embraer - Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A. O plano original previa um hangar capaz de produzir dois Bandeirante por mês, com pouco mais de 500 empregados. 71

88 A solução financeira encontrada para viabilizar a Embraer veio do Decreto-Lei nº 200, editado em 1966, que abria a possibilidade de investimentos da União Federal no setor produtivo. O decreto-lei permitia o estabelecimento de uma "sociedade de economia mista", porém, controlada pelo poder público. Desta forma, o projeto consistia em autorizar as empresas a deduzirem, em cada exercício fiscal, 1% do seu imposto de renda se, no período, aplicassem igual quantia na formação de capital da Embraer, comprando suas ações. No mesmo ano, o Ministério da Aeronáutica assinou o contrato para a produção em série de 80 aeronaves Bandeirante, que viria a ser o primeiro contrato da empresa. As aeronaves encomendadas tinham configuração básica para até 15 passageiros, capacidade essa que já refletia os últimos estudos e indicava um aumento significativo na sua capacidade em relação ao projeto original. Para compor a primeira diretoria da empresa, Ozires sugeriu o nome do Dr. Aldo B. Franco para a presidência do Conselho de Administração. Franco, ex-diretor do Banco Central, integrava na época a diretoria da Metal Leve. Para diretor Comercial, o coronel Renato José da Silva, que vinha dos quadros do CTA e que, na época, era chefe do Serviço Financeiro. Alberto Marcondes, na época funcionário do Banco do Brasil, ficou com a Diretoria Financeira. Os incentivos não pararam por aí. Delfim Neto, ministro da Fazenda, determinou que fosse dada à empresa a mais ampla cobertura, com recursos não inflacionários para a construção da Embraer, e designou José Flávio Pécora (secretário geral do Ministério da Fazenda) para acompanhar de perto o projeto. No entanto, talvez o maior incentivo à produção seriada do Bandeirante viria da aviação militar, e antes mesmo da constituição oficial da empresa. No tumultuado ano de 1969, o Ministério da Aeronáutica, a fim de modernizar sua frota de caças, havia designado o coronel aviador Lauro Ney Menezes, que servia ao Estado-Maior da Aeronáutica, Ozires Silva e o major Ivan Moacyr da Frota para detalhar um caça que atendesse às exigências da FAB. A missão compreendia visitas à Saab, da Suécia, à British Aerospace, da Inglaterra, à Aeronautica Macchi, da Itália, e à Aerospatiale, da França, fabricantes que, naquele momento, ofereciam produtos compatíveis com os requisitos da FAB. No entanto, os membros da equipe designados pelo Ministério da Aeronáutica pré-estabeleceram que dariam prioridade àquela que oferecesse a mais ampla oferta de troca de tecnologia. A idéia principal, além de evidentemente trazer uma nova tecnologia para o Brasil, era o fato de que um número maior de aeronaves a serem produzidas 72

89 aumentaria a pressão por uma fábrica, e que a parceria com um fabricante consagrado traria o know-how de uma linha de produção, o que contribuiria, também, no projeto do Bandeirante. Assim foi escolhido o projeto da italiana Macchi, com o avião MB326 (M de Macchi e B de Bazzocchi, seu projetista). Na Embraer, o código deu nome à aeronave Xavante. O projeto Xavante veio a ser então o objeto do segundo contrato fechado pela Embraer e também o segundo com a FAB, que encomendou 112 dessas aeronaves. Era um jato que a Embraer deveria fabricar sob licença estrangeira. As palavras de Silva (2005, p. 272) demonstram a importância deste projeto para a continuidade do Bandeirante e, conseqüentemente, para a empresa: "O nosso empreendimento estava começando e somente seria consolidado se os dois programas - o do Bandeirante e o Xavante - tivessem êxito." Para a concretização do projeto, a Embraer solicitou que um grande número de técnicos italianos (600 homens-meses) residisse em São José dos Campos, o que, inicialmente, não foi bem compreendido pelos italianos. Na realidade, o grande efetivo era necessário no auxílio à produção seriada dos Bandeirante. Junto com o programa Xavante e com o intuito de continuar desenvolvendo o setor aeronáutico no país, a FAB entendia que deveria ser lançado um programa complementar avançado de proteção ao vôo, considerado essencial para o desenvolvimento e para a segurança do transporte aéreo no Brasil. Nasceu assim, o Cindacta - Centro Integrado de Defesa Aérea e de Controle do Tráfego Aéreo. O ano de 1970 começou não menos agitado do que o anterior. O programa do avião agrícola Ipanema (que vinha sendo financiado pelo Ministério da Agricultura) foi transferido do CTA para a Embraer, que conseguiu fazer o primeiro vôo na data prevista e, assim, recebeu o primeiro pedido firme do Ministério da Agricultura no mesmo ano. Foi também em 1970 que o Ministério da Fazenda constituiu uma Comissão de Fiscalização e Recebimento (Confirem) para acompanhar os grandes volumes financeiros aplicados na empresa. A comissão fazia reuniões freqüentes com os diversos departamentos da Embraer para ajustar pontos que não ficaram estabelecidos ou pouco claros nos textos iniciais dos contratos. Ainda naquele ano, a Embraer fabricava o terceiro protótipo do Bandeirante, quando recebeu a encomenda do CNAE (Comissão Nacional de Atividades Espaciais), que colocou como condição necessária para a formalização do contrato a entrega da aeronave o mais breve possível. Sendo assim, o terceiro protótipo foi 73

90 reconfigurado para atender ao pedido, que veio a ser o primeiro registro civil que o Bandeirante recebeu, embora sob as cores de uma organização governamental. A CNAE havia sido criada em 1968 e uma de suas missões era obter dados sobre o território brasileiro e conseguir informações mais precisas sobre seus recursos naturais. Para isso, um dos métodos utilizados era o sensoriamento remoto. Sendo assim, o CNAE adquiriu um Bandeirante, no qual foi feita uma abertura na parte inferior da fuselagem para a instalação dos equipamentos de sensoriamento. Não bastassem os desafios que apareciam a todo o momento nos projetos em andamento, a empresa, praticamente ainda em fase inicial, precisava se preocupar com a formação de seus profissionais, já que se tratava de uma indústria nova e que não dispunha de profissionais especializados naquela época. A declaração de Silva (2005, p. 263) mostra a preocupação com o assunto: O nível de segurança conquistado no tráfego aéreo foi conseguido através de muito trabalho, dedicação, envolvendo prioritariamente a qualificação do pessoal envolvido em todos os segmentos da ampla atividade aeronáutica. Nesse cenário é que nasceu a Embraer, começando seu trabalho em um país cuja infra-estrutura produtiva era recente e não voltada para os produtos de que o avião necessita. Por conseqüência, a empresa, a partir dos seus primeiros momentos de vida, precisou prestar atenção ao ambiente em que vivia e procurou trabalhar fundamentalmente na elevação do padrão cultural, educacional e de treinamento do seu pessoal. Paralelamente, teve de desenvolver hábitos e procedimentos para que todos, conscientes de suas responsabilidades e não importando as circunstâncias, tivessem sempre de fazer o melhor. Silva (2005, p. 263) Essa visão é reforçada também pelo seguinte depoimento (Silva, 2005, p. 288): Durante todo esse período inicial, a preocupação era centrada nos programas de treinamento de pessoal. O avião, como produto industrial, é realmente complexo, envolvendo as mais variadas técnicas de produção. Na sua estrutura metálica encontram-se misturados alguns dos metais ajustados e fixados segundo diferentes técnicas, como soldagem, rebitagem e colagem. Nos variados sistemas encontram-se os métodos e processos os mais diferenciados. Essa real miríade de requisitos passou a requerer especialistas que simplesmente não existiam no Brasil. Eles tinham que ser produzidos. (Silva, 2005, p. 288) Além disso, a empresa começou a investir também na motivação dos empregados, a fim de aumentar seu grau de participação. Neste sentido, foram feitas campanhas que destacavam a importância dos funcionários para a empresa naquele momento, como, por exemplo, na frase exposta na fábrica em 1970 (Silva, 2005, p. 287): "Estamos escrevendo a história! O Brasil fabrica aviões! Vocês são os artífices e os participantes!". 74

91 Com o mesmo objetivo, começou a circular em julho de 1970 o jornal interno O Bandeirante, que é editado até hoje na empresa. Sendo uma indústria nova e em formação, a empresa, em 1971, começou um trabalho de desenvolvimento de seus fornecedores. Entendia que boa parte de sua vantagem poderia estar na compra de equipamentos de qualidade a preços competitivos. Segundo Silva (2005), havia na empresa um interesse pelo sistema norte-americano que na época já era composto por milhares de empresas, grandes e pequenas, capacitadas para fornecer desde matérias-primas e componentes até equipamentos ou sistemas completos. Sendo assim, a partir dessa época, a Embraer começou a trazer para seu Centro de Treinamento não só aqueles fornecedores que já trabalhavam para a empresa, mas também os potenciais fornecedores. Segundo o fundador da empresa, Ozires Silva, era comum solicitar a um fornecedor que especialistas da empresa vendedora fossem colocados à disposição do Centro de Treinamento. Além das razões mencionadas acima, parecia claro que, tendo uma rede consistente de fornecedores, os trabalhos de projeto e de fabricação de um novo avião seriam mais eficientes e, numa indústria em crescimento como a aeronáutica, os prazos para a criação de um novo produto, que na época era de aproximadamente cinco anos, certamente seriam reduzidos. Para Silva (2005), com a entrada de muitos concorrentes no mercado, todos que conseguissem reduzir o tempo necessário para modificar seus produtos ou lançar novos modelos teriam vantagens competitivas substanciais, como mostra sua declaração a seguir: O entendimento era claro. Se, no bojo dos programas nos quais estávamos engajados naquele início, alguns passos pudessem ser dados para horizontalizar a produção, isso deveria ser feito. Era muito claro que, se tentássemos fazer tudo dentro dos muros da empresa, além de não responder coerentemente, nossa capacidade de resposta aos requisitos do mercado certamente seria mais lenta. Desse modo, desejando ou não, a ajuda de subcontratados era um tema que fazia o maior sentido. (Silva, 2005, p. 289) No entanto, como as barreiras à produção de partes aeronáuticas eram muitas, como, por exemplo, a produção quase artesanal, em baixa escala e requisitos muito exigentes, era normal que uma série de candidatos a fornecedores desistisse no meio do caminho. Então, o mais comum era que empresas de aeronáutica fossem as primeiras a aderir a uma parceria com a Embraer, como a Aerotec e a Avitec, que em 1971 entraram na produção de partes fundamentais do Bandeirante, tais como ailerons, leme de direção, profundores e flapes. 75

92 Com o passar do tempo, várias outras parcerias foram se desenvolvendo: Aeromot, Aeroservices, Alcan, Avibrás, Bendix, Blindex, Bosch, Brasinca, Devilbiss, D.F. Vasconcelos, Goodyear, Ermeto, Elebra, entre outras. Neste contexto, iniciou-se a fabricação em série do Bandeirante e, praticamente ao mesmo tempo, foi criada a Seção de Tratamento Térmico, uma das áreas consideradas prioritárias para a empresa, que usava o alumínio em larga escala na estrutura de sua nova aeronave. A preocupação vinha do cuidado que se deveria ter com o tratamento do metal, principalmente com o risco de corrosão intergranular, que não aparece em inspeções comuns. Foi no mesmo ano de 1971 que a empresa começou também a montagem do caça Xavante, após o recebimento dos primeiros componentes vindos da Itália. Apesar do cronograma bem apertado, devido à grande quantidade de atividades desenvolvidas simultaneamente, a empresa conseguiu que a aeronave fizesse seu primeiro vôo no dia 6 de setembro do mesmo ano. No dia seguinte, entregou duas aeronaves à FAB, que as utilizou para uma demonstração na parada de 7 de setembro, no Rio de Janeiro. Fechando os acontecimentos desse ano no que diz respeito à linha de produtos da Embraer da época, a Empresa Corsário de Aviação S.A. comprou dez aviões agrícolas Ipanema, que tiveram suas entregas iniciadas em dezembro do mesmo ano, após o recebimento do Certificado de Homologação de Tipo 5 (CHT), emitido pelo DAC 6. No mesmo ano, a Embraer participou, pela primeira vez, do 29º Salão Internacional de Aeronáutica de Paris, realizado no aeroporto de Le Bourget. A empresa contou com o apoio do Itamaraty para garantir um espaço numa das principais feiras aeronáuticas do mundo, da qual participa até hoje. Segundo Silva (2005), o evento fez com que a Embraer fosse assunto de duas reportagens de capa de famosas revistas francesas, a Air & Cosmos e a Aviation Internationale, que destacavam principalmente a decisão da Embraer de colocar em produção um avião 5 O CHT é um documento emitido pela ANAC que aprova tecnicamente a aeronave para que ela seja vendida no Brasil. Com base no CHT, a ANAC emite o Certificado de Aeronavegabilidade da aeronave, e assim cada avião recebe sua matrícula oficial para entrar em operação. 6 Atualmente, este documento é emitido pela ANAC, criada 2005, mas que começou sua operação, de fato, em março de Tem suas origens nas competências do Departamento de Aviação Civil (DAC) e ficou responsável por planejar, gerenciar e controlar as atividades relacionadas com a aviação civil. Portanto, em virtude dessa competência, a agência se tornou a autoridade aeronáutica, exercendo, por via de conseqüência, as atividades relacionadas a essa função pelo Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986). 76

93 desenvolvido e fabricado exclusivamente para o transporte aéreo de passageiros de empresas commuter 7. Segundo o autor, era a primeira vez que se falava de um aparelho de transporte de pequeno porte, concebido e desenvolvido especialmente para as pequenas empresas de linha aérea comercial. A venda dos primeiros dez Ipanema serviu para mostrar as dificuldades pelas quais a empresa passaria para vender suas aeronaves. A única opção de financiamento disponível era o então BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico), já que com as altas taxas de inflação, era inimaginável bancos comerciais cedendo empréstimos a taxas de juros competitivas. Assim, somando-se ao problema dos prazos de financiamento menores, as prestações de amortização do empréstimo ficavam em valores considerados excessivamente altos pelos utilizadores. Some-se a isso a tributação encontrada para a venda de aeronaves civis. Até aquele momento, a empresa só tinha vendido aeronaves à FAB, que por ser um órgão federal, estava isento de uma série de impostos. Os aviões importados eram beneficiados pela lei brasileira que os isentava de taxas de importação e do então ICM (Imposto de Circulação de Mercadorias). Após muita discussão com o Ministério da Aeronáutica, conseguiu-se uma isenção de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e a redução do ICM para 4%. Esses fatos explicam por que até hoje ainda são poucas as aeronaves nacionais voando no Brasil. Esse quadro era tão prejudicial à empresa que rendeu a seguinte declaração de Silva (2005, p. 301): "A legislação brasileira, notoriamente complexa, dificultava, quando não impedia, a conquista de alguma vantagem competitiva para os produtos nacionais." Então, apesar da venda das dez aeronaves Ipanema, a realidade do mercado brasileiro ainda deixava dúvidas com relação ao sucesso da linha de produtos da empresa no mercado civil. Afinal, um ano após o início da operação da empresa, praticamente todos os contratos existentes eram de aeronaves para a FAB. No entanto, crescia nos dirigentes da empresa a confiança nas possibilidades de um Bandeirante civil, uma vez que um grande número de cidades do interior do país havia deixado de ser assistido pelo transporte aéreo, devido à incapacidade de se encher os grandes aviões utilizados pelas companhias aéreas. 7 A empresas do tipo commuter eram consideradas aquelas de pequeno porte que tinham duas funções principais: servir de alimentação para as grandes (feeder services), ligando pequenas cidades aos grandes centros; e também operando entre pequenas cidades. Nesta função, faziam sucesso os Twin Otter fabricados pela De Havilland do Canadá, e o Beechcraft 99, que tinha excelente reputação com as operadoras. 77

94 Enquanto isso, mais dois órgãos foram criados no CTA: o Instituto de Fomento e Coordenação Industrial (IFI), que iniciou suas atividades em 20 de agosto de 1971, e o Instituto de Atividades Espaciais (IAE), criado pelo então diretor do CTA, cujo objetivo principal era promover pesquisas e projetos no campo espacial. A criação do IFI rendeu frutos no ano seguinte ao de sua criação. O tenentebrigadeiro Joelmir Araripe Macedo, então ministro da Aeronáutica, conseguiu através do instituto abrir caminho para que o Bandeirante fosse adquirido pelas companhias aéreas nacionais. Em dezembro de 1972, a aeronave recebeu o Certificado de Homologação de Tipo, também para operação de passageiros, já na sua versão bem modificada em relação ao projeto original. Eram quase dois metros a mais no comprimento e mais 600 quilos no peso de decolagem. A emissão do CHT imediatamente chamou a atenção da Vasp (Viação Aérea São Paulo) e da Transbrasil, que se mostraram interessadas na aeronave. O certificado veio apenas quatro meses depois do primeiro vôo de um Bandeirante de série para o transporte comercial de passageiros. A demonstração de interesse por parte das companhias aéreas nacionais mostrou aos dirigentes da empresa que o Bandeirante parecia estar no caminho certo. Além disso, nos Estados Unidos, aumentava o número de empresas commuter operando aeronaves de no máximo 19 passageiros. O interesse das operadoras nacionais converteu-se em pedidos firmes no ano seguinte. Em janeiro de 1973, a Transbrasil encomendou seis aeronaves Bandeirante e a Vasp, em agosto do mesmo ano, encomendou outras cinco aeronaves do mesmo modelo, porém com requisitos diferentes. Como as aeronaves que a Vasp e a Transbrasil haviam comprado tinham a configuração para até 15 passageiros, foi necessária uma corrida contra o tempo para que os aviões, originalmente configurados para a FAB, fossem reconfigurados para a operação em linha aérea. E assim, em 11 de abril de 1973, praticamente três meses após a assinatura do contrato, a primeira aeronave foi entregue à Transbrasil, que a pôs em operação quatro dias depois. Apesar da vontade de vender para o mercado civil, Silva (2005) relata que havia um grande receio de vendê-las tão precocemente ao referido mercado. O principal motivo era que a aeronave estava em operação na FAB há pouco tempo e a idéia inicial era que ela fosse mais bem testada por este órgão e, assim, apenas depois submetida ao "massacre" ao qual as companhias aéreas submetem seus aviões. 78

95 Encorajada pelas primeiras vendas, a empresa sentiu a necessidade de estruturar uma área de vendas, mas, como a linha de produtos da empresa, na época, era constituída de aeronaves para mercados muito diferentes, a decisão foi terceirizar este serviço. Assim, contaria com empresas já com experiência e conhecedoras dos públicos-alvo. A preocupação comercial da empresa só aumentava e, em setembro de 1973, a Embraer apoiou integralmente a Alcântara Machado na realização do 1º Salão Internacional Aerospacial. O salão foi realizado parte em São José dos Campos, onde ocorreram as demonstrações em vôo, e em São Paulo, local da exposição estática. Foi a primeira ocasião em que as aeronaves brasileiras foram expostas junto com seus principais concorrentes. O principal resultado do salão foi a exposição da Embraer aos fornecedores internacionais que, após o evento, começaram a visitar a empresa com uma freqüência muito grande. Esta nova realidade trouxe o medo de que dados técnicos vazassem, mas, por outro lado, trouxe grande quantidade de informações importantes com relação à concorrência. A venda de aeronaves e os eventos chamavam a atenção para a empresa, que, a fim de obter maior volume de vendas, começou a aceitar os desafios colocados por novos compradores, que constantemente pediam modificações nas aeronaves. Assim surgiram novas versões do Bandeirante: o cargueiro; a versão executiva para transporte corporativo das empresas (versão com sete lugares e muito espaço), mas que começou a concorrer com aeronaves pressurizadas, que ofereciam mais conforto; a versão laboratório encomendada pela FAB, denominada Aerofoto, destinada à avaliação das estações de terra que fornecem auxílio à rádio-navegação para o tráfego aéreo; e a versão de alta densidade para 18 passageiros, com menor espaço interno. Com as novas versões, a empresa incluía novos itens até então inéditos neste avião, como, por exemplo, tanques de combustível nas pontas das asas (para aumentar a autonomia da aeronave), que eram os mesmos utilizados pelo Xavante. Ou como as galleys (cozinha instalada a bordo dos aviões) com fornos, geladeira, e também banheiros, guarda roupas e sistemas de música, incluídos na versão executiva. No entanto, para atender a esta demanda diversificada, a empresa tinha que se preocupar não só com a operação da fábrica e sua expansão, mas também em tornar seus produtos competitivos, o que significava produzir melhor, mais barato e diversificar os tipos e modelos de aviões a serem ofertados. 79

96 Como se não bastassem tais dificuldades, para Silva (2005), o comprador brasileiro, em face de anos a fio importando aviões, estava habituado a procurar os produtos de que precisava no mercado internacional, principalmente nos EUA, país que oferecia uma variedade imensa de aeronaves. O resultado dessa prática criou na cabeça dos compradores brasileiros um entendimento implícito de que avião é algo que obrigatoriamente deveria ser comprado no exterior. Sendo assim, a produção nacional que a Embraer buscava, além de implicar todas as atividades naturais envolvidas num processo de venda, deveria trabalhar para também modificar uma cultura já enraizada. Segundo Silva (2005), vender um avião nacional exigia a pavimentação de todo um caminho, até então inexistente, tarefa difícil com as naturais dificuldades de um empreendimento pioneiro. Além disso, os aviões vendidos pelas empresas norte-americanas vinham dos EUA estimulados por financiamentos de longo prazo e com taxas de juros muito mais atrativas, apoiadas pelo Eximbank - instituição controlada pelo Governo dos EUA que promovia o comércio exterior do país. Com tais esquemas desenvolvidos e oferecidos pelos importadores brasileiros, aviões podiam ser adquiridos sem comprometer o patrimônio dos compradores. Havia também outros fatores que contribuíram para a soberania norteamericana no mercado aeronáutico. Um deles foi o fato de não terem ocorrido batalhas da Segunda Guerra em seu território. Isto fez com que, ao final do conflito, suas unidades industriais voltadas para a produção militar fossem rapidamente convertidas para a fabricação de aeronaves destinados ao mercado civil. A forte presença norte-americana no mercado brasileiro e o obstáculo que isso representava são evidenciados por Silva (2005, p. 330 e 331) nesta declaração: No Brasil foi muito clara a ascensão dos aviões norte-americanos. Uma boa infra-estrutura de venda, de assistência técnica e de peças de reposição foi rapidamente montada e, em pouco tempo, o predomínio dos made in USA prevaleceu. Por isso, era lógico que se alguém precisasse de um avião, relutaria em ser pioneiro e dificilmente se arriscaria a comprar uma marca nova. Esse quadro, realmente verdadeiro, logo nos momentos iniciais da vida da Embraer, colocou os produtos nacionais em desvantagem quando comparados com os de tecnologia estrangeira. Se a conversa versasse sobre projetos nacionais, isto é, aparelhos de criação local, o processo para conseguir compradores no mercado doméstico seria, compreensível e naturalmente, mais complicado. (Silva 2005, p. 330 e 331) Outro argumento também apresentado por Silva (2005) era que uma compra no exterior trazia também aspectos turísticos, segundo ele, nada desprezíveis. A 80

97 substituição de uma viagem aos Estados Unidos por uma no Brasil, a apenas alguns minutos de vôo de SP, representava uma diferença substancial. A situação só veio a melhorar um pouco a partir de 1976, quando a empresa conseguiu se adequar as normas do Finex (Fundo de Financiamento à Exportação), que havia sido criado em O Fundo era reivindicado pelas indústrias brasileiras de bens de capital - bem mais antigas e calejadas que a indústria aeronáutica - e que inicialmente serviria para a exportação de máquinas e equipamentos. O mecanismo (Finex) permitia a aplicação de um sistema de compensação das taxas de juros. O esquema era montado de forma a oferecer uma contribuição ao financiador do importador, quando ele aparecesse com um financiamento obtido por ele próprio (buyer's credit), de modo que as taxas de juros finais a serem pagas pudessem ser reduzidas e baixadas no nível da concorrência internacional (Silva, 2005). Foi neste contexto de início de suas atividades que a empresa viu o mercado de aviação executiva explodir. Para Silva (2005), a busca por pequenos aviões surgiu porque a infra-estrutura terrestre não conseguiu acompanhar a velocidade e a flexibilidade que as aeronaves ofereciam para vencer distâncias. E, como as empresas de transporte aéreo regular não conseguiam oferecer serviços para todos os destinos, empresários e homens de negócio que precisavam ter acesso às mais distantes localidades viram no avião a solução dos seus problemas. Alguns números deixam claro este cenário apontado por Silva (2005). Em 1972, o Brasil havia importado dos EUA cerca de 300 aviões da aviação geral 8 e, em 1973, foram registradas 529 importações. Segundo Silva (2005), as autoridades brasileiras começaram a ficar preocupadas com a tendência de crescimento, e o próprio Ministério da Aeronáutica passou a questionar a ausência da Embraer no mercado de aviação geral. A seguinte frase de Silva (2005, p. 336) demonstra este fato com clareza: Fomos solicitados a acelerar as ações para que a Embraer pudesse qualificar-se para atender essa demanda interna. Motivada por essa demanda, a Embraer identificou que este poderia ser um novo segmento da produção aeronáutica nacional e, já em 1973, a empresa começou a pesquisar a possibilidade de construir as aeronaves da chamada aviação geral, em São José dos Campos. Segundo Silva (2005), as próprias autoridades brasileiras, já mais confiantes na capacidade técnica e produtiva da Embraer, começaram a sugerir que a empresa deveria se diversificar e produzir outros tipos de aparelhos, abrindo 8 Aviação geral compreende todos os segmentos da aviação, exceto os aviões militares e os civis destinados ao transporte regular de passageiros e cargas. 81

98 perspectivas de substituir as importações de então por aviões nacionais. Havia uma preocupação constante com os déficits do balanço do comércio exterior. No entanto, a empresa tinha apenas quatro anos e três programas sendo levados paralelamente. Entrar na produção de uma gama de produtos dos mais diferentes modelos e tipos, que exigiriam mais estudos de concepção, de projeto, de fabricação e de certificação, demandaria tempo e recursos que, segundo Silva (2005,) não estavam disponíveis. O Departamento Técnico, dirigido pelo engenheiro Guido Pessotti, estava com sua capacidade efetivamente tomada, apesar das crescentes contratações que a empresa vinha fazendo, principalmente de técnicos e engenheiros. Além do problema da capacidade industrial da organização, havia uma preocupação com a postura dos norte-americanos, que na época dominavam este mercado com os Piper, Beech e Cessna. Uma iniciativa da empresa brasileira para produzir aviões de modelos equivalentes e concorrentes aos importados deveria obrigatoriamente considerar que seria inconveniente hostilizar os produtos norte-americanos, segundo Silva (2005). O maior receio era que estes, uma vez atingidos, colocassem dificuldades para o suprimento de equipamentos essenciais a serem instalados nas aeronaves nacionais. Assim, a solução era buscar fabricantes estrangeiros que estivessem dispostos a negociar direitos para que seus produtos fossem feitos aqui no Brasil. No entanto, é importante ressaltar que esta produção deveria atender somente a demanda brasileira, pois era impensável imaginar que um licenciador externo autorizaria a venda destes produtos no mercado internacional. Desta forma, a empresa começou a buscar parceiros para a empreitada. De início, conversou com alguns fabricantes franceses, mas logo em seguida, as conversas se concentraram nos dominadores do mercado brasileiro, todos norteamericanos: Piper, Beech e Cessna. As negociações com a Cessna não demoraram muito, pois a empresa, segundo Silva (2005), tentava ganhar de todos os lados e, por isso, colocou demasiadas restrições na liberdade que a Embraer sentia ser necessária para o desenvolvimento do programa que buscava. As conversas com a Beech nem chegaram a evoluir tanto, principalmente, porque os donos da empresa viam a Embraer com certa desconfiança, devido ao lançamento do Bandeirante. O avião brasileiro era um concorrente direto do Beech 99, uma aeronave commuter para operação em pequenos aeroportos de menor demanda. Desta forma, acabou sendo escolhida a Piper por um conjunto de razões maiores que simplesmente a renúncia das demais. 82

99 Em 1974, um decreto do presidente da República elevou a alíquota de importação de aeronaves leves, causando uma redução imediata nas importações, o que interessava ao governo, já que por ter altíssimo valor agregado, contribuíam muito para o lado negativo da balança comercial. Segundo alguns entrevistados, e também autores que escreveram sobre a empresa, esta foi a primeira grande colaboração do governo para a Embraer. A Piper queria ganhar o mercado da concorrente Cessna, que praticamente mandava neste segmento no Brasil. Segundo Coelho (2005), a Cessna vendera 373 aviões em 1974, e apenas quatro em Além disso, o diretor da Piper para a América Latina, Newton U. Berwig, já acompanhava a Embraer desde o início, freqüentemente reportando aos americanos a evolução da empresa. O acordo entre as duas empresas, assinado em agosto de 1975, previa as quantidades iniciais a serem produzidas e que seriam entregues, a partir de 1976, sob a forma de kits para serem montados no Brasil de quatro modelos monomotores e dois bimotores, da seguinte forma: EMB-710 Carioca: monoplano, de asa baixa, trem de pouso fixo, equipado com motor também norte-mericano Lycoming de 235HP, para o transporte de quatro pessoas, derivado do Piper Pathfinder. EMB-711 Corisco: monoplano de asa baixa, trem de pouso retrátil, equipado com motor Lycoming de 200HP, para o transporte de quatro pessoas, derivado do Piper Arrow II. EMB-720 Minuano: monoplano, asa baixa, trem de pouso fixo, equipado com motor Lycoming de 300HP, para o transporte de 6 pessoas, derivado do Piper Cherokee Six. EMB-721 Sertanejo: idêntico ao anterior, porém, com trem de pouso retrátil. EMB-810 Seneca: monoplano, asa baixa, trem de pouso retrátil, equipado com dois motores Continental de 200HP (turboalimentados), para o transporte de 6 pessoas, derivado do Piper Seneca II. EMB 820 Navajo: monoplano de asa baixa, trem de pouso retrátil, equipado com dois motores Lycoming, derivado do Piper Navajo Chieftain. Como se tratava de uma linha de produtos com uma forma de produção bem diferente do que vinha sendo feito e com demandas específicas, foi criada uma 83

100 Divisão de Aviões Leves, subordinada à Diretoria de Produção, dirigida pelo engenheiro Benedito Ivan Perotti, formado pelo ITA. Como a produção das novas aeronaves era feita através da importação do kit pronto para montagem, em São José dos Campos, a Embraer criou um sistema de transporte fretado com a Varig para que os kits viessem direto de Lakeland (Flórida - EUA) para São José dos Campos. Para isso, foi obtida autorização do Governo Federal para operação internacional do aeroporto do CTA, e também de um armazém alfandegado nas instalações da própria Embraer, facilitando, com isso, o processo de montagem dos aviões. Segundo Silva (2005), quase dentro do sistema just-in-time criado pelos japoneses. A entrada no mercado de aviação geral criou também a necessidade de uma nova forma de comercializar as aeronaves, que era bem diferente daquela do Bandeirante. Devido ao preço inferior e ao maior volume de vendas deste tipo de aeronave, a comercialização se assemelha a de uma revenda de automóveis. Sendo assim, foi feito um acordo com o distribuidor brasileiro, que já atendia a marca desde antes de sua fabricação no Brasil, a J.P. Martins, sediada no aeroporto de Campo de Marte, na capital paulista. O acordo permitia que a Embraer usasse sua rede de revendas para a comercialização dos novos pequenos aviões. Segundo Silva (2005, p. 357), o contrato firmado com a J.P. Martins trouxe conhecimento para a Embraer: Esse contrato com a J.P. Martins e seu grupo de trabalho foi muito benéfico para a Embraer, pois permitiu um aprendizado mais rápido por parte do nosso pessoal sobre as técnicas de venda e os pequenos, mas muito importantes, detalhes de como superar as naturais relutâncias de um futuro potencial comprador. (Silva, 2005, p. 357) A parceria com a J.P. Martins foi desenvolvida por Dorival Ramos Schultz, que integrava a equipe da Diretoria Comercial, então dirigida por Renato José da Silva. Essa equipe, entre 1973 e 1974, havia estruturado tal diretoria, em particular no âmbito nacional, tendo montado uma rede de revendas e consolidado a assistência técnica por todo o país. Outra idéia de Schultz que funcionou foi uma parceria com o Banco Real para financiamento de aviões leves. Esta parceria permitiu que a Embraer vendesse e entregasse mais de 2 mil aviões por todo o Brasil, a partir da década de 70, tornando freqüente a presença das aeronaves da empresa nos aeroportos brasileiros. No entanto, o que mais chamava a atenção nesta parceria com o fabricante brasileiro, segundo Silva (2005), era compreender como era possível, nos EUA, 84

101 empregar-se um número tão reduzido de homens-hora por quilo de estrutura fabricada. O dado havia surpreendido o fundador e os engenheiros da Embraer desde o início das discussões com a Piper. Os números americanos eram basicamente a metade daqueles conseguidos no Brasil. A declaração de Silva (2005, p. 354) demonstra o quanto a linha de produção norte-americana impressionou os técnicos brasileiros e as conseqüências para a Embraer: Buscávamos explicações e, contudo, em todas as visitas que fazíamos às linhas de produção americanas, não somente à Piper, mas também à Beech e à Cessna, encontrávamos mais ou menos os mesmos métodos de trabalho, sem grandes diferenças no que se referia à automação da montagem. Apesar de todo o esforço colocado para compreender as diferenças entre os métodos empregados pelas duas empresas, as únicas explicações possíveis vinham do nível cultural e de treinamento dos operários e da maior eficiência global do sistema de vida norte-americano em relação ao nosso. Por essa razão, decidimos enfatizar ao máximo o treinamento do pessoal para que, no resultado final, tivéssemos a possibilidade de chegar perto dos índices de desempenho da nossa parceira. Ao nosso departamento de pessoal, foi solicitado preparar adicionalmente cursos de elevação de nível que funcionassem como uma espécie de supletivo educacional, que acabou por ter grande aceitação entre nossos empregados. Através desse mecanismo, muitos deles lograram conseguir melhores níveis de escolaridade que foram reconhecidos pelo sistema educacional, dando-lhes oportunidade de fazer outros cursos de progresso pessoal. Contudo, a despeito de todo o esforço do nosso pessoal, nunca conseguimos igualar o número de horas, por avião produzido, que a Piper ostentava na produção de seus aviões. (Silva, 2005, p. 354) Também a fim de melhorar o desempenho em sua linha de produção, a Embraer filiou-se ao Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp - Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), onde poderia encontrar um fórum mais amplo para a troca de idéias e conseguir mais dados sobre o assunto para trabalhar no sentido de encontrar soluções a fim de superar essa desvantagem. Silva (2005, p. 358) também aponta outra dificuldade encontrada pela empresa no Brasil, que eram as constantes mudanças nas legislações brasileiras: No Brasil, se o vento sopra frio em Brasília, o país se resfria. Dizem que o cidadão brasileiro vive numa ilha cercada de governo por todos os lados, isto é, em um ambiente no qual tudo é regulado pelas autoridades. Essa cultura nacional torna difícil estabelecer planejamentos de longo prazo no setor empresarial privado, sem que uma nova regulamentação não tenha o poder de modificar elaboradas discussões e decisões tomadas pelo setor privado. Assim, mesmo o nosso contrato firmado com a Piper tendo sido aprovado pelo Ministério da Aeronáutica, como nosso acionista controlador, teve de ser várias vezes modificado como conseqüência das 85

102 freqüentes modificações da política econômica, tradicionalmente implementadas pelo Governo Federal. (Silva 2005, p. 358) Por falta de área disponível o suficiente para a produção das aeronaves leves, a firma aeronáutica Neiva foi subcontratada pela Embraer para a fabricação de alguns monomotores. O fato de a empresa ter instalado seu escritório de projetos, em 1969, em São José dos Campos, a fim de ficar mais próxima do CTA, ajudou bastante nas negociações entre a Neiva e a Embraer. Um fato que merece destaque também nesta época, mais precisamente em 1975, foi a visita dos irmãos Fittipaldi, que procuravam criar uma escuderia brasileira de Fórmula-1. Para isso, precisavam de peças elaboradas com materiais de alta resistência e baixo peso, que poucas empresas no Brasil teriam, além da Embraer. Os recursos já estavam viabilizados com o patrocínio da Coopersucar (Cooperativa dos Produtores de Açúcar e Álcool). Acordo feito, a Embraer ficou com a incumbência de elaborar os elementos da estrutura usando fibras leves ou alumínio, dentro das técnicas aeronáuticas que eram empregadas pela empresa, além de prestar assessoria na solução de alguns problemas aerodinâmicos. A primeira apresentação aconteceu no Grande Prêmio da África do Sul, em Segundo Silva (2005), no início houve alguma resistência dentro da empresa, já que tais projetos não estavam no escopo da empresa, mas que acabaram sendo superadas pela Diretoria Técnica, dirigida por Guido Pessotti. A escuderia ainda durou mais 3 anos, quando ficou inviável, principalmente devido à falta de recursos para acompanhar a velocidade de desenvolvimento dos concorrentes. O ano de 1975 também foi marcado por dois importantes eventos: as duas primeiras exportações da Embraer, sendo um Bandeirante para a Força Aérea Uruguaia e um Ipanema para o Ministério da Agricultura do mesmo país; e a visita de Frederick W. Smith, então presidente da Federal Express. Em 1975, Smith estava estudando a possibilidade de ter uma frota própria de aeronaves para o transporte de malotes expressos e, em visita à Embraer, ao analisar o Bandeirante, apontou uma série de itens que desejaria que fossem modificados, caso comprasse a aeronave. A intenção inicial era adquirir 600 aeronaves, um volume muito grande para que não se considerassem modificações nas aeronaves. Tais sugestões geraram uma série de modificações que culminaram em novas versões do Bandeirante. As principais foram: a elevação da potência dos motores de 680HP para 750HP, o que abriu a possibilidade de se oferecer um modelo de reconhecimento, busca e 86

103 salvamento para a FAB; a inclusão de uma porta dianteira com uma escada presa a sua estrutura (logo atrás da cabine de pilotagem para o embarque de passageiros), o que tornava sua operação mais flexível em campos sem infra-estrutura; e, a inclusão de uma ampla porta traseira acionada hidraulicamente para as versões cargueiras. As modificações trouxeram mais adaptabilidade às exigências do mercado, tornando a empresa mais conhecida internacionalmente. Mas a falta do CHT dos países estrangeiros atrapalhava a publicidade internacional. Naquele momento, a empresa já tinha um volume de produção que crescia bastante a cada ano. Os números mostram que, em 1975, a empresa havia fabricado mais de 200 aviões, mais que o dobro do ano anterior. Número sem dúvida alcançado com a ajuda da estratégia de fabricar aviões leves da dita aviação geral. Foi também no ano de 1975 que a Embraer recebeu a primeira visita de um inspetor da FAA (Federal Aviation Administration), o órgão homologador norteamericano. No entanto, a visita foi um tanto desanimadora para os diretores da empresa brasileira. Segundo Silva (2005), na ocasião, o inspetor Keith Blythe, do FAA, fez o seguinte relato após inspecionar o Bandeirante: "O Bandeirante jamais teria condições de ser homologado pelo FAA". Não bastasse isso, caso a Embraer desejasse dar início ao processo de homologação norte-mericano, teria que ter pelo menos um avião vendido a uma empresa ou a um cidadão norte-americano. Também deveria celebrar, com os EUA, um acordo diplomático de reconhecimento recíproco de homologação. O aspecto positivo, segundo Silva (2005), foi o fato de o inspetor ter detalhado pacientemente que conceitos de projeto, de configurações estruturais e soluções de sistemas de bordo deveriam ser melhorados para que a aeronave entrasse no nível exigido pelo FAA, além de ter ressaltado que o Bandeirante era promissor do ponto de vista das necessidades do mercado. A importância da homologação da aeronave pelo FAA ia além de simplesmente ter acesso ao, talvez na época, maior mercado mundial. Ao longo dos anos, o FAA tinha investido pesadamente em novas técnicas de conformidade com critérios de segurança cada vez mais apurados. Desta forma, o FAA foi capaz de definir os mais variados tipos de regulamentos que, somados à experiência internacional nas operações dos aviões, continua servindo de base para praticamente todas as aeronaves projetadas e construídas no mundo. Sendo assim, após a visita de Keith Blythe, a Embraer, em discussão com o CTA que no Brasil, na época, era a agência governamental responsável pela homologação aeronáutica, mostrou ao órgão brasileiro a importância de se trabalhar 87

104 nos requisitos para conseguir estender a homologação brasileira ao reconhecimento do órgão norte-americano. Além disso, havia a necessidade de se firmar um acordo diplomático bilateral entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos, com o objetivo de estabelecer regras e normas para a homologação recíproca de produtos aeronáuticos. O acordo estabeleceria que os aviões aprovados no Brasil também deveriam receber autorização para operar nos Estados Unidos, e vice-versa. O acordo acabou saindo em 1976, mas não resolvia todos os problemas da Embraer, segundo contou o entrevistado # 11: (...) Acabou saindo (o acordo bilateral) em 76. Bom, quando saiu o Acordo Bilateral, os Estados Unidos chegaram e disseram assim olha, nós vamos assinar o Acordo, mas não venham querer certificar o Bandeirante aqui, que esta nós não vamos aceitar. Isto pelo seguinte, porque alguns anos antes o requisito do Bandeirante, que era o FAR-23, tinha sido limitado ao máximo de nove passageiros. Então, não se podia produzir avião FAR-23 nos Estados Unidos pra mais do que nove. Então, você percebe, isto aí foi um impasse grande no qual o CTA trabalhou durante muito tempo pra quebrar essa idéia deles. A gente foi várias vezes aos Estados Unidos pra discutir com os caras se existia uma, que existia um requisito que permitia, que era o Apêndice A do FAR-135, que dava condições pra aviões com até, sei lá, dezoito, dezenove ou coisa que o valha, ou até um certo peso, até cinco mil e setecentos quilos. É claro que era o limite do FAR-23 ser homologado e transportar passageiros lá, né, mas eles não queriam aceitar. Era a imposição do FAA. E a gente assinou o Acordo e logo em seguida começou. (Entrevistado # 11, 2008) O problema era ainda maior quando se pensava que, quando todo processo burocrático estivesse vencido, outros concorrentes poderiam ter aeronaves já prontas a serem ofertadas no mesmo mercado ambicionado pela Embraer com o Bandeirante. A solução de parte do problema surgiu com Robert Terry, que propôs ser o representante de vendas exclusivo para todo o território americano e, conforme o FAA exigia, encomendou imediatamente três Bandeirante. Além disso, Robert Terry constituiu então a Aero Industries, Inc., desenhou um logotipo muito parecido com o da própria Embraer e criou uma subsidiária, denominada Mountain West Airlines, através da qual foram feitas as encomendas. Com esta compra, iniciou-se o processo de homologação no FAA. O acordo efetuado com a Aero Industries foi amarrado à exclusividade de vendas nos EUA e ligado a um valor estipulado de remuneração que a Embraer pagaria por cada venda efetuada no território. Segundo Silva (2005), a parceria não era a melhor alternativa para a Embraer, uma vez que, no caso de aeronaves 88

105 comerciais, diferentemente daquelas da aviação geral, o uso intenso da aeronave torna as falhas comuns, e neste mercado é impensável o operador se dirigir a um representante, independentemente do local no qual este estivesse, para solucionar tais falhas. Normalmente, o representante não conta com um grupo de engenheiros e técnicos que participaram do projeto e da fabricação do aparelho. A demora no atendimento a uma operadora pode representar em prejuízo direto, afetando as operações. Para o fundador da empresa, a melhor alternativa seria instalar uma empresa nos EUA, o que, na época, também era inviável. Assim, a Embraer tinha consciência, segundo Silva (2005,) de que esta era a solução possível no momento e que mais tarde deveria ser aperfeiçoada. A urgência no processo de conseguir a homologação FAA ficou ainda mais evidente pelo fato de que, nesta época, os norte-americanos estavam procurando reestruturar as linhas denominadas commuters. As grandes operadoras estavam criando subsidiárias para operar conexões com as freqüências dos grandes jatos nos grandes hubs 9, mas as aeronaves ofertadas para a prestação de tal serviço eram em sua grande maioria modelos desenvolvidos para a Aviação Geral e adaptados para esta operação que, assim, não se adequavam às necessidades destas subsidiárias. Ou seja, havia uma lacuna que os diretores da Embraer na época entendiam que poderia ser preenchida com exatidão pelo Bandeirante. Nesta época (1975), no Brasil, o DAC havia acabado de criar o SITAR (Serviço Integrado de Transporte Aéreo Regional) idealizado por seu Diretor Geral, o Tenente- Brigadeiro-do-Ar, Deoclécio Lima de Siqueira, que buscava incentivar um novo segmento do transporte aéreo no país e que, com toda certeza, gerava, de certa forma, uma reserva de mercado para a Embraer, já que as novas empresas logo demonstraram interesse pelo Bandeirante. Poucos produtos, mesmo considerando-se os importados, os quais as empresas brasileiras estavam acostumadas a comprar, ofereciam um custo operacional compatível para esta operação. 9 Hubs - designação dada a um aeroporto utilizado por uma empresa aérea como ponto de transferência de passageiros aos seus respectivos destinos. Parte do sistema conhecido como hub and spoke, no qual o hub (cubo de roda) é o aeroporto central e os raios da roda (spoke), os aeroportos menores não servidos de linhas diretas. Normalmente os hubs são gerenciados por uma única empresa aérea. No Brasil, apesar da utilização frequente do termo hub, não há nenhum aeroporto nacional que siga de fato esta definição. 89

106 Entre outras iniciativas, o SITAR dividiu o país em cinco regiões, que seriam servidas por cinco novas empresas regionais, que foram criadas nesta época, como a Nordeste, a Rio-Sul, a TAM, a Votec e a TABA (Transportes Aéreos da Bacia Amazônica). Segundo Beting (2004), com o advento da era do jato no Brasil, no início dos anos 60, e como resultado do maior custo operacional desses aparelhos (principalmente em etapas curtas), da inexistência da infra-estrutura adequada para a operação, além de baixa demanda, boa parte das cerca de 400 localidades no interior do país, anteriormente servidas pela aviação regular, foram deixadas sem nenhum serviço aéreo. O sistema SITAR foi criado exatamente para suprir a demanda de transporte aéreo nessas localidades. A coisa agravou também quando um Bandeirante da VASP caiu numa área residencial próxima ao aeroporto de Congonhas, logo após a decolagem, e matou os doze passageiros e mais três tripulantes. No ano seguinte, outro Bandeirante, desta vez da Transbrasil, caiu em Chapecó (Santa Catarina), e, dos nove passageiros a bordo, apenas um sobreviveu. Estes não seriam os únicos acidentes da aeronave, que sofreu uma quantidade relativamente alta de acidentes, o que, segundo Silva (2005), ajudaram a contrair o número de pedidos da aeronave. Silva (2005) comparou a situação do Bandeirante no Brasil ao Electra nos Estados Unidos. Para o autor, o Bandeirante enfrentou no Brasil condições análogas às do Electra nos EUA. O Electra sofreu grande rejeição nos EUA por conta de uma seqüência de acidentes, mas no Brasil, onde nenhum acidente ocorreu com a aeronave, o avião experimentou grande sucesso, principalmente na ponte aérea Rio de Janeiro São Paulo. A boa notícia no ano de 1975 ficou por conta da assinatura do acordo com a norte-americana Northrop, para fornecimento de peças para o jato F-5 Tiger. Segundo Bernardes (2000a), a parceria foi um passo importante na busca da empresa por tecnologia aeronáutica. O autor explica que com a aquisição dos jatos F-5 pela FAB, o Governo Brasileiro exigiu contrapartidas comerciais (offset) e, assim, a Embraer ficou responsável pela fabricação da empenagem vertical e de alguns outros componentes, que trouxeram alguns aprendizados, tais como, a soldagem metal-metal, materiais compostos e no uso de máquinas de controle numérico. Enquanto isso, a Embraer trabalhava para conseguir a tão desejada homologação norte-americana e buscava novos mercados. No final de 1976, foi assinado um contrato com a Armada do Chile para o fornecimento de duas aeronaves Bandeirante, sendo que uma delas para o patrulhamento sobre o mar, o que exigia uma série de modificações. 90

107 Este negócio, aparentemente comum, trouxe mais conhecimento e aprendizado para a empresa, devido ao nível de exigência dos chilenos, conforme descreve Silva (2005, p. 385): A Armada do Chile foi um comprador exemplar. O processo que implantou para acompanhar a fabricação e, posteriormente, operar os nossos aviões foi baseado em extenso programa de preparação do pessoal e da logística necessária para assegurar uma operação sem sobressaltos. O nível de formação do pessoal especializado da Marinha do Chile impressionava. O que se notava era a permanente disponibilidade de técnicos competentes, nas mais variadas especializações, e a existência de uma sólida política de investimento em manutenção e no apoio às operações. O resultado era que sempre foram capazes de manter os aparelhos operando sob altas taxas de disponibilidade para o vôo. (Silva, 2005, p. 385) Outros mercados mundiais também recebiam atenção e o mais trabalhoso era o fato de que, nos países mais desenvolvidos, os Certificados de Homologação eram obtidos individualmente, ou seja, cada país tinha seu conjunto particular de requisitos a serem obedecidos e, em sua grande maioria, acordos bilaterais também eram exigidos, no entanto, com a diferença para o norte americano de não exigir acordo diplomático, como por exemplo, França e Inglaterra. De qualquer forma, o CTA deveria funcionar como uma agência avançada dos órgãos certificadores estrangeiros, fazendo o trabalho de campo, de análise dos projetos e acompanhamento de ensaios reais. Ou seja, deveria se envolver em tudo o que fosse necessário para oferecer aos órgãos estrangeiros as informações para ratificar o trabalho de homologação no Brasil. Sendo assim, o CTA organizou um programa de treinamentos para a formação de inspetores e analistas de qualidade, de forma a dar credibilidade aos relatórios produzidos. Entre o grupo de engenheiros formados no ITA e treinados pelo CTA, dois deles mereceram grande destaque pela credibilidade internacional que alcançaram, conforme a declaração de Silva (2005, p. 354): Naquele momento foi muito importante a contribuição do engenheiro Antônio Bakowski, que por causa de sua especialização em trabalhos de homologação acabou por tornar-se um dos técnicos brasileiros que logrou conquistar credibilidade internacional para participar dos processos de aprovação dos nossos aviões. Do mesmo modo ocorreu com o Sr. Oscar Abreu que, trabalhando em parceria com Bakowski, pôde formar a dupla que se tornou essencial para a Embraer galgar, com seus aviões, espaço no competitivo ambiente da indústria aeronáutica mundial. (Silva, 2005, p. 354) O trabalho junto aos principais órgãos começou a trazer resultados em dezembro de 1977, quando o Bandeirante obteve a Certificação de Tipo da Direction 91

108 Générale de L Aviation Civile (DGAC), o órgão homologador francês. Logo em seguida, uma aeronave deste tipo começou a operar comercialmente pela Air Litoral. No ano seguinte, a empresa obteve também o certificado de tipo inglês concedido pela autoridade local, a CAA (Civil Aviation Authority). A primeira encomenda do mercado inglês havia sido feita em 1977, pela CSE, um importante conglomerado de Oxford (Inglaterra) que cobria atividades de formação e treinamento de pessoal, pilotos e mecânicos, além de atuar como representante de venda de várias outras empresas, entre elas a Piper Aircraft Corporation, dos EUA. Segundo Silva (2005), foi após as negociações da Embraer com a Piper - para a fabricação de aviões leves no Brasil - que o contato com a CSE se desenvolveu. O relacionamento, segundo o fundador da Embraer, foi responsável não só por posteriores vendas na Inglaterra mas também em outros países, já que o principal motor da parceria entre a Embraer e a CSE, o Sr. Carryl Waterpark, já tinha grande experiência de vendas na Europa e no Oriente Médio. Enquanto seguia no trabalho de buscar novos mercados (junto com eles a certificação) para o Bandeirante, a empresa começou a perceber que os passageiros começaram a exigir aeronaves cada vez mais confortáveis, que inevitavelmente, segundo Silva (2005), começaram a comparar o Bandeirante com os modernos jatos, que tinham recursos para oferecer muito mais conforto que a aeronave brasileira, que nem pressurizada era. Inicialmente, cogitou-se a pressurização do Bandeirante por representar um custo bem inferior à criação de uma nova aeronave e, para isso, o engenheiro Guido Pessotti ficou incumbido de montar um pequeno grupo de anteprojetos que deveria preparar um esboço do Bandeirante pressurizado. A nova área da empresa foi delegada ao engenheiro alemão Hans Hermann Swoboda, que pertencera ao Grupo Focke. No entanto, segundo Silva (2005) e alguns entrevistados, o Bandeirante, se pressurizado, mostraria um consumo maior nas curtas etapas de sua utilização típica (50 minutos em média), pois sem pressurização era bem mais leve e, equipado com motores de menor potência, em média, consumia menos. Este foi apenas um dos fundamentos, mas talvez o mais importante, para que se abandonasse a idéia Fim da Década de 70 - Mais Desafios Desse modo, iniciou-se o projeto 12X, que compreenderia o desenvolvimento de uma família de aeronaves pressurizadas. A idéia era criar três aeronaves, nas 92

109 quais a letra X receberia os valores 0, 1 e 3, que dariam origem então aos EMB-120, EMB-121 e EMB-123, que deveriam se chamar Araguaia, Xingu e Tapajós (três importantes rios da Amazônia). A empresa começou pelo EMB-121 (Xingu), num mercado em que a empresa só atuava com as pequenas aeronaves Piper, qual seja, o executivo. Era um bimotor pressurizado, capaz de transportar até seis passageiros, além dos pilotos. A escolha por iniciar pelo Xingu tinha uma explicação simples. Era o mais simples dos três e serviria de base para o aprendizado sobre aeronaves pressurizadas. Desta forma buscou-se uma série de simplificações, como a escolha por uma fuselagem cilíndrica, que estava longe der ser a mais confortável, mas simplificava muito os cálculos, por distribuir com uniformidade as tensões. Além disso, foram adotadas as asas cortadas do Bandeirante, o mesmo trem de pouso e os sistemas que foram possíveis de aproveitamento, diante da nova operação à qual a aeronave seria submetida. Tudo para buscar o máximo de similaridade possível e assim reduzir custos do projeto. Também se adotaram dois motores turboélices Pratt & Whitney PT-6, os mais comuns e testados na época. Além disso, a fim de garantir uma homologação tranqüila nos EUA, decidiu-se por ficar dentro dos regulamentos FAR-23, que na época limitavam em lb (5680 Kg) o peso máximo de decolagem. Segundo Coelho (2005), a utilização de pressurização pela Embraer serviu de base para o aprendizado da empresa, que teve que buscar algumas soluções tecnológicas inovadoras, como por exemplo, o uso de usinagem química, que reduzia significativamente a necessidade de chapas metálicas muito mais pesadas (o peso da aeronave aumenta consideravelmente com a necessidade de pressurização). E, como tal técnica era ainda desconhecida no Brasil, através de uma aliança com a Sikorsky Aircraft (uma divisão da United Technologies Corporation, que também controla a Pratt & Whitney canadense), a Embraer pôde ter acesso a esta tecnologia que permite a diminuição do peso estrutural, sem prejuízo da resistência mecânica a falhas. Segundo Silva (2005), esta tecnologia só foi transferida depois que o Ministério da Aeronáutica encomendou à Sikorsky uma quantidade significativa de helicópteros para sua frota e impôs aos vencedores contrapartidas comerciais (conhecidas como offset ou countertrade), dentre as quais estava a transferência da tecnologia de usinagem química, garantindo o treinamento dos engenheiros e técnicos da Embraer, bem como indicando os fornecedores das matérias-primas utilizadas. 93

110 O Xingu nunca representou um sucesso comercial como admitido por Silva (2005). A aeronave teve seis unidades vendidas para o governo brasileiro, cinco para a belga Sabena, algumas pra a CSE Aviation inglesa, uma para o governo nigeriano e para alguns operadores brasileiros e colombianos. Segundo Bernardes (2000a), se não fossem as 41 unidades vendidas à Força Aérea Francesa através da intervenção do Ministério das Relações Exteriores, este programa teria proporcionado prejuízos ainda maiores para a Embraer. Para Bernardes (2000a), a aeronave drenou recursos demais da Embraer, o que teria contribuído muito para a crise sofrida pela empresa já no fim da década de 80. Segundo apontaram alguns dos entrevistados, a aeronave era um tanto pesada, o que a fazia pouco econômica, porém muito robusta, tanto que algumas ainda se encontram em operação, apesar do número de horas voadas já ser bem superior ao projetado. Para eles, o sobrepeso vem do fato de se ter talvez exagerado para mais alguns parâmetros, a fim de garantir a resistência da fuselagem agora pressurizada. Apesar dos problemas enfrentados no programa, a Embraer conseguiu cumprir o cronograma previsto e o primeiro vôo da aeronave ocorreu em 22 de outubro de Nesta época, 1977, o aspecto negativo para a empresa foi o fato de o Governo Brasileiro ter proibido o financiamento de uma série de produtos, dentre eles os de aeronaves do setor da Aviação Geral, o que afugentou inúmeros clientes interessados nos aviões da Piper, feitos pela Embraer neste período. Para Silva (2005), o golpe foi muito duro para a empresa naquele momento, pois quando não se pode oferecer um produto demandado, os interessados sempre buscarão satisfazer suas necessidades com outras alternativas. E, pela sua experiência, valia a regra definitiva de que o consumidor que se afasta dificilmente voltará. Somado a isso, o mercado de Aviação Geral vinha sofrendo vários baques nos Estados Unidos, conforme demonstra Silva (2005, p. 339): A melhoria do sistema de transporte aéreo que, com uma vascularização mais intensa das linhas e conexões entre as variadas cidades, proporcionou uma flexibilidade e ofertas de opções bem maiores do que as existentes anteriormente. Para se deslocar, em particular nos EUA, não mais continuou a ser necessário ter-se aviões próprios. As empresas de transporte aéreo, direta ou indiretamanente, são capazes na atualidade de levar os passageiros a praticamente todas as cidades, utilizando para isso não somente os aviões de grande porte, mas também proporcionando conexões com aparelhos menores que oferecem ampla disponibilidade de horários; e, provavelmente mais importante, os dramáticos aumentos dos preços, que atingiram os pequenos aviões, os quais, em relação a 94

111 década de 70, tiveram seus valores multiplicados por 10 ou 12 vezes. Algumas explicações justificam esses violentos acréscimos. A própria inflação no mercado norte-americano, se bem que pequena, contribuiu para que os preços em dólar começassem a se apresentar substancialmente majorados. Também os custos das novas tecnologias incorporadas nos aparelhos, à medida que eram aperfeiçoados, tiveram influência significativa. No entanto, parece que o item mais importante, e que mais contribuiu, foi aquele ligado aos custos dos seguros de responsabilidade civil incorporados aos riscos de fabricação. Como as seguradoras tinham que pagar indenizações cada vez maiores, passaram a cobrar prêmios crescentes dos fabricantes. Estes, obrigados a manter a rentabilidade de seus empreendimentos, não puderam absorver os novos custos. (Silva, 2005, p. 339). Silva (2005) também destacou que nesta época, havia uma mudança em curso na aviação mundial, que crescia e se desenvolvia rapidamente. O número de fusões e aquisições crescia consideravelmente e algumas empresas começavam a desaparecer por erro de avaliação e outras conseguiam mais sucesso com o lançamento de produtos adequados. Surgia também um novo horizonte que era a corrida espacial e, principalmente o início dos motores a reação, que começaram a quebrar paradigmas em matéria de velocidade. Distâncias que antes levavam dias podiam ser percorridas em horas. Ou seja, era fundamental investir para participar dessa corrida e no momento delicado que a empresa vivia, as coisas poderiam ficar um tanto complicadas. Provavelmente, o que trouxe alento à empresa nessa época, foi um contrato firmado com a FAB para o desenvolvimento de uma aeronave de treinamento avançado, que serviria de ponte entre o treinamento básico e o dos jatos de combate. A oportunidade de desenvolver o Tucano surgiu numa visita que Ozires Silva fez ao Estado-Maior da Aeronáutica e se encontrou com o Cel. Lélio Viana Lobo, que havia sido seu amigo na turma na Escola de Aeronáutica do Campo dos Afonsos (seria futuramente Ministro da Aeronáutica). O coronel havia acabado de saber que a Cessna, que fornecia os T-37 de treinamento da Força Aérea, tinha enviado um comunicado oficial no qual relatava que não poderia fornecer mais peças de reposição além dos dois anos seguintes. Desta forma, Ozires propôs que a Embraer fizesse o avião de treinamento da FAB, que segundo ele mesmo relatou, se mostrou um tanto incrédulo diante da capacidade da empresa produzir uma aeronave com as características demandadas pela Força Aérea. Pouco tempo depois do encontro com Lélio, a Embraer enviou ao Estado Maior da Aeronáutica uma proposta de projeto, então denominado EMB-301, já de acordo com a proposta de nova numeração para os projetos que a empresa vinha usando. Foi 95

112 proposto também o EMB-311, mais forte, com estrutura reforçada e, que utilizaria o mesmo grupo moto-propulsor do Bandeirante, Pratt & Whitney. As novas classificações seriam (Silva, 2005): EMB designaria sempre os aviões bimotores turboélices. EMB aviões agrícolas EMB aviões de treinamento EMB planadores EMB transporte pesado EMB helicópteros EMB monomotores leves equipados com motores à pistão EMB bimotores leves equipados com motores à pistão EMB vago para futura utilização. Posteriormente, o projeto, que vinha sendo desenvolvido com a contribuição da Academia da Força Aérea (AFA), passou a se chamar EMB- 312, devido ao número de alterações pedido pela AFA, entre elas a exigência de assento ejetável a uma velocidade de 75 Km/h, o que aumentou consideravelmente o peso estrutural e o preço da aeronave, uma vez que o sistema de ejeção chegou a quase 30% do valor final da aeronave (Silva, 2005). No entanto, o projeto começou a sofrer resistências por parte do Ministro da Aeronáutica, Tenente Brigadeiro Joelmir Araripe Macedo, que argumentava que a empresa já havia sugado muitos recursos em programas anteriores para que o Ministério fizesse mais uma grande encomenda do Tucano. Porém, propôs que se a empresa conseguisse financiar os protótipos e a aeronave fosse aceita pelos usuários na FAB, o Ministério faria a encomenda, mas de qualquer forma, também ajudou colocando uma carta de intenção de compra de 100 aeronaves. A saída usada foi um financiamento de US$ 150 mil junto à FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), uma agência vinculada ao Ministério do Planejamento, para onde o Coronel Lélio Viana Lobo acabara de ser deslocado para a função de Assessor de Logística do Ministro, o que seguramente facilitou a obtenção do financiamento. O valor era baixo para o desenvolvimento de três protótipos, mas altíssimo para os padrões de financiamento da FINEP, que queria usar o evento como forma de divulgação da agência, segundo Silva (2005), o que contrariava o interesse da 96

113 Embraer, que não queria chamar atenção para os gastos com o desenvolvimento de uma nova aeronave. O fato é que a aeronave fez seu primeiro vôo em 1980 e, em 1982, recebeu da FAB uma encomenda de 118 unidades com opção de mais 50, tendo a FAB o rebatizado com o nome militar de T-27. A aeronave adotou uma variedade de soluções inovadoras, como o canopy 10, projetado com planos de cônicas de forma a evitar paralaxes em plexiglass, uma manete única que incorporava tanto a manete de potência como a manete de controle do passe de hélice. Tal solução viria a ser copiada mais tarde por seu principal concorrente, o suíço Pilatus PC-9, que segundo um dos entrevistados apontou, deve ter chegado a essa solução com a ajuda da Pratt & Whitney. Além disso, incorporou a idéia de colocar piloto e instrutor em tandem 11, o que trazia semelhança com as aeronaves a jato com as quais a maioria dos pilotos teriam contato depois e, também trazia ganhos expressivos de aerodinâmica. É importante destacar que a aeronave, que incorporava tantas inovações, também trouxe novas tecnologias de desenvolvimento e produção para a Embraer. Pela primeira vez, foi usado o programa CAD/CAM (Computer Aided Design e Computer Aided Manufacturing). Segundo Cabral (1987), os recursos CAD/CAM começaram a ser difundidos mundialmente em 1978, ano em que a Embraer montou um grupo para aprender sobre o software, nos EUA, o que foi confirmado por um dos entrevistados, que, ainda acrescentou que foram visitadas mais de 30 instalações entre fábricas e usuários do sistema. Também foi a primeira vez que a Embraer adotou uma maquete de tamanho natural para facilitar a visualização de como ficariam instaladas as cablagens e por onde passariam os comandos, facilitando, assim, a discussão entre todas as engenharias e os projetistas. Mais tarde, o Brasília, bem maior, também viria a ter uma maquete em escala 1/1. A aeronave foi um dos maiores sucessos da Embraer, sendo o primeiro produto da empresa a ser produzido sob licença em fábricas fora do Brasil. Segundo o estudo do Office of Technology Assessment (1991 apud Coelho, 2005), o Tucano vendeu mais de seiscentas aeronaves em todo o mundo, tornando-se o líder em vendas entre as aeronaves turboélices de treinamento militar. 10 Bolha transparente que cobre o cockpit. 11 Piloto e instrutor colocados um atrás do outro com o traseiro em posição elevada. 97

114 Com o Egito, foi fechado um contrato no qual a Força Aérea deste país montou o Tucano, sob licença, em kits na fábrica de Kader, próxima a Cairo, num contrato de US$ 180 milhões, o maior firmado pela Embraer até então. O avião também foi o escolhido para equipar a Esquadrilha da Fumaça, em 1983, dado sua capacidade acrobática. Mas a consagração viria mesmo com a formalização do contrato para fornecimento de treinadores para a Royal Air Force (RAF), que queria substituir os Jet Provost, em Para isso, teve que efetuar uma série de mudanças no projeto, pois o governo inglês exigia que a maior parte dos componentes fosse fabricada no país e que estivesse associada a um fabricante local. Com isso, a empresa teve que se associar à Short Brothers (tradicional fabricante irlandesa), que o fabricaria sob licença. O motor teve que ser substituído por um Rolls-Royce (RR) feito em parceria com a Garret Engine Division (na época, subsidiária da Allied Signal Aerospace Company dos EUA). Na realidade, a RR que na época não tinha um motor ideal para o projeto, conseguiu produzir uma versão inglesa do motor norte-americano TPE331 de 900 HP, bem mais forte do que os originais 750HP do PT-6 usados pela Embraer. Não bastasse isso, a Embraer também enfrentou a concorrência da aliança feita entre a Pilatus e a British Aerospace. O projeto chamou a atenção pela sua magnitude. Previa o fornecimento de 155 aeronaves por um valor que poderia atingir US$ 310 milhões (Silva, 2005), sem contar com peças sobressalentes, assistência técnica e logística. No entanto, para Bernardes (2000a), as modificações exigidas pelo cliente fizeram o valor unitário disparar e a empresa não repassou o valor final para o cliente, já que não queria perder a oportunidade de se capacitar, mesmo correndo o risco de incorrer em prejuízo comercial. No final, o Tucano recebeu a designação Tucano T.Mk.I e foi produzido nas instalações da Shorts Brothers, em Belfast, Irlanda do Norte, com um motor Garret de 1100 HP, hélice quadripá, freios aerodinâmicos e canopy bipartido. Segundo Beting (2004), as primeiras 25 unidades foram fabricadas pela Embraer em São José dos Campos, a fim de cumprir cronograma e ensaios, e as restantes na Irlanda, tendo feito seu primeiro vôo somente em Ainda de acordo com Beting (2004), foram os outros países compradores: Colômbia, Quênia, Kuwait, Paraguai, Peru, Venezuela e França. É importante voltar um pouco ao Bandeirante que, em 1978, exatos três anos depois da primeira visita do FAA às instalações da Embraer, finalmente recebeu a homologação de tipo pelo órgão norte-americano, emitida pelo mesmo inspetor, o Sr. 98

115 Keith Blythe, que fizera a primeira visita. E, logo de imediato, a aeronave foi colocada em operação nos Estados Unidos. Segundo Silva (2005), a aeronave não demorou a ganhar a confiança dos norte-americanos e novas vendas foram sendo efetivadas na seqüência, principalmente devido ao baixo custo operacional que a aeronave proporcionava, fator que o favoreceu ainda mais com o aumento do preço do petróleo, em Segundo o autor, a aeronave foi ganhando a confiança dos operadores, atingindo níveis de despachabilidade muito bons. No entanto, as vendas no mercado norte-americano exigiam mais alterações na linha de produção, que nunca tinha se deparado com uma escala tão alta de produção da aeronave. Com isso, mais empregados tiveram que ser contratados e treinados em tempo recorde, conforme narra o fundador da empresa. Além disso, era necessário garantir um estoque de peças considerável e a logística para despachá-las para todo os EUA. A demanda das companhias norte-americanas exigiu um posicionamento mais sólido da empresa do que simplesmente ter um representante autorizado no país, o que era feito por Robert Terry. Desta forma, foi inaugurada em Fort Lauderdale, na Flórida, uma subsidiária da Embraer, a Embraer Aircraft Company (EAC), no dia 7 de outubro de A subsidiária ficou então responsável pelas atividades de vendas na América do Norte e por prover adequado apoio técnico aos novos clientes da Embraer naquela região. Segundo Silva (2005), conforme havia sido previsto, a Aero Industries, com a qual a Embraer havia fechado um acordo de exclusividade anos antes, não estava sendo capaz de atender à demanda em relação à assistência técnica. Ela não conseguia manter um suprimento suficiente de peças ou equipamentos aos operadores. Segundo Silva (2005), a decisão por Fort Lauderdale decorreu, principalmente, da influência de Victório Ferraz, um membro atuante do Conselho de Administração desde os tempos da instituição da empresa. De acordo com o fundador da Embraer, Ferraz era um bom conhecedor da forma de pensar dos americanos, familiarizado, fascinado pela aviação e, com isso, defendeu de imediato a localização da empresa em um aeroporto. E, mais precisamente, Fort Lauderdale, Flórida, por tratar-se de uma área onde as conexões com o Brasil eram fáceis. A outra opção seria Miami, mas esta apresentava um aeroporto muito congestionado. A empresa começou a funcionar efetivamente em 1981, quando ficaram prontas as suas instalações, que na época, se resumiam a um prédio de escritórios e 99

116 a um hangar para o armazenamento de peças de reposição. O Engenheiro Ozílio Carlos da Silva, então diretor de Produção da Embraer, no Brasil, foi designado Presidente da nova empresa e uma parte da equipe da Aero Industries foi aproveitada, entre eles, Mark Hale, que se tornou o primeiro Sales Manager da empresa e, do Brasil, foram enviados alguns profissionais, entre eles Paulo Furtado, que já havia trabalhado em processos de venda anteriores, com sucesso. Segundo Silva (2005), o objetivo da EAC era vender aviões e peças de reposição, além de prestar assistência técnica e treinamento. Seu propósito inicial era o de ampliar a participação da empresa no mercado americano e, em particular, nos países de língua inglesa, exceto a Grã Bretanha. Para isso, era necessário mostrar que a Embraer estava de fato dos Estados Unidos e comprometida com o mercado, ou seja, que a empresa tinha realmente a intenção, claramente demonstrada, de se integrar e operar no país. A EAC, mais tarde, viria a se mostrar um celeiro de aprendizado para a Embraer. Em 1980, na subsidiária, foi criado o Comitê de Orientação, no qual se reuniam representantes de empresas americanas operadoras de Bandeirante, sendo presidido por John Van Arsdale, presidente da PBA (Provincetown Boston Air Lines) de New England. As idéias vindas do Comitê foram cruciais na especificação do novo projeto que a empresa estudava, o Brasília (o segundo da família 12X), cujo go-ahead havia sido dado em Segundo Silva (2005), várias soluções que simplificavam a operação do produto e que contribuíram para a posterior aceitação da aeronave no mercado vieram do comitê, sendo a principal delas a definição dos números de passageiros que o avião teria. Desta forma, o avião foi especificado para 30 passageiros, pressurização de 7 lb/pol2 e 580 km/h de velocidade de cruzeiro, capacidade para 3500 litros de combustível, o que permitia ir do Rio de Janeiro a Manaus sem escalas, ou cumprir 3 etapas de vôo curtas sem necessidade de reabastecimento. Também trazia APU (Auxiliary Power Unit), o que tornava o avião independente em aeroportos com menor infra-estrutura. Também se estipulou a vida do avião em termos de fadiga estrutural em horas de vôo, ou ciclos (cada pouso e decolagem constitui um ciclo), um recorde para a aviação regional na época. A aeronave não buscava substituir o Bandeirante, mas sim, complementá-lo, dando aos operadores de aeronaves Embraer uma opção de aeronave maior e que deveria os manter como clientes da empresa. Segundo Silva (2005), outro grande incentivo para o programa foi a indicação, através de estudos norte-americanos, de que a ocupação média das aeronaves commuter, ou de transporte regional, vinha 100

117 crescendo rapidamente, com uma ocupação média de assentos superior a 70%. E, conforme explica o autor, existe na aviação uma regra que diz que se a taxa de ocupação média dos assentos excede aos 65% está na hora da empresa buscar uma aeronave maior, pois é bem provável que passageiros estejam sendo perdidos e a companhia não saiba. O primeiro vôo da aeronave, que passou por horas de ensaios no túnel de vento do CTA, e que recebeu materiais mais leves - recém-adotados na aviação, como o honeycomb ocorreu em 25 de julho de 1983, sob o comando dos pilotos Luiz Fernando Cabral e Sérgio Mauro. No entanto, este vôo foi feito sem divulgação, para que, em caso de problemas, não aparecesse na mídia, um cuidado comum entre os fabricante de aeronaves. O primeiro vôo oficial ocorreu então junto com a primeira apresentação pública da aeronave, em 29 de julho de 1983, na presença de clientes, possíveis clientes, autoridades e até mesmo do presidente em exercício Aureliano Chaves, que substituía João Figueiredo naquele dia. Para a cerimônia, foi fretado um avião DC-10 da Varig para trazer, dos EUA para São José dos Campos, diversos operadores e jornalistas. No mesmo ano de 1983, ficou pronto o segundo protótipo, que veio permitir, em julho de 1985, a aceleração do processo de certificação da aeronave, tanto no CTA como na FAA. A partir daquele momento, a aeronave poderia entrar em operação e, apesar da primeira encomenda ter sido feita pela PBA, o primeiro avião Brasília a entrar em operação foi o da ASA (Atlantic Southeast Airlines), dos Estados Unidos. Segundo a maioria dos entrevistados, a aeronave representou um importante passo para a empresa, por ter sido a primeira certificada pelo Part-25, bem mais complexo do que o Part-23, pelo qual o Bandeirante havia sido certificado. O relato do entrevistado # 8 sobre o tema segue abaixo: E com a tecnologia do Xingu e, consciente, do excesso de peso, zelo, medo da pressurização, nós já tínhamos utilizado os ensaios, já tínhamos usado os métodos, os cálculos, as técnicas de fabricação, a técnica de projeto e daí saiu o Brasília. Então, o que marcou o degrau, a passagem do vôo rasante da Embraer pra galgar o nível de tecnologia que ela tem hoje foi o Brasília. Na minha opinião. Principalmente porque o Xingu é Part 23. E o Brasília foi nosso primeiro Part 25. E a homologação Brasília foi quem levou ao contato maior com a FAA.(Entrevistado # 8, 2008) A expansão da fábrica com a construção do hangar F-60 permitiu a aceleração do plano de produção. Segundo Silva (2005), era necessário correr. As vendas do Bandeirante começavam a cair e se o pioneiro havia encontrado um ambiente bem mais piedoso, com pouca ou nenhuma concorrência, o cenário havia mudado muito 101

118 para o Brasília. Várias empresas já tinham aberto seus olhos para o mercado de aviões regionais e lançado produtos competitivos, entre ela as norte-americanas Beech e Sweringen, a canadense De Havilland, a inglesa Short Brothers e, mais tarde, a sueca SAAB, a Aerospatiale francesa, a British Aerospace da Inglaterra, a alemã DASA, a CASA da Espanha e a Nurtanio da Indonésia. Mas, apesar do aumento da concorrência, a Embraer vinha conseguindo sucesso no mercado e, segundo, Ghemawat et al (2000), no início da década de 80, a empresa já havia capturado 46% do mercado de commuters turboélices e o Bandeirante já havia ultrapassado o antigo líder de vendas da Fairchild, o que lhe rendeu o apelido de bandido, dado pelos competidores. Tanto incomodou que a Fairchild, em 1983, acusou a Embraer, perante a International Trade Comission (ITC) dos EUA, de usar financiamentos subsidiados pelo Governo Brasileiro nas vendas de seus aviões. De fato, a empresa brasileira, por estar instalada em um com altas taxas de inflação e de juros reais, passou a contar com o apoio econômico do governo brasileiro, que se manifestava na concessão de financiamentos diretos ao cliente estrangeiro, nivelando as taxas de juros a patamares internacionais, e no oferecimento de compensações a instituições financeiras nãobrasileiras. A ITC é uma agência do Governo, vinculada ao Departamento de Comércio, destinada a analisar queixas de produtores norte-americanos, no que se refere a práticas predatórias de comércio. A Fairchild havia comprado os direitos de fabricação dos aviões Merlin (turboélice para o transporte corporativo) e Metro (turboélice derivado do Merlin e destinado ao transporte regional), este último capaz de transportar até 19 passageiros e enquadrado na mesma categoria do Bandeirante, pelo menos no que diz respeito ao número de passageiros. Embora os Metro, segundo Silva (2005), fossem pressurizados e um pouco mais pesados do que os Bandeirante (não-pressurizados), perdiam na competição, por seu preço mais elevado e pelo custo operacional, da ordem de uns 10 a 15% maior do que o brasileiro. Para se defender, a Embraer contratou um escritório em Washington que, após dois anos de batalhas na justiça, conseguiu a vitória junto ao ITC, que considerou a alegação da Fairchild inválida. No Brasil, a empresa abrira a década de 80 assumindo o controle acionário da Neiva. Segundo Silva (2005), a aquisição da empresa pela Embraer surgiu de uma conversa do então Ministro da Aeronáutica, o Brigadeiro Délio Jardim de Mattos - que havia sido seu comandante do 2º Grupo de Transporte com José Carlos de Barros 102

119 Neiva, que, vivendo dificuldades financeiras, estava com problemas de fechar o ano e manter a empresa em operação. Neiva havia colocado como única solução viável para a manutenção da empresa, novas encomendas por parte do Ministério, o que naquele momento, segundo o Ministro, não seria possível. Com isso apareceu a possibilidade da Embraer adquirir a Neiva, conforme narra Silva (2005, p. 359): Nunca perguntei diretamente o porquê da decisão, mas o que ocorreu após aquela entrevista afetou bastante a estratégia mercadológica da Embraer. O Ministro Délio simplesmente informou-me ter decidido que nossa empresa compraria a totalidade das quotas de capital da Neiva. Era uma ordem do acionista controlador, que deicidira, após uma longa vida da Neiva, fazer com que ela se transformasse em subsidiária integral da Embraer. E ponto final! (Silva, 2005, p. 359) Assim, em 11 de março de 1980, a Embraer assumiu o controle acionário da Neiva e transferiu para esta toda a engenharia e linha de produção de aviões leves e Ipanema, mantendo, no entanto, a designação Embraer, sendo que os aviões seriam comercializados pela Divisão de Vendas, em São José dos Campos. O escritório de engenharia que a empresa de Botucatu havia aberto em São José dos Campos anos antes foi fechado. Na Europa, a empresa seguiu a mesma estratégia de expansão que já havia sido adotada nos EUA. Primeiro estabeleceu uma parceria com a Compagnie Générale de Aeronautique (CGA), presidida por Pierre Jorelle, em 1981, através da qual a empresa francesa passou a representar as aeronaves Embraer no país. Jorelle havia sido o contato da FAB quando a Força Brasileira comprou os Mirage e, agora, com a compra dos Xingu pela Força Aérea Francesa era preciso chamar a atenção da Europa para as aeronaves brasileiras. Num segundo momento, já em 1982, fundou a Embraer Aviation International (EAI), sediada no aeroporto de Le Bourget, Paris, para atender toda Europa, cuja principal missão era prestar assistência técnica a operadores da Europa, da África e do Oriente Médio. Também da Europa veio um dos projetos de maior importância da Embraer, o AMX, um jato de ataque a solo, em parceria com as italianas Macchi e Aeritalia. O programa, que foi oficializado no início de 1980, segundo Silva (2005), já vinha sendo pensado desde 1977, quando o Estado-Maior da Aeronáutica demonstrou interesse por uma aeronave de ataque ao solo. Inicialmente, a Embraer propôs uma versão monoposto do Xavante, que teria o envelope de operação expandido, principalmente para missões de grande alcance, 103

120 muito comuns no Brasil. O projeto foi então realizado em parceria com a Aeronautica Macchi, licenciadora original do projeto e em pouco tempo um pré-projeto, chamado na Itália de MB-326K, foi apresentado ao Estado-Maior da Aeronáutica, que não demonstrou interesse pela aeronave, por não corresponder às especificações exigidas pela FAB. No entanto, na Itália, o programa seguiu, onde foi vendido para a Força Aérea Italiana e, depois, exportado para a África do Sul. No entanto, uma equipe técnica da Embraer manteve contato com a FAB a fim de entender as necessidades e ser capaz de oferecer uma solução que atendesse ao Ministério da Aeronáutica. Assim, após uma reunião realizada em Varese, na Itália, com a Machhi e os engenheiros brasileiros Ozílio Carlos da Silva, Guido Pessotti, Walter Bartels e Ewerton de Andrade, da Embraer, saiu a idéia do projeto A-X, uma aeronave de asas baixas e enflexadas e com o motor Rolls Royce M-45H, recém lançado. Segundo Silva (2005), o motor havia consumido uma grande quantidade de recursos da empresa inglesa e prometia um desempenho excelente para a época, com um consumo específico de combustível abaixo do comum. Mas a idéia da aeronave teve que ser temporariamente abortada a pedido do então Ministro da Aeronáutica, o Brigadeiro Joelmir Campos de Araripe Macedo, que bloqueou o projeto alegando falta de recursos e prazos e pedindo que a discussão se reiniciasse no governo seguinte. As discussões sobre o andamento do projeto só foram retomadas em 1978, com o Ministério da Aeronáutica agora sob o comando do Brigadeiro Délio Jardim, que no final de 1979 autorizou uma missão da FAB, liderada pelo Coronel Nelson de Souza Taveira, e alguns especialistas da Embraer. Primeiro a missão foi para a Inglaterra, onde foi sondada a possibilidade de usar o Hawk 100 da British Aerospace (BAe) como plataforma para o A-X e depois para a Itália, onde poderia se usar a já conhecida parceira do Xavante, Macchi. Segundo Silva (2005), as discussões com a BAe foram encerradas pois, para os ingleses, interessava apenas fazer pequenas modificações no Hawk 100 para que este atendesse aos requisitos da FAB e, no máximo, caberia à Embraer a fabricação. Apesar de não ir adiante, a BAe, posteriormente, lançou o Hawk 200 que em muito lembrava vários dos requisitos mencionados pela FAB. Sobraram então os italianos da Macchi, mas para a surpresa da Embraer, o Ministério da Defesa Italiano, exigiu também a participação da Aeritalia, já que havia no país uma diretriz que dividia as empresas por segmentos de mercado, numa espécie de reserva de mercado. À Macchi cabiam os aviões de treinamento militar, 104

121 enquanto que os equipamentos de emprego e de primeira linha ficavam sob responsabilidade da Aeritalia. A Aeritalia foi colocada, então, como líder do projeto, o que segundo Silva (2005), desagradou a Embraer, que entendia que a estatal italiana poderia atrasar o programa e também não querer ceder determinadas partes do conhecimento que a Embraer ambicionava absorver. No entanto, segundo Beting (2004), as autoridades brasileiras entendiam que fazia todo sentido trabalhar com os italianos, pelo fato de, tanto a FAB como a AMI (Aeronautica Militar Italiana), quererem uma aeronave com características semelhantes. Segundo Silva (2005), foram discussões difíceis, nas quais na maior parte das vezes havia concordância por parte da Macchi e hostilidade por parte da Aeritalia, sendo que esta última, segundo alguns dos entrevistados confirmaram, não gostava muito da presença dos brasileiros no projeto e colocava dificuldades ao acesso da empresa brasileira aos sistemas de aviônica militar da aeronave. Segundo Coelho (2005), foi necessária a intervenção do governo brasileiro para que a Embraer tivesse acesso aos sistemas e softwares, que seriam fundamentais para a qualificação da empresa para prestar o apoio técnico a FAB. Por estes e outros motivos houve atrasos nas definições básicas do projeto. Em 1981, a equipe da Embraer chegou a Itália com a obrigação de definir as responsabilidades de cada um no projeto, uma tarefa que levou meses para ser definida e foi feita parte na Embraer em São José dos Campos e parte na Itália. No início de 1982, chegou-se a seguinte divisão em número de homem-hora: Aeritalia com 46%, a Embraer com 30% e a Macchi com 24%. A Embraer ficou responsável pelo projeto e pela fabricação das asas (sem spoilers e ailerons), pelas entradas de ar do motor, pelos suportes dos armamentos, pelos tanques externos de combustível, pelos trens de pouso principais e pelo estabilizador horizontal. Também ficou acordado, segundo Silva (2005), que a Força Aérea Italiana adquiriria 187 unidades e a brasileira 79 e foi constituído um Comitê Diretivo Conjunto (CDC), composto por 2 diretores de cada empresa participante do consórcio, e ainda, um Grupo Técnico Integrado (GTI), com sede em Torino e escritório em São José dos Campos, nas instalações da Embraer. Posteriormente, julgou-se necessário colocar um Gerente Geral (Program Management), deixando-se para o GTI a responsabilidade técnica do programa. 105

122 Outra alteração foi a fabricação do motor na Itália, pelo consórcio Fiat, Piaggio e Alfa Romeo, com contribuição da Celma - Companhia Eletromecânica do Brasil, sediada em Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro. Além da complexidade que envolvia o projeto, era necessário conseguir financiamento estrangeiro, já que financiamentos junto a bancos comerciais brasileiros, num ambiente inflacionário, levariam a juros estratosféricos e a uma correção monetária insuportável. Por outro lado, segundo Silva (2005), embora toda a economia fosse indexada, os orçamentos federais não eram corrigidos monetariamente. Esta era a fórmula que o Governo utilizava para evitar que a indexação fosse plena e, como já acontecia com o segmento privado, pudesse engolfar o setor governamental, realimentando a espiral de desvalorização da moeda. Segundo Coelho (2005), o projeto AMX foi extremamente criticado por alguns setores da sociedade brasileira pelo alto valor gasto, qual seja, cerca de US$ 1,8 bilhão, de 1979 a Lopes (1994, apud Coelho, 2005) relata que o jornalista Gilberto Dimenstein, da Folha de S. Paulo, apurou que os recursos arrecadados mediante taxações compulsórias sobre mercadorias, como combustíveis e automóveis, recursos estes oficialmente destinados ao financiamento de programas de desenvolvimento econômico e social, estavam, na verdade, sendo desviados para o programa AMX. Alguns analistas argumentavam que o valor era suficiente para adquirir caças muito mais modernos que os AMX, como o F-16 Falcon americano ou o Mirage 2000 francês. Estas críticas, de uma maneira geral, não encontravam eco no governo brasileiro e na FAB. Ainda de acordo com Lopes (1994, apud Coelho, 2005), Ozires Silva, em resposta às críticas, argumentava que o governo não havia investido no AMX para ter retorno financeiro, havia investido para ter o avião. Bernardes (2000a) acrescenta que, para atender a todas as modificações requeridas pela FAB, o AMX teve seu custo unitário aumentado de US$ 8 milhões para US$ 18 milhões, diminuindo consideravelmente a possibilidade de retorno do programa, pois era difícil efetuar repasses equivalentes aos preços. Apesar da série de problemas vividos ao longo do desenvolvimento do programa, o avião fez seu primeiro vôo, na Itália, em maio de 1984 e, no Brasil, em outubro de 1985, tendo sido apresentado oficialmente uma semana depois, com a presença do então presidente José Sarney, alguns clientes, fornecedores, empregados e a imprensa nacional e internacional. Para Silva (2005), Bernardes (2000a) e alguns entrevistados, o projeto AMX desempenhou um papel crucial no desenvolvimento tecnológico da empresa, além de 106

123 tê-la capacitado para desenvolver projetos em cooperação internacional, que viriam a ser muito úteis mais tarde no projeto do ERJ-145. O programa trouxe também a criação da EDE (Embraer Divisão de Equipamentos), para a industrialização complementar associada ao desenvolvimento do AMX, visando a capacitação da indústria nacional no projeto e fabricação de componentes aeronáuticos. Agora faltava para a empresa o projeto 123 da família 12, que viria a ser oficializado em maio de O Projeto CBA-123 e o Início da Crise O projeto 123 nasceu na engenharia ainda em 1985 com uma configuração para 19 passageiros, portanto menor que o Brasília. Visava substituir o Bandeirante. Chamava a atenção por duas características, segundo Silva (2005). Primeiro, por se tratar de um produto que trazia o que havia de mais moderno, ou seja, o objetivo era que o avião fosse o estado da arte, o que por sua vez traria custos operacionais menores e mais competitivos; depois, teria uma fuselagem pressurizada, que permitiria uma altitude de vôo bem mais elevada, numa velocidade maior e consumo mais reduzido. No entanto, a partir de uma negociação de vendas de um lote de Tucanos para a Argentina, acentuou-se o diálogo entre os países para que o projeto fosse feito em cooperação pelos dois países. Na época, o governo brasileiro queria incentivar o início daquilo que seria o Mercosul, e os argentinos, além do Mercosul, viram no programa a chance de finalmente desenvolver sua indústria aeronáutica, localizada em Toledo. O resultado das conversações foi a assinatura do contrato com a Fábrica Militar de Aviões (FMA), em maio de 1986, segundo o qual cada país adquiriria 50 unidades do avião, cujo projeto estava orçado em US$ 300 milhões. O acordo estipulava que a Embraer entraria com 2/3, os argentinos com o restante e a aeronave seria fabricada nas duas instalações, tanto em São José dos Campos como em Toledo. Assim, a aeronave foi batizada de CBA-123, em referência à Cooperação Brasil-Argentina. Silva (2005) recorda que, nessa época, a Embraer recebeu a visita do comandante da Força Aérea da Argentina, que sugeriu lançar um produto que poderia ser projetado, desenvolvido e construído em colaboração entre os dois países. O ministro da Aeronáutica brasileiro, Octávio Júlio Moreira Lima, levou o assunto ao presidente da República, que pouco tempo depois sancionou a intenção numa visita à 107

124 Argentina, onde promoveu a assinatura de um protocolo com o presidente Raul Alfonsín. Beting (2004) afirma que, pressionada pelos custos do projeto, a Embraer efetuou o lançamento de US$ 80 milhões de debêntures conversíveis em ações, que, segundo Silva (2005), foram vendidas com facilidade no mercado brasileiro, graças ao prestígio já conquistado na época pela empresa na fabricação de aviões. O autor complementa relatando que, do lado argentino, o problema financeiro permaneceu não equacionado, e que as contribuições financeiras acordadas não foram cumpridas. Houve uma seqüência de atrasos que elevaram demasiadamente os custos. Segundo Beting (2004), além dos problemas financeiros que já apareciam desde cedo, no campo da engenharia o projeto também começou a andar de lado. O CBA-123 pretendia ser um avião revolucionário, tanto em desempenho quanto em configuração, usando dois motores Garret TPF em configuração pusher. Isto permitiria a adoção de uma asa limpa e aerodinamicamente mais eficiente, de perfil supercrítico. O aparelho utilizava uma fuselagem encurtada do Brasília, era provido de um sistema Fadec (Full Authority Digital Engine Control), cabine de pilotagem totalmente digital, equipada com sistema EFIS (Electronic Flight Instrumentation System) e EICAS (Engine Indication and Crew Alerting System), que monitora cerca de 500 itens associados aos sistemas do avião, permitindo fácil identificação e retificação de panes. Além disso, também seria o primeiro avião no mundo na sua faixa de assentos a ser projetado desde o começo para ser homologado dentro das normas FAR 25. Mas toda essa sofisticação do projeto gerou um nível de desafios para a engenharia brasileira bem acima do que a empresa estava acostumada a lidar. Como se não bastasse, foi sendo percebido depois que os argentinos não detinham o mesmo nível de conhecimento da empresa brasileira naquele momento, o que mais tarde acabou causando a transferência de todo o projeto para a sede da Embraer em São José dos Campos, inclusive de maquinário. Apesar de todos os reveses, porém, segura de que o mercado aceitaria bem a nova aeronave, segundo Silva (2005), a Embraer decidiu tocar o projeto. Em 18 de julho de 1990, a aeronave fez seu primeiro vôo com total sucesso. Doze dias depois, o avião foi apresentado oficialmente nos ares, numa solenidade que teve a presença dos presidentes das duas nações, Fernando Collor de Mello e Carlos Menen. A aeronave foi, então, batizada de Vector, nome escolhido num concurso internacional que reuniu mais de 6 mil sugestões. Mais um protótipo chegou a ser fabricado até a descontinuidade oficial do programa, em

125 Para Bernardes (2000), a Embraer superestimou as exigências do mercado e, erroneamente acreditou que os clientes estariam dispostos a pagar um valor mais alto pelas inovações tecnológicas incorporadas ao CBA-123. Ainda segundo o autor, sob a ótica técnica o CBA-123 poderia ser considerado impecável. Incorporava o que havia de mais moderno na época para uma aeronave de sua categoria. No entanto, comercialmente foi um fracasso monumental. Custava aproximadamente US$ 6 milhões, o que era muito superior aos preços de seus concorrentes. Por exemplo, os modelos Beech 1900 e Jetstream 31 apresentavam mesmo desempenho por custos operacionais até 45% menores, e preços entre US$ 3,5 milhões e US$ 4,5 milhões. Goldstein (2001) relata que o CBA-123 foi um golpe muito duro para a Embraer. Numa indústria em que o financiamento de longo prazo é indispensável, devido ao longo tempo de desenvolvimento de projetos, a companhia brasileira acumulou dívidas com um perfil de vencimento de curto prazo extremamente perigoso e oneroso, tentando cobrir a falta de pagamento dos governos que já não honravam mais os compromissos do programa. Segundo Coelho (2005), o lado positivo legado pelo insucesso foram os vários aprendizados que o programa trouxe para a Embraer. Pela primeira vez, a empresa pretendia utilizar parceiros de compartilhamento risco para o desenvolvimento da aeronave, diminuindo assim a necessidade de financiar sozinha o projeto (ou em conjunto com a FMA Argentina, que também dispunha de escasso capital para investir). Um dos parceiros de risco encontrados foi a Garrett Corporation, dos Estados Unidos, que desenvolveu novos motores a partir de uma plataforma mais antiga, mas que se adaptaram à configuração pusher demandada pela Embraer. É também importante entender o contexto vivido naquele momento, pois ajuda a compreender o porquê da crise tão profunda que a empresa viveria. A concorrência não havia crescido significativamente. Segundo Silva (2005), algumas competidoras se mostraram poderosas, como, por exemplo, a Aerospatiale, da França, a Saab, da Suécia, a Dasa, da Alemanha, a Fokker, da Holanda, a Casa, da Espanha - todos pesadamente apoiados pelos respectivos governos. Também, em 1986 foi criada aquela que viria a ser a principal concorrente da Embraer na década seguinte, a canadense Bombardier. Apoiada pelo governo do Canadá, a Bombardier nasceu da fusão da Canadair e da De Havilland (canadenses), da Short Brothers (Irlanda do Norte) e da Learjet (EUA). Pelo perfil das empresas, era facilmente perceptível que o foco da nova construtora aeronáutica viria a ser as aviações executiva e regional. 109

126 Segundo Silva (2005), percebia-se nessa época uma queda nos gastos militares, uma das principais fontes de recursos da Embraer. Para o autor, o clima de relativa paz mundial, com menos conflitos armados, principalmente com o fim da Guerra Fria, implicava obviamente menores orçamentos para as despesas militares. Em grande parte dos países mais desenvolvidos, esses recursos estavam sendo recalculados para se tornarem ainda menores, afetando todo o complexo produtor que vivia de expansões a cada ano, desde o final da Segunda Guerra Mundial. Mesmo os projetos de pesquisas e desenvolvimento, sempre caracterizados por busca de técnicas e de conhecimentos inovativos, tendiam a se tornar mais modestos no campo da aviação militar. De acordo com Bernardes (2000a), os gastos militares mundiais, que chegaram ao topo em 1987, caíram 40% em 1996, descendo a US$ 811 bilhões, o nível mais baixo desde Conseqüentemente, houve cortes de empregos no setor de armamentos, passando de 17,5 milhões de funcionários diretos em 1987 para 11,1 milhões em Nessa ocasião, o Bandeirante se aproximava dos 15 anos de sua primeira entrega. Isto já indicava que a aeronave precisava ser substituída por um produto mais moderno, veloz, pressurizado, o que seria questão de tempo. Com o Bandeirante no fim do seu ciclo de vida e o programa CBA-123 consumindo todos os recursos existentes e inexistentes, e com o agravante de não receber os pagamentos do programa AMX, a empresa, na tentativa de completar os programas, recorreu a empréstimos com juros altíssimos. Justamente quando o Brasil vivia uma fase de superinflação e já tinha sido extinta desde 1988 a lei de incentivo fiscal oferecido a empresas privadas para aquisição de ações da Embraer. Logo em seguida, no início da década de 90, o mercado de aviação civil entrou em grande recessão. Nesta fase, a Boeing teve que demitir aproximadamente 70 mil funcionários. Foi uma época que marcou forte consolidação no setor, como mostra a figura 4.1. Figura 4.1: Processo de consolidação dos fabricantes de aeronaves comerciais nas décadas de 80 e

127 Fonte: Embraer (2004b) Em 1986, convidado para assumir a Presidência da Petrobrás, o fundador da empresa, Ozires Silva, passou o cargo a Ozílio Carlos da Silva, que assumiu justamente num período crítico da história da empresa. Segundo Cabral (1987), das sete diretorias existentes da Embraer em 1986, a DTE (Diretoria Técnica) e a DPR (Diretoria de Produção) eram então consideradas as mais relevantes para o desenvolvimento tecnológico da empresa. Segundo Sbragia & Terra (1993, apud Coelho, 2005), a DTE tinha por missão especificar, projetar, testar e certificar novas aeronaves. A DPR era responsável pela fabricação das peças primárias feitas na empresa e pela montagem final da aeronave. Uma vez acabado um avião, este era dirigido à DCO (Diretoria Comercial), responsável pelas aeronaves civis, ou à DPM (Diretoria de Produtos Militares). Segundo Bernardes (2000a), o setor de marketing, representado pela DCO, era considerado uma área ineficiente e quase descolada da estrutura organizacional da empresa, não detendo todas as informações técnicas do produto que vendia. Quanto às outras diretorias, como a DIN (Diretoria Industrial), a DFN (Diretoria Financeira) e a DAM (Diretoria Administrativa), todas cumpriam funções de apoio e planejamento das 111

128 atividades técnicas, não sendo consideradas centrais para o sucesso da empresa. A estrutura organizacional da empresa em 1986 pode ser vista na figura a seguir: Figura 4.2: Organograma da Embraer em 1986 Fonte: Cabral (1987) Diante de um cenário inóspito, uma das primeiras ações de Ozílio, segundo Silva (2005), foi contratar uma consultoria para que se levantasse o montante devido pelo governo, tendo chegado ao valor de US$ 350 milhões. O pagamento desta dívida, considerado muito pesado para o orçamento do Ministério da Aeronáutica na época, era essencial para a sobrevivência da Embraer. Segundo Silva (2005), o valor nunca chegou a ser integralmente pago. O Ministério apenas honrou mais alguns pagamentos, que garantiram uma sobrevida à empresa. Nessa sobrevida, foram iniciados o desenvolvimento do EMB-145, em 1989, e o que mais tarde viria a ser o Super Tucano. A Embraer, nessa época, foi incluída nos estudos iniciais para o desenvolvimento e fabricação da estrutura do satélite CBERS - China - Brazil Earth Resources Satellite, projeto conjunto entre o Brasil e a China, com participação do INPE. 112

129 Mas, logo em seguida, o governo de Fernando Collor de Melo, que assumia em Brasília, editou o Decreto n.º , reduzindo a zero a alíquota de IPI sobre aeronaves importadas em geral, exceto aviões a jato de pequeno e médio porte. O objetivo da redução era diminuir o ônus tributário sobre os preços de aeronaves importadas e estimular a renovação das frotas das empresas nacionais (Bernardes, 2000a). A medida foi praticamente um tiro de misericórdia na empresa. Enquanto as aeronaves da Neiva e o Brasília pagavam 19,2% de carga tributária, uma aeronave estrangeira não pagava nada. Assim, para vender um avião para o mercado doméstico, a Embraer teve que usar de um artifício, que consistia em exportar a aeronave para uma empresa intermediária que, por sua vez, o revendia ao cliente nacional. Tudo isto encarecia a operação de vendas da Embraer. Segundo Beting (2004), para compensar, a Embraer se endividou ainda mais, recorrendo a empréstimos bancários de curto prazo a juros altos, o que levou a uma ciranda financeira e deixou o passivo a descoberto na ordem de US$ 1,6 bilhão. Isto acabou de estrangular suas atividades operacionais. Sobrara apenas uma encomenda de algumas peças para o B747 feitas pela Boeing em 1989, e que dois anos mais tarde trariam a um contrato de fornecimento de componentes também para o 767 e o 777. Sem muita alternativa, o então diretor-presidente, Ozílio Carlos da Silva, teve que dar início a um plano de enxugamento pesado. Como conseqüência, anunciou em novembro de 1990 a demissão de dos seus mais de empregados. Além das demissões, houve necessidade de sacrificar alguns programas. Em 1990, os estudos do ERJ-145 foram cancelados. No ano seguinte, abortou-se o programa do CBA-123. A demissão em massa e mais os problemas vividos durante o governo Collor fizeram com que Ozílio pedisse as contas já em junho de Foi designado para substituí-lo o advogado João Rodrigues da Cunha Neto, por indicação da então ministra Zélia Cardoso, segundo confirmado por entrevistados e por Coelho (2005), homem de confiança de Collor. Apesar do curto espaço de tempo em que ficou na empresa, João Cunha ainda conseguiu um empréstimo US$ 600 milhões no Banco do Brasil para cobrir dívidas de curto prazo, mas demitiu mais funcionários. Bernardes (2000a) considera esse empréstimo do BB o último grande apoio do governo à empresa. Alguns autores tentaram resumir os principais fatores para a crise vivida pela empresa e pelo setor no final da década de 80, começo da de 90. Bernardes (2000a) 113

130 por exemplo, assegura que teria havido ênfase elevada na tecnologia (projetos Xingu e CBA-123) e baixa com relação à estrutura de custos e financiamento, o que fez os preços das aeronaves explodirem, ainda que não se repassasse integralmente para esses preços o custo alto dos financiamentos. Goldstein (2001) também aponta a atenção excessiva à engenharia (e cuidado insuficiente com controle de custos e marketing) e a falta de capacidade financeira, devido à condição de empresa estatal, como principais fatores para a crise, somados aos custos inerentes à condição de empresa brasileira (o chamado Custo Brasil). Ou seja, algumas das razões para a queda da Embraer foram exógenas, muito embora sua vulnerabilidade tenha aumentado devido à inabilidade da companhia em diversificar tais riscos e proteger-se contra eles. Bernardes (2000b), em outro estudo, apresenta os seguintes fatores como principais detonadores da crise: Grandes projetos sem estrutura adequada de financiamento; Desenvolvimento de projetos sem verificação prévia das condições do mercado e das necessidades de clientes potenciais; Não cumprimento de encomendas por parte do Governo; Mercado externo civil e militar em recessão; Engessamento do modelo institucional da empresa como empresa estatal, havia falta de flexibilidade empresarial para a captação de recursos financeiros; Falta de sincronia entre as políticas industrial, tecnológica e de privatização; Questões relacionadas ao Custo Brasil (deficiências na infra-estrutura física e tecnológica); Crise fiscal e política do Estado, e desistência de modelo nacional desenvolvimentista que fornecia suporte político à empresa; Falta de competitividade nos mercados interno e externo no que tange à oferta de financiamento aos clientes; Gestão excessivamente engineering driven, ou seja, muito direcionada à excelência técnica e pouco para os resultados financeiros, ou, em outros termos, ausência de importância para custos e gestão do negócio; Perda de competitividade no mercado interno devido à alta carga de impostos; Redução do apoio financeiro governamental, enquanto acionista, emprestador, avalista e regulador de crédito a empresas estatais; 114

131 Relações precárias e dissociamento gerencial com as subsidiárias sediadas no exterior (EAC e EAI), que afetaram negativamente os negócios da empresa, tanto comercial como financeiramente; Elevadas demissões de seu quadro técnico altamente qualificado e perda do conhecimento acumulado durante anos, devido à difícil situação financeira. Apesar de Bernardes colocar a perda do quadro técnico como um dos principais fatores para a crise da empresa, é importante ressaltar que, segundo Sbragia e Terra (1993, apud Coelho, 2005), a DTE tinha em 1993 um efetivo apenas 10% menor que o existente antes da primeira onda de demissões. Enfim, a empresa entrou em 1991 em situação crítica. Numa última manobra para tentar salvar o que restava, a Embraer intensificou a venda de serviços como uma saída para a crise. Segundo Bernardes (2000a), o potencial de seu parque industrial, aliado à alta capacidade ociosa do período, permitiu que a empresa ampliasse a venda de serviços através de subcontratos com outros fabricantes de aeronaves, o que contribuía para ampliar sua atuação nesse segmento, ao mesmo tempo que projetava a sua marca em novos segmentos do mercado aerospacial, reduzindo também seu custo fixo. Assim vieram os contratos de fabricação dos flaps do MD-11 em fibra de carbono, num acordo de contrapartidas comerciais devido à venda de aeronaves MD- 11 para a Varig. Também veio daí a homologação pela Boeing para a produção de peças de material composto para o Boeing 777, na qual ficou responsável pela fabricação de aproximadamente 500 conjuntos de pontas de asa e dorsal fin 12 segundo Bethlem (2002). No entanto, devido ao estado agudo da crise, a empresa também passou a prestar serviços não necessariamente ligados à aviação, como, por exemplo, colagem estrutural, junção sem uso de rebites e termoformagem para clientes como General Motors, Autolatina, Tecnasa, Hoechst e Villares (Coelho, 2005). Segundo alguns entrevistados, até mesmo alguns reparos em mastros de barcos que usavam fibra de carbono foram captados nos litorais paulista e carioca. Segundo Bernardes (2000a), os serviços representavam 2% da capacidade instalada da empresa e corresponderam a um faturamento de US$ 45 milhões, entre 1989 e No entanto, mais uma mudança política no Brasil também traria mudanças para a Embraer. A então ministra da Economia, Zélia Cardoso, enfraquecida publicamente 12 Superfície aerodinâmica responsável por aumentar a estabilidade da aeronave. 115

132 pelas medidas polêmicas tomadas para controle da inflação, como o confisco da poupança, foi substituída em maio de 1991 pelo embaixador Marcílio Marques Moreira. Com a queda da ministra, caiu também do controle da Embraer seu homem de confiança, João Cunha. Ozires havia saído do comando da Petrobras em 1988 e assumido o Ministério da Infra-estrutra, o qual deixou em março de 1991, mesmo ano da saída de João Cunha. Desta forma, o então ministro da Aeronáutica, tenente-brigadeiro-do-ar Sócrates da Cunha, colega de turma de 1951 de Ozires na Escola de Aeronáutica do Rio de Janeiro, e que tinha tido problemas com a ministra Zélia, viu-se livre para convidar Ozires para que ele novamente assumisse o comando da empresa e conduzisse seu processo de reestruturação, que mais tarde viria desaguar na privatização. 4.5 A Privatização e a Recuperação da Empresa Segundo Silva (2008), o convite foi aceito com a contrapartida de inclusão da empresa no Plano Nacional de Desestatização. Ainda segundo o autor, Sócrates relatou ter tido uma longa conversa com o presidente Collor, que concordou em dar suporte para um plano que resgatasse a empresa. Desta forma, a empresa foi incluída em 1992 no PND e, em setembro do mesmo ano, o presidente Collor foi afastado por um processo de impeachment, sendo substituído por Itamar Franco. Segundo Coelho (2005), de 1992 até a privatização, em 1994, a empresa seguiu uma estratégia de saneamento financeiro e racionalização da mão-de-obra. Ozires manteve o mesmo número de executivos, mas designou uma nova diretoria composta de antigos colegas de trabalho, todos do quadro da empresa e, segundo ele, pessoas nas quais depositava enorme confiança (Silva, 2008): Manoel de Oliveira - diretor financeiro Juarez de Siqueira Brito Wanderley - diretor de produção Michel Cury - diretor comercial; Horácio Aragones Forjaz - diretor técnico Começou assim a busca pela identificação de capitais nacionais e grupos que se dispusessem a controlar a companhia que emergeria do processo desestatização. Segundo Silva (2008), os meios legais foram sendo encontrados progressivamente. As dívidas foram consolidadas e os contatos com os credores encontraram caminhos que não impediam o processo de transferência de capital do Estado para o comprador privado. Simultaneamente, recursos foram direcionados para 116

133 promover reforços ao capital da empresa, o que permitiu acumular o capital de giro necessário para retornar às atividades interrompidas pela crise internacional e pelas restrições legais internas. No entanto, seria necessário mostrar ao futuro adquirente que a empresa tinha potencial de gerar fluxo de caixa, pois só isso despertaria o interesse de um grupo privado. A saída veio do ERJ-145, o projeto iniciado em 1989 e interrompido com a crise. Sendo assim, o programa foi reativado e novas discussões se seguiram de forma a definir a configuração da aeronave. Desta forma, foi fechada a configuração, que deveria privilegiar a simplicidade de projeto e reduzir os custos ao máximo. Por este motivo, optou-se por utilizar várias soluções desenvolvidas ainda na década de 70 ou 80 para o Brasilia e o CBA-123, exceto pela aviônica embarcada, segundo Bernardes (2000), que era de última geração, fornecida pela Honeywell, incluindo displays, sistemas de navegação e computadores de bordo. A parte mais difícil da decisão ficou por conta da posição dos motores. Antes se pensava em colocá-los sobre a asa, porém estudos posteriores mostraram que inviabilizaria o uso da configuração de asa imaginada anteriormente. Por este motivo, decidiu-se pelo posicionamento dos motores na parte traseira da fuselagem. Segundo Bernardes (2000a), foi utilizado amplamente o conceito de engenharia simultânea (concurrent engineering) para eliminar a necessidade de modificações no projeto advindas dos problemas na produção. O autor também detalha que cada um dos itens da aeronave foi inteiramente projetado em CAD/CAM, o que possibilitou à Embraer a elaboração de um mock-up eletrônico, gerando economia de tempo e recursos financeiros. Até o Brasília, os mock-ups eram físicos (madeira). Para isso, no entanto, era preciso captar recursos financeiros que não estavam disponíveis com a empresa ainda estatal. Sendo assim, uma equipe da Embraer liderada por Satoshi iniciou uma série de visitas a fornecedores tradicionais, nacionais e estrangeiros, com o intuito de vender posições produtivas, constituídas de elementos estruturais e equipamentos do avião que a Embraer projetaria. Segundo Silva (2008), a proposta era para que esses fornecedores, trabalhando com especificações da Embraer, produzissem os itens necessários aos protótipos e à execução dos ensaios de aprovação oficial, além de oferecerem todo o apoio técnico para que seus produtos fossem adequadamente incorporados ao projeto. Assim, com exclusividade, ganhariam o direito de fornecer para a produção seriada tudo aquilo que tivessem desenvolvido nas fases iniciais. 117

134 Apesar da crise vivida, que afetava profundamente a imagem da empresa, já no início de 1992, começo de 1993 foi possível fechar quatro grandes parcerias: a Gamesa, da Espanha; ENAer, do Chile; Sonaca, da Bélgica; e C&D Interiors, dos Estados Unidos). Cada participante comprometeu-se a desenvolver uma parte do produto final. O pagamento seria feito se o projeto obtivesse sucesso, ou seja, aceitaram compartilhar os riscos com a Embraer. Além disso, todas as empresas se comprometeram a investir recursos no projeto, tendo como contrapartida o recebimento de determinadas tecnologias aeronáuticas, num processo de transferência de tecnologia capitaneado pela Embraer. Segundo Bernardes (2000a), no caso do projeto da família ERJ, o grande ganho da Embraer não ocorreu no aprendizado de tecnologias que não possuía, mas na gestão de contratos interempresariais. Entre as empresas parceiras, a Gamesa ficou responsável pela produção das asas, naceles 13, junção asa/fuselagem e portas do trem de pouso principal. A Sonaca responsabilizou-se pela construção das portas da aeronave, excluindo-se as do trem de pouso, duas seções da fuselagem e pelos pilones 14 (estrutura que sustenta as naceles e o motor). A ENAer passou a produzir o conjunto empenagem horizontal/profundor 15 e a empenagem vertical. A C&D Interiors desenvolveu e fabricou o interior da cabine de passageiros e o compartimento de bagagem. Finalmente, a Allison Engine Company fabricou os motores. 13 Estrutura que encapsulam os motores 14 Estrutura que sustenta as naceles e o motor 15 Superfície aerodinâmica responsável pelo movimento da aeronave no eixo vertical 118

135 145 Figura 4.3: Participação das empresas parceiras no desenvolvimento do ERJ- Fonte: Embraer (2004b) Além das parceiras de risco, várias outras empresas se somaram como fornecedoras: Honeywell Business and Commuter; Aviation Systems Division (aviônicos); a APIC-Auxiliary Power International Corp.(APU); a Hamilton Standard (ar condicionado); a B.F Goodrich (rodas e freios); Crane Hydro-Aire Division (controle de freio); a ABG Semca (pressurização); a Eros (oxigênio); a Allied Signal Fluid Systems Division (sistema pneumático); Lucas Power (sistema elétrico); e a Liebherr, que ficou responsável pelo trem de pouso, o qual construiria através de uma joint-venture com a própria Embraer, a Eleb. Ainda na fase de preparo para a privatização, a FAB manifestou interesse por uma aeronave que servisse como braço armado para o programa Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia). Assim, a Embraer adaptou o Super Tucano para este tipo de missão, transformando-o no ALX (Aeronave Leve de Ataque). O avião teria de ser moderno e possuir boas características de vôo para interceptação de aeronaves de traficantes e contrabandistas que voam na selva amazônica em baixa altitude. Mas o programa veio a ganhar impulso mesmo quando os EUA lançaram o Joint Primary Aircraft Training System (JPATS), uma proposta da Força Aérea e da Marinha norte- 119

136 americanos a construtores aeronáuticos para substituir os treinadores militares de suas academias. Como a legislação americana exigia um parceiro dos EUA, a Embraer se associou à empresa Northrop Grumman, desenvolvendo um protótipo demonstrativo do conceito, o Tucano Poc (Proof-of-Concept). No entanto, a concorrência foi concluída em 1995 e a Embraer, já privatizada, perdeu para o consórcio Beech/Pilatus MkII, uma associação da empresa norte americana com a suíça Pilatus, que já tinha o PC-9 pronto e apenas fez algumas melhorias. O contrato previa o fornecimento de até 711 aeronaves, superando os US$ 7 bilhões, segundo Coelho (2005). Por outro lado, logo após a privatização, em 1995, o Ministério da Aeronáutica assinou contrato com a Embraer para aquisição de cem unidades do ALX (cinqüenta da versão monoposto e cinqüenta da biposto). Este contrato permitiu a continuidade do projeto, apesar da grande derrota na licitação para o JPATS. Com o projeto e a estrutura de custos do programa ERJ bem definidos, ficou mais fácil atrair compradores para a empresa no processo de privatização. A rigor, o que o potencial adquirente estaria comprando era a capacidade de geração de caixa com os projetos existentes (ERJ e Super Tucano) numa empresa reestruturada. O processo de privatização, iniciado em janeiro de 1992, terminou com o leilão público na Bolsa de Valores de SP, em 12 de dezembro de 1994, durante o governo de Itamar Franco e após seis tentativas fracassadas, segundo Coelho (2005). O leilão vendeu a empresa por R$ 265 milhões após longo programa de saneamento inteiramente bancado pelo Governo Federal ou por seus órgãos públicos, com os quais a Embraer possuía dívida (por exemplo, o Banco do Brasil). Segundo Silva (2008), durante esse período, de acordo com a lei, a empresa teve várias de suas atividades sob o controle do BNDES. Alguns contratos firmados também contribuíram para o funcionamento das linhas de produção, como, por exemplo, a venda de um lote de Tucano para a Força Aérea da Grécia. Além disso, foi realizada, com êxito, uma captação de US$ 180 milhões, por meio do lançamento e venda de ações no mercado internacional. O consórcio liderado pelo grupo Bozano, Simonsen comprou 40% das ações com direito a voto da empresa, adquirindo também o controle. Os principais investidores do consórcio eram o Bozano, Simonsen Limited (13,65%), a Sistel (10,42%), a Previ (10,40%), o Bozano Leasing (3,63%) e a Fundação Cesp (1,90%). O banco de investimentos americano Wasserstein Perella adquiriu 19,09% das ações ordinárias da empresa, tendo sido reservados 10% para os funcionários. 120

137 Posteriormente, o Wasserstein Perella não pagou a parcela que lhe cabia e o grupo Bozano, Simonsen comprou a parte norte-americana, em Na privatização também estavam incluídas a Embraer Aircraft Corporation (EAC), a Embraer Aviation International (EAI) e a Neiva. Também foi criada uma classe especial de ações, a golden share, que dava à União direito de veto em matérias relativas à atuação da Embraer em programas militares, mudança do objeto social e transferência do controle acionário. Logo após a privatização, a empresa foi entregue ao engenheiro Juarez Wanderley, que ficou apenas seis meses no comando, tendo transmitido a presidência para Mauricio Botelho em setembro de Mauricio, engenheiro mecânico formado pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, era diretor-executivo do Grupo Bozano e nunca havia trabalhado na indústria aeronáutica. Segundo Coelho (2005), a nomeação de Botelho para o cargo mais alto da companhia foi um sinal de que a empresa daria maior prioridade aos resultados econômicos e à satisfação do cliente, segundo o próprio Botelho. Para ele, a nova diretoria deveria abandonar a abordagem no produto (engineering driven) e focar em satisfação do cliente. Logo de início, Botelho seguiu com o plano de reestruturação da empresa, demitindo mais funcionários, sendo do setor administrativo, de acordo com Bernardes (2000a). Entre 1995 e 1996, promoveu mais uma rodada de demissões, desta vez dispensando funcionários. Segundo explicou Botelho em Neto (2008), havia sido feito um acordo com o sindicato que proibia qualquer mudança estrutural nos primeiros seis meses; passada a carência, iniciaram-se as demissões, que, segundo Botelho apud Neto (2008), somente contribuíram para que a empresa perdesse mais US$ 150 milhões no período. Segundo Bethlem (2002), logo depois foram mais 400 e, no início de 1997, outros 400, ano em que atingiu o mínimo de funcionários. Mas, para o autor, a negociação das demissões foi bem feita por não ter destruído o moral da empresa, uma vez que a contabilidade foi aberta aos representantes do sindicato de funcionários, deixando claro que as alternativas eram cortar os custos ou fechar. Além disso, completa o autor, foi paga uma indenização acima do previsto em lei aos funcionários demitidos e garantida a hora extra aos que ficavam. Botelho também trouxe com ele três gestores que haviam feito o curso de Tecnologia Empresarial Odebrecht (TEO) e também atacou o alto número de níveis gerenciais, reduzindo-os de dez para quatro, bem como dando aumentos apenas um 121

138 mês após a privatização a gerentes e engenheiros mal-pagos devido às restrições governamentais, segundo Ghemawat el al, (2000). No ano seguinte, foi lançado o projeto de reorganização da empresa, que levou a Embraer a uma estrutura organizacional matricial estruturada por projetos, conforme apresentada pela figura 4.3 abaixo. Esta pretendia aumentar a flexibilidade, a interação e a autonomia das áreas da companhia, ao mesmo tempo em que reduziria o tempo e os custos de desenvolvimento de produtos. Figura 4.4: Organograma da Embraer em 1996 Fonte: Ghemawat et al. (2000) Com a empresa privatizada, o programa ERJ foi retomado em Em agosto de 1995, a aeronave realizou seu primeiro vôo na sede da empresa, em São José dos Campos. Como já acontecera anteriormente, a apresentação oficial ocorreu na semana seguinte, com presença do presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, de altas autoridades, clientes, parceiros e colaboradores. O projeto, com cerca de 75% dos componentes do Brasília, segundo Bernardes (2000a), foi lançado com um preço bem inferior ao seu concorrente direto, o CRJ-200, da Bombardier. O brasileiro custava US$ 14,8 milhões, enquanto o canadense partia dos US$ 18,6 milhões. Além disso, segundo o autor, o jovem avião brasileiro tinha um custo operacional menor que o do canadense, e até mesmo do que o Saab-2000, que 122

139 era turboélice. Este último, lançado praticamente junto com o avião brasileiro, teve pouco menos de uma centena de unidades vendidas, o que contribuiu para que a SAAB descontinuasse sua produção. Segundo Ghemawat el al (2000), o desenvolvimento da aeronave chegou a US$ 300 milhões, sendo US$ 240 milhões desembolsados após a privatização da empresa. Segundo o autor, os parceiros de compartilhamento de risco contribuíram com US$ 100 milhões (33% do total), sendo que o BNDES investiu US$ 115 milhões (38% do total). Por este motivo, alguns autores, como Bernardes (2000b), chegam a considerar o BNDES mais que um órgão financiador, na verdade um verdadeiro parceiro estratégico da Embraer no desenvolvimento de seus projetos. A concepção do ERJ-145 chamou a atenção para uma tendência do setor para as parcerias, desde a crise sofrida no início da década de 90, mas que ainda não havia sido empregada com tanta intensidade como no caso da aeronave brasileira. Segundo explica Bernardes (2000a), vários fabricantes passaram a adotar um novo padrão de P&D industrial e tecnológica, caracterizado pela parceria e celebração de joint ventures para os gastos em P&D e acordos de licenciamento de tecnologia. Para o autor, houve, conseqüentemente, uma transformação na forma de gerir inovação e aprendizagem tecnológica: as empresas passaram a preparar seus programas de novas aeronaves de forma mais interativa e cooperativa, levando o setor de manufatura aeronáutica a internacionalizar rotinas de P&D. Desta forma, há hoje maior necessidade de estruturas empresariais mais flexíveis e integradas e com estoque de recursos humanos altamente qualificados para gerenciar e participar das sinergias proporcionadas por tais alianças estratégicas. O autor explica ainda que a rede empresarial no setor de fabricação de aeronaves é controlada pelos produtores e fabricantes das células ou fuselagem, que criam e gerenciam os elos principais na cadeia da indústria. Tais empresas são responsáveis pelo estudo, concepção e desenvolvimento do projeto aeronáutico, pela integração das partes e subsistemas num produto final e pela comercialização e por serviços de assistência técnica ao cliente. Desta forma, alguns dos pontos críticos para a competitividade passaram a ser (Bernardes, 2003 apud Coelho, 2005): Capacidade de gerenciar a rede global de fornecimentos; Dominar os fatores logísticos do processo de produção e desenvolvimento; Reduzir os custos transacionais através de aumento da margem de lucro, devido à fixação dos preços na fase de produção; Ser pioneiro em tecnologias e processos inovadores ou imitar rapidamente. 123

140 E, por ter sido capaz de gerenciar uma rede complexa e extensa de parceiros e fornecedores, a Embraer conseguiu certificar a aeronave tanto no CTA como no FAA já em 1996, apenas um ano depois do primeiro vôo, o que permitiu que a empresa fizesse a primeira entrega para um cliente, a norte-americana Continental Express, no dia 27 de dezembro de Segundo Bernardes (2000), o avião brasileiro entrou em operação quando o concorrente CRJ-200 já tinha vendido mais de uma centena de aeronaves. Porém, o mercado deste tipo de jato estava aquecido na época. Bernardes (2000a) relata que a primeira grande concorrência internacional disputada entre o ERJ-145 e o CRJ-200 foi o contrato de fornecimento de 150 aeronaves para as empresas americanas de transporte aéreo regional ASA e Comair. Apesar da preferência demonstrada pelo ERJ-145, dada a sua superioridade técnica e preço mais competitivo, a Bombardier ganhou a concorrência devido à linha de financiamento aberta para essas empresas a juros mais baixos. Novamente, ficou clara a velha lição aprendida pela Embraer desde a década de 70: na indústria aeronáutica não basta ter o melhor avião nem o preço mais baixo se a empresa não puder financiar seus produtos em condições de igualdade com seus concorrentes (Coelho, 2005). A partir de então, a Embraer começou a utilizar linhas de financiamento do Proex (Programa de Financiamento às Exportações), um mecanismo criado em 1991 pelo governo brasileiro para equalizar os juros reais, que no Brasil são normalmente altos. Segundo Bethlem (2002), o Proex possibilitou que a Embraer vendesse aviões a juros competitivos por 10 anos, o que levou a Bombardier a interpor uma reclamação na OMC alegando que o benefício representava US$ 4 milhões de dólares a menos no valor final do ERJ-145. No entanto, a empresa canadense retirou a reclamação assim que a Embraer também entrou com recurso na mesma OMC alegando que o governo canadense subsidiava as vendas da Bombardier. Este foi apenas o primeiro embate das duas empresas na OMC. Até 2002, quando se estenderam as discussões, houve vitórias para ambos os lados. A Bombardier teve de devolver aos cofres públicos parte do que havia sido subsidiado, mas algumas limitações foram impostas à empresa brasileira. Em 26 de junho de 2002, a Embraer divulgou nota à imprensa expressando sua satisfação pela decisão da Organização Mundial do Comércio (OMC) de dar ao Brasil o direito de retaliar o Canadá por mecanismos de financiamentos irregulares concedidos à Bombardier. Na época, o diretor-presidente da Embraer, Maurício Botelho, deu a seguinte declaração (Beting, 2004): "Fica, portanto, claro para o mundo que o Canadá, transgressor das normas da OMC, não corrigiu os seus mecanismos de financiamento para se adequar 124

141 às práticas legais daquela Organização". O valor solicitado pelo Brasil, de US$ 3,36 bilhões, seria objeto de arbitragem, mas, para Botelho, mais importante que o valor foi a decisão da OMC, favorável à retaliação. No meio de todo o imbróglio entre as duas empresas, houve a concorrência do programa NFTC (NATO Flying Training in Canada), criado como uma parceria de 20 anos entre o governo canadense e a Bombardier para treinamento de pilotos militares. Previa a compra de aeronaves militares de treinamento. Desta vez,o Super Tucano foi anunciado como vencedor da concorrência, mas, numa reviravolta suspeita e inesperada, segundo Silva (2008), no momento do fechamento do contrato (em 1998), foram encomendados aviões do modelo Beech/Pilatus Mk II. O fato, que ainda segundo o autor, causou profundo mal-estar nas relações comerciais e diplomáticas entre Brasil e Canadá, acirrou ainda mais a disputa entre Embraer e Bombardier. Para alguns analistas da indústria de aviação, a súbita mudança se deveu à disputa entre as duas empresas no mercado de aviação regional. Segundo Silva (2008), o saldo positivo do embate foi que a empresa saiu do processo mais conhecida ao redor do mundo que quando entrou. Diz Coelho (2005), que o sucesso do ERJ-145 levou a empresa a focar na fabricação de aeronaves e de estruturas aeronáuticas, em detrimento dos serviços. O autor afirma que a nova diretoria acreditava que a empresa deveria abandonar a diversificação e focar no projeto e na montagem de aeronaves, áreas em que detinha experiência. Assim, em 1995, a Embraer assinou um contrato de grande porte com a Sikorsky Aircraft americana para desenvolvimento e fabricação do trem de pouso, sistema de combustível e o sponson16 (estrutura responsável por flutuação da aeronave em caso de queda n água) do helicóptero norte-americano Sikorsky S-92 Helibus, voltado para três segmentos: a aviação civil básica, a aviação off-shore (ou oceânica, normalmente utilizado por empresas petroleiras com extração marítima) e a aviação militar. Segundo Beting (2004), estimativas da época previam que o programa viria a ser responsável por cerca de 10% do faturamento da Embraer. Além disso, segundo Coelho (2005), seria uma oportunidade de desenvolvimento de novas tecnologias, como a manipulação de ligas de última geração como o Invar (apresenta resistência próxima à do alumínio e tolerância à fadiga próxima à da fibra de carbono). Para Bernardes (2000a), o projeto do S-92 Helibus ilustra bem a atual tendência do mercado de fabricação aeronáutica mundial, de desenvolver novas 16 Estrutura responsável por flutuação da aeronave em caso de queda n água) 125

142 aeronaves a partir de alianças de empresas sob a forma de parcerias de risco. Este projeto contou com a participação de seis empresas: Sikorsky (EUA), Gamesa (Espanha), JHG (China), MHI Mitsubishi Heavy Industries (Japão), AIDC Aerospace Industrial Development Corporation (Taiwan) e Embraer (Brasil), sendo que estas duas últimas atuaram com responsabilidades peculiares, não podendo ser consideradas fornecedores tradicionais ou parceiros no compartilhamento de risco, mas um misto entre estas formas de relacionamento comercial. Nesta época, um aspecto importante a ser ressaltado é que, após a sua privatização, a Embraer foi submetida pela primeira vez a práticas gerenciais comuns em empresas privadas de grande porte, como o planejamento estratégico e a gestão de desempenho. O primeiro planejamento estratégico foi realizado em 1996, contendo projeções e metas de curto e longo prazo. Em paralelo ao planejamento estratégico, foi posto em prática um sistema de gestão de desempenho, formulando indicadores de desempenho para áreas críticas, como a produtivo-industrial, a financeira, a de recursos humanos e a de suporte aos clientes. No ano seguinte (1997), a empresa voltou a ser selecionada pela FAB, desta vez com o projeto Sivam (Sistema Integrado de Vigilância da Amazônia), no qual deveria desenvolver e produzir oito aviões ERJ-145 adaptados para vigilância aérea e coleta de dados. Destes, cinco contariam com radares da sueca Ericsson e seriam destinados ao controle aéreo, e três para sensoriamento remoto. O contrato, assinado em 1997, foi bastante significativo, representando cerca de US$ 450 milhões, segundo Coelho (2005), complementando as encomendas já feitas do ALX. Posteriormente (1998), esta plataforma seria encomendada pela Grécia para operação dentro dos padrões da OTAN, dando origem ao EMB-145 AEW&C O uso da plataforma do ERJ-145 para outra aplicação seria apenas mais uma entre diversas versões desenvolvidas a partir da aeronave. Em 1997, nasceram o ERJ-135 para até 37 passageiros, com investimento adicional de US$ 100 milhões, que deveria ser amortizado em dez anos com a venda de 500 aeronaves (Beting, 2004); e o ERJ-140 para 44 passageiros, que exigiu um investimento extra de US$ 45 milhões, ambos com grau de comunalidade superior a 90% em relação ao ERJ-145. O ERJ-135 nunca constituiu um grande sucesso, como esperado pela empresa, em parte por se tratar de uma configuração de aeronave mais sensível às altas do petróleo. Com menos assentos, fica mais difícil diluir os custos operacionais. Mas, por outro lado, serviu de base para um produto de sucesso, o jato executivo Legacy, que por sua vez era a primeira empreitada da Embraer no segmento. Segundo Silva (2008), a concepção surgiu durante a participação da Embraer no salão 126

143 Aeronáutico de Farnborough, na Inglaterra, onde, segundo o autor, a empresa recebeu uma série de questionamentos de grandes clientes internacionais sobre as razões pelas quais não investia na área de aviões executivos. A família ERJ se mostrou uma grande fonte de receitas para a empresa desde o lançamento até o fim da década de 90. Uma seqüência de encomendas fez suas vendas explodirem. Em 1997, no Salão Aeronáutico de Le Bourget, na França, a Embraer venceu uma disputa com a Bombardier numa encomenda de 67 ERJ-145 para a American Eagle (subsidiária da American Airlines), totalizando aproximadamente US$ 1 bilhão, na qual contou com financiamento do BNDES, cobrindo em até 100% o valor da operação, a juros internacionais e num prazo de até quinze anos. No mesmo ano, a Continental Express anunciou a compra de 200 aeronaves ERJ-145, mostrando que a empresa conseguira conquistar uma fatia razoável do mercado norte-americano. Conquista que fez com que a Embraer se tornasse líder de mercado na aviação regional já em Foi também em 1998 que, segundo Coelho (2005), a empresa criou sua área de Inteligência de Mercado, mesclando análises top-down (através de avaliação de elementos como previsão de vendas, carteira de pedidos, frota em operação, condição da frota, perspectivas macroeconômicas, etc.) e bottom-up (através de entrevistas diretas com potenciais clientes). A partir da criação dessa área, a Embraer passou a realizar suas próprias análises prospectivas de mercado, internalizando estudos que antes eram contratados a consultores externos. Segundo Bernardes (2000b), a Embraer dispõe hoje, graças à área de Inteligência de Mercado, de instrumentos de análise muito mais refinados e sintonizados com os sinais de mercado que em sua época de estatal. Bernardes (2000a) destaca também que um dos maiores aprendizados tecnológicos da empresa da década de 90 foi o uso de Catia (Computer Aided Threedimensional Interactive Application), desenvolvido pela empresa francesa Dassault e considerado um software muito mais avançado que o CAD. A utilização desse programa permitiu a realização do projeto em 3D e eliminou a necessidade de construção de protótipos, gerando assim economias significativas, além de time-tomarket mais curto. Foi assim que a Embraer, aproveitando o sucesso da família ERJ, anunciou em 1999, na feira de aviação de Le Bourget, em Paris, o lançamento do ERJ-170/190, que mais tarde teria seu nome trocado para EMB-170/190, a fim de desvinculá-los dos jatos regionais e dar uma demonstração de que a Embraer havia dado um salto e 127

144 agora não seria mais fabricante somente de jatos regionais. Mais tarde, as aeronaves da família ficaram conhecidas como E-jets. A família de aviões seria composta dos seguintes produtos: ERJ-170: jato para 70 a 78 assentos, certificado em fevereiro de 2004; ERJ-175: jato 78 a 86 assentos, certificado em dezembro de 2004; ERJ-190: jato de 98 a 106 assentos, certificado em agosto de 2005; ERJ-195: jato de 108 a 118 assentos, certificado em junho de Os estudos para a aprovação do novo programa foram os primeiros desenvolvidos pela recém-criada área de Inteligência de Mercado, que identificou uma demanda por aeronaves regionais na faixa de 70 a 110 passageiros, principalmente de clientes que já operavam a família ERJ e viam crescer a taxa média de ocupação interna de seus vôos. Além destas, havia aquelas que queriam substituir suas frotas de turboélices. De acordo com Ghemawat et al (2000), a Embraer, com esses estudos, descobriu que as linhas aéreas esperavam que o tráfego regional crescesse significativamente mais que o tráfego de passageiros de longa distância, e até três vezes mais que o PIB mundial. Coelho (2005) explica que a demanda também dependia de fatores específicos da indústria, tais como o relaxamento de restrições impostas pelos sindicatos das linhas aéreas para o vôo com mais de 70 passageiros em linhas aéreas regionais (que pagam aos pilotos e comissários substancialmente menos que as linhas aéreas tradicionais). Outro fator importante identificado foi o conforto dos passageiros: embora não se pudesse descuidar do preço da aeronave e da eficiência operacional, o conforto passava a ser um item cada vez mais importante, em especial para as linhas aéreas européias. Os estudos feitos com clientes em potencial (linhas aéreas) também identificaram alguns fatos curiosos. Por exemplo, os clientes sugeriram que as novas aeronaves tivessem motores embaixo das asas, diferentemente dos aviões da família 145, que eram propulsionados por dois motores ligados à parte traseira da fuselagem. Esta solução simplifica os serviços de manutenção nos motores e aumenta o conforto dos passageiros, por permitir o carregamento de bagagens e de alimentos a bordo com somente um dos motores ligados, fornecendo a energia necessária para o funcionamento do ar condicionado e dos dispositivos elétricos da aeronave. A configuração com motores embaixo da asa também ajuda a diminuir o tempo em solo (Aviation Week & Space Technology, 1999). Segundo Cassiolato et al (2002), o programa ERJ-170/190 foi desenvolvido num contexto totalmente diferente do ERJ Enquanto o ERJ-145 se caracteriza por grande ênfase em custos, com os parceiros de compartilhamento de risco atuando mais como fornecedores que 128

145 parceiros de verdade, o projeto mais recente desenvolve-se num contexto de adicionar alto valor e tecnologia aos projetos. A família EMB-170/190 seria mais sofisticada que a família ERJ-145. As aeronaves da família EMB-170/190 têm capacidade para 70 a 118 passageiros, de acordo com uma progressão geométrica comumente usada na aeronáutica para definir a capacidade das aeronaves de uma determinada família. Esta capacidade reflete o conhecimento de que as linhas aéreas regionais normalmente operam com lucro a partir de 55% de load factor médio (capacidade utilizada da aeronave). Sabe-se empiricamente, entretanto, que load factors acima de 75% significam que a linha aérea está deixando muitos passageiros no solo sem poder voar em suas aeronaves, como já explicado por Silva (2005), e um vácuo competitivo está sendo criado. Assim, o ideal é operar com load factors entre 55-75%. Desta forma, as aeronaves ERJ-135, ERJ-145, EMB-170 e EMB-190 tinham cada uma aproximadamente 36% (ou seja, 75/55 menos um) mais assentos que a aeronave anterior. A única exceção à regra era o ERJ-195, cuja capacidade refletia restrições impostas ao alongamento excessivo da fuselagem usada para a aeronave de 70 passageiros (ERJ-170), assim como considerações de cunho competitivo (ou seja, não competir diretamente com o Boeing 737 e o Airbus A319, muito embora estivesse situado na mesma faixa que o Boeing , de 106 passageiros; que os Boeing 737 mais antigos; e que o Airbus A318, de 107 passageiros). O programa deveria consumir investimentos da ordem de US$ 850 milhões e, segundo Ghemawat et al. (2000), US$ 500 milhões seriam usados no desenvolvimento do primeiro avião da família. Caso o projeto fosse um sucesso, as receitas da Embraer mais que dobrariam (numa estimativa contando com mais de US$ 2 bilhões em receitas anuais adicionais devido às vendas do novo programa). O programa seria desenvolvido com a parceria de risco de 11 empresas (quadro 4.1), portanto, bem mais que os quatro da família ERJ, porém com um número de fornecedores bem menor. Enquanto os ERJ tinham recebido partes de 400 fornecedores, os E-jets receberia apenas de

146 Quadro 4.1: Parceiros de risco do programa 170/190 Fonte: Embraer apud Alves et al. (2005) Segundo Cassiolato et al (2002), a nova política de fornecimento da Embraer tinha três objetivos principais: 1. Produção doméstica de partes, componentes e subsistemas, através da atração de parceiros no programa EMB-170/190 para as vizinhanças da fábrica em São José dos Campos; 2. Redução do número de fornecedores externos e locais, estabelecendo novas normas e parâmetros para a composição e integração da cadeia de fornecimento. Tal esforço explica a redução de 90% no número de fornecedores (de aproximadamente 400 no programa ERJ-145 para aproximadamente 40 no programa EMB-170/190); 3. Construção de novos tipos de relacionamento com fornecedores e gestão de fluxos entre os fornecedores de sistemas, partes, componentes e serviços tecnológicos, através de um padrão de pacotes tecnológicos. Para a família de jatos EMB-170 e EMB-190, a Embraer selecionou a empresa americana General Electric (GE) para fornecer os motores, muito embora também fosse fornecedora do CRJ-700 da Bombardier e do FD-728 da Fairchild Dornier, os competidores diretos do ERJ-170. No entanto, foi a única do setor que desenvolveu um motor específico para a categoria. Segundo Bernardes (2000a), a GE é considerada um parceiro crucial para o sucesso do projeto, já que os motores representam cerca de 20% do preço final da aeronave, que no caso do EMB-170 é de 130

147 aproximadamente US$ 22 milhões, e no EMB-190, US$ 27 milhões. Outra parceira da nova família é a Honeywell, que participou do projeto ERJ-145 somente como fornecedora, e não como parceira de risco. A Honeywell projeta e fabrica os aviônicos das aeronaves. A Gamesa, pertencente ao pool de parceiros do projeto ERJ-145, também integra o novo programa, desenvolvendo as empenagens da aeronave e a parte traseira da fuselagem. A Hamilton Sundstrand é responsável pelo cone de cauda. Outro parceiro é a japonesa Kawasaki Heavy Industries, que investiu US$ 100 milhões no desenvolvimento da parte central da asa, superfícies de controle e pilones. No entanto, é importante ressaltar o papel desta última, que em 2006 transferiu a responsabilidade da fabricação para Embraer e saiu do projeto após indenizar a empresa brasileira. A parceria de compartilhamento de risco foi estabelecida da seguinte forma: os parceiros deveriam custear o desenvolvimento dos sistemas sob sua responsabilidade no projeto, custo que não seria reembolsado pela Embraer e que era estimado em US$ milhões. Além disso, os parceiros deveriam fazer contribuições ao caixa da Embraer para ajudar a empresa brasileira a financiar os seus custos de desenvolvimento do projeto, embora a companhia se comprometesse a reembolsar esta contribuição para os parceiros caso não conseguisse obter o certificado de aeronavegabilidade da nova aeronave. Por fim, os parceiros também seriam envolvidos na estruturação de financiamento das vendas e em garantias financeiras, tais como o valor residual da aeronave para os clientes. De acordo com Bernardes (2000a), a Embraer ficou responsável por 45% do projeto da família EMB-170/190, além de ser a responsável pela integração de todos os sistemas, estrutura e parte técnica final da montagem. A distribuição de responsabilidades dos parceiros é mostrada na figura abaixo (figura 4.5). 131

148 EMB-170/190. Figura 4.5: Responsabilidades dos parceiros de compartilhamento de risco no Fonte: Embraer (2004b) Para Bernardes (2000a), o uso e aperfeiçoamento da estratégia de alianças estratégicas com parceiros de risco foi um fator fundamental para o sucesso da Embraer frente à concorrência internacional, caracterizada por oligopsônios e conglomerados com grande capacidade de investimento e poder de mercado, além de subsídios financeiros dos seus países de origem, muito mais ricos e influentes que o Brasil. Entre tais empresas, destacam-se a Boeing (Estados Unidos) nos mercados civil e militar; a Airbus (Europa) e a Bombardier (Canadá) no mercado civil; a Lockheed Martin (Estados Unidos), a Raytheon (Estados Unidos), a British Aerospace Systems (Grã Bretanha), a Northrop Grumman (Estados Unidos), a Thomson (França) e a Aérospatiaele/Dassault (França) no mercado militar. Bernardes (2000a) defende que as alianças são condições necessárias para a sobrevivência da Embraer na indústria aeroespacial, dominada por conglomerados muito maiores que a empresa brasileira, todos dotados de enorme escala industrial. Para o autor, as alianças devem levar em consideração diversos fatores críticos, como a capacidade de aporte de capital nos futuros projetos, transferência e desenvolvimento de novas tecnologias, participação e agregação de mercado, conhecimento comercial e logística. De acordo com o autor, o grande desafio da Embraer será a gestão institucional e a celebração de alianças com os maiores fabricantes mundiais, com grande capacidade financeira e tecnológica, sem incorrer no risco de ser absorvida por uma delas num processo de fusão ou aquisição. 132

149 Em 1999, a Embraer fez um movimento para se reforçar no mercado militar. Obteve do governo brasileiro a aprovação para a venda de uma participação de 20% da empresa para um consórcio de quatro empresas francesas: Dessault Aviation, Aerospatiale Matra, Thales (antes conhecida como Thompson-CSF) e Snecma. A ação levantou controvérsia no Brasil, gerando críticas dos militares brasileiros a ponto de provocar a queda do ministro da Defesa, segundo Rother (2000). Por outro lado, a parceria com a França também foi vista como uma medida inteligente. Ela "implica a transferência de tecnologia e também o desenvolvimento de novos produtos no segmento aeroespacial", disse José Carlos Miranda, professor de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e especialista no setor de exportações do Brasil (Rother, 2000). Por conta própria, a Embraer não teria capacidade para desenvolver caças supersônicos como o Mirage 2000/5 produzido pelos franceses, como viria a reconhecer Botelho. Outra vantagem da venda foi o fato de a empresa ter recebido uma injeção de capital da ordem de US$ 500 milhões, segundo Silva (2008), que foram cruciais no desenvolvimento dos E-jets. Outra manobra na direção de voltar a reforçar a área de defesa, que havia sido deixada de lado na década de 90, foi o envolvimento da Embraer nos estudos iniciais da participação brasileira no projeto da Estação Espacial Internacional, ISS - International Space Station,através de contrato com o INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Do ponto de vista financeiro, em 2000, a empresa lançou suas ações nas bolsas de valores de Nova York e de São Paulo, tendo acesso a capitais mais baratos. O ano foi marcado por uma série de investimentos de expansão e capacitação para a empresa. Em fevereiro de 2000, a Embraer inaugurou seu Centro de Realidade Virtual (CRV), que contribuiu para redução do prazo de desenvolvimento dos E-jets, o que permitiu que o EMB-170 fosse lançado em 38 meses, 22 a menos que o ERJ-145. Segundo Coelho (2005), o CRV também contribui para a otimização dos serviços de manutenção, pois disponibiliza uma perfeita simulação das condições que serão encontradas durante as rotinas de manutenção. Outro sistema implementado pela Embraer em 2000, segundo Coelho (2005) foi o Knowledge Based Engineering (KBE). Trata-se de um sistema integrado, que incorpora um software, contendo banco de dados com informações, regulamentações, normas e restrições relativas a todo o conhecimento adquirido pela engenharia da empresa ao longo do tempo. O sistema permite resgatar para projetos futuros todos os 133

150 fatores condicionantes e restrições que, no passado, influenciaram uma determinada decisão técnica. Ainda no mesmo ano, a Embraer fechou um contrato de acordo de cooperação tecnológico com a TsAGI, da Rússia, o maior instituto de pesquisas aeronáuticas do mundo, que permite o acesso da Embraer aos túneis de vento e aos laboratórios de aeroelasticidade e aerodinâmica computacional daquela instituição (Beting, 2004). Foi também no mesmo ano que a empresa inaugurou um escritório comercial e depósito de peças localizados em Beijing, na China, além de comercializar e prover suporte pós-venda para aeronaves. Pouco tempo depois (2002), a Embraer se fixaria como fabricante local, instalando uma linha de montagem dos jatos ERJ-145 na cidade de Harbin, província de Heilongjiang. A fábrica foi instalada através de um contrato com as empresas Harbin Aircraft Industry Group Co. Ltd. e Hafei Aviation Industry Co. Ltd., controladas pela China Aviation Industry Corporation II (AVIC II), criando assim a Harbin Embraer Aircraft Industry Company Ltd. A primeira unidade fabricada na nova empresa saiu da linha de produção em dezembro de Ainda em dezembro de 2000, a Embraer inaugurou um escritório comercial em Cingapura, também para prover serviços pós-venda e comercialização. No ano seguinte, continuou expandindo-se com a inauguração da Unidade de Eugênio de Melo, distrito de São José dos Campos, e distante cerca de 15km da sede da empresa. Num terreno de 340 mil metros quadrados, com área construída de 45 mil metros quadrados, a Embraer abrigou as atividades de desenvolvimento e fabricação de ferramental, fabricação de tubos, solda e serralheria, além de grandes cablagens (montagem de chicotes elétricos). No entanto, mais tarde seria deslocado para a unidade o desenvolvimento da família de jatos executivos de pequeno porte Phenom. Num acordo da Embraer com o Sesi Serviço Social da Indústria, a empresa inaugurou a unidade de Gavião Peixoto, no interior de São Paulo, onde se localiza a maior pista do Brasil, com 5km. Nesta pista é possível realizar uma série de ensaios que já não eram mais viáveis em São José dos Campos, dada a característica comercial do aeroporto local. A unidade se tornou o centro de ensaios em vôo da empresa e, mais recentemente, a planta onde são fabricados os jatos Phenom. Completando a expansão de suas unidades, também ampliou a Neiva, em Botucatu, unidade que chegou a colocar à venda em Segundo Goldstein (2002), a demanda por novas aeronaves encontrava-se tão forte no ano 2000 que as expansões representaram um aumento de capacidade de 33% ao longo do ano. 134

151 No entanto, justamente quando o mercado vivia um momento favorável, sofreu um dos maiores baques da história recente, com os ataques terroristas aos Estados Unidos. O tráfego aéreo mundial, que desde a Segunda Guerra Mundial vinha crescendo continuamente, enfrentou um período de encolhimento. As pessoas passaram a ter medo das viagens aéreas, temendo novos ataques. Como conseqüência, foi criada toda uma estrutura de proteção à segurança individual e coletiva, com a aplicação de inéditas restrições aos passageiros. Desde aquela época, foram intensificadas as práticas de inspeção a pessoas e bagagens, bem como a verificação de documentos (Silva 2008). Nos meses que se sucederam aos ataques, a maior parte das empresas aéreas acumulou pesados prejuízos, como as americanas American Airlines, Continental, Delta e United, que, se não tivessem sido socorridas pelo governo dos Estados Unidos, teriam parado suas operações naquele momento. Estatais européias, como Air France, Alitalia, Lufthansa e SAS, por exemplo, também não quebraram porque foram apoiadas pelos respectivos governos. O impacto da crise foi realmente forte nas fabricantes. A Boeing demitiu mais de trinta mil funcionários (Newhouse, 2008), um nível de retração que só não foi maior que a crise vivida na década de 90. O gráfico abaixo mostra o número de aeronaves colocadas fora de serviço pelas empresas norte-americanas em 2002 em cada categoria. Gráfico 4.5: Composição relativa do conjunto de aeronaves tiradas de serviço em julho de Fonte: Embraer apud Alves et al (2004) A Embraer, por sua vez, demitiu funcionários. Seu maior investimento no ano talvez tenha sido o lançamento do site Aerochain, que custou US$ 21 milhões (revista Exame, 2001) e cuja idéia é explorar o mercado de reposição de peças e de manutenção de aeronaves. Resultado de seis meses de trabalho a portas fechadas e 135

152 de uma concorrência que envolveu oito empresas, a Aerochain tem como sócias e parceiras a empresa de software Oracle, a consultoria norte-americana KPMG e a ATR, fabricante francesa que lidera o mercado de aeronaves turboélices. Os atentados de 11 de setembro colocaram a indústria em modo de espera. No entanto, amparada por um bom resultado em 2000, a empresa manteve os investimentos na família E-jets, numa atitude que mais tarde se mostrou acertada. Já em 2002, o setor começou a se recuperar e a Embraer teve até mesmo que voltar a contratar parte do efetivo perdido pela crise. Pôde também aproveitar os primeiros alunos egressos do seu curso de formação em engenharia, o PEE (Programa de Especialização em Engenharia), estabelecido em 2001 com parceria do ITA, no qual os alunos saem formados pelo mestrado profissionalizante da instituição de ensino. O curso seleciona aproximadamente 100 engenheiros por ano (Embraer, 2006), e, segundo Silva (2008), consumiu boa parte dos US$ 100 milhões que a Embraer investiu em ensino nos últimos sete anos. Já em 2002, a empresa começou a seguir a estratégia de investir na prestação de serviços e montou em Nashville, Tennessee, nos Estados Unidos, a Embraer Aircraft Maintenance Services (EAMS), numa atitude antecipada de um setor em que ela viria a investir pesado nos anos seguintes, principalmente com lançamentos sucessivos no mercado de aviação executiva. No ano seguinte, 2003, anunciou a intenção de inaugurar instalações industriais em Jacksonville, Flórida, para a produção de aeronaves voltadas para o mercado norte-americano de defesa e segurança nacional. As novas instalações no Cecil Commerce Center qualificariam integralmente a empresa como fornecedora do governo dos Estados Unidos para os programas do Departamento de Defesa. A efetiva implementação dessa planta estaria condicionada à existência de contrato ou contratos para esse segmento. Este movimento era o prenúncio para a parceria com a Lockheed Martin, anunciada ainda no mesmo ano, de forma a competir em uma concorrência para desenvolver a próxima geração de sistemas de inteligência, vigilância e reconhecimento das Forças Armadas dos Estados Unidos, conhecida como Aerial Common Sensor (ACS). Em 2004, foi anunciado que o consórcio liderado pela Lockheed Martin havia ganhado a licitação do Pentágono, sendo escolhido para o desenvolvimento do sistema aerotransportado de inteligência, vigilância e reconhecimento para o Exército (U.S. Army) e para a Marinha (U.S. Navy) dos EUA. A participação neste consórcio vencedor marcaria a entrada da Embraer no mercado de defesa norte-americano, cujo contrato excedia US$ 880 milhões (num total de mais de 136

153 US$ 7 bilhões para todos os membros do consórcio durante a vida útil do programa, estimada em 20 anos) (Coelho, 2005). Inicialmente, o jato ERJ-145 da Embraer seria a plataforma para a nova aeronave ACS. Entretanto, por restrições técnicas impostas pelos Estados Unidos, constatou-se a posteriori que o jato não serviria de base e o programa foi cancelado em janeiro de 2006 (Silva, 2008). A Embraer ainda tentou fazer com que o EMB-190 fosse aceito pelo governo norte-americano, mas não se chegou a um acordo comercial. O ano de 2003 também foi marcante pela venda de 45 aeronaves com opção de mais 45 jatos EMB-190 para a Air Canada. A venda foi uma surpresa para muitos no mercado, devido ao fato de a Embraer ter conseguido realizar uma venda no próprio país da concorrente Bombardier (Coelho, 2005). O movimento iniciado em 2002 com a criação da EAMS ganhou força em 2004, ano em que a Embraer, em consórcio formado com a EADS, comprou as Oficinas Gerais de Material Aeronáutico (OGMA), fundada em Portugal em As empresas assinaram um acordo estratégico de cooperação industrial, criando a Indústria Aeronáutica de Portugal, destinada a realizar serviços de manutenção, reparos e revisões gerais de aeronaves civis, militares, equipamentos, além de manutenção de motores e também para fabricação de componentes industriais. Com uma carteira de clientes que incluem a Força Aérea Francesa, a Força Aérea e a Marinha dos Estados Unidos e a Agência de Manutenção e Suprimento da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a aquisição interessava à Embraer em dois setores em que a empresa vem buscando crescimento: venda de serviços e militar. Para serviços, é interessante por ser um centro de excelência em manutenção na Europa, com clientes como TAP (de Portugal), British Midland, Alitalia e Luxair (de Luxemburgo), que podem servir de base de manutenção também para a aviação executiva, na qual a empresa vem buscando crescer (Silva, 2008). Para isso, inaugurou em 2006 um hangar dedicado a manutenção, reparo e revisão dos jatos executivos da Embraer, numa área total de metros quadrados ( pés quadrados), que foi reformada, recebeu novas oficinas, salas de recepção para clientes de aviação executiva e tripulações. Sob o aspecto militar, é uma empresa com experiência inclusive na fabricação de componentes do setor, o que interessa à Embraer, principalmente se a empresa decidir lançar o programa de cargueiro militar C-390. Segundo Beting (2004), a meta para 2010 é de passar a participação da aviação militar em seu faturamento de 10% para 35%. 137

154 De acordo com seu vice-presidente para o Mercado de Defesa, Romualdo Monteiro de Barros, a Embraer estaria se transformando de fabricante de aeronaves militares em fornecedora de sistemas inteligentes de defesa. Assim, busca transferência de tecnologia dos seus novos parceiros franceses, tentando adquirir capacidade tecnológica em sistemas e softwares de defesa, para poder oferecer produtos além de aeronaves militares, capacitando-se paralelamente para competir em outros mercados com sistemas de defesa para forças navais e exércitos (Coelho, 2005). Percebe-se que a aviação militar e a prestação de serviços na Embraer se encontravam num momento de pouca importância relativa em comparação à aviação civil, se for tomado por base o critério do faturamento. Em 2002, a aviação militar representava somente 5,7% do faturamento da empresa, enquanto a aviação civil alcançava 87,9% e serviços aos clientes ficavam com os 6,4% restantes. Comparando-se estes números com a média histórica do mercado militar, de 45% do faturamento total da empresa, pode-se perceber a importância que os projetos civis ganharam no conjunto de produtos da empresa (Coelho, 2005). O aumento gradual da aviação militar e de prestação de serviços são importantes, por normalmente serem de mais longo prazo, o que traz estabilidade financeira e operacional para a empresa. Além disso, o desenvolvimento de aeronaves militares possibilita a geração de novas tecnologias, posteriormente aproveitadas nas aeronaves civis, como a Embraer fez ao longo de muitos anos. A empresa continuou demonstrando seu interesse pelo mercado executivo, quando anunciou, em 2005, que fabricaria uma nova classe de jatos, denominadas Very Light Jets (VLJ) e Light Jets (LJ), mais tarde batizados com os nomes comerciais de Phenom 100 e Phenom 300, respectivamente. Os nomes foram anunciados durante a apresentação dos mock-ups (modelos) em tamanho real dos novos jatos executivos na convenção anual da National Business Aviation Association (NBAA), em Orlando, Estados Unidos. O Phenom 100 é equipado com motores PW617F, fabricados pela Pratt & Whitney, no Canadá, cada um com libras de empuxo. Transporta até seis passageiros e tem um alcance da ordem de milhas náuticas (2.100 km). Foi colocado no mercado a um preço aproximado de US$2,75 milhões e entrou em serviço em O Phenom 300, de maior capacidade, já dispõe de asa em flecha (para velocidade maior), apresenta características niveladas com jatos de maior custo, tem motores mais fortes, PW535E, também da Pratt & Whitney, com libras de 138

155 empuxo, que permitem transportar até 9 passageiros. O alcance fica na faixa das milhas náuticas (3.300 km). Tem preço estimado em US$6,65 milhões, com previsão de entrar em serviço em Segundo Coelho (2005), o sucesso do Legacy no mercado executivo permitiu à empresa adquirir conhecimentos deste subsetor e obter reconhecimento do mercado, abrindo as portas para clientes que demandem aeronaves executivas menores que o Legacy, que é baseado no ERJ-135. A empresa estima um potencial de venda de aeronaves deste tipo na próxima década (não é computado o mercado potencial de táxi-aéreo, caso em que somariam cerca de aeronaves) e se prepara para a competição com um investimento total de US$ 235 milhões, apoiado por parceiros estratégicos, instituições financeiras e geração de caixa próprio. Ainda segundo o autor, a Embraer acredita que as barreiras de entrada nos segmentos inferiores do mercado são mais baixas do que no mercado de aviação comercial de longo alcance, havendo uma janela de oportunidade especialmente na área dos Very Light Jets, até agora confirmadas. Somados os dois projetos, a empresa tem cerca de 800 pedidos firmes. A Embraer identificou três classes de consumidores dispostos a comprar modelos corporativos: indivíduos com alto poder aquisitivo (pessoas físicas), grandes empresas sobretudo nos EUA e companhias de propriedade fracionada, como a NetJets, maior empresa de propriedade fracionada de aeronaves em todo o mundo e pertencente ao conglomerado Berkshire Hathaway, de Warren Buffett. No entanto, trata-se de um mercado mais pulverizado do que a aviação civil. Nesta categoria, a Embraer encontra a concorrência de cinco competidores com muita tradição na aviação executiva: Cessna, Gulfstream, Bombardier, Raytheon e Dassault. Concorrência que só aumentaria quando a Embraer anunciasse os novos MLJ (Mid Light Jets) e MSJ (Mid Size Jet). Assim como as concorrentes, a Embraer pretendia, desde o início, lançar uma gama de produtos neste setor para suprir as necessidades específicas dos consumidores de aviação executiva, o que vai ao encontro da meta da empresa de ser um ator de peso no setor dentro de 10 anos (Coelho, 2005). Tanto é assim que já no ano seguinte anunciou na European Business Aviation Convention & Exhibition (Ebace), realizada em Genebra, Suíça, o Lineage 1000, um jato executivo da categoria ultra-large baseado na plataforma do avião comercial EMB A aeronave, que custa mais de US$ 40 milhões, tem um mercado bem mais restrito, mas tem encontrado clientes no Oriente Médio, que podem incluir até um banheiro com chuveiro na aeronave. 139

156 A fim de dar bom atendimento a tais clientes, a Embraer lançou o Embraer Executive Care, um programa de apoio ao cliente concebido para dar assistência aos clientes no gerenciamento de manutenção estrutural e dos motores, cobrindo a execução de todas as tarefas de manutenção, reservas nos centros de manutenção e aquisição de peças. O programa oferece pagamentos mensais prefixados, calculados com base nas horas de vôo projetadas e no perfil operacional de cada cliente. O novo programa sucedeu o Total Legacy Care para incluir todos os jatos executivos da empresa. A agressividade de investimentos no setor continuou. Em 2006, a empresa anunciou a construção de quatro novos centros de serviços, três nos EUA e um na Europa. Serão dedicados ao atendimento da linha completa de jatos executivos da empresa, cujos investimentos somariam US$ 40 milhões, distribuídos da seguinte forma: um no Aeroporto Internacional de Fort Lauderdale, na Flórida; outro no Aeroporto de Williams Gateway, em Mesa, no Arizona; e o terceiro no Aeroporto Internacional de Bradley, em Windsor Locks, Connecticut, além de um centro de serviço no aeroporto de Le Bourget, em Paris, França. Os critérios para a seleção dos centros de serviços foram localização e adequação das instalações disponíveis, qualificação da força de trabalho local, infra-estrutura aeroportuária e logística favorável para transporte de clientes e fornecedores. Hoje conta com uma rede de apoio aos clientes de cinco centros de serviço próprios e 23 autorizados em todas as partes do mundo. Em medida inédita, também formou uma joint venture com a canadense CAE Flight Training em 2007, a fim de entrar num novo negócio de treinamento para pilotos e equipes de solo de clientes da Embraer proprietários de aeronaves Phenom 100 e Phenom 300. Incialmente, o programa seria oferecido na unidade SimuFlite da CAE localizada em Dallas, Texas, começando com a entrada em serviço do Phenom 100 em meados de 2008 e, em seguida, expandido para o centro da CAE em Burguess Hill, Inglaterra, próximo ao aeroporto de Gatwick, no início de 2009, quando o primeiro Phenom 100 for entregue na Europa. Posteriormente, pensa-se em incluir também o treinamento de pilotos da linha de E-Jets e do jato executivo Lineage Para gerir essa oferta de serviços, a empresa criou em 2006 uma unidade de negócios de serviços aeronáuticos que, no ano seguinte, atingiu o faturamento de US$ 528 milhões. Essa unidade tem sob sua responsabilidade a condução de três frentes de negócios: serviços de manutenção, soluções em materiais e treinamento de clientes. 140

157 O destaque maior no setor de aviação executiva ficaria mesmo para abril de 2008, quando foram anunciados os programas dos dois novos jatos Embraer MSJ e Embraer MLJ. O MSJ, da categoria midsize, com alcance de km (3.000 milhas náuticas), e o MLJ, da categoria midlight, com alcance de km (2.300 milhas náuticas), que estarão posicionados entre o Legacy 600 e o Phenom 300 no portfólio de jatos executivos da empresa. Nestes programas, a Embraer pretende investir aproximadamente US$ 750 milhões em pesquisa e desenvolvimento. Os novos modelos devem entrar em serviço no segundo semestre de 2012 e 2013, respectivamente. No meio de todos esses movimentos de expansão, foi divulgado em agosto de 2006 que estava sendo preparado o plano de sucessão de Maurício Botelho no comando da empresa. O processo foi encerrado em abril de 2007, quando assumiu o engenheiro Frederico Fleury Curado como novo diretor-presidente, enquanto Botelho permaneceria como presidente do Conselho de Administração. Curado já assumiu com o desafio de manter o crescimento no segmento executivo e também de dedicar especial atenção ao setor militar. A empresa tem pronto o projeto de um cargueiro, conhecido pela sigla de C- 390, que viria a ser o avião mais pesado que a Embraer já produziu. Um jato cargueiro para aproximadamente 19 toneladas de carga, que utilizaria componentes do EMB- 190 para reduzir os custos do projeto, que mira na renovação da frota de cargueiros, principalmente nos já envelhecidos Hércules C-130 norte-americanos. Por enquanto, nenhum cliente estrangeiro fez uma encomenda expressiva que justifique o lançamento oficial do programa. Por este motivo, a Embraer vem tentando aqui mesmo no Brasil uma primeira encomenda do Ministério da Aeronáutica que pelo menos justifique o início do programa. Como disse Botelho à revista Exame, em 2005, o objetivo da Embraer ao investir no exterior não era apenas prestar serviços. A indústria de serviços mistura muito política e negócios. Por isso, a presença lá fora é tão importante. "Passamos a participar como europeus e americanos de decisões estratégicas e políticas nesses países. Tudo dentro de uma visão de expansão global". Além disso, a diversificação se faz necessária para redução de riscos. Durante um bom tempo, principalmente depois da privatização, a empresa veio concentrando atenção no mercado civil, que apresenta boas margens de lucros, mas é uma área sujeita a todos os tipos de problemas, das oscilações econômicas ao desempenho das companhias aéreas. Além do fato de que, em breve, receberá novos concorrentes, principalmente chineses, russos e japoneses. 141

158 5. RESULTADO DA ANÁLISE O capítulo de análise tem por objetivo identificar o comportamento da organização estudada diante dos desafios propostos pelo modelo de arquétipos de Fleck (2006) e, através deles, tentar verificar se a empresa estudada tem desenvolvido propensão a longevidade saudável, bem como avaliar os impactos da privatização numa indústria que exige grande aporte de capital estatal. Para isso, optou-se por separar a análise em dois períodos. O primeiro compreendendo a fase de 1965 a 1991, pois, embora a empresa tenha sido fundada em 1969, é interessante analisá-la desde sua formação ainda dentro do PAR no CTA com o lançamento do projeto Bandeirante, que foi o principal propulsor para que a empresa nascesse. E até 1991 que é quando o seu principal fundador, Ozires Silva, retorna à presidência da empresa para prepará-la para a privatização, que só ocorreu de fato em É importante lembrar que a empresa foi incluída no Plano Nacional de Desestatização em janeiro de O segundo período analisado compreende 1992, quando já se tem uma estrutura em preparo para a privatização, até 2008 (ano de realização do estudo). Para isso, partiu-se da identificação das duas fases traduzidas nas figuras 5.1 e 5.2 usando os arquétipos de Fleck (2006), de modo a identificar com que bases a empresa foi fundada e compará-la com o quadro atual pós-privatização, buscando evidências no material coletado para a pesquisa. Como visto na metodologia, os quadros assinalados por amarelo são aqueles em que não se encontraram evidências de respostas consistentes aos desafios do crescimento em questão. Aquelas em verde indicam que a empresa deu respostas consistentes aos desafios do crescimento propostos no modelo. No início do estudo, creditava-se à privatização todo o sucesso atingido pela empresa após a década de 90 que fez dela um importante player mundial num negócio complexo como a aviação, dominado por gigantes de países desenvolvidos. No entanto, o quadro foi sendo alterado conforme se aprofundava na pesquisa da história da empresa. Capacitações institucionalizadas (Selznick, 1957) durante o nascimento e crescimento da empresa ainda dentro da fase estatal se mostraram cruciais para que a empresa atingisse bem mais tarde, na década de 90, a posição de importante player. Através da análise, à luz dos desafios, buscou-se então, evidenciar que capacitações foram estas e posteriormente compará-las à situação atual, quando a empresa já completa 15 anos de privatizada. 142

159 Inicialmente, é importante ressaltar o ambiente diferente vivido nas duas fases estudadas. Num primeiro momento tem-se uma empresa lutando pela sobrevivência num ambiente político e econômico complexo, mas por outro lado, com a vantagem de uma força de trabalho idealista movida pela realização do projeto. E, numa segunda fase, uma empresa já global, num país com a economia mais estabilizada, com metas de retorno aos acionistas bem definidas, buscando crescimento num mercado competitivo dominado por grandes, mas também com uma força de trabalho diferente, já não tão presa ao idealismo das décadas de 70 e 80. Possivelmente, a maior diferença encontrada nas duas fases apresentadas esteja justamente na gestão dos recursos humanos da empresa. Apesar de se evidenciar uma coalizão dominante na DTE em ambas as fases, há uma nova geração na empresa que entrou motivada por ambições diferentes daquela encontrada ao longo da primeira fase. Portanto, a retenção desta nova mão de obra exige resposta diferente daquela encontrada na primeira fase. Destaca-se também na análise da Embraer a presença de empreendedores, que foram cruciais para que a empresa nascesse, crescesse e sobrevivesse. Não por acaso, na análise de ambas as fases foram encontradas evidências de demonstração da capacidade de levantar recursos, ambição, versatilidade. A maior diferença ficou por conta da capacidade de julgamento para a qual, na primeira fase, não foram encontradas evidências de respostas consistentes. Não parecia haver na empresa uma avaliação criteriosa dos passos a serem dados. Com relação ao desafio de navegação no ambiente chamou a atenção o fato de a empresa ter se mostrado capaz de capturar valor e trazer legitimidade à organização durante as duas fases, principalmente por serem fases com contextos tão diferentes. Conseguiu reter conhecimento adquirido via parcerias, sendo que na segunda fase, várias delas de risco. Conseguiu preservar um bom relacionamento com o Governo Federal, o que trouxe oportunidades e, principalmente, conseguiu de certa forma, anular a desvantagem de estar num país em desenvolvimento num setor que depende de investimento de capital intensivo. Outro ponto interessante levantado na análise diz respeito à formação de uma coalizão dominante na DTE. Se por um lado, a coalizão pode ter defendido a empresa de ter se tornado uma coleção de partes (Goshal e Mintzberg, 1994), além de ter sido a fonte dos recursos humanos para posições chave, por outro lado pode ter reduzido a heterogeneidade da empresa e também trazido conflitos de interesse, que também se encontram na segunda fase analisada. 143

160 Abaixo serão mostradas as capacitações que foram identificadas a partir do material coletado sobre a Embraer, correlacionadas aos desafios de crescimento propostos por Fleck (2006) para que ela nascesse, crescesse e sobrevivesse. E, posteriormente, uma visão de como se encontra atualmente a organização diante de desafios semelhantes. 5.1 Primeira Fase Desafio do Empreendedorismo Os serviços empreendedores (Penrose, 2006) são condições necessárias para o crescimento contínuo da organização. No caso da empresa estudada, foram encontradas evidências de que, ao longo de sua história, a Embraer de fato desenvolveu capacitações em quase todas as dimensões do empreendedorismo propostos por Penrose (2006): versatilidade, ambição, captação de recursos financeiros, exceto pela capacidade de julgamento, na qual se sugere que pode ter havido uma exposição ao risco excessiva. Sendo assim, optou-se por subdividir o quadro de empreendedorismo na forma apresentada pela figura 5.1. A gestão da folga também mereceu uma representação específica dada sua heterogeneidade nesta fase. Para isso, utilizou-se a variação do verde até o amarelo, considerando-se que de 1969 até aproximadamente 1986 ela teria gerido bem a folga organizacional, até o fim desta fase, já em crise, quando foram encontradas evidências de má gestão da folga, conforme será apresentado na análise adiante. 144

161 Figura 5.1: Análise da reposta aos desafios da primeira fase a) Ambição Conforme definiu Penrose (2006), a ambição é a mola propulsora dos empreendedores. Uma mola que ficou evidente no estudo da Embraer. Há evidências para afirmar que a empresa de fato se mostrou ambiciosa, nesta primeira fase considerada no estudo. Uma ambição, que a autora define como product-minded, aquela em que se buscam a melhoria da qualidade dos produtos, a redução dos custos, melhores tecnologias, a ampliação dos mercados, a introdução de novos produtos para os quais ela acredita ter vantagens produtivas. Uma ambição baseada na idéia de que a melhor maneira de obter lucros se dá através da melhoria e da expansão das atividades de suas organizações, em detrimento de eventuais ganhos passageiros. Ambição essa que foi passada para o corpo de funcionários, como pode ser visto pelo comprometimento, o sentido de objetivo comum e a motivação para a realização presentes ao longo de quase toda a primeira fase e que será explorado adiante. Tendo nascido de um pequeno grupo (PAR), que fazia parte do CTA/ITA, a organização buscou aprendizado, sem queimar etapas, para passar de um departamento que produzia protótipos, para uma empresa capaz de produzir aviões em série. E, pode-se dizer que o fez em pouco tempo. Em meados da década de 70 já 145

162 participava de quase todos os principais mercados de aviação: geral, civil e militar. Um bom exemplo do que a ambição da empresa trouxe. Nesta primeira fase analisada, ficou evidente a constante busca por oportunidades produtivas, mas que poderiam não ter se concretizado caso a empresa não tivesse sido capaz de internalizar o aprendizado que ia adquirindo a cada novo projeto. O Xavante que trouxe o aprendizado necessário para a montagem de uma linha de série para o Bandeirante. A parceria com a Piper que contribuiu para a consolidação de um serviço de venda e distribuição. O Tucano, que além dos ganhos tecnológicos, trouxe a experiência para a exportação de produtos, que viria a ser fundamental para a vida da empresa. O Xingu, a primeira aeronave pressurizada que abriu caminho para um dos maiores sucessos da empresa que foi o Brasília. Sem esquecer também da busca constante por processos cada vez mais atualizados, um fator essencial para a manutenção da competitividade da empresa. Os processos de expansão também servem como uma boa evidência para as ambições da empresa. A aquisição da Neiva, as criações da EDE, da EAC e da EAY, assim como os projetos, também traziam aprendizados essenciais para a empresa que buscou o crescimento desde sua fundação, como mostra o entrevistado # 7 (2008, p. 27): A Embraer se desenvolveu, através de muito sacrifício, muito estudo, e nada de queimar etapas. A declaração do entrevistado # 3 evidencia não só a ambição da empresa, mas também características essenciais para o setor e que a empresa buscou desde o início: (...) nós somos de ter vontade, aproveitar a oportunidade na hora certa. Fazer as coisas quando precisam ser feitas.tem que estar preparado e ter oportunidade, usar a oportunidade. Mas tem uma terceira coisa, que é muito importante: ter sorte. (...) O quarto fator, pra mim, que eu não falei que era ter sorte no anterior. O quarto fator é ter produto novo constantemente. Isto vale pra tudo: pra indústria automobilística, vale pra tudo. A Dornier faliu por mau gerenciamento. Atrasou, atrasou, atrasou, faliu. Bom, nós ficamos sozinhos no mercado. Agora, entrou a Mitsubishi, entrou a Rússia e vai entrar a China. Vai entrar, mas muito tarde. Nós estamos dez anos na frente (...) (Entrevistado # 3, 2008, p. 27) Essa busca por novos produtos constantemente, que a empresa buscou desde o princípio, se mostrou ao longo do estudo, uma característica essencial para a vida da empresa no setor. O assunto será explorado mais adiante no tópico sobre folga, mas é importante ressaltá-lo neste momento, pois evidencia a ambição da empresa 146

163 naquele início, quando ainda estava terminando o desenvolvimento do Bandeirante e já buscava projetos bem diferentes por ter tido essa percepção. É importante mostrar que o projeto Bandeirante, iniciado em 1965, ainda dentro do PAR, nasceu alguns anos depois, após dois fracassos sucessivos do mesmo órgão, conforme visto anteriormente. No entanto, já nasceu com ambições maiores do que um experimento sem data para acabar. Nasceu sendo pensado para o mercado externo, como mostra o trecho abaixo extraído da entrevista 6: (...) E a flexibilidade era absolutamente essencial, porque nós sabíamos, desde o começo da Embraer, que jamais o Brasil, nesse projeto de pobreza bem-sucedido, teria escala de demanda de aviões que pudesse justificar uma fabricação aeronáutica. Qualquer conta que você fazia do ponto de vista industrial com a cadência mínima de produção de avião, você em pouco tempo, em poucos anos, você lotaria o mercado e ficaria com a empresa sem perspectiva. Quer dizer, então, nós precisávamos do mercado externo. (Entrevistado #6, 2008, p. 3) A flexibilidade a que se refere o entrevistado diz respeito à fundação da empresa como sociedade de economia mista, decorrente de uma lei criada em 1966 pelo governo militar que foi a solução encontrada em 1969 pelos empreendedores da Embraer para a fundação da empresa. Nesta fase de fundação, o importante era fazer crescer não só o projeto, como também o departamento do qual ele nascera para justificar então o nascimento da empresa. Desta forma, a ambição dos fundadores estava muito mais ligada ao crescimento da empresa, com a preocupação de torná-la rentável para que se sustentasse dali em diante, do que a um ganho de rentabilidade passageiro, ou seja, vender aquele novo projeto apenas para o Governo Federal, o procedimento mais comum na época. Dentro do que Penrose (2006) propõe um direcionamento productminded, mais do que empire-builder. Importante notar que esta característica direcionada ao produto viria acompanhar a empresa dali em diante. É também importante lembrar que tudo isso acontecia num momento em que a criação da empresa não era senso comum no Ministério da Aeronáutica. Diante desse quadro de dependência do Governo Federal, uma das idéias dos fundadores da empresa era fundar uma empresa privada, pois acreditavam que a capacidade de expansão e sobrevivência da organização estaria mais garantida fora dos altos e baixos dos governos até então. Não que a venda para o Estado devesse ser evitada, pelo contrário. Bédier et al (2008) colocam como uma das condições essenciais para o sucesso de um novo projeto aeronáutico, a venda de um lote significativo para o governo local. No entanto, a ambição dos empreendedores era não depender apenas disso para o sucesso do 147

164 produto. Entendiam que se limitassem as vendas às compras federais, estariam também limitando a capacidade de crescimento bem como de sobrevivência da empresa. A declaração do entrevistado # 6 abaixo ajuda a mostrar a idéia naquele início: Por outro lado, todas as nossas viagens para o exterior tinham que ser autorizadas por um termo do ministro e publicadas no Diário Oficial. Então, a gente até brincava muito, que se as concorrentes quisessem saber onde nós fomos tentando vender avião, bastava ler o Diário Oficial. Quer dizer, coisa desse tipo. Isso sem contar a parafernália de comprovações incomprováveis, de auditorias, de gente que tinha poder político, mas não tinha competência. Ou seja, coisa dessa natureza, que você sabe muito bem como o Brasil funciona. Isso nos levou a sempre considerar a empresa de uma forma privada. Tanto é que mesmo durante o período estatal não aceitávamos, sob hipótese alguma, que nos comportássemos como governo. Se você viu a Embraer, ela sempre funcionou como uma empresa no duro. Nós nunca postulamos, embora pudéssemos ter, poder governamental, nos metemos na importação dos concorrentes, coisa dessa natureza. Nós nunca fizemos isso. Que não é o caso da Infraero, que foi criada exatamente como a Embraer. A Infraero ainda é vista hoje como governo. Ela foi criada mais ou menos na mesma época e vinculada ao mesmo ministério. O nosso comportamento na Embraer era de empresa. O comportamento da Infraero era de governo, está certo? Quer dizer, então, você veja a diferença. E nós não tínhamos uma política nacional de privatização. Quer dizer, então nós fomos vivendo do ponto de vista de companhia estatal, mas companhia estatal com forte conotação privada, né? Até foi muito curioso que no primeiro dia de vida da Embraer nós vínhamos do CTA, num momento viramos Embraer do outro, não é? Aí, naquele dia, a secretária chegou pra mim e disse que tinha ofício pra assinar. Aí, eu falei pra ela, empresa não faz ofício, empresa faz carta. Foi logo no primeiro dia. Aí, ela, sim senhor. Aí, ela já mudou de calibre. (Entrevistado # 6, 2008, p. 15) Mesmo diante deste contexto, a empresa seguia mostrando a ambição de crescer. No auge do desenvolvimento do Bandeirante, e ainda imersa no desafio de torná-lo um produto de série, a empresa aceitou o desafio de projetar um novo avião agrícola, que o Ministério da Agricultura pretendia adquirir no mercado externo e que Ozires buscou trazer para a recém-criada Embraer, como fica evidenciado pela declaração abaixo: Desse modo, a situação no início de 1969 tornou-se pesada, exigindo de cada um muito trabalho. Dedicávamo-nos intensamente aos ensaios em vôo e aos estruturais do Bandeirante no recémconstruído laboratório de testes. Paralelamente, na improvisada linha de produção do hangar do CTA, montava-se o segundo protótipo do nosso bimotor e iniciava-se o projeto e a construção do Ipanema. Tínhamos ainda o compromisso de transformar o planador Urupema em um produto que poderia ser fabricado em série. (Silva, 2005, p. 232) 148

165 (...) Guido imediatamente conduziu o time que projetou a aeronave em pouco tempo. O projeto foi concebido, tendo várias soluções sendo dadas a partir da sugestão de operadores de aeronaves semelhantes do mercado. (Silva, 2005, p. 236) Tem que se destacar também a importância do papel do engenheiro Guido Pessotti como Diretor Técnico da empresa. Como o francês Max Holste já havia deixado a empresa, Guido assumiu o papel de grande mentor técnico dos programas que a Embraer vinha abraçando nesta primeira fase, como foi visto depois também com os projetos Brasília e Tucano principalmente. Ainda buscando o crescimento da empresa, a Embraer assumiu mais um projeto ambicioso para a época, que foi a montagem do jato Xavante, após a encomenda de um lote de 112 aeronaves feita pelo Ministério da Aeronáutica. Apesar do desenvolvimento do produto não ter sido feito pela brasileira, a quem cabia apenas montar a aeronave de projeto italiano, os gestores da Embraer perceberam que a montagem das aeronaves aqui traria aprendizado na instalação de uma produção seriada, até então inédita para a empresa que fabricara apenas protótipos. Um aprendizado que viria a ser crucial para o sucesso do Bandeirante. Vale ressaltar que tal aprendizado só foi possível graças ao intercâmbio freqüente dos funcionários da empresa brasileira e da ambição de aprender com os já mais experientes italianos. Segundo alguns dos entrevistados, a busca de aprendizado através dos programas de intercâmbio com empresas da mesma indústria se tornou uma característica da Embraer. Nós fabricamos sob licença o Xavante, um avião-treinamento muito bom que deu na Itália resultados extraordinários. Então, tudo caminhou para um acordo e a Itália queria, justamente, um parceiro pra desenvolver um avião, o AMX, que foi uma oportunidade extraordinária pra Embraer de aquisição de tecnologias muito sofisticadas que até hoje são usadas. Obviamente, aperfeiçoadas, mas que foram. Sempre o que a Embraer fez foi usar a tecnologia que ela adquiriu em qualquer outro programa nos outros programas. (Entrevistado # 10, 2008, p. 2) Para fazer trabalho com a Aermacchi. E foi no AMX. O AMX, ele também deu uma paradinha na década de oitenta, mas por causa do 120. Na realidade, a Embraer participava com 27%, porque a parte da Embraer era a parte da asa. E aí faltava, em relação à porcentagem, vamos dizer assim, faltava um pouco para ela ir para os vinte e sete. Então, o que ela fez? Mando mão-de-obra para vocês. Mandava para a Itália. Foi uma coisa boa, porque introduzia o pessoal que trabalhava numa fábrica totalmente fora, e você já ia pegando alguns macetes mais. (Entrevistado # 1, 2008, p. 11) A Embraer solicitou que um enorme número de técnicos italianos residisse em São José dos Campos. De início os italianos não entenderam para que tantos técnicos (600 homens-meses) para somente ajudar no aprendizado de montagem e operação dos MB- 149

166 326. No entanto, a Embraer queria que eles ajudassem na produção seriada dos Bandeirante, o que eles fizeram com grande entusiasmo. Vários deles acabaram se naturalizando brasileiros e nunca mais foram embora. (Silva, 2005, p. 272) A Embraer com praticamente 2 anos de existência já tinha três aeronaves de mercados e propostas bem diferentes entre si, voando, e mais do que isso, essa ambição por fazer, por crescer era compartilhada na empresa como mostram os relatos dos entrevistados # 1 e 4, que trabalharam por mais de 30 anos na empresa: Era incessante. Era uma loucura. Pareciam loucos trabalhando lá todos os dias, não tinha hora, não tinha nada. Nós íamos pro restaurante do CTA, ficava longe do nosso setor. Então, todas as noites, o pessoal trabalhando ali estava montando já o primeiro protótipo sem jantar... (Entrevistado #4, 2008, p. 4) Vamos fazer uma fábrica! É porque a gente tem competência. Aquela luta, né? Aí, o Ozires não saía de Brasília e usava dos aparatos dele lá pra concretizar isso, né? (Entrevistado #4, 2008, p. 8) Essa é uma das coisas boas. E a gente trabalhava ali, no início, de segunda a segunda, não tinha... A turma trabalhava pesado, e contente, e bem. E feliz. Era novidade, e era gostoso trabalhar. (Entrevistado # 1, 2008, p. 26) Outro traço da ambição da empresa ficou bem evidente diante da dificuldade em conseguir a certificação do FAA. Para uma empresa que já havia nascido pensando no mercado norte-americano, era essencial a homologação do órgão daquele país. Apesar da recusa inicial por parte do FAA, a Embraer trabalhou por mais quase quatro anos até conseguir a certificação em A parceria com a Piper, fechada em 1975, também foi mais uma clara demonstração de busca por expansão produtiva. A parceria, que consistia na montagem de kits de aeronaves da aviação geral exclusivamente para o mercado interno, permitiria um ganho de escala com o qual ela ainda não tinha lidado. Assim, também aproveitava um momento em que a demanda por este tipo de aeronave no Brasil estava em alta. Junto com o projeto de parceria com a Piper veio também a estruturação de uma divisão de vendas, em particular a de âmbito nacional, que montou uma rede de revenda e consolidou a assistência técnica por todo o país, além de uma parceria com o Banco Real para financiamento de aviões leves. Parceria essa que permitiu que a Embraer vendesse e entregasse mais de dois mil aviões no Brasil, a partir de final da década de 70, um número bem significativo. Então, mesmo a montagem das aeronaves Piper não tendo trazido nenhum grande salto tecnológico, os gestores da 150

167 Embraer, na época, enxergaram ali uma oportunidade de trazer capacitações que seriam necessárias para os próximos projetos. O ano de 1975, por exemplo, serve bem para mostrar o quanto a ambição da empresa, naquele instante com apenas seis anos, tinha trazido resultados. Foi o ano das primeiras exportações do Ipanema e do Bandeirante, da assinatura do acordo com a Piper, do acordo com a Coopersucar para o fornecimento de componentes para a equipe de Fórmula 1 dos irmãos Emerson e Wilson Fittipaldi e, principalmente, do início do projeto 12X, que daria origem ao Xingu e ao Brasília, na primeira iniciativa da empresa dentro do conceito de família. Mais produtos e mais serviços oferecidos simultaneamente. Dentro daquela percepção de que a constância no oferecimento de novos produtos era essencial para o crescimento da empresa. Quando foi iniciado o projeto 12X, o Bandeirante sequer havia recebido as homologações dos principais órgãos europeus e do norte-americano, no entanto, já havia, na empresa, a percepção comum de que o mercado exigiria uma aeronave pressurizada, que oferecesse mais conforto que o Bandeirante. Mesmo sem jamais ter projetado uma aeronave pressurizada, a empresa percebeu que não poderia ficar de fora de um mercado, que tudo indicava, ser essencial. O Xingu foi o primeiro passo nesse sentido. Uma aeronave executiva que serviu de embrião para o Brasília pouco tempo depois. Uma série de projetos que a Embraer acumulava naquele momento visando sua expansão e aproveitando oportunidades produtivas, como por exemplo, a aquisição da Neiva, que, apesar de ter sido sugerida pelo Ministério da Aeronáutica, só se tornou viável graças ao número considerável de iniciativas anteriores nas quais a Embraer tinha se lançado. Se não fosse a busca por crescimento e expansão da empresa, não haveria o que ser feito na Neiva em Botucatu. O trecho abaixo ajuda a mostrar como foi feita a aquisição e como se aproveitou da capacidade da nova empresa adquirida: No final de 1979, recebemos uma chamada telefônica do então Ministro da Aeronáutica, Délio Jardim de Mattos. O Brigadeiro Délio era um velho conhecido, companheiro de vôos no CAN e também meu comandante no 2º Grupo de Transporte, quando em 56 e 57 sediávamos um Esquadrão de Douglas DC-3 e um outro do Fairchild C-82, no Campo dos Afonsos no Rio de Janeiro. (...) Naquele dia, Délio tinha acabado de receber em entrevista José Carlos de Barros Neiva, tendo enormes dificuldades financeiras, estava com reais problemas de fechar o ano e manter a empresa em operação. Essas dificuldades eram freqüentes e quase sempre permanentes no difícil mercado aeronáutico nacional. (...) Tudo o que o Neiva colocou durante a conversa implicava novas encomendas do Ministério e visava manter a empresa viva e funcionando. Nunca perguntei 151

168 diretamente o porquê da decisão, mas o que ocorreu após aquela entrevista afetou bastante a estratégia mercadológica da Embraer. O Ministro Délio simplesmente informou-me ter decidido que nossa empresa compraria a totalidade das quotas de capital da Neiva. Era uma ordem do acionista controlador, que decidia, após uma longa vida da Neiva, fazer com que ela se transformasse em subsidiária integral da Embraer. E ponto final! (Silva, 2005, p.359) Mesmo com a transferência de alguns projetos para a Neiva, a empresa expandiu a unidade de São José dos Campos, principalmente para abrigar as linhas do Tucano e do Brasília. O Tucano se mostra um bom exemplo da ambição da empresa que acreditava em fornecer um novo produto no qual ela acreditava que tinha vantagens produtivas. A proposta surgiu de um encontro informal de Ozires com o então coronel Lélio Viana Lobo, que mais tarde viria a ser Ministro da Aeronáutica e que, na época (1977), estava preocupado com o fim do fornecimento de aeronaves por parte da Cessna. Depois do encontro, Ozires reuniu-se com seus dois principais diretores, Guido Pessotti e Ozílio Carlos da Silva, diretores respectivamente, Técnico e de Produção, no dia seguinte ao encontro e pediu um estudo de viabilidade do projeto (Silva, 2005), de forma que, poucos meses depois, a Embraer entregou uma proposta fechada ao então Estado-Maior da Aeronáutica, que fechou o contrato com a Embraer no ano seguinte, dando início a mais um novo programa. Programa este que trouxe uma linha de produção com vida útil superior a uma década. O Brasília mostrou que algumas vantagens produtivas ficaram mais claras depois, com poucos recursos e em pouco tempo, além de mostrar também como a ambição era de toda a empresa, como mostra o entrevistado # 10: O projeto do Brasília foi desenvolvido a partir do zero. Quer dizer, como você não tinha aproveitamento de nada do anterior, foi muito abaixo de custo de qualquer desenvolvimento que você pudesse fazer numa empresa, por exemplo, dos Estados Unidos, Europa. Feito com muito pouco recurso. O governo, o Ministério da Aeronáutica teve uma participação muito reduzida no desenvolvimento do Brasília em termos financeiros. Quase que foi assim simbólica a contribuição deles. Então, o Brasília foi feito com recursos próprios mesmo da empresa. Então, eu acho que pra desenvolver um avião como aquele você teria que ter na época, em valores da época, era um desenvolvimento para duzentos e cinqüenta a trezentos milhões de dólares. Então, o Brasília não. Foi um desenvolvimento interno, enxuto ali, todo mundo mandando bala ali. Quer dizer, eu acho que pouca gente conseguiria fazer o Brasília pelo valor que a Embraer fez. (Entrevistado # 10, 2008, p. 23) Um dos passos mais ambiciosos da empresa dentro de um processo de expansão foi a fundação da sua subsidiária EAC (Embraer Aircraft Company), sediada 152

169 em Fort Lauderdale, na Flórida, Estados Unidos, em 1979, com o objetivo de concentrar as atividades de vendas na América do Norte e prover apoio técnico aos clientes da Embraer naquela região. A iniciativa concretizava a idéia inicial dos principais empreendedores da Embraer de que os Estados Unidos eram o principal mercado que a empresa almejava desde os seus primeiros dias. E, mais ainda, mostrava àquele mercado que a empresa tinha grandes ambições para a região, visto que foi naquele ano que ocorreu a primeira venda para o mercado norte-americano. Três anos depois, a empresa fez o mesmo na Europa constituindo a EAI (Embraer Aviation Internationale), em Le Bourget, na França e em 1984, constituiu a EDE (Embraer Divisão de Equipamentos), que neste caso fazia parte do programa de industrialização complementar associado ao desenvolvimento do AMX, que buscava a capacitação da indústria nacional no projeto e fabricação de componentes aeronáuticos. Uma mostra de que, neste estágio, a empresa além de já desenhar, produzir, vender e distribuir, começava também a fazer parte de um processo de colaboração. No mesmo ano também, a Embraer fechou seu maior contrato até então, com o licenciamento para produção do Tucano no Egito. Logo no ano seguinte, fechou um acordo com a Short Brothers para fornecimento de Tucanos para a RAF. O contrato com os ingleses exigia a parceria com alguma empresa da região, sendo a principal a troca por motores Rolls & Royce, o que acarretava uma série de mudanças no projeto. A velocidade com a qual a Embraer modificou o projeto exemplifica a ambição da empresa em continuar expandindo sua atuação no exterior, ainda bem sobrecarregada no Brasil com as primeiras entregas do Brasília. E, mesmo com o Brasília começando suas entregas, a Embraer já começou os primeiros estudos para o desenvolvimento do CBA-123 Vector, um programa que morreu seis anos depois com três protótipos prontos, mas que serviu para mostrar a ambição por se tratar de um produto bem avançado para a época, principalmente num momento difícil como mostra o relato de Ozires Silva abaixo: A vela das novidades se mantinha acesa. Em todo o mundo assistiase a iniciativas voltadas à ampliação do sistema de transporte aéreo regional. O tempo todo éramos provocados a tentar ver o futuro com clareza, pensar em novos modelos e determinar formas eficazes de chegar às futuras demandas. Não poderíamos sobreviver no sofisticado mercado do transporte aéreo americano - o mais competitivo entre todos - por exemplo, oferecendo poucos produtos que não respondessem bem à enorme pressão dos passageiros por preços de bilhetes mais baixos. Assim, o espectro dos custos gerava preocupações e nos forçava a pensar em soluções inovadoras para 153

170 produzir algo cada vez mais competitivo em relação à concorrência internacional. A rentabilidade que se conseguia sobre a comercialização claramente não era suficiente para gerar recursos para investimentos, pois os custos da criação de novos aviões não eram - e não são - desprezíveis. De qualquer forma, continuamos seguindo em frente. Sob a designação inicial de Projeto EMB-123, um novo avião surgiu na mente do pessoal de marketing e de nossos projetistas, ainda em (Silva, 2005, p. 148) A preocupação de Ozires Silva nessa época também se justificava pela crescente concorrência que obrigava a Embraer a ser cada vez mais ágil nas respostas se estivesse a fim de sobreviver e crescer, algo que até então ela já havia mostrado que tinha. A declaração de Ozires exemplifica o tom da preocupação na época. Diversos concorrentes chegavam ao mercado.(...) Havia a necessidade de se pensar em novas alternativas de projetos e de produtos. Pensava-se muito nas alternativas que as atividades espaciais ofereceriam. (...) Se, no passado, a criação de uma estrutura produtiva que viesse a fabricar nossos aviões era a base da nossa preocupação, agora, 17 anos depois [da criação da empresa, 1986], era necessário pensar-se na consolidação, na modernização contínua da infra-estrutura da fábrica e nas técnicas de gerenciamento que pudessem aumentar a eficiência do empreendimento. (Silva, 2005, p. 434) Não se pode destacar, na ocasião, apenas a ambição por novos projetos aeronáuticos, mas também pela melhoria dos processos, buscando o que havia de estado-da-arte para desenvolvimento de projetos aeronáuticos do mundo, como, por exemplo, a adoção do software CAD/CAM, ainda não adotado por nenhuma empresa no Brasil. O entrevistado # 12 dá um bom exemplo do significado dessas decisões naquele momento: (...) foi em 78, nós fomos para os EUA entender o que era CAD/CAM. Ouvia-se falar de revista, mas ninguém sabia. Nós montamos uma equipe com especialistas de cada área e fomos lá. Visitamos um monte de empresas, inclusive a Northrop. E a gente queria ver eles trabalhando (...) Aí nós implantamos o CAD/CAM. Naquele tempo ninguém sabia o que era. Projeto por computador ninguém sabia o que era. Então, na volta, nós fizemos um relatório e o pessoal indicando um certo sistema que funcionou. Hoje é o CATIA. Mas o CATIA já existia naquele tempo. O CATIA era o CADAM, que era da IBM, que era pesado e bidimensional. E os franceses da Dassault desenvolveram, adaptaram aquilo para aviação.nós tínhamos um problema que nossos projetistas eram todos de prancheta, então tinha que adaptar. Não podia jogar tudo fora e pegar tudo novo. E os programas, os processos que existiam, quer dizer, nós visitamos 40 utilizadores ou fábricas nos EUA e a conclusão a que nós chegamos é que o grande problema era adaptação, porque boa parte dos sistemas, como aquele que era usado lá na Aeritalia, foi um que nós 154

171 descartamos aqui porque tinha sintaxe (o que exigia traduzir o comando desejado para a linguagem do programa). O cara tinha que ficar lá. Era difícil pegar um projetista e jogar um cara em sintaxe. Esse sistema Gerber que nós indicamos e acabou sendo usado tinha um manche. (...) (Entrevistado # 12, 2008, p. 15) O trecho abaixo, extraído da entrevista # 8, ajuda a exemplificar a busca de excelência também para os processos, o que poderia simbolizar uma forma de reduzir a desvantagem competitiva em relação aos fabricantes existentes: Em suma, basicamente, o desafio, o desafio maior, a realização, o cumprimento de prazos, o cumprimento de qualidade, a obtenção do ótimo em vez do bom. Não só o bom é o suficiente, mas nós precisamos ser ótimos. A insistência em racionalizar, em fazer em menos homens/hora, as coisas todas que tinham que ser feitas. Em suma, todos os desafios que nasceram e que levam ou que poderiam levar ao sucesso, à comunicação, à representação, às participações em simpósios nos Estados Unidos, na Inglaterra, na França. Na Alemanha, não me lembro de simpósio, mas a maior parte era voltada para os Estados Unidos. (Entrevistado # 8, 2008, p. 4) Como foi visto na história da empresa e do setor, o final da década de 80 e o começo da de 90 não foram nada fáceis. No Brasil, as encomendas feitas pelo Ministério da Aeronáutica cessaram, aquelas que ainda estavam sendo entregues não eram pagas e, para continuar os projetos em curso, principalmente o CBA-123, a Embraer havia recorrido a empréstimos justamente numa época em que a inflação disparava no conturbado início de democracia do país depois de mais de 30 anos de ditadura militar. Como parte de um esforço de manter a empresa ativa, a Embraer tornou-se subcontratada da McDonnell Douglas para a produção de flaps de compósito para o avião MD-11 e da Boeing para a produção de componentes para os 747, 767 e 777. Além de também ter prestado serviços para áreas não relacionadas à aviação. Também olhou para o mercado espacial, uma proposta que sinalizava com um possível crescimento bem maior do que aquele visto pela aviação civil. A entrada nos estudos para o desenvolvimento e fabricação da estrutura do satélite CBERS poderia fazer a empresa entrar num novo ciclo de aprendizagem. Mesmo enfrentando todas as dificuldades que o programa CBA-123 estava causando, a empresa começou os estudos do seu primeiro avião regional a jato, o ERJ-145, uma ambição desde os tempos do início do projeto do CBA, mas que agora parecia mais viável por já existir no mercado um motor a jato para a categoria desejada. 155

172 Esse projeto, no entanto, só se concretizaria após a privatização, visto que em 1990 e 1991 as coisas só pioraram. Mas, mesmo assim, considerando-se seus serviços empreendedores (Penrose, 2006), Ozires acreditava que a situação seria revertida pela capacidade que a Embraer mostrara até então: Não se podia esquecer nunca de que uma empresa com o porte da Embraer não poderia simplesmente desaparecer, como resultado direto do colapso de vendas. Felizmente, embora ainda não muito ampla, a diversificação dos seus produtos tinha sido a política seguida pela empresa nos últimos anos. Ela possuía aviões para o mercado civil privado e para as linhas aéreas; adicionalmente, tinha conquistado algum êxito no mercado militar. A soma dessas atividades poderia ajudar a vencer potenciais períodos difíceis no futuro. (Silva, 2005, p. 564) Enfim, foi a partir da ambição de seus fundadores que, passada aos funcionários, permitiu à Embraer o crescimento que ela experimentou neste primeiro período avaliado até chegar à grande crise do final da década de 80, começo de 90. Com base, nessas evidências coletadas, pode-se afirmar que a ambição foi uma capacitação que a Embraer desenvolveu de forma consistente ao longo desta primeira fase analisada. b) Versatilidade Conforme foi apresentada por Penrose (2006), a versatilidade empresarial é aquela que está ligada à capacidade imaginativa e à visão dos empreendedores envolvidos no processo, e que, em sendo assim, não estão disponíveis para todas as organizações. Como escreveu a autora, envolve muito o senso de oportunidade, os esforços de imaginação, o instintivo reconhecimento de que poderá ter sucesso ou de como obter sucesso e, neste caso, a Embraer deixou evidências de que versatilidade não faltou nessa primeira fase considerada. Aliás, uma das características mais importantes da empresa sempre foi aproveitar oportunidades em nichos inexplorados. Assim foi desde o início com o Bandeirante. Uma aeronave commuter que atendia às empresas americanas na época em que se aumentava a concentração nos grandes hubs, mas que tinham que ser conectados com os pequenos aeroportos, ou então, aqueles impossíveis de serem atendidos por grandes aeronaves, outra tendência nos EUA na época, identificada pela empresa. Outro aspecto importante é considerar que até a serialização do Bandeirante, nenhum grande projeto do CTA, mais precisamente do PAR, havia sido comercializado. E a Embraer já iniciou pensando na possibilidade de venda do 156

173 Bandeirante para o mercado externo. Entendia que o mercado interno não era suficiente para sustentar uma linha de produção de um produto aeronáutico daquele nível. Alguns entrevistados relataram que o plano de produção inicial elaborado pelo então diretor de produção, Ozílio Carlos da Silva, previa uma capacidade muito maior do que a necessária para produzir somente aeronaves para a FAB. A declaração do entrevistado # 6 mostra claramente essa decisão, ao estabelecer que a aeronave não deveria nascer no sistema métrico: A decisão séria que nós tomamos na Embraer nós brincávamos muito internamente, quando nós fizemos o Bandeirante nós falávamos, os nossos aviões têm que falar inglês. E olha, ABNT, Inmetro nos atormentaram para que nós fizéssemos avião no sistema métrico. Nós não aceitamos de jeito nenhum. Eu tinha convicção de que o mercado da Embraer, aquela história, vou falar que o mercado brasileiro não tem dimensão pra absorver uma produção econômica mínima, não é? Não tem. Então, por isso, tem que ser mercado internacional. Então, em sendo mercado internacional, eu não posso fazer produtos com parafusos da norma brasileira. O nosso protótipo do Bandeirante foi feito no sistema métrico. Mas quando chegou ao avião de série, nós fechamos a questão pra ele. (...) Então, essas decisões são decisões cruciais. Hoje, na Embraer, todos os aviões nossos estão no sistema inglês, todos. Todos, sem exceção. (Entrevistado # 6, 2008, p. 11) A empresa também acertou ao aproveitar várias das soluções trazidas pelo francês Max Holste, que já tinha prontos na época dois projetos de aeronaves de capacidade semelhante, para apressar o desenvolvimento do Bandeirante, uma vez que o Ministério da Aeronáutica não tinha muito interesse na continuidade do projeto. Conforme o relato de alguns entrevistados foi de Ozires Silva a idéia de trazer o francês para o PAR e aproveitar um projeto já bem adiantado. Mas o Max Holste acabou vindo... Ele brigou com o Pierre Closterman lá, vendeu a parte dele na Raines Aviación, foi pro Marrocos. No fim, ele acabou batendo aqui e foi trazido pra São José pelas mãos do Kovacz da Neiva. E o Kovacz logo chamou o Ozires e tal pra conversar, já de noite e o Ozires se interessou muito porque viu ali uma oportunidade de criar um projeto que tivesse algum reconhecimento, que pudesse atrair dinheiro pro Brasil e sair daquele marasmo, que era o PAR. (Entrevistado # 3, 2008, p. 4) Pode-se dizer que este foi apenas o começo de uma série de projetos e versões de projetos já prontos da empresa que foram sendo aproveitados de forma a entrar em novos mercados, lançar novos produtos com um gasto, muitas vezes, menor que o dos concorrentes. Ou, quando não muito raro, também poder ser o único fabricante a oferecer determinado produto para determinado segmento. 157

174 O Bandeirante é um excelente exemplo dado o número de versões que foram lançadas a partir de sua plataforma. Em geral, versões sugeridas por clientes com demandas bem específicas, que a Embraer não deixava de atender, apesar dos inúmeros desafios que representavam. Assim surgiu, por exemplo, o Bandeirante cargueiro, que teve apenas uma unidade vendida, uma versão executiva (sete lugares), na qual inclusive uma galley e um banheiro foram incluídos, outra versão de alta densidade para 18 passageiros, fora as versões da FAB, como, por exemplo, uma aeronave-laboratório para avaliação das estações de terra que fornecem auxílio junto à rádio-navegação para o tráfego aéreo, a versão denominada Aerofoto para execução de serviços de aerofotogrametria, na qual foram incluídos tanques nas pontas das asas (a fim de aumentar a autonomia da aeronave), que eram os mesmos utilizados pelo Xavante. O aproveitamento de uma plataforma para várias finalidades acabou se tornando de fato uma prática comum na empresa em programas posteriores. Aeronaves como o Brasília, o ERJ-145 e o EMB-170 ganharam versões executivas, militares, cargueiras. A introdução do Bandeirante no mercado civil se deu justamente pela capacidade da empresa de dar uma resposta rápida a um cliente que precisava aproveitar uma oportunidade assim como a Embraer, como mostra o trecho abaixo: Então, eu me lembro que teve uma vez nós estávamos lá na casa do Ozires e o Omar Fontana, presidente da Transbrasil, ligou pro Ozires e eles já tinham conversado sobre isso, "Olha, eu preciso do Bandeirante, agora. Quantos passageiros mesmo?" Doze. "Eu quero com quatorze. Dá um jeito de colocar quatorze passageiros que eu acabei de vender meus Dart Herald pra uma empresa, sei lá da onde do Vietnã, e fiquei sem avião pra fazer as linhas do interior". Imagina, o Dart Herald era um avião de quase cinqüenta passageiros, trocar por um de quatorze. Nós fizemos rapidamente um projetinho... Deu quatorze passageiros com um sofazinho lá atrás. E o terceiro avião já foi da Transbrasil, começou a ser entregue pra operar em companhia civil, vôo de transporte de passageiros no Brasil. Isto foi uma coisa extraordinária. Então, nós já começamos a missão da Embraer. Começou já a se diversificar em relação ao Brasil. (Entrevistado # 3, 2008, p. 13) (...) a Embraer sempre soube criar, encontrar nicho de mercado. O Bandeirante foi um dos maiores contribuidores pra criar o tal do avião commuter. Quer dizer, nos Estados Unidos naquela época chamava de aviação commuter, avião de dezenove lugares. E esse mercado cresceu, quer dizer, quem estava, as companhias que estavam com aviões de dezenove passaram pra aviões de trinta, trinta e poucos lugares. O Brasília, ou o SAAB, ou o DASH viraram commuter. Depois, novamente, com a entrada dos jatos nesse mercado passou a chamar regional. Então, a Embraer criou um nicho de mercado. (Entrevistado # 13, 2008, p. 4) 158

175 (...) Outro sucesso, também, que a Embraer criou - e esse aí foi a Embraer que criou mesmo foi o mercado de turboélice treinador militar. E uma coisa que foi a maior surpresa pra mim e não, eu não esperava isso - foi que a Força Aérea Americana, ela acabou escolhendo esta configuração pro treinador dela. (Entrevistado # 13, 2008, p. 7) O Bandeirante também permitiu o aproveitamento de uma das maiores benesses do governo à Embraer que foi a criação do SITAR em Foi também com o senso de oportunidade mencionado por Penrose (2006), que o fundador da empresa, Ozires Silva, puxou o projeto do avião agrícola Ipanema para a empresa que acabara de nascer. Ele estava certo de que a empresa tinha condições de atender ao pedido do Ministério da Agricultura. Esta foi outra capacitação apresentada pela Embraer nesta primeira fase. Identificar necessidades dos clientes e ser capaz de atendê-las rapidamente, como pode ser visto pelas declarações anteriores deste tópico e também pela seguinte: (...) quer dizer, é uma ampliação de nicho de mercado. Fez aí, os Phenom. Ela fez o Phenom, um avião diferenciado em relação à concorrência. Ah, o avião dela (Embraer) é muito mais confortável, cabine etc. do que os aviões concorrentes do Light Jet, por exemplo, ou mesmo o outro do que os caras têm. Então, sempre se procurava atender perspectivas de mercado. Por exemplo, naquela época tinha a idéia e a FAB começou a pensar em substituir o DC-3. Aí, nós fizemos, foi feito, um avião chamado Amazonas EMB-500 com quatro motores PT-6. E foi a Embraer que logo concebeu. Deu uma resposta para o governo. Nós ainda temos essa proposta aqui. O governo, depois, não se interessou. A Embraer partiu então, quer dizer, partiu pra substituto como uma extensão da linha de avião commuter. Entrou então com a família do Araguaia, do Xingu (...) (Entrevistado # 13, 2008, p. 13) Além disso, já nos seus primeiros anos, a Embraer percebeu que teria que criar uma rede de fornecedores mais forte se quisesse realmente ser um player importante. O Brasil, como um entrante tardio neste mercado, não tinha uma rede de fornecedores fortes. Por este motivo, a empresa adotou um processo de qualificação de fornecedores já em 1971, praticamente um ano após seu nascimento. E, ainda praticamente nascente, a Embraer encarou o desafio de montar o Xavante no Brasil em parceria com os italianos da Aermacchi. Eram oportunidades que estavam sendo aproveitadas para aprender não apenas novas tecnologias aeronáuticas, mas também de produção em série, além de, principalmente neste início, garantir a sobrevivência da empresa, como mostra o trecho: O nosso empreendimento estava começando e somente seria consolidado se os dois 159

176 programas - o do Bandeirante e MB-326 (Xavante) - tivessem êxito (Silva, 2005, p. 272). A Embraer também aproveitou algumas oportunidades que apareceram com a ajuda do Governo Federal. Foi assim quando a FAB optou pela compra de caças F-5 Tiger da norte-americana Northrop Aircraft e exigiu como contrapartida comercial a fabricação da empenagem vertical e mais alguns componentes no Brasil, que couberam à Embraer. A parceria com a Piper também foi uma resposta ao volume de exportações de aeronaves da aviação geral, na época, uma das maiores do mundo. O Governo Federal estimulou então a montagem destas aeronaves aqui a partir do aumento na carga tributária sobre aeronaves importadas deste segmento, o que deu um belo impulso à empresa na década de 70 e contribuiu para o aproveitamento da Neiva, primeira aquisição da empresa depois de ter seguido um crescimento exclusivamente orgânico. A década de 70 foi rica em mostrar a versatilidade da empresa. Além dos projetos já mencionados, foi também neste período que a empresa começou o desenvolvimento da família 12X, o desenvolvimento do Tucano, um dos maiores sucessos da empresa, e também a participação no desenvolvimento do carro de Fórmula 1 da Coopersucar. E, no mesmo ano de 1979, também foi feito o primeiro movimento de real internacionalização, com a fundação da EAC em Fort Lauderdale, que viria mais tarde a ser uma rica fonte de novos negócios e informações sobre o setor. Além disso, representou uma forma da Embraer entrar nas discussões com os órgãos e fabricantes locais. Pode-se dizer então que a década de 70 foi de grande crescimento para a empresa, pois passou de um início conturbado no fim da década de 60 para uma empresa rica em projetos e rentabilidade, como mostra a curva de receita/pib. Nesta fase é importante considerar o PIB como indicador, já que a maior parte das vendas da empresa se deu no mercado nacional, principalmente o de defesa. 160

177 Gráfico 5.1 Receita/PIB Brasileiro A década de 80 começou com o aproveitamento pela empresa da rica década de 70. Logo no início, foi lançado o programa AMX, considerado por muitos o embrião dos projetos em parceria da empresa, que se tornariam rotina em meados da década de 90, principalmente com o sucesso do ERJ-145. O trecho abaixo mostra o posicionamento da Embraer diante de tais desafios: Desde os seus primeiros passos, a Embraer estava engajada em projetos próprios, demonstrando uma velocidade de aprendizado alta e um processo progressivo de capacitação extremamente rápido. Quanto ao programa com as empresas italianas, a Embraer não somente estava dando conta do recado, como cumprindo os prazos fixados em contrato com vantagem, resolvendo problemas que, em outros casos, tinha requerido suporte direto das equipes de projeto. (Silva, 2005, p. 508) O programa AMX levou à criação da EDE (Embraer Divisão de Equipamentos), a fim de capacitar a indústria nacional para a fabricação de componentes aeronáuticos, uma desvantagem que a empresa enxergava frente a seus principais concorrentes, que na maioria estavam inseridos em países mais fortes tecnologicamente e, conseqüentemente, com estrutura industrial já sólida. 161

178 O relato do entrevistado # 13 ajuda a visualizar como a Embraer soube usar esses programas como uma grande oportunidade de aprendizado e para ter os produtos certos na hora certa. Então, foi o primeiro avião desse tipo na Europa. E a Embraer entrou lá, dominou todas as coisas, incorporou todas as tecnologias. A Embraer soube, também, aproveitar oportunidades. Disse, vamos fazer um avião aí, de baixo custo com parceria, selecionando bem os parceiros para tocar o programa, que foi a Ericsson Radar. Muitas dessas iniciativas, quer dizer, as iniciativas partiam da Embraer porque tinha capacidade de dar a resposta que o mercado precisava. Agora muitas dessas vezes eram exigências, exigências essas, de novos pedidos que vinham do governo, está certo? Pra justificar o lançamento. (Entrevistado # 13, 2008, p. 15) O importante é que a empresa manteve, no início da década de 80, o ritmo acelerado de oferta de produtos e expansão. Em 1983, constituiu a EAI, no ano seguinte a já mencionada EDE e, em 1985, entrou numa concorrência pesada para fornecimento do Tucano à RAF, que só veio a ser completada em 1987 e que exigiu uma série de mudanças no projeto, que normalmente eram passadas à Embraer em prazos bem apertados. Logo em seguida, a empresa já se viu envolvida com o lançamento de mais um programa com alto grau de complexidade, mas que mostrava um futuro promissor dentro do transporte aéreo regional, que foi o caso do CBA-123. O modelo trazia uma grande quantidade de inovações para a época, algo que muito provavelmente o deixaria como produto único no mercado em algumas características. Daí em diante, como se sabe pela história da empresa, a fase de 1985 a 1991 seria o período de grande crise, que inviabilizou não apenas este projeto, como também, um pouco mais à frente, também o do ERJ-145. Desta fase toda, pode-se extrair que a empresa foi capaz de mostrar versatilidade, sendo capaz de aproveitar oportunidades que outras empresas não viram ou não tiveram capacidade de aproveitar. Vê-se, pelo encadeamento de projetos em curtos espaços de tempo, que a Embraer foi capaz de aprender rapidamente e se tornar ágil no lançamento de programas, que, se não eram inovadores, tinham aquilo que o mercado precisava e quando ele precisava para crescer. É verdade que, em muitos casos, vários destes programas foram lançados tendo o Governo Federal como principal cliente, mas no entanto, se ela não tivesse tido a capacidade de aproveitar essas oportunidades para enxergar possibilidades de expansão, vários deles poderiam não ter acontecido, e talvez a empresa não 162

179 chegasse viva ao fim da década de 80, como aconteceu com vários dos seus concorrentes. Em parte, pode-se atribuir grande parte desta versatilidade ao fato de a empresa ter seu foco na engenharia, mais precisamente na Diretoria Técnica, que durante quase todo esse período foi liderada pelo engenheiro Guido Pessotti, mencionado por vários dos entrevistados como o grande incentivador destes programas e por muitos deles visto como pai dos projetos. É importante destacar a visão do engenheiro Guido Pessotti, dentro da definição de Penrose (2006), que associa a versatilidade da empresa à capacidade imaginativa e a visão dos empreendedores envolvidos no processo. São aqueles que têm idéias que não são impraticáveis, mas que também estão longe de serem obtusas. A declaração de alguns entrevistados mostra como o engenheiro Guido era visto na empresa. Então, as grandes visões vinham desses caras. Eu, particularmente, ressalto o nome Guido, porque convivi com ele um bom tempo e ele era realmente um cara notável. Já disse, e volto a repetir, já frisei isso diversas vezes, estava no lugar errado, não tinha nada que ser diretor, ele tinha que ser mesmo um assessor de tecnologia, bem elevado, ganhar rios de dinheiro para poder fazer o negócio que fez. (Entrevistado # 7, 2008, p. 40) Portanto, podemos concluir com base nas evidências apresentadas acima, que a Embraer foi uma empresa versátil nesta fase analisada. Buscou novos caminhos para o crescimento, principalmente as oportunidades encontradas pelos principais empreendedores da empresa. Foi capaz de prestar novos serviços a partir de recursos já existentes, como por exemplo, a montagem dos Piper em Botucatu, após a compra da Neiva. Propôs usos diversos à plataformas já desenvolvidas previamente. Buscou novos mercados e foi capaz de se adaptar às exigências particulares de cada um. Desenvolveu uma capacidade de identificar e ocupar nichos inexplorados. c) Capacidade de Julgamento Segundo Penrose (2006), a capacidade de julgamento é a habilidade que a empresa desenvolve para avaliar os riscos e incertezas que se apresentam em seu processo de crescimento, a fim de evitá-los e assim não expor a organização a riscos excessivos. Para isso deve reunir as informações disponíveis, usar de bom senso nas suas avaliações. No caso da Embraer, nesta primeira fase considerada, pode-se dizer que não foram encontradas evidências de que a empresa tenha desenvolvido a capacidade de avaliação de riscos ao longo de seu processo de crescimento. Tal preocupação parece 163

180 surgir apenas após o fracasso do projeto CBA-123. Conforme apresentado por um dos entrevistados, que trabalhou no projeto na época, a Embraer só teria se preocupado de fato em montar uma estrutura de custos quando teve início o estudo do programa ERJ-145. Parte da explicação pode residir no fato de que na década de 70, na qual houve maior apoio do Governo Federal, a empresa conseguiu uma estabilidade, que trouxe segurança para que fizesse investimentos, lançasse novos programas, estabelecesse parcerias. No entanto, também não pode-se dizer que havia uma folga financeira para que ela pudesse se dar ao luxo de gastar sem limites, como mostram os trechos abaixo: Então, era desafio em cima de desafio. Desafio de toda natureza, desafio pra valer mesmo. Era prático, levava ao objetivo, que era reduzir custos, custo de fabricação. Isto foi, então, uma constante no andamento de todos os programas. (Entrevistado # 8, 2008, p. 13) Era sempre batalhando pela privatização. A principal razão é que nós tínhamos limitações. Limitações devido à pobreza do Ministério da Aeronáutica. Era um dinheirinho contadinho, porque os brigadeiros com toda boa vontade eu não posso falar mal de nada deles jogavam pra gente recursos. Mas, eram recursos limitados. (Entrevistado # 8, 2008, p. 17) Nesta época também a empresa pôde usar uma prática militar-civil, pela qual o desenvolvimento e captura de tecnologia ocorria a partir dos programas militares (constantes nesta época), bem como a geração de caixa e, então, aplicar tais conhecimentos e recursos no desenvolvimento de suas aeronaves civis. Além disso, muitos dos programas lançados pela FAB, a principal cliente, também podiam ser adaptados para o uso civil, o que trazia uma redução considerável nos custos de desenvolvimento. Sendo assim, é natural uma preocupação menor com custos, uma vez que o produto busca equipar as Forças Armadas do país e não simplesmente deve dar retorno após vendas para clientes civis. É importante ressaltar que esta é uma prática cada vez mais comum na indústria aeronáutica, porque traz ao fabricante de aeronaves comerciais não apenas a tecnologia com cujo desenvolvimento ele teria que arcar, como também o protege das quedas de vendas causadas pelos longos ciclos de desenvolvimento das aeronaves, como fica claro pelo trecho extraído da entrevista concedida pelo recém empossado diretor-presidente da Embraer, Frederico Curado, à revista Aero Magazine (2007). 164

181 Nesta área, o desafio é recuperar esse mercado que veio decrescendo ao longo dos anos, mas que tem um conteúdo tecnológico importante. Por exemplo, as vendas para o próprio Sivam representam poucas aeronaves (Super Tucano e R-99A/B), mas o Sivam proporcionou à Embraer a capacidade de posteriormente fazer contrato com a Grécia, com o México. Esse modelo de desenvolvimento tecnológico gerando produtos para a Força Aérea Brasileira, produtos de que ela precise efetivamente, é o que nos julgamos correto. Não queremos fazer com subsídio, ou que passem a mão na nossa cabeça. Nada disso. Queremos carga de trabalho, então, na medida das possibilidades do orçamento da FAB, estamos avaliando o que podemos fazer. O ALX é um produto importante que viabilizou a venda do Super Tucano para a Colômbia, e a República Dominicana está em fase final de discussão de contrato. Essa recuperação é uma prioridade no mercado de defesa dentro da Embraer. (Alencar, 2007, p. 65) O que parece ter ocorrido neste período é o fato de a empresa ter se acostumado a uma prática única para fazer seus investimentos, bem como lançar os novos programas, podendo, em alguns momentos deixar de lado uma avaliação mais apurada dos novos investimentos. Para Bernardes (2000), o lançamento do programa Xingu representou um desses momentos. Para o autor, o programa, que fazia parte do projeto 12X, idealizado em 1975, do qual fariam parte mais tarde o Brasília e o CBA-123, nunca obteve um resultado comercial. Se não tivesse havido a intervenção do Ministério das Relações Exteriores na intermediação de uma venda de 41 unidades para a França, o programa teria causado um prejuízo imenso à Embraer. O autor ainda credita ao Xingu a responsabilidade por uma grande drenagem de recursos da empresa, que, segundo ele, foi um dos contribuintes para a grande crise sofrida no final da década de 80. A questão é que o Xingu representava um movimento crucial que a empresa precisava dar naquele momento se quisesse continuar como player no mercado regional, já que os estudos de mercado indicavam que os passageiros esperavam uma aeronave mais confortável e, neste sentido, era fundamental ter um avião pressurizado. Foi justamente o Xingu (um avião executivo) que permitiu este aprendizado para que se chegasse então ao Brasília posteriormente. Mais que isso, é importante também considerar que este foi o primeiro produto desenvolvido dentro do conceito de família, coisa que a Embraer não havia feito até então. A importância deste projeto para a empresa fica clara abaixo com a declaração do entrevistado # 8: 165

182 E com a tecnologia do Xingu, e consciente do excesso de peso, zelo, medo da pressurização ah sim, ele foi o primeiro pressurizado mas aí nós já tínhamos utilizado os ensaios, já tínhamos usado os métodos, os cálculos, as técnicas de fabricação, a técnica de projeto e daí saiu o Brasília. Então, o que marcou o degrau, a passagem do vôo rasante da Embraer pra galgar o nível de tecnologia que ela tem hoje foi o Brasília. Na minha opinião. Principalmente porque ele, o Xingu é Part 23. E o Brasília foi nosso primeiro Part 25. E a homologação do Brasília foi que levou ao contato com - depois, claro, da homologação brasileira - ao contato com o FAA. (Entrevistado # 8, 2008, p. 22) Por estas razões, de fato parece que a empresa deixou uma avaliação de riscos de lado a fim de poder se capacitar em determinada tecnologia. Para Bernardes (2000), um passo ousado demais, além das capacidades da empresa na época, que ainda não possuía experiência na produção de aeronaves sob o conceito de família e, menos ainda, pressurizada. Para o autor, foi dado destaque excessivo ao desenvolvimento tecnológico em detrimento da viabilidade comercial, agravado pelo fato de que a empresa se encontrava em uma fase de rápido crescimento e não contava com um planejamento adequado da capacidade de produção, nem controle de custos, o que só agravou sua situação no final da década de 80, quando cessaram os investimentos do Governo Federal. O argumento de Bernardes (2000) mostra um traço organizacional da Embraer deste período, que era a busca por ter sempre o ótimo do ponto de vista tecnológico, como por exemplo, o fato de ter sido a segunda construtora de aeronaves a usar o CAD como ferramenta de desenho, um ano apenas após a Boeing, o que demandou um grande contingente para aprender esta tecnologia. Trata-se de uma característica pertinente numa empresa em que o Departamento Técnico comandava as principais iniciativas, como destaca o entrevistado: (...) De ter criado o espírito, a tecnologia, o conhecimento, a vontade de aprender, a vontade de fazer, a vontade do bom não é bom, é ótimo. O ótimo é que é bom e assim por diante (Entrevistado # 8, 2008, p. 15). Apesar de alguns projetos em que pode realmente ter havido baixa análise dos riscos aos quais a empresa estava sendo submetida, em meados da década de 70, a parceria com a Piper se mostrou extremamente ajustada ao momento que a empresa vivia. Aproveitou o espaço disponível criado com a aquisição da Neiva, respondeu rapidamente à demanda num momento em que o país era um dos maiores compradores do mundo de aeronaves da aviação geral e os montou sob licença da fabricante norte-americana, poupando tempo de desenvolvimento e certificação de uma família de aeronaves, o que seguramente estava acima da sua capacidade para a época, como mostra o principal fundador da empresa: 166

183 Não nos esquecíamos que a Embraer tinha apenas 4 anos de idade e, de repente, não poderia entrar na produção de uma miríade de produtos dos mais diferentes modelos e tipos. Sabia-se ainda que cada um dependeria de estudos minuciosos de concepção, de projeto, de fabricação, de certificação, etc...tudo isso demandaria tempo e recursos, necessariamente não disponíveis. (Silva, 2005, p. 334). Pode ter sido, portanto, dentro desta forma única de enxergar as possibilidades de crescimento, que a empresa talvez tenha dado os dois principais passos para que sofresse intensamente com a grande crise do final da década de 80. Um deles, ainda no começo daquela década, que foi a parceria com os italianos para a construção do AMX; mais adiante, do meio para o fim da década de 80, com o CBA-123. No AMX os gastos não foram pequenos para o desenvolvimento da aeronave, que deveria ter contado com maior aporte de capital por parte do Governo, que não o fez por uma série de motivos. Tratava-se de um programa complexo, de longo tempo de desenvolvimento, que exigiria anos de capital intensivo. Com o fim do aporte do Governo Federal, a empresa teve que buscar financiamento, o que na época representava pagar taxas de juros exorbitantes. Como se não bastasse, o desenvolvimento em parceria com os italianos aumentou consideravelmente os custos, tendo em vista o constante intercâmbio de engenheiros, alguns com permanência superior a três anos na Itália. O relato abaixo ajuda a mostrar os percalços do programa: Os italianos tinham uma grande experiência de aviões e desenvolveram aviões de combate. Eles participaram de vários programas. Participaram do Tornado, que foi o maior programa europeu, de um avião europeu. Foi o primeiro grande programa de avião de combate europeu, foi o Tornado. Isso lá nos anos 60, 70, por aí, mas, começou nos anos 60. E os italianos diziam pra nós, olha, um programa desses é um programa de 20 anos. Quer dizer, entre desenvolvimento, lançamento da fabricação, operação do avião e tudo, quer dizer, é muito mais de 20, mas 20 anos é de, vamos dizer, de industrialização, inclusive. Então, vocês precisam fazer o que a gente faz na Itália, que seria fazer uma lei, porque o orçamento do governo é anual, lá como cá. Então, pra você ultrapassar aquele orçamento, pra você garantir recurso pra daqui a dez anos, eles lá votam as leis especiais. Aqui no Brasil a Constituição estabelece a mesma coisa. Que você tem um programa que vai durar, vai construir uma usina hidrelétrica que o governo vai fazer, leva quanto? Seis, sete anos pra construir. Então, você tem que fazer uma Lei Orçamentária que permita que você garanta recursos lá na frente. Muito bem. Nós então fizemos uma proposta para que o Ministério da Aeronáutica encaminhasse pro governo. Isso foi no governo Figueiredo. O Figueiredo era amicíssimo do ministro da Aeronáutica, o Délio Jardim de Mattos era um dos homens mais fortes do governo. Era amigo de infância, de Colégio Militar. E o Délio era o ministro. Nós fomos pro ministro, ó, ministro, nós precisamos nós levamos a minuta de uma lei ó, é preciso mandar pro Congresso uma lei 167

184 dessa. Naquele ano estava havendo uns atritos com o presidente e o Congresso. E o presidente não quis saber. Não, nada disso. Pra que fazer lei? Eu faço um decreto aqui e vocês aí ficam garantidos. E fez um decreto aprovando o programa. Foi em função desse decreto que o Itamaraty assinou um acordo com a Itália. Porque tinha um acordo governamental e tinha um acordo industrial. O acordo governamental estabelecia as bases do programa e os compromissos de cada parte. O industrial dividia o trabalho: quem faz o quê. Nós tínhamos reuniões de três em três meses, duas na Itália e uma aqui, porque eram três parceiros: dois italianos e nós. Só que lá na Itália as empresas italianas com os programas AMX cresceram e ficaram ricas, e o AMX quebrou a Embraer, efetivamente. Foi o programa que acabou com a economia. (Entrevistado # 10, 2008, p. 2) O mesmo entrevistado complementa mostrando outras fontes de encarecimento do programa, que poderiam ter sido evitadas, caso uma análise mais profunda tivesse sido feita. Já desde de 88, quando houve aquela grande crise, e 89, quando o Brasil quebrou. Teve aquele problema que era da dívida externa. Tinha que renegociar a dívida. Em suma, o Brasil quase que entrou em moratória. Não chegou a entrar, mas já tinha entrado em 86 na primeira moratória Que foi o Dílson Funaro, né? Em 89, o Brasil não entrou em moratória, mas estava quebrado. Então, o que é que aconteceu? O governo, simplesmente, não pagava as suas obrigações. E o AMX tinha mais de quarenta contratos diferentes. Era uma confusão enorme em contrato! Você tinha contrato pra você desenvolver parte de um radar aqui, o pilone ali, o sistema de armamento pra lá. Então, tinha contrato de desenvolvimento, contrato de fabricação de protótipos. Era um emaranhado de contratos e todos eles com valores elevados. Desenvolver um avião como aquele na época era um programa de bilhões de dólares. E aqui no Brasil o governo não tinha, simplesmente, recursos desse porte pra aplicar num projeto de indústria aeronáutica. Então, isto foi uma parte da história, é muito complicada esta história, daria vários livros, né? Mas isso foi um ponto chave da crise. Tudo isso se soma à inflação galopante e ao fato de que nós fizemos um acordo com a Argentina pra desenvolver um avião que era muito interessante tecnicamente, que teria um mercado muito atraente, que era o CBA-123. O qual eu fui assinar lá no palácio, na Casa Rosada, junto com o Sarney, o Alfonsin. Eu e o diretor da fábrica militar de aviões deles lá, assinando acordo de cooperação e tal. E os governos assumiram o compromisso de financiar o desenvolvimento e comprar cada um 50 aviões. (Entrevistado # 10, 2008, p. 5) Ou seja, o Governo Federal, que era o grande incentivador do programa, também foi o primeiro a deixar de pagá-lo em meados de 80. No entanto, é importante lembrar que o país vivia uma transição com o fim do governo militar. Também nessa linha de projetos nascidos com o apoio do Estado, o CBA-123 ajudou a jogar a empresa numa crise talvez ainda mais profunda do que o normal. O Governo incentivou o projeto como uma forma de fomentar o incipiente Mercosul, a partir de uma idéia nascida na compra de um lote de Tucanos pela Força Aérea Argentina já após o fim da ditadura. Como os argentinos também tinham uma 168

185 fábrica em Córdoba, julgou-se possível uma parceria de desenvolvimento de uma aeronave. No entanto, como se vê por relatos quase unânimes dos entrevistados, os argentinos não tinham uma indústria consolidada, muito menos gente dedicada ao programa. Ou seja, uma série de problemas que foram sendo detectados após o início do programa e que poderiam ter sido evitados caso tivesse sido feita uma análise anterior. Porém, presa a uma realidade ainda estatal, na qual o Governo era historicamente o principal cliente, ficava mais difícil para a empresa fugir destes compromissos. Foram problemas em seqüência que acabaram por deixar o produto num preço fora do mercado para aquela aeronave. Como relata um dos entrevistados, no fim do programa, até o ferramental que havia sido instalado em Córdoba acabou sendo transportado de caminhão para São José dos Campos. Pode-se somar a isso o fato de a empresa ter ambicionado uma aeronave no estado da arte para a época, que custava mais do que o mercado queria e podia pagar, e a intensificação da concorrência, que era menor na década de 70, como mostra Silva (2005), referindo-se a meados da década de 80: Uma concorrência muito ativa passou a fazer com que os preços de venda dos produtos finais fossem intensamente reduzidos. Nesse contexto, ficava claro que as margens de retorno corriam risco de ser dramaticamente reduzidas. Em paralelo, os custos internos das empresas, e sentíamos isso com nitidez na Embraer, estavam em processo de aumentos perceptíveis: a mão-de-obra, as peças, componentes, equipamentos, seguros, transporte e assim por diante. (Silva, 2005, p. 565). Em grande parte, o desenvolvimento tanto do AMX como do CBA-123 estava dentro do objetivo sempre perseguido pela empresa, que era ter o máximo disponível tecnologicamente, mas que naquele momento podem ter sido passos grandes demais para sua capacidade, sem deixar de considerar, é claro, o momento em que ocorreram. Justamente na época de grande crise das fabricantes no mundo todo. No entanto, é importante destacar também que os dois programas serviram de base de aprendizado fundamental para os programas futuros de sucesso da empresa, como o ERJ-145 e a família EMB 170/190. Concluindo, a empresa parece ter mostrado uma forma única de promover seu crescimento, que funcionou durante a década de 70 e meados de 80, mas que também pode ter reduzido a capacidade da empresa de avaliar riscos. No entanto, é importante visualizar que esta é a prática de muitas das principais fabricantes de aeronaves do mundo até hoje, principalmente aquelas hospedadas em países que investem em sistemas de defesa. 169

186 O fato de o Governo Federal ser seu principal cliente, se ajudou em alguns momentos, pode ter atrapalhado em outros, como por exemplo, no caso da escolha da Argentina como parceiro para o CBA. Também partiu do Governo a exigência para que a Embraer comprasse a Neiva, uma vez que era a única empresa aeronáutica no país com força para isso. A aquisição, neste caso, no entanto foi bem sucedida, pois a Embraer estava carente de espaço para a montagem de mais aeronaves. No caso da empresa estudada, a centralização na DTE também pode ajudar a explicar a manutenção desta prática da década de 70 ao início da década de 90. Segundo Sbragia & Terra (1993, apud Coelho, 2005), a DTE tinha por missão especificar, projetar, testar e certificar novas aeronaves. A DPR (por extenso) ficava responsável pela fabricação das peças primárias feitas na empresa e pela montagem final da aeronave. Uma vez acabado um avião, este era dirigido à DCO (Diretoria Comercial), responsável pelas aeronaves civis, ou à DPM (Diretoria de Produtos Militares). Segundo Bernardes (2000), o setor de marketing, representado pela DCO, era considerado uma área ineficiente e quase descolada da estrutura organizacional da empresa, não possuindo todas as informações técnicas e produtivas disponíveis do produto que vendia. Quanto às outras diretorias, como a DIN (Diretoria Industrial), a DFN (Diretoria Financeira) e a DAM (Diretoria Administrativa), todas cumpriam funções de apoio e planejamento das atividades técnicas, não sendo consideradas centrais para o sucesso da empresa. Portanto, não há evidências claras de que a empresa avaliava de forma criteriosa os passos a serem dados, buscando a redução dos riscos inerentes ao crescimento da firma. d) Habilidade em levantar recursos financeiros Segundo Penrose (2006), o tamanho pode afetar a capacidade de as empresas captarem recursos financeiros. Empresas pequenas, recém-criadas ou desconhecidas podem ter mais dificuldade de captação do que as empresas grandes, já conhecidas e bem estruturadas. No entanto, a autora acredita que a habilidade em levantar recursos financeiros depende da capacidade do empreendedor em gerar confiança no financiador. Problema que a empresa viveu, quando seus fundadores tentaram fundar uma empresa privada. Não encontraram na iniciativa privada nenhum grupo ou investidor disposto a arriscar na fabricação de aeronaves no país. Conforme relatou o 170

187 entrevistado # 6, se hoje, já seria difícil, no fim da década de 60, uma empresa nascida num hangar do CTA era algo bem improvável. Por outro lado, no caso da Embraer, é interessante lembrar que ela nasceu numa época em que o CTA vivia uma fase difícil, pois não tinha o apoio do Ministério da Aeronáutica. Principalmente o PAR, que era o principal alvo do desmonte pedido a Castro Neves por Eduardo Gomes. Entendiam que o departamento era um desperdício de dinheiro público. Foi a habilidade do empreendedor em gerar confiança no financiador, mencionada por Penrose (2006), que manteve o departamento em funcionamento e que, em seguida, permitiu o nascimento da Embraer. Ozires Silva, o principal fundador da empresa, usou um programa de modernização dos T-6 da FAB para manter o departamento operando enquanto os engenheiros ali alocados desenvolviam o Bandeirante em paralelo. Outra manobra importante da época foi a constituição da empresa como economia mista, porém com controle da União, o que permitiu maior captação de recursos, devido ao estímulo dado pelo Governo na compra de ações da empresa. O projeto consistia em autorizar as empresas a deduzirem em cada exercício fiscal 1% do seu imposto de renda se, no período, aplicassem igual quantia na formação de capital da Embraer, comprando suas ações. É importante ressaltar, conforme escrito por Silva (2005) e constatado nas entrevistas depois que, desde o início, a idéia dos principais fundadores era que a empresa fosse constituída com capital privado. Os fundadores acreditavam que com isso teriam maior agilidade de resposta, fugindo da pesada burocracia que envolvia as estatais na época. No entanto, vê-se pela história da empresa que o crescimento da década de 70 só foi possível, provavelmente, por ser uma empresa de controle estatal. Em grande parte, a captação de recursos da empresa se deu através dos projetos militares que sustentavam os longos períodos de investimento necessários para o desenvolvimento dos produtos civis. No entanto, tais programas financiadores só aconteciam porque a empresa já havia mostrado sua capacidade em atendê-los. O fato de ser estatal, não fez com que a empresa deixasse de se preocupar em levantar recursos através de outras oportunidades que eram percebidas pelos gestores. Apesar de cliente fiel da empresa, o Governo Federal não era exatamente um cliente rico, que colocava grandes quantias constantemente na empresa. Assim foi o caso da parceria com a Piper, que permitiu geração de caixa por meio de ganho em escala e pela ausência de custos de desenvolvimento, já que a empresa apenas 171

188 montava kits prontos vindos dos EUA. Some-se a esse fato o privilégio do Governo em aumentar os impostos sobre as aeronaves importadas da mesma categoria. Em 1978, a empresa conseguiu, após cumprir uma série de requisitos, uma linha de financiamento na Finep de US$ ,00, segundo Silva (2005). O montante era considerado bem pequeno para o desenvolvimento de um projeto e a construção de três protótipos. Mas era uma quantia da qual a empresa não podia abrir mão na época. Os problemas de captação de recursos começaram no início da década de 80, principalmente devido ao desenvolvimento do AMX, época em que a empresa ainda desenvolvia a família 12X. O programa da aeronave militar encomendado pela FAB à Embraer consumia recursos vorazmente, sendo difícil mantê-lo com os investimentos do Ministério da Aeronáutica, que tentava de todas as formas preservar o desenvolvimento de um programa internacional, com recursos que se mostravam insuficientes. A empresa, como estatal, tinha então uma limitação para captar recursos, principalmente em se tratando de um produto militar, cujo desenvolvimento era bem longo. Situação que ficava ainda mais complicada com as taxas de juros altíssimas que já eram praticadas por aqui. Neste sentido, parece que a Embraer ficou amarrada para a obtenção de recursos para o nível de investimentos que ela precisava, ou não visualizou, na época, formas diferentes de financiamento. O fato é que o que estava complicado só piorou de meados da década de 80 até o início da década de 90 pelos motivos já mostrados. Assim como no desenvolvimento do AMX, o Estado não foi capaz de prover a empresa com os recursos necessários para o desenvolvimento do CBA-123, que deveria ser desenvolvido em parceria com o Governo argentino, que nunca honrou com os investimentos previstos, nem com a compra do lote acordado. Isso levou a empresa a buscar financiamentos com taxas de juros absurdas, num momento em que a inflação atingia níveis estratosféricos no Brasil. Um erro de julgamento, como vimos anteriormente, talvez guiado pelo objetivo de finalizar o projeto de qualquer modo, mas também um erro ainda maior na captação de recursos. Silva (2008) mostra parte dos problemas de captação de recursos para o programa na época. Segundo o acordo, cada país adquiriria 50 unidades do avião, com requisitos específicos pra cada lote. Para a época, o projeto era visionário. Ousado em sua concepção, mirava o futuro prevendo o 172

189 que ocorreria no mercado de transporte aéreo regional. Muitos desafios técnicos teriam de ser enfrentados, mas um em particular nos chamava a atenção. Tratava-se da idéia de instalar os motores na cauda, com hélices propulsoras. Era uma configuração inexistente nos aviões em serviço na época e que, seguramente, não constava dos projetos dos concorrentes. Conforme o acordo, as estimativas indicavam um programa estimado em US$ 300 milhões destinados ao projeto e ao desenvolvimento da aeronave, cujos protótipos seriam fabricados nas instalações industriais da Embraer no Brasil, e da Fabrica Militar de Aviones (FMA), na Argentina. Dois terços destes investimentos seriam de responsabilidade da empresa brasileira. O restante deveria correr por conta da parceira. Pressionada pelos custos do projeto, a Embraer efetuou o lançamento de US$ 80 milhões de debêntures conversíveis em ações. Esses títulos foram vendidos com facilidade no mercado brasileiro, graças ao prestígio já conquistado pela empresa na fabricação de aviões, modelos que, à época, já operavam em quase 40 países do mundo. Do lado argentino, o problema financeiro permaneceu não-equacionado. As contribuições financeiras acordadas não foram realizadas, o que prejudicou o desempenho do projeto. Houve atrasos e foram colocadas em risco todas as premissas fundamentais que garantiriam o sucesso do novo produto. Nesse contexto de obrigações não cumpridas, os custos começaram a aumentar de forma demasiada. Na atualidade, olhando-se de longe para os problemas enfrentados, deve-se lamentar também a diferença de qualificação profissional entre as equipes. Esse descompasso gerou dificuldades que não puderam ser superadas em curto prazo. (Silva, 2008, p. 150) A declaração de Silva (2005), em outra ocasião, mostra os problemas e as questões que surgiam na hora de levantar recursos para o desenvolvimento de produtos. Ficávamos com muitas dúvidas na cabeça, e uma delas, entre as mais importantes, era como obter financiamento para produzir aviões. E mais, como conseguir recursos para a criação de novos produtos num ambiente que, segundo tudo indicava, deveria enfrentar uma crise, ainda sem contornos definidos, nos anos futuros. A equação era complicada. De um lado, teríamos de oferecer diversificação e produtos a preços mais reduzidos; por outro, o cenário era de custos mais altos e de dinheiro escasso pra abrir um leque de produtos competitivos, certamente tudo encarecido por taxas de juros elevadas. (Silva 2005, p. 565) No meio da crise, a empresa ainda tentou gerar recursos via parcerias para fornecimento de peças a outras fabricantes, como a Boeing e a Sikorsky, além de serviços não necessariamente ligados à aviação, mas que não foram suficientes para sustentar a já pesada estrutura da empresa. Mas foi ainda na situação difícil que a empresa vivia no final da década de 80, começo da de 90, que se começou o desenvolvimento do ERJ-145, que viria a ser a salvação da empresa. E, mais importante ainda, foi o modelo de negócios escolhido. Ciente de que não tinha recursos para os investimentos necessários, a empresa, já em 1989, 1990, começou a constituir seu modelo de parcerias de risco. Os trechos abaixo, 173

190 que ajudam a mostrar este cenário, foram extraídos da entrevista com o Vice- Presidente de Planejamento Estratégico e Desenvolvimento Tecnológico da empresa, Satoshi Yokota, na dissertação de Coelho (2005). A idéia tinha sido, desde o começo, quer dizer, já em 89, 90, quando se falava em 145, já se falava em arranjar parcerias de risco, porque a Embraer já não tinha mais fôlego em 89, 90 (...) Já tava ruim e o governo, que era o principal acionista, não tinha condições de injetar capital pra fazer um programa desse tipo. Você vê, o Brasília já tinha sido parcialmente custeado por fundos próprios, e o 123 (CBA-123) foi todo ele com fundos próprios e deu no que deu, quer dizer, captar dinheiro a custo de banco comercial pra fazer um projeto de longo tempo de maturação e de recuperação é suicídio absoluto. Então, não havia essa experiência. Mesmo entre pessoas que não têm mentalidade empresarial porque quem dirige uma empresa estatal em princípio não tem que ter essa cultura dava para perceber que não dava, o custo do dinheiro matava. Então, arranjar parceria de risco era vital. Sem parceria de risco, não havia condições de construir. (Yokota, apud Coelho, 2005) Para alguns dos entrevistados, o Vice-Presidente Satoshi Yokota foi um dos grandes idealizadores e incentivadores do programa por parcerias de risco, que salvaria a empresa posteriormente já privatizada. O gestor mostrou a habilidade de levantar recursos, conforme cita Penrose (2006). Esse assunto (parceria de risco) já estava sendo abordado antes da privatização, já se pensava nisso. E o pai disso aí pra mim foi o Satoshi. Satoshi começou a defender que outras empresas entrassem para partilhar o desenvolvimento. Na minha opinião, isso foi um ponto de inflexão, porque a Embraer passou a poder construir aviões muito modernos, como o Embraer 195, gastando relativamente pouco. Porque cada parceiro desenvolvia a sua parte e contribuía para o desenvolvimento. Então, que eu saiba, até hoje é feito assim, pode-se dizer que houve uma grande diferença. Porque no passado a Embraer, para enfrentar um desenvolvimento novo, tinha que ter dinheiro, que não existia. Quando o Satoshi, que era gerente, começou a propor que um novo avião (...) o 145 já tinha sido projetado antes, mas havia aquele fracasso que eu falei por causa da asa... Mas o avião continuava a ser projetado. Mas não tinha dinheiro. Aí o Satoshi começou a lançar essa idéia, nas reuniões que ele fazia. Reuniões de gerentes. E eu não acreditava que daí saísse (...) e ele lutava por aí. É por isso que eu falo: na minha opinião, se o Ozires foi essencial para a criação da Embraer, o Satoshi, com essa idéia dele, quer dizer, não sei se foi dele, mas ele que lançava lá, dava essa idéia. Eu achava que era um sonho, naquela situação que ela estava não tinha dinheiro para nada, de repente convencer parceiros... e ela conseguiu. Inicialmente era a espanhola Gamesa, agora tem muitos outros, porque passou a ter um nome que na época não tinha. Então eu diria, na minha opinião que a grande alteração foi essa, no desenvolvimento, que deixou de ser com recursos próprios e passou a ser partilhado com outros e deu certo. (Entrevistado # 12, 2008, p. 13) 174

191 É importante também destacar o papel do engenheiro Ozílio Carlos da Silva para a captação de recursos. Inicialmente, Diretor de Produção, Ozílio foi o responsável por grande parte das negociações de financiamento, buscando alternativas, entre elas o financiamento da FINEP para o Tucano. Foi também o engenheiro, já no papel de presidente após a saída de Ozires, que buscou a negociação das dívidas diretamente com a então Ministra da Economia Zélia Cardoso de Melo, a fim de tentar salvar a empresa da grande crise ao fim da década de 80. Portanto, apesar da crise vivida no fim da década de 80, pode-se dizer que a empresa, ao longo da primeira fase considerada, teve a capacidade de levantar recursos, pelo fato de ter aparentemente usado todos os recursos que estavam disponíveis na época e principalmente ter sido capaz de gerar confiança suficiente para que os principais programas fossem entregues a ela, uma característica fundamental para a captação de recursos Desafio da Navegação no Ambiente Segundo Fleck (2006), o desafio da navegação é conseguir lidar de forma bem sucedida com os diversos stakeholders num ambiente em constante mudança, de forma a assegurar a captura de valor e a legitimidade da organização. Para isso, a organização deve desenvolver a capacidade de monitorar as pressões que o ambiente exerce e usar corretamente e, no momento certo, todas as estratégias de respostas a processos institucionalizados (Oliver, 2001). Caso a organização não desenvolva esta capacidade de monitoramento, ou erre nas estratégias de resposta, sua sobrevivência a longo prazo pode ser ameaçada, pois, segundo Fleck (2006), ela pode perder oportunidades de capturar valor, pode enfraquecer sua capacidade de reagir ou de promover mudanças e, mais ainda, ameaças à sua legitimidade podem passar despercebidas. Oliver (1991) buscou identificar os principais tipos de respostas possíveis na navegação do ambiente segundo uma postura mais passiva ou mais ativa diante das pressões sofridas. As estratégias podem ser de aceitar, negociar, evitar, desafiar e até mesmo de moldar o ambiente em questão. Na história da Embraer, considerando-se esta primeira fase, pode-se dizer que a empresa apresentou tanto posturas passivas de simplesmente aceitar, negociar e, até mesmo evitar, como também, em determinados momentos, se mostrou ativa ao desafiar ou a tentar moldar o ambiente. No entanto, um dos pontos que mais chamam a atenção a propósito do desafio da navegação no ambiente é justamente a fase de fundação da empresa, fruto de uma 175

192 navegação bem feita por parte de alguns dos seus empreendedores. Como visto na história da empresa, os anos que antecederam sua formação foram bastante conturbados. Nesses períodos, os principais empreendedores da iniciativa buscavam mostrar à parte resistente do Governo Federal que o CTA, mais especificamente o PAR, tinha a capacitação para desenvolver produtos aeronáuticos ali. Ou seja, havia uma constante busca por legitimidade a fim de mostrar que o projeto era viável e que o Governo deveria continuar investindo. Assim nasceu, por exemplo, o helicóptero Beija- Flor. Na época, o departamento já vinha desenvolvendo, há algum tempo, o Convertiplano (um programa muito complexo), consumindo grande quantidade de recursos. Como o retorno não era facilmente demonstrável aos investidores, isso ajudava a endossar a idéia de parte do governo militar - principalmente o desafeto de Montenegro, Eduardo Gomes - de fechar o PAR. Sendo assim, optou-se por desenvolver o Beija-Flor (projeto bem mais simples que o Convertiplano), a fim de dar uma resposta rápida às pressões externas (estratégia de negociação) e, assim mostrar que o departamento funcionava e era capaz de oferecer produtos comercialmente viáveis. É importante lembrar que, antes disso, Montenegro já tivera que fazer malabarismos para contratar professores estrangeiros experientes em engenharia aeronáutica, principalmente o famoso professor Smith, que elaborou o plano de implementação do CTA. Se esse plano, por um lado, serviu para mostrar como as coisas eram feitas no MIT, por outro colocava uma série de limitações ao instituto e até mesmo aos planos desenvolvimentistas do país. No entanto, seu nome trazia legitimidade ao instituto, bem como valor num momento em que toda a estrutura no Brasil era incipiente e tardia, principalmente em relação à aviação. Ou seja, estratégias de aceitação e de negociação, como definidas por Oliver (1991), mas em parte também de moldagem ao cooptar alguns constituintes externos e influenciar fazendo lobby e chamando a opinião pública para o seu lado, como fez Montenegro no episódio de divulgação do Beija-Flor. O Bandeirante também é rico de exemplos de busca por legitimidade e captura de valor. Neste caso, começa com a habilidade de Ozires Silva em negociar a manutenção do departamento, como já foi mostrado com o programa de renovação dos T-6 da FAB (estratégia de negociação), que foi fundamental para o nascimento da primeira aeronave, e a parceria com o francês Max Holste (estratégia de negociação), que, além de trazer conhecimento (captura de valor), também trouxe legitimidade ao projeto Bandeirante. 176

193 O protótipo nasceu, o protótipo foi uma salada, né? Porque nós usamos um motor americano, então tudo que tinha em relação ao motor era, o canadense PT-6. Ficou uma salada. Mas como nós tínhamos o Max Holste (a gente precisava do nome dele pra vender avião). Nossos nomes todos tinham Silva (Ozílio e Ozires, nota do autor), Silva não tinha prestígio nenhum pra vender avião. Então, usávamos o nome do Max Holste. O Max insistia que (o projeto) tinha que ser no sistema métrico. Tanto é que quando chegou na escolha do motor, nós escolhemos o motor canadense, porque nós queríamos distância do novo sistema métrico, porque nós queríamos que os nossos aviões falassem inglês, e não que falassem português, francês ou coisa dessa natureza. Então, essas decisões são decisões cruciais. Hoje, na Embraer, todos os aviões nossos estão no sistema inglês, todos. Todos, sem exceção. (Entrevistado # 6, 2008, p. 12) A citação também mostra que a Embraer desde o início pensava no mercado externo, porque via que o Brasil sozinho não teria um mercado para sustentar uma fábrica de aeronaves. Após o lançamento do Bandeirante, o ambiente ficou mais piedoso para a Embraer. Por já ter conseguido alguma legitimidade, principalmente perante o Governo Federal (principal acionista), a empresa recebeu a delegação de uma seqüência de projetos para atendimento não apenas da FAB, como também do Ministério da Agricultura com o Ipanema, por exemplo. A partir daí, a empresa começou a fechar uma série de parcerias que viriam a se tornar uma característica da Embraer. Tais parcerias buscavam principalmente encurtar o tempo de aprendizado, uma vez que a empresa brasileira era uma entrante tardia neste mercado. Principalmente através destas parcerias, a empresa foi aprendendo (captura de valor) todas as etapas que uma fabricante de aeronave precisava para competir nessa indústria. O Xavante trouxe a capacidade de produzir aeronaves em série, algo até então inédito para a recém nascida empresa. A Piper permitiu que a empresa ganhasse uma capacidade muito maior de trabalhar a distribuição e o pós-venda, visto que por se tratarem de aeronaves bem menores e mais baratas eram vendidas em volumes muito maiores e para uma variedade de clientes bem mais ampla. Fora, as parcerias com outros fabricantes de equipamentos e até mesmo de aeronaves já consagradas como Northrop, Sikorsky, Aeritalia, Boeing, McDonnell Douglas, Ericsson, Pratt & Whitney, Hamilton Sundstrand, Short Brothers, Piper, entre várias outras empresas do setor aeronáutico de grande importância. Processos que envolveram não apenas estratégias de negociação, como também de aceitação, as vezes, já que tinha que atender a regras já institucionalizadas na indústria. Assim foram principalmente as parcerias de fabricação de componentes para, Sikorsky, Boeing, McDonnell Douglas, mas que trouxeram 177

194 principalmente o conhecimento sobre materiais usados pelos principais players, algo que a Embraer não teria facilmente por outro meio. No caso da Piper pode-se dizer que foi usada também uma estratégia de moldagem, já que a Embraer usou de lobby para atuar no Governo permitiu que aeronaves importadas da mesma categoria começassem a ser taxadas, o que nunca tinham experimentado até então. Tais parcerias promoveram também um intercâmbio constante de funcionários da Embraer com empresas já consagradas, num processo claro de captura de valor. Vários entrevistados apontaram que aproveitavam as viagens para tentar descobrir como eram feitos determinados processos nestas empresas para trazê-los posteriormente ao Brasil, como também a empresa fazia questão de receber aqui um grande número de funcionários de empresas estrangeiras. (...) fui para a Itália. Para fazer trabalho com a Aermacchi. E foi no AMX. O AMX, ele também deu uma paradinha na década de oitenta, mas por causa do 120. Na realidade, a Embraer participava com 27%, porque a parte da Embraer era a parte da asa. E aí faltava, em relação à porcentagem, vamos dizer assim, faltava um pouco para ela ir para os vinte e sete. Então, o que ela fez? Mando mão-de-obra para vocês. Mandava para a Itália. Foi uma coisa boa, porque introduzia o pessoal que trabalhava numa fábrica totalmente fora, e você já ia pegando alguns macetes mais.. (Entrevistado # 1, 2008, p. 11) (...) Às vezes, a gente copia uma coisa do outro, mas nós também copiávamos. Eu copiava bastante. Eu era um espião. Era mesmo. Porque eu tinha uma memória, que eu não tenho mais. Eu olhava, olhava e fotografava. Aí, quando eu ia pra o hotel, eu fazia tudo em desenhos e trazia tudo pra cá. Então, eu era espião mesmo, mas não tirava fotografia. Só olhava. Olhava e ficando olhando. Depois fotografava. Fotografava, mentalmente, e ia pro quarto e quando chegava no hotel já pegava o papel e desenhava, escrevia e trazia as idéias pra cá. Ninguém sabia que eu estava espiando e que eu era espião. Era, mas, principalmente, nas visitas que eu fazia às fábricas. Tanto é que no final acabaram não me convidando pra visitar fábrica mais nenhuma. É. "Não, o pior é que o cara não tem máquina fotográfica, mas ele leva tudo!" (...) O importante é você ver lá na fábrica. E uma vez, que eu fui ver a máquina deles, a McDonnell-Douglas. Eles me levaram num carrinho e fomos dar uma volta pela fábrica. Quando chegou na área crítica, os caras aceleraram o carro. Foi pra eu não ver direito. Fiquei danado com o cara, "não vai não. Vai rápido senão ele guarda tudo". Mas é bacana. Aliás, certas qualidades a gente vai perdendo com o tempo. (Entrevistado # 8, 2008, p. 45) 178

195 No caso do Xavante, por exemplo, montado logo no início da empresa, a Embraer já se posicionou de forma mais participativa do que seria normal, considerando-se que ela apenas montava a aeronave. O nosso empreendimento estava começando e somente seria consolidado se os dois programas - o do Bandeirante e o MB tivessem êxito. A Embraer solicitou que um enorme número de técnicos italianos residissem em SJC. De início, os italianos não entenderam para que tantos técnicos (600 homens-meses) para somente ajudar no aprendizado de montagem e operação dos MB No entanto, a Embraer queria que eles ajudassem na produção seriada dos Bandeirante, o que eles fizeram com grande entusiasmo. Vários deles acabaram se naturalizando brasileiros e nunca mais foram embora (Silva, 2005, p. 272) A Embraer também conseguiu capturar valor a partir dos órgãos homologadores de cada país, nos quais buscava ganhar mercado, já que estes também contribuíam com dicas e peculiaridades fundamentais para melhoria de processos e de características da aeronave. Bom exemplo disso foi a visita do FAA, em Na ocasião, o inspetor da FAA apontou uma série de modificações, inclusive estruturais, que deveriam ser feitas no projeto Bandeirante caso a Embraer quisesse ingressar no mercado norte-americano. O caso da certificação do Bandeirante é um exemplo claro de estratégia de moldagem e desafio. A Embraer conseguiu mudar parte do regulamento do FAA para que a aeronave fosse certificada como FAR-23, algo impensável até então para uma aeronave de mais de 9 passageiros. Mas aí começaram as discussões sobre o Acordo Bilateral e destas eu participei ativamente. E que acabou saindo em 76. Bom, quando saiu o Acordo Bilateral aliás, os Estados Unidos quando saiu o Acordo, eles chegaram e disseram assim olha, nós vamos assinar o Acordo, mas não venham querer certificar o Bandeirante aqui, que esta nós não vamos aceitar. Isto pelo seguinte, porque alguns anos antes o requisito do Bandeirante que era o FAR-23 tinha sido limitado ao máximo de nove passageiros. Então, não se podia produzir avião FAR-23 nos Estados Unidos pra mais do que nove. Então, você percebe, isto aí foi um impasse grande no qual o CTA trabalhou durante muito tempo pra quebrar essa idéia deles. A gente foi várias vezes aos Estados Unidos pra discutir com os caras se existia uma, que existia um requisito que permitia que era o Apêndice A do FAR- 135, que dava condições pra aviões com até, sei lá, dezoito, dezenove ou coisa que o valha, ou até um certo peso, até cinco mil e setecentos quilos. É claro que era o limite do FAR-23 ser homologado e transportar passageiros lá, né, mas eles não queriam aceitar. Era a imposição do FAA. E a gente assinou o Acordo e logo em seguida começou. (Entrevistado # 11, 2008, p. 6 e 7) Outra fonte de aprendizado que a Embraer não desperdiçou foi no contato com clientes ou potenciais clientes. Assim foi em dois episódios como a visita do presidente 179

196 da Fedex à empresa em Na ocasião, a companhia de carga norte americana não fez nenhuma compra, mas deu dicas preciosas que tornaram o Bandeirante mais atraente e contribuiu para a certificação norte americana da aeronave. Lá no FAA. Era uma barreira. Mas, antes de homologar o avião, nós tivemos que fazer um trabalho pra tornar o Bandeirante mais atraente. E quem nos ajudou nesse negócio, por incrível que pareça, foi o mesmo cara que já veio aqui duas ou três vezes, deu palpite e nunca comprou nenhum avião da Embraer. O cara era presidente da Federal Express. Ele veio da Federal Express, chegou aqui e botou açúcar na boca do Guido e falou, "eu compro até mais de cem aviões Bandeirante. Compro aí para ser o meu cargueiro. Só que este avião não serve pra mim. Você precisa transformar ele num avião de carga. Ele não é avião de carga. Como é que faz um avião de carga? Eu vou dizer pra você. Tem que ter uma porta de carga, óbvio, e uma porta grande. Mas, tem que ter mais coisas. Eu quero carregar o avião e não quero que o piloto ande no meio da carga. Então, o piloto precisa ter uma porta pra ele lá na frente. E tem mais uma coisa: nem sempre eu ponho a rede de carga com pallets, bonitinha. Às vezes, eu ponho uma coisa meio solta lá. Então, quero ter uma rede de cargas lá na frente pra em caso de pouso forçado ou decolagem, uma série de coisas assim, pegar os 9G (aceleração da gravidade) da carga lá e não matar o piloto." Aí, o Guido disse: "Ah, então, avião de carga é assim?". "É assim". Aí, o Guido esticou o Bandeirante pro limite do FAR-23, que era o SFAR-41. O SFAR-41 deu um mais pouquinho de carga pra gente. Botou no limite, esticou o avião, fez uma porta na frente. O Schubert foi o projetista da porta. Nós tivemos que fazer a porta, ela não podia descer a noventa graus com a fuselagem por causa da hélice. Então, nós desviamos um pouquinho pra frente, botamos o eixo inclinado e ela saía fora da hélice com os passageiros lá na frente. Aquele espaço ali na frente que aumentou a cabine não pôde ir nenhum passageiro por causa da porta, mas, na versão da FAB, a gente ainda criou um banheiro ali para os pilotos, porque carga não podia. Inclusive, pusemos uma janela de emergência, que saía ali daquele lado.tinha um lado que era a porta. Conseguimos botar dezoito passageiros no avião. Mudamos os bancos do avião. Pusemos bancos mais confortáveis, menorezinhos. E aí, dezoito passageiros, o avião esticou. O P-1, P-2, FAR-41, botou o motor mais potente que era o PT-6-42, era PT Aí, o avião ficou mais atraente para os americanos. Aí, saiu a homologação americana. (Entrevistado # 3, 2008, p. 18 e 19) A fundação da EAC também mostra uma estratégia de desafiar da empresa, que trouxe não apenas legitimidade como captura de valor para a empresa. Após a fundação da subsidiária foi criado o Comitê de Orientação, constituído por empresas estadunidenses operadoras de Bandeirante. Através da EAC e, conseqüentemente, do comitê, a Embraer pode colher informações cruciais para o desenvolvimento do Brasilia, através dos seus principais clientes, mostrou ao mercado local seu interesse em crescer naquele mercado e conseguiu participar das discussões dos fabricantes locais com o órgão homologador local. O caso do Tucano também mostra uma estratégia de moldagem, por ter sido o primeiro treinador turboélice com pilotos posicionados em tandem, que obteve grande 180

197 sucesso mundial, vindo a equipar a RAF. Por pouco não teve o mesmo sucesso para equipar a Força Aérea norte-americana. A empresa foi crescendo, ganhando novos mercados com novos produtos e aprendendo não apenas sobre aeronaves com estas parcerias, mas também em como negociar em diferentes países. Depois aconteceram outras coisas, que foram também impactantes neste sentido. Nós fizemos a primeira exportação de aviões pro Uruguai. Eram, acho, que cinco aviões Ipanema e dois ou três Bandeirante. E aí descobrimos uma coisa interessante: quando a gente vendia um avião fora do governo - primeiro foi com o Ipanema que aconteceu isso, que foi vendido pra uma fazenda lá em Goiás -, pagavam imposto. E pagavam imposto que não era pequeno, acho que era 14% ou 15% de ICM e outras coisas, e os aviões importados não pagavam nada. Então, nós começamos a concorrer dentro do Brasil com aviões importados, que eram muito mais baratos que os nossos. Então, isso também começou a martelar a cabeça da gente. Aí, a Embraer fez uma porção de lobbies, fez algumas coisas, começaram a mudar leis, quando começaram a proteger a isenção de impostos e muitas coisas. A nossa legislação de imposto hoje muita coisa foi feita pra proteger a Embraer de tentar pagar menos imposto. Não é que a gente não pague, mas a gente paga menos. Mas, um avião importado tem uma isenção quase total. Então, isso também foi uma coisa que a gente foi descobrindo. E ficamos até atônitos "como é que a gente vai concorrer num negócio desses?". É claro que depois muitas coisas aconteceram e nós entramos até no mercado internacional. E aí foi onde a Embraer, realmente, pôde desenvolverse. A encomenda governamental acabou, mas a encomenda americana deu um sopro de vida muito grande num projeto como o do Bandeirante. (Entrevistado # 3, 2008, p. 10) O que a Embraer sempre fez foi usar a tecnologia que ela adquiriu em qualquer outro programa nos outros programas. Nos programas próprios dela. A tecnologia é a chave da questão. Sem tecnologia não se chegaria ao nível que chegou hoje, não se chegaria porque você não tem sucesso no mercado se você não tiver bons produtos. O que é um bom produto? Competitivo, eficiente e econômico para poder satisfazer as necessidades do cliente. Se você fizer um avião maravilhoso, mas que dá um prejuízo operacional, o cliente não compra. Nós aprendemos, a Embraer aprendeu muito isso na época quando entrou no mercado americano com o Bandeirante, lá pelo ano de 78, 79. (Entrevistado # 10, 2008, p. 2) Há de se destacar também a capacidade de identificar necessidades de mercado e ocupar nichos que a empresa criou. O Brasília partiu da percepção de que a demanda de aeronaves commuter cresceria, porém mais confortáveis e maiores que o Bandeirante. Para aumentar o tamanho da aeronave, a Embraer teve que negociar com a Pratt & Whitney um motor mais forte para equipá-la. Ou seja, uma situação já bem diferente daquela vivida na época de lançamento do Bandeirante, em que a solução encontrada foi a de usar o motor mais freqüente nas prateleiras (PT- 6 da 181

198 P&W), o que só foi possível graças a maior legitimidade e a uma postura mais ativa (estratégia de desafiar e moldar). Mas depois disso aí, nós mesmos empurramos a Pratt & Whitney pra fazer o 118. Aquele, o PW-118, que foi lançado no nosso Embraer- 120, Brasília. Aquele PW-118, por exemplo, foi uma iniciativa nossa de discussão com a United Technologies (proprietária da P&W) pra lançar um novo. Eu me lembro que o Harry Gray, o presidente, era o presidente da United Technologies nos Estados Unidos e tinha subsidiária da P&W do Canadá. Nós falamos com o Harry. Harry, não fica em cima do PT6. Vamos sair com motor novo. Um motor novo com mais potência para empurrar esses novos aviões pro futuro. Ele fez uma visita à Embraer e, depois disso, resultado: o Brasília saiu com o motor 118. Era um motor novo. (Entrevistado # 6, 2008, p. 16) Sempre olhando o mercado. O que é que a oportunidade do mercado vai ser, né? Porque você tem que ter alguma antecedência, de quatro, cinco anos sobre a necessidade do mercado. Se você não enxergar, pelo menos cinco anos pra frente, nós vamos ver claramente que é o que todo mundo quer, a bola de cristal, né? Você tem que ter a bola de cristal e falar "ó, vamos fazer isso porque daqui a cinco anos que leva pra você desenvolver e certificar um avião, quatro, cinco anos e quando chegar lá, ele é o produto". Então, é vital você ter uma visão de mercado. Saber como é que estão as coisas e como vão ser. (Entrevistado # 8, 2008, p.43) No final da década de 80, começo da de 90, o ambiente se tornou inóspito para todos os fabricantes de aeronaves no mundo e mais ainda para a Embraer como visto anteriormente. A Embraer passou a sofrer pressões difíceis de anular, como, por exemplo, a obrigação de formar uma parceria com os argentinos para desenvolver o produto, a ausência de pagamentos por parte do Estado nos programas militares e ainda os custos do programa AMX. No entanto, foram os dois programas que talvez tenham mais trazido valor a Embraer. Grande parte do conhecimento gerado, primeiramente no AMX e depois no CBA-123, trouxe soluções usadas até hoje nas aeronaves da Embraer. É importante chamar a atenção para o fato de que foi uma época em que vários importantes fabricantes fecharam as portas e vários outros se juntaram na tentativa de ganhar forças em áreas diferentes, como a militar, por exemplo. Mesmo sofrendo com a crise, a empresa continuou com os planos de desenvolvimento, tanto que em 1989 foi iniciado o projeto do ERJ-145, que já em 1990, 1991 era idealizado com a perspectiva de desenvolvimento com parcerias de risco, a iniciativa que futuramente salvaria a Embraer e que se tornaria uma tendência na indústria mais tarde. 182

199 Apesar da crise vivida no fim da década de 80, há evidências suficientes para dizer que a Embraer desenvolveu a capacidade de monitorar o ambiente em busca de oportunidades para garantir sua legitimidade. Em parte isso se verifica no fato de que mesmo bem enfraquecida após a crise, a empresa conseguiu fechar as parcerias de risco necessárias para o desenvolvimento do programa seguinte. Também pode-se afirmar que a Embraer conseguiu desenvolver a capacidade de capturar valor de forma consistente ao longo de sua trajetória, utilizando-se de estratégias ativas e passivas. Valores que permitiram que ela conseguisse aprender as etapas cruciais para atuação na indústria aeronáutica Desafio da Gestão dos Recursos Humanos Segundo Penrose (2006), a formação, a retenção, o desenvolvimento e a renovação dos recursos gerenciais são vitais para o crescimento contínuo e a existência continuada da firma (Chandler, 1977). A organização que falha ao prover os recursos gerenciais corretos no momento certo pode não apenas perder oportunidades de expansão, como também enfraquecer a integridade da organização. No caso da empresa estudada, foi formado um grupo inicial de aproximadamente 100 pessoas todas advindas do PAR do CTA, alguns deles do quadro de funcionários permanentes do CTA que optaram por mudar para a Embraer e outros que tinham contratos temporários e que, neste caso, a melhor opção era mesmo ir para a nova empresa. Isto quer dizer que a empresa nasceu do PAR, um departamento de desenvolvimento de aeronaves e, conseqüentemente, dirigido para engenharia. Este foi o grupo que deu origem então à empresa, que desta forma teve seu centro nervoso formado em torno da Diretoria Técnica, já desde o início sob o comando do engenheiro Guido Pessotti. Pelas entrevistas e pelo material coletado, ficou evidente que era a DTE que lançava os programas e iniciativas dentro da empresa. Desafios que, em seqüência, funcionavam como principal elemento de incentivo para os empregados, como ficou claro em uma série de entrevistas. E está justamente aí a explicação que eu tenho pra dizer por que a Embraer tem mantido uma vida que acho que vai longe, né? E, justamente o que mantém, na minha opinião, a vida de uma empresa é o departamento técnico. Houve muita mobilidade mesmo dos outros departamentos porque, nos outros departamentos que foram criados, o pessoal que ia pra lá era todo o pessoal sangrado do Departamento técnico: o diretor de Produção, o diretor de Assistência Técnica, o diretor de não sei o quê, todos passaram pelo crivo do Departamento 183

200 Técnico. Pelo menos na minha época, que durou mais de vinte anos. Era a fonte de recursos humanos. Que bom pra eles, né? E temos bons engenheiros: o pessoal todinho. Todos saíram de lá. Aí está a explicação: nós tínhamos um constante desafio de enfrentar quase que sempre dois ou três ou até quatro - como foi no começo - projetos simultaneamente. Então, exigia uma coordenação muito grande. E a coordenação era feita através de reuniões. Todo dia começava, vamos dizer, o horário normal era sete e meia pra começar. Era uma sala de reuniões que tinha uma mesa enorme. Lá então reunia, inicialmente, o pessoal do Departamento Técnico. Mas como a coisa se popularizou, começou a vir - o que foi muito bom - começou a vir pessoal da produção, o pessoal da assistência técnica, o pessoal do controle de qualidade. A sala, que é grande, começou a ficar pequena e ficar gente fora pra participar do negócio. Isso aí estimulou o amor pela empresa, o amor pelos projetos, porque era uma reunião nervosa. (Entrevistado # 8, 2008, p. 4) O Departamento Técnico além de ser o gerador das idéias, era o gerador de transformação de pessoal. Quando precisava de um cara bom em algum local vendas, produção, ferramental, marketing tudo saía do Departamento Técnico. Informação que nós tínhamos lá naquela sala de reunião. Na cobrança, no desafio, naquilo tudo que eu falei inicialmente. Formou gente muita boa e gente que foi pra quase todas as áreas da empresa e que saiu do Departamento Técnico. (Entrevistado # 8, 2008, p. 33) Lá tinha a corte. A corte era o Departamento Técnico. E o imperador da corte, como era dito lá dentro, em tom de zombaria, obviamente, era o imperador Guido I. (Entrevistado # 7, 2008, p. 16) As (iniciativas) de grande porte partiam de gente boa que tinha lá dentro. Eu mesmo citei um ontem. O sujeito só estava no lugar errado, mas bom ele é mesmo. É o Guido. Ele e outros mais. Kovaks, que esteve por lá, também. (...) O Masao. Satoshi. Então, as grandes visões vinham desses caras. Eu, particularmente, ressalto o nome Guido, porque convivi com ele um bom tempo e ele era realmente um cara notável. (Entrevistado # 7, 2008, p. 40) A declaração de um dos fundadores da empresa também ajuda a deixar clara a importância dada às áreas técnicas. É claro, a Embraer foi fundada em No meio do ano, Max Holste foi embora, o Guido assumiu a direção técnica, que foi uma boa idéia. Chamou o Ozilio pra ser o diretor de produção. Chamou o Garcia pra ser o diretor industrial lá. Um parente dele que era diretor financeiro. E o diretor comercial... bom, fez a diretoria da Embraer, e a Embraer começou em Dia dois de janeiro de 1970, nós começamos a operar como empresa. O pessoal que estava no PAR, que tinha duzentos, trezentos caras, passaram a ser Embraer. (Entrevistado # 3, 2008, p. 8) Nos relatos acima, pode-se perceber que o DTE era realmente o centro da empresa naquele momento, e também mostra algo que foi importante para a empresa 184

201 neste começo, que era o ideal dos que estavam ali naquele início de vida da empresa. Idealismo, que apareceu em várias entrevistas. Então, nós iniciamos aquilo ali e era uma aventura pra nós. Nós fomos formados pra isso. Nós nos formamos em Técnica de Aeronáutica, projeto de avião. Nós estávamos exercendo aquilo que a gente aprendeu a fazer. E, pra isso, nós viemos estudar isso, nós tivemos que estudar isso. Estávamos aqui pra isso. Era uma das poucas oportunidades que a gente tinha de fazer aquilo que queria e que a gente tinha aprendido a fazer. (Entrevistado # 3, 2008, p. 8) Eles achavam que o pessoal que trabalhava no IPD era diferente. Realmente, era. Tanto é que quando eu saí do setor que eu trabalhava no CTA, que fui pro PAR, foi bem melhor. Mas não era muito fácil trabalhar não. O pessoal enfrentava muita dificuldade de recursos financeiros, eram pequenos para o desenvolvimento que a gente produziu. A dificuldade financeira, de materiais, matéria-prima, naquela época, não era fácil, foi muito difícil. Na realidade, teve muito espírito de luta. Era um período difícil. Foi um sufoco, que era uma coisa, idealismo. (Entrevistado # 4, 2008, p. 2) O ideal falou mais alto. Também tivemos um comando espetacular. O Ozires e o Paulo Victor foram pessoas que começaram essa conquista aí para o Brasil, não tenho dúvida nenhuma, conseguiram fazer um grupo unido dentro do setor do PAR. E que era uma equipe unida. Naquela época existia rivalidade entre paulista e mineiro, carioca com paulista, carioca com mineiro. Dificilmente você via um carioca se dar bem com mineiro. Mas se dava bem com paulista. No PAR não tinha isso. (Entrevistado # 4, 2008, p. 2) Mesmo com toda a boa vontade do Estado Maior, os brigadeiros do Estado Maior eram todos apaixonados pela Embraer. E o apoio que sempre deram à Embraer eu respeito. Muitos amigos, né?, o brigadeiro Martins da Rosa (...) Paulo Victor é o estímulo de tudo! Eu estava trabalhando 3, 4 horas da madrugada, aparecia o Paulo Victor lá. É isso mesmo, tem que batalhar pelo Brasil. Vocês são um exemplo. E ficava assim. E aí, ele ia embora e a gente pô, vamos continuar trabalhando. Ele foi um cara fantástico! Também porque ele estava lá na hora certa, que era onde a gente mais precisava. O brigadeiro Paulo Victor é o meu ídolo. (Entrevistado # 7, 2008, p. 17) A empresa experimentou então, como visto na sua história, um crescimento muito grande na década de 70, inclusive de pessoal, quando passou de pouco mais dos mil funcionários que tinha em 1971 para quase em Também foi visto que a empresa nesta década foi capaz de sustentar uma série de programas feitos na maioria das vezes simultaneamente, e o fez porque tinha pessoal preparado para isso, uma condição necessária para crescimento como visto anteriormente, segundo Penrose (2006), para quem os recursos gerenciais devem estar disponíveis na firma antes que o movimento de expansão aconteça. 185

202 Importante destacar que, nesta fase de crescimento vivida na década de 70, havia uma motivação para realização aparente que estava difundida em quem trabalhava como levantado por alguns entrevistados. Havia um senso de objetivo comum e a diversidade dos desafios, mantinha uma atmosfera produtiva alimentada pela oportunidade de aprendizagem constante. É, se pagavam. Com certeza. Essa é uma das coisas boas. E a gente trabalhava ali, no início, de segunda a segunda, não tinha... A turma trabalhava pesado, e contente, e bem. E feliz. Era novidade, e era gostoso trabalhar. (Entrevistado # 1, 2008, p. 26) Mas aí determinava, você vai trabalhar, por exemplo, com cockpit. Você vai trabalhar na asa. Você vai trabalhar na fuselagem. Tinha uma equipe, você vai fazer parte daquela equipe do desenvolvimento da empenagem vertical. E era determinado prazo. Você discutia com o pessoal lá, tem que fazer isso, tem que fazer aquilo, tem o projeto, tem o anteprojeto, que a gente vai receber o anteprojeto, vai projetar realmente e desenvolver todas as peças. Vai listar as peças, vai fazer o seu conjunto. Então, tudo isso aí era calculado. Por exemplo, nossa equipe terminou a empenagem primeiro. Daí você ia ajudar outra equipe. Por exemplo, na fuselagem estava crítico. Então você ia ajudar eles. Mesmo que você não terminasse a empenagem, mas deslocavam pessoal para lá. Era feito esse remanejamento. Isso sempre foi feito. (Entrevistado # 1, 2008, p. 46) (...) era desafio em cima de desafio. Desafio de toda natureza, desafio pra valer mesmo. Era prático, levava ao objetivo, que era reduzir custos, custo de fabricação. Isto foi, então, uma constante no andamento de todos os programas. Em todos os programas sempre tinha um desafio muito grande pro pessoal e o pessoal reagia muito bem. E isso criava um espírito. Criou um espírito, não é que criava... Mas criou a mentalidade da Embraer. E foi isso. (Entrevistado # 8, 2008, p. 23) Como já foi mostrado acima, o ITA era a principal fonte de recursos humanos para a Embraer, o que reforçava ainda mais o Departamento Técnico como o centro nervoso da empresa. No entanto, com o crescimento vivido nesta época, o ITA passou a não ser mais suficiente sozinho, o que obrigou a empresa a procurar engenheiros em outras escolas e, se fosse o caso, treiná-los para a engenharia aeronáutica. Segundo alguns dos entrevistados, era comum ter treinamentos no exterior em escolas importantes da época, como o MIT e a Caltech. Outro elemento fundamental que garantiu a sobrevivência e o futuro dela foi, realmente, que o pessoal se formava. Quer dizer, se formava, depois vinha lá, fazia cursos na própria Embraer. Ou, então, se o cara vinha de Minas ou vinha do não sei onde, a gente mandava fazer pós-graduação, pra fazer outros cursos no ITA, na França, na Alemanha, na Inglaterra, nos Estados Unidos, MIT, Caltech e outras. O pessoal ia pra lá e voltava. Com isso aí você fixou um quadro 186

203 básico e deu exemplo aos novos que queriam participar, queriam entrar. Eles sabiam que lá, se você se dedicasse, se você fosse estudioso, se você seguia a orientação ou a doutrina que foi estabelecida, você ia galgando. E sempre reconhecendo o valor das pessoas. Quer dizer, o cara sempre tinha o mérito reconhecido e o próprio pessoal, o próprio chefe do Departamento de Pessoal foi um cara que também passou pelo Departamento Técnico. Então, ele sabia da importância do desenvolvimento, dos estímulos que a gente queria dar pro pessoal. (Entrevistado # 8, 2008, p. 4) Pelo relato do entrevistado acima e alguns outros colhidos, pode-se perceber que havia de fato uma preocupação de treinamento, mas focado no desenvolvimento técnico, ou seja, a manutenção do motor da empresa até aquele momento, que era a engenharia. No entanto, para alguns dos entrevistados, a concentração em cima da DTE como fonte de recursos humanos, somada a algumas características militares de sua formação, trazia alguns problemas também, como, por exemplo, a formação de uma estrutura extremamente hierarquizada, que criava problemas de comunicação. Na Diretoria Técnica existia a Gerência de Apoio à Engenharia, onde eu comecei minha carreira, a Gerência de Engenharia de Aeronáutica, para onde eu migrei posteriormente. A Gerência de Projeto, que trabalhava de comum acordo com a Engenharia de Aeronáutica. Abaixo dessas gerências existiam as chefias de seções, várias seções, com seus respectivos chefes. E abaixo dos chefes existiam os supervisores. Na linha de produção existia uma cadeia de comando mais pesada, digamos assim, mais extensa. Além dos supervisores, existiam também, abaixo dos supervisores, os mestres. Abaixo dos mestres, os encarregados, e, abaixo dos encarregados, os líderes. Ou seja, na linha de produção a coisa começava com o líder. Líder, uniforme com gola verde. O uniforme era azul com gola verde. Uniforme do trabalho normal, todo azul escuro. Líder, azul com gola verde. O encarregado, azul claro com gola laranja. O supervisor da linha de produção, todo azul claro, sem gola nenhuma. O chefe de seção já era o traje que ele quisesse usar. Eu quero apenas mostrar que, na linha de produção, a cadeia de comando era um troço sem fim e, obviamente, é sensato presumir que uma diretriz qualquer se descaracterizava até chegar ao local onde teria que ser executada. (Entrevistado # 7, 2008, p. 16) Outro entrevistado contou que, embora a empresa tivesse sistemas bem montados de treinamento e promoção, muitas vezes eram pouco considerados em algumas áreas da empresa, em favor do conhecimento técnico ou procedência do funcionário. A comunicação não era exatamente o forte da empresa, na época (início da década de 1980). E isso, aliás, gerou problemas bastante interessantes, verdadeiros entreveros lá, dentro entre diretorias, Diretoria Técnica com Diretoria de Produção, e por aí vai. E outra coisa interessante a verificar é como é que eram escolhidos os 187

204 elementos para ocupar os cargos da linha de chefia. Até o nível de supervisão, a coisa era feita em termos essencialmente técnicos, ou seja, capacidade que um indivíduo tem de ser determinada coisa. Por exemplo, eu fui escolhido para fazer todo o treinamento de supervisor. Chamava-se, na época, TWI, Training Whitin Industry. Três fases de mais ou menos dois meses cada uma, a partir da qual, desde que o indivíduo fosse considerado apto em cada uma das fases, ele era potencial candidato a supervisor. Não necessariamente supervisor. No meu caso, logo em seguida eu fui transformado em coordenador, por necessidade de serviço, assim que terminei o curso do TWI. Mas isso não era necessariamente o que acontecia. Muito bem, isso em nível de supervisão. Na produção, valia, em nível de supervisão, mas com menos ênfase. Por quê? Porque existiam indivíduos que eram egressos do pioneirismo, do PAR, do embrião onde a coisa foi gerada, então esses caras eram supervisores sem fazer cursos do TWI, sem fazer coisa nenhuma. Mas, o fato é que existia o curso do TWI sólido, muito bem constituído, muito bem aplicado, com bons professores e que formavam, efetivamente, quem tivesse capacidade para ser supervisor, transformava esse potencial em supervisor de verdade. Mas a coisa parava aí. Porque em nível de chefe de seção para cima, aí já era gente da confiança do gerente e do diretor. Ou seja, o diretor escolhia quem ele bem entendesse, às vezes à revelia do gerente. Mas nunca uma coisa confessa não, porque o gerente também estava ocupando um cargo que também era de confiança e tal. A coisa era muito mais velada do que de outra forma em termos de escolher chefe de seção. Mas fato é que era cargo de confiança, não tinha curso algum, até que houve uma melhora com relação a isso, e foi criado o Promeg Programa de Média Gerência, em E nesse Programa alguns indivíduos externos à empresa foram chamados para ensinar técnicas modernas de administração. Alguns indivíduos externos à empresa foram chamados para ensinar técnicas modernas de administração e como criar uma gerência efetivamente capaz na empresa, que não fosse escolhida única e exclusivamente porque era amiga de A ou de B, ou coisa que o valha. Enfim, tornar indivíduos capazes de serem gerentes, em gerentes. Assim como tornar indivíduos capazes de serem supervisores, em supervisores. Teve o Promeg e o fato é que, apesar de tudo, conforme eu disse, a comunicação na cadeia de comando não era efetivamente das melhores. E o nível de compartimentalização da empresa, ou seja, a empresa subdividida em compartimentos que não se falavam uns com os outros, era de ordem tal que agravava o problema de uma maneira muito dramática. Então, a empresa tinha lá a corte, como eu disse, e a corte tinha até feudos lá dentro. (Entrevistado # 7, 2008, p. 17) O relato do ex-funcionário acima chama a atenção para outro ponto importante também, que era o começo do treinamento de gerência, em Mesmo numa época em que as coisas já não estavam tão boas para a empresa, mas serve para mostrar uma preocupação antiga da Embraer de buscar se atualizar frente às formas de gestão existentes, apesar de terem aparecido algumas evidências de que não havia um ajuste sistemático de indivíduos com suas respectivas capacitações. (...) Ou então é um apêndice. Ela nunca explorou esse lado não, o contribuitvo. Ele ficava embutido dentro do processo formal de avaliação de sua obrigação de trabalho. Eu cito isso como um erro, por quê? Porque se houvesse o apêndice, sempre se poderia verificar 188

205 quem poderia, quem estaria melhor apenas contribuindo do que processando. Vem cá, esse cara aqui contribui tanto, quem sabe é melhor ele só contribuir? Claro que não pode ser todo mundo, tem que ser uma minoria. Mas uma minoria muito bem peneirada, poderia ser. Mas, na realidade, ela faz isso, de vez em quando. Mas é um negócio incipiente. Por exemplo, foi um cara chamado Fernando lá, eu conheci ele, trabalhou junto comigo, sob minha orientação durante um certo tempo Fernando não sei das quantas, esqueci o nome dele mas é um cara contributivo, até legal, tem um monte de idéia. Agora tem uma prática que não tem muita aplicação. Por exemplo, eu disse que resolvi para a Embraer, a última coisa que eu resolvi para eles lá, foi fazer funcionar o lançador de cargas pirotécnicas do EMB Pois é, esse Fernando aí, esse trabalho eu dei a ele, para ele fazer. Na realidade nem fui eu, foi o chefe, foi o coordenador. Então ele fez uma série de coisas mirabolantes lá, e eu olhei daqui, ih, não está com nada esse negócio. E realmente, na hora em que foi ensaiar, o negócio deu dez tiros lá, e quebrou. Mas, para outras coisas, para pensar lá, fazer brainstorm, ele era bom. Eles puseram até ele para fazer isso, não sei se ainda está nessa até hoje. Mas, o fato, é que aproveitaram ele assim. Numa coisa bacana. Mas não existe isso consagrado lá dentro não, sabe? (Entrevistado # 7, 2008, p. 37) Outro ponto a ser notado é o rápido crescimento do número de funcionários da empresa durante a década de 80. Se, em 1980, a Embraer contava com funcionários, em 1990 a empresa já passava dos Para alguns dos entrevistados, esse número era perfeitamente normal, considerando-se o número de programas e atividades da empresa. Porém, para outros, a empresa havia sido inchada sem necessidade. Um dos entrevistados também apontou o fato de que esta era uma das principais preocupações do fundador da empresa Ozires Silva, que quando este deixou a empresa, em 1986, o número teve um crescimento bem acima do normal. Os relatos abaixo ajudam a mostrar pontos de vista diferentes sobre o problema vivido no fim da década de 80. O efetivo que havia era porque a empresa estava com programas, com compromissos de entrega, de lançamento de série. O que não tinha era o aporte dos recursos necessários. Tanto é que, quanto que ela tem depois da privatização? Tem 20 mil empregados. Então, você vai dizer que está inchada? Não. É porque precisa. As pessoas de fora da empresa diziam pô, mas a Embraer cresceu pra caramba, hein! Está com treze mil empregados. Mas, pô, o que é que ela fazia na época? E depois tem o seguinte, quando nós fomos demitir pra poder escolher os quatro mil, o que nós fizemos? Primeiro, o que vai deixar de ser feito. Vai parar o quê? Vai parar isso, isso, isso. Então, nós reunimos uma comissão, havia uns oito gerentes ou dez gerentes, pessoal de planejamento, pessoal de finanças. Isso tudo pra propor pra diretoria o que é que seria parado, interrompido. Vai interromper, então aí é inchar, porque aí não precisa das pessoas. (Entrevistado # 10, 2008, p. 22) Contrataram em massa. Não tinha o que fazer. Você precisava ver os desfiles para o almoço. Era aquele bando de namorados indo pro 189

206 almoço. Depois, ficavam lá no almoço até não sei que horas. E depois voltavam devagarzinho, todos os casaizinhos lá. Era uma festa! Pô, numa empresa não pode ter isso. Uma empresa é pra trabalhar. Deu bastante demissão porque era necessário, porque não precisava porque não tinha o que fazer. Estava inchada, inchada pra valer. Foram contratados demagogicamente. E a conseqüência foi o desastre econômico financeiro, claro! O principal parâmetro, o principal fator de custo em qualquer empresa é pessoal, ainda mais se incha com esse pessoal sem ter o que fazer. Aí, deu nisso: foi lá pra baixo. (Entrevistado # 8, 2008, p. 6) Quando a crise se agravou, começaram as demissões em massa, e a empresa chegou a ter uma quantidade mínima de funcionários, no segundo semestre de 1992, cerca de empregados. Evidentemente, para isso, diversas atividades foram canceladas, como o programa CBA-123. Foi perdido um grande número de funcionários qualificados que a empresa havia preparado. Logo depois foi a vez da empresa também perder o Diretor Técnico, Guido Pessotti, que veio a ser demitido. Parece que a empresa não havia planejado sua sucessão. Não parecia haver na empresa alguém que houvesse sido preparado para isso ou que alguém com os mesmo recursos já existisse e pudesse ser aproveitado. Diferente da saída do fundador Ozires Silva, na qual tudo indica que Ozílio já era bem antes de acontecer o desligamento, a pessoa preparada para assumir seu posto. No entanto, é importante ressaltar que, segundo Sbragia & Terra (1993, apud Coelho, 2005), a Diretoria Técnica (DTE), considerada o coração da empresa, registrava em 1993 um efetivo somente 10% menor que o existente antes da primeira onda de demissões, o que mostraria uma preocupação em preservar o núcleo criado desde o PAR. Concluindo, há evidências de que a empresa mostrou preocupação em desenvolvimento dos seus funcionários, porém com foco no treinamento técnico, o que aparentemente permitiu a manutenção de uma engenharia de elevado rigor técnico, que foi capaz de absorver um grande número de programas quase que simultaneamente, o que trouxe também um grande aprendizado para a empresa e que foi retido lá. No entanto, não há evidências de que a empresa tenha buscado de forma sistemática, processos bem definidos para a retenção de seus talentos. Parece não ter sido o foco da empresa, até porque durante a primeira década da empresa, e meados da de 80, não parecia haver motivos para preocupação, já que era a única empresa forte do setor no país e em parte por isso detinha um grande ativo intangível, que era o 190

207 orgulho dos funcionários em participar de um empreendimento como aquele, muitos, por ideologia. Também não apareceu nos relatos, nem na bibliografia colhida, que a empresa tivesse grande preocupação com a sucessão dos postos-chave, porém, pode-se dizer que a diretoria da criação da empresa ficou mantida até a privatização. Vários deles permanecem até hoje em postos-chave da empresa. Ou seja, havia entre seus executivos o interesse de permanecer por grandes períodos de tempo na Embraer. Havia orientação de longo prazo. Percebe-se até mesmo pelo número reduzido de presidentes que a empresa sempre teve. O fundador Ozires Silva permaneceu por mais de 16 anos no topo da corporação e, quando saiu, foi substituído por Ozílio Carlos da Silva, que havia sido o diretor de Produção desde a fundação da Embraer, e que saiu do comando em 1990 por implicações políticas durante o governo Collor. Outro ponto sobre o qual não parece ter havido preocupação da empresa durante esta época diz respeito à renovação do pessoal, como coloca Penrose (2006) como fator crucial para um crescimento contínuo da empresa. Há sinais de que a Embraer usou sempre os mesmos métodos de contratação e fontes de recursos humanos com pouca circulação no núcleo que era a DTE Desafio da Gestão da Diversidade O ex-presidente Maurício Botelho, em entrevista à revista HSM Management, mencionou, como um de seus principais problemas pós-privatização, o fato de ter herdado uma estrutura muito hierárquica: A desmotivação era imensa mesmo, era um processo de quebra de confiança. Um dos fatores desmotivadores era a estrutura hierarquizada, quase militar, e a comunicação era vertical.tudo estava contra. Lembro que, logo que cheguei, um gerente me falou, no corredor, sobre um assunto a respeito do qual eu não sabia. Eu disse: Vamos conversar na minha sala. Ele se espantou, porque essa possibilidade não existia. Como o presidente da empresa chamaria um gerente para discutir um assunto que não estava em pauta, sem programação, sem nada, sem uma reunião marcada, estruturada? (Botelho, 2007, p. 2) Na história de crescimento da Embraer, há evidências para dizer que a diversidade na organização aumentou consideravelmente, mas, considerando-se essa primeira fase analisada, parece que ela conseguiu manter uma integração através da Diretoria Técnica da empresa. 191

208 Há evidências de que a DTE fez o papel de fonte de recursos humanos, de gestora do conhecimento, que era absorvido a partir de parcerias e também responsável pelas principais iniciativas da empresa, que nasceu de um departamento de desenvolvimento de produto. Se antes o ITA era a única fonte de recursos humanos e conhecimento, isso foi ficando impossível à medida que a empresa crescia, principalmente na década de 70, o que a obrigou a buscar recursos em outras áreas de formação técnica, principalmente universidades do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. Todos os contratados recebiam treinamento fundamentalmente técnico, como foi evidenciado por vários dos entrevistados. Com o crescimento, a procura por engenheiros em instituições que não o ITA pode ter sido o primeiro fator de fragmentação dentro de uma estrutura nascida de um departamento técnico do CTA. Some-se a isso ainda a constante mistura de civis e militares. Está justamente aí a explicação que eu tenho pra dizer por que a Embraer tem mantido uma vida, que acho que vai longe, né? O que mantém, na minha opinião, a vida de uma empresa é o departamento técnico. Houve muita mobilidade, mesmo dos outros departamentos, porque nos outros departamentos que foram criados, o pessoal que ia pra lá era todo o pessoal sangrado do Departamento Técnico: o diretor de Produção, o diretor de Assistência Técnica, o diretor de não sei o quê, todos passaram pelo crivo do Departamento Técnico. Pelo menos na minha época, que durou mais de vinte anos. Era a fonte de recursos humanos. Que bom pra eles, né? E temos bons engenheiros: o pessoal todinho. Todos saíram de lá. Aí está a explicação: nós tínhamos um constante desafio de enfrentar quase que sempre dois ou três ou até quatro - como foi no começo - projetos simultaneamente. (Entrevistado # 8, 2008, p. 4) Foi só o tempo passar, mas o cara tem competência. Sabe o que é motor, sabe o que é hidráulica, sabe o que é sistema elétrico, sabe o que é aviônica. E foi, então, misturando militares - civis eram a maioria -, mas os militares então entraram lá também. Todos se aposentaram e todos ficaram - civis - e ninguém sabe fazer a distinção entre um e outro, basicamente. O quadro de engenheiros era muito importante, era muito homogêneo, a grande maioria formada no ITA, uma boa parte formada em Belo Horizonte. Depois, com a ampliação de São Carlos, veio um bocado de gente de São Carlos e outras faculdades que eu não me lembro mais, e de Campinas. A Unicamp forneceu muita gente pra lá, gente que se adaptou e se integrou perfeitamente. É duro você passar de engenharia mecânica pra engenharia aeronáutica, né? Vai uma boa diferença, não é? (Entrevistado # 8, 2008, p. 6) Um aspecto importante que apareceu em quase todas as entrevistas realizadas foi a função de alguns mitos da empresa. O mais mencionado foi o Diretor Técnico deste período, o engenheiro Guido Pessotti, visto praticamente como o pai de todos os projetos e grande incentivador dos programas de desenvolvimento em que 192

209 a empresa entrava. Mais interessante ainda notar que o engenheiro apareceu como um mito nas entrevistas até mesmo daqueles que não estavam na empresa na mesma época dele. O engenheiro foi citado diversas vezes como uma pessoa de capacidade rara, mesmo por aqueles que admitem não gostar da forma como conduzia os relacionamentos. O PAR era do IPD, não era do ITA. Acabou fazendo o canopy soprado, boleado, enfim, ficou um negócio bacana, visibilidade linda, características óticas formidáveis. Então, aquelas idéias foram amadurecendo e o Guido resolveu lançar o projeto de um planador de competição de alto rendimento, classe standard, que foi o Urupema. (Entrevistado # 3, 2008, p.5) As (iniciativas) de grande porte partiam de gente boa que tinha lá dentro. Eu mesmo citei um ontem. O sujeito só estava no lugar errado, mas bom ele é mesmo. É o Guido. Ele e outros mais. Kovacz que esteve por lá, também. Masao. Satoshi. Então, as grandes visões vinham desses caras. Eu, particularmente, ressalto o nome Guido, porque convivi com ele um bom tempo e ele era realmente um cara notável. Já disse, e volto a repetir, já frisei isso diversas vezes, estava no lugar errado, não tinha nada que ser diretor, ele tinha que ser mesmo um assessor de tecnologia, bem elevado, ganhar rios de dinheiro para poder fazer o negócio que fez. Mas diretor, não. (Entrevistado # 7, 2008, p. 40) São vários fatores, para começar o avião Brasília já estava em declínio, o substituto ainda não existia.o Guido é um grande projetista, mas é necessário alguém para segurar ele. O Ozires segurava. O Ozires sabia fazer isso. Com dificuldade, mas fazia...o Guido resolveu fazer o que hoje é o 145, mas usando as asas do Brasília. A fuselagem em si é uma coisa de baixo custo, então as asas do Brasília modificadas. Ele pegou as asas, modificou o perfil. O perfil não era enflechado, no Brasília são retas. Aí os engenheiros da aerodinâmica começaram a dizer para ele: Olha Guido, não vai dar. Os engenheiros da aerodinâmica começaram a tentar convencer o Guido que o projeto que ele estava querendo era inviável. Mas, nessa altura, ele resistia: Vai dar certo sim. E tocou o projeto. (Entrevistado # 12, p. 8) Não é que a Embraer tinha que mandar gente embora. Tinha que mandar gente embora porque acabaram os programas, pô! Não como. Então, os caras não tinham dinheiro, não tinham programa novo! Aí, o que é que aconteceu? A visão de novo. Um pouco a visão do Guido, que sempre foi um cara que teve a visão de fazer produtos novos na Embraer. Outra coisa que a Embraer teve: era vender avião pra cliente que não era do governo, não só. E segunda, manter viva a produção de produtos novos, desenvolvimento de projetos novos lá dentro. Então, desde que começou o Bandeirante, e mal acabou e a gente já estava fazendo o Ipanema. Não tinha acabado e a gente já tinha o Ipanema. Passamos para o Xingu. O Guido começou a estudar uma família de avião pressurizado. O Xingu foi uma coisa quase que imposta pelo marketing, porque viu que a gente tinha chance de vender o avião. Ele queria fazer avião com trinta lugares aqui. Não tinha mercado aqui no Brasil. Nós ainda não 193

210 estávamos exportando. Mas a gente queria fazer um avião pressurizado. (Entrevistado # 3, p. 16) Os aviões turboélices daquela época faziam 240 nós (velocidade), quando muito 230. O Brasília fazia 300. Então, o Guido conversava com os presidentes das companhias de avião americanas... Se você fizer uma viagem diária de uma hora de ida e uma hora de volta, tipo Rio-Belo Horizonte, Rio-São Paulo um pouco menos, mas se você fizer cinco viagens no dia, ganha dez minutos em cada viagem, no fim do dia você tem uma viagem a mais. Nota verde no bolso. Então, os presidentes americanos "pô, 300 nós!". Hoje, tudo que é avião quer fazer 300 nós, mas naquela época não. (Entrevistado # 3, p. 22) Se pelas entrevistas ficou claro que o engenheiro Guido Pessotti era e ainda é um mito pela capacidade técnica, o fundador Ozires Silva também apareceu nas entrevistas como peça-chave na história da empresa, um mito empreendedor, sem o qual a empresa jamais teria existido. Ozires também aparece como um personagem fundamental para a manutenção de uma imagem da empresa sem as características da maioria das estatais. Talvez esta tenha sido uma das maiores virtudes do fundador. Manter a autonomia da empresa em relação ao Estado, que era o dono da companhia. Não foram encontradas evidências de aparelhamento do Estado na Embraer, a não ser no período de crise mais grave durante o Governo Collor, quando a então ministra da Economia nomeou um diretor-presidente para a empresa. O aparelhamento político ao longo desses 22 anos considerados na primeira fase poderia ter sido uma possível fonte de fragmentação. Se o Ozires foi essencial para a criação da Embraer, o Satoshi com essa idéia dele, quer dizer, não sei se foi dele, mas ele que lançava lá, dava essa idéia. Eu achava que era um sonho, naquela situação que ela estava, não tinha dinheiro para nada, de repente convencer parceiros... E ela conseguiu. (Entrevistado # 12, p. 13) Esses fatores favoráveis todos decorreram de algumas pessoas excepcionais: Três. Por exemplo, um o Ozires, a outra é o Paulo Victor, Paulo Victor da Silva, que era o diretor do CTA. E o terceiro foi o Max Holste. O francês que veio em 65 e apareceu aí. Em 65 fazia três anos que o Ozires estava lá no CTA, trabalhando no CTA, porque ele já tinha sido aluno lá. Aliás, eu fui, ele foi meu colega de turma. (Entrevistado # 11, p. 2) Disso aí eu posso dizer o seguinte: a empresa que eu encontrei quando eu entrei era uma empresa de cunho bastante familiar. Ela nasceu do PAR, fruto do ideal do engenheiro, coronel engenheiro Ozires Silva, e outros colegas dele lá. (Entrevistado # 7, p. 16) E foi de luta, quando o ideal falou mais alto.também tivemos um comando espetacular. O Ozires e o Paulo Victor foram pessoas que começaram essa conquista aí para o Brasil, não tenho dúvida nenhuma, conseguiram fazer um grupo unido dentro do setor do PAR. E que era uma equipe unida. Não importava porque naquela 194

211 época, naqueles anos, existia rivalidade entre paulista e mineiro, carioca com paulista, carioca com mineiro. Dificilmente você via um carioca se dar bem com mineiro. Carioca se dava bem com paulista. No PAR não tinha isso. (Entrevistado # 4, p. 2) A empresa também apresenta alguns outros mitos da sua formação. Alguns deles permanecem na empresa até hoje, como o atual vice-presidente de Planejamento Estratégico e Desenvolvimento Tecnológico, Satoshi Yokota, considerado um dos pais da idéia de projeto e produção com base em parcerias de risco. E também o brigadeiro Paulo Victor, visto como grande incentivador externo, já que não era da Embraer, e sim do Ministério da Aeronáutica. Foram mitos - e alguns ainda são - que, além de ferramentas de integração, funcionam também como elementos de difusão de características importantes para a empresa. Em 1979, a Embraer fez a sua primeira aquisição de uma empresa do mesmo ramo, assumindo o controle total em março de 1980 da Indústria Aeronáutica Neiva, por imposição do Governo Federal. Devido à quantidade de projetos que a empresa tinha na época, foi possível transferir para a Neiva a produção de aviões leves e também do avião agrícola Ipanema, além de devolver à cidade de Botucatu a engenharia da empresa adquirida. A engenharia da Neiva havia sido transferida para São José dos Campos, em 1960, pelos proprietários anteriores, a fim de ficar mais perto do CTA/ITA. No entanto, mesmo com a ida da engenharia para a sede da Neiva em Botucatu, o que poderia simbolizar maior fragmentação - ressaltar que essa unidade só ficou com projetos já desenvolvidos na unidade de São José dos Campos - ou programas de montagem, como era o caso dos Piper, o núcleo permaneceu na empresa de onde saíam os principais programas. Todo o sistema de revenda da Neiva foi renegociado e começou a fazer parte daquele que já estava em operação conosco. Assim, a Neiva passou a constituir uma unidade do nosso sistema produtivo, mantendo apenas um pequeno núcleo de projetos apto a resolver problemas relativos à produção. Toda a engenharia de concepção, projeto e desenvolvimento foi concentrada em nossa Divisão de Engenharia. E, para o exercício de suas atividades, ficou decidido que a empresa concentraria todas as suas atividades industriais em Botucatu, fechando-se o escritório instalado em São José dos Campos. (Silva, 2005, p.364) A chegada aos EUA também simbolizou uma expansão importante na história da Embraer. A entrada no mercado norte-americano via investimento direto, trouxe mais intercâmbio à organização, pois permitiu ficar próximo do principal cliente consumidor. Para presidente da EAC foi escolhido o então diretor de Produção, Ozílio 195

212 Carlos da Silva, também oriundo do grupo do PAR que formou a empresa. Foi na EAC que surgiu o Comitê de Orientação, composto principalmente por donos de empresas aéreas que já operavam aeronaves Embraer e que traziam informações aos engenheiros que começaram a utilizá-las para o projeto do Brasília. Nesse sentido, a Embraer soube aproveitar a expansão, mantendo o caráter organizacional, novamente mantendo o conhecimento obtido dentro da DTE. Um elemento de integração que a empresa usou desde o começo foi a edição do jornal interno, O Bandeirante, que é editado até hoje. Uma constante na vida da empresa foram as parcerias, de risco ou não. Podese dizer que, sendo uma entrante tardia na indústria aeronáutica, teve que buscar desde o início empresas do setor com experiência, e normalmente no exterior. Algumas dessas parcerias poderiam ter causado fragmentação, levando-se em conta o aumento considerável da complexidade dos projetos que iam sendo absorvidos. A primeira parceria fundamental com a Macchi, que seria apenas para produzir o Xavante sob licença na Embraer, tornou-se uma rica fonte de aprendizado sobre a tecnologia aeronáutica e de produção, graças ao intensivo intercâmbio que foi feito, tanto de italianos aqui, como de brasileiros na Itália. A empresa voltou a usar esses intercâmbios de pessoal para promover o aprendizado que, em sua maioria, era retido pela DTE, como, por exemplo, no aprendizado do uso do CAD em 1978, a comercialização de pequenas aeronaves, com a Piper, o uso da informação de clientes e autoridades certificadoras até chegar ao ponto do desenvolvimento de um programa inteiramente baseado em parcerias de risco com o ERJ-145. Nesta primeira fase, é importante ressaltar que vários dos projetos haviam sido impostos pelo Governo Federal e que isso, teoricamente, seria uma forma de fragmentação, mas que a empresa aparentemente sempre contornou com a centralização na DTE, isto é, houve ali a preservação da competência distintiva da empresa. Provavelmente o CBA-123 seria o projeto que causaria a maior ruptura que a empresa já teria vivido até então, uma vez que era obrigatório desenvolvê-lo em parceria com a Argentina. Mas a indústria daquele país mostrou que não tinha a menor condição, naquele momento, de absorver um projeto daquela magnitude. Quando se chegou a esta conclusão, talvez tarde demais, a saída apresentada pela Embraer foi a de puxar todo o programa para a sede em São José dos Campos e, posteriormente, trazer até o ferramental que havia sido instalado em Córdoba. Outro aspecto interessante de se levantar na empresa estudada diz respeito à capacidade de manter um senso de objetivo comum. Conforme alertam Cyert and 196

213 March (1963), na busca por segurança ou realizações, pode ocorrer a formação de ilhas de poder para o atendimento de objetivos individuais ou de grupos, que podem ser conflitantes entre si. Apesar de haver uma coalizão dominante, que era a DTE, esta conseguia nutrir a empresa com os objetivos a serem alcançados por toda organização. O orgulho dos funcionários em trabalhar com um produto de tecnologia sofisticada, sobretudo em um Brasil da década de 70 é, sem dúvida alguma, um forte fator de integração que apareceu constantemente nas entrevistas e textos coletados sobre a organização. Foram constantes os depoimentos que mostravam o orgulho dos entrevistados em ter participado da construção da empresa. Há indícios, então, de que a empresa buscou usar de mecanismos de integração, mas é interessante notar que a Embraer já exibia desde o início uma característica centralizadora, e em grande parte por iniciativa da Diretoria Técnica. A mesma centralização que, se por um lado evitou a fragmentação exagerada em momentos críticos, também trouxe o fortalecimento de uma coalizão que pode ter trazido a redução de heterogeneidade Desafio da Gestão da Complexidade Segundo Fleck (2006), o desafio da complexidade consiste no gerenciamento de problemas complexos que consideram uma grande quantidade de variáveis interdependentes, problemas estes que tendem a aumentar à medida que a empresa cresce. O desafio da complexidade é também o único que afeta a qualidade das respostas de todos outros desafios. Em sendo assim, seu sucesso pode ser relacionado com a capacidade da firma em avaliar os problemas aos quais é submetida e como ela se capacita para respondê-los. Essa capacitação traz mecanismos para que a empresa trate os desafios que vão aparecendo com o crescimento. A trajetória da Embraer mostra que ela foi capaz de desenvolver processos de auto-aprendizado, principalmente pela complexidade da indústria na qual estava inserida. Se não tivesse criado essa capacitação, talvez não sobrevivesse aos primeiros anos, e muito menos à primeira crise. Apesar de haver evidências de uma documentação que consolidava o conhecimento adquirido apenas nos anos 80, principalmente via manuais, fica claro na história da empresa que tais aprendizados foram sendo capturados e passados ao 197

214 longo do tempo, tanto que é possível visualizar processos aprendidos em programas como o AMX, até hoje usados na família 170/190. Por exemplo, o meu esmero para com a construção do manual de reparos estruturais, hoje eu tenho procurado usar como proposta de melhoria para a Embraer, no momento em que eu verifico o trabalho deles com o manual de reparos estruturais. E muitas dessas propostas de melhorias, para não dizer praticamente todas, são acatadas, são aceitas. Ou seja, algo que eu fiz, que eu idealizei em 1985, 86, 87, 88, hoje eu ponho em prática com sucesso. (Entrevistado # 7, 2008, p. 24) E, novamente, pode-se atribuir a retenção e disseminação deste aprendizado através da Diretoria Técnica, que coordenava os programas em andamento. Foi com esse aprendizado que a Embraer foi gradativamente ganhando e desenvolvendo as capacitações necessárias para competir no mercado internacional. Aprendendo a desenhar, produzir em série, vender, distribuir e depois colaborar como player importante. A maior evidência de que a empresa buscava desenvolver esse aprendizado está na forma como conduzia as parcerias. A empresa usou várias oportunidades em que deveria apenas produzir uma aeronave sob licença para capturar o máximo que podia dos já experientes fabricantes com os quais fechara a parceria. Um fator de comparação interessante neste caso é a indústria aeronáutica argentina, que durante muito tempo usou do mesmo recurso de parceria com fabricantes consagrados, como Dornier, Dassault, Elbit, e nunca conseguiu consolidar uma indústria relevante. A FMA, por exemplo, existia desde 1927 e foi privatizada em 1995 (um ano após a Embraer), quando sua operação foi concedida à Lockheed por 25 anos. É importante ressaltar também que a instabilidade administrativa no país trazia ainda mais complexidade às operações já naturalmente complexas da empresa. Havia, e de certa forma ainda há no país, a idéia de que tudo que fora feito num governo anterior não servia. Isso numa indústria que vive de ciclos longos pode se tornar uma arma letal, como mostra a declaração do entrevistado # 10: Então, nós quando fizemos o programa com a Argentina, nós fizemos tudo dentro da melhor técnica de planejamento, divisão de trabalho, tinha a estrutura do produto. Era um negócio sofisticado. Só que, cadê o dinheiro? (Entrevistado # 10, 2008, p. 5) A declaração de Malcolm Stamper, o presidente da Boeing que mais tempo ficou no cargo (1972 a 1985, incluindo os anos em que ficou no Conselho), ajuda a mostrar o grau de complexidade e riscos a serem gerenciados no negócio: Fixar o preço de um avião é tão difícil como medir seu break even point. Uma aeronave tem de ser competitiva. Assim, seu preço não é 198

215 uma função dos custos, mas das condições ditadas pela competição, em termos de quais serão os custos do que ele produzirá por assento ou pela tonelada-quilômetro. Quem conseguir fabricar o seu produto e fazer dinheiro nesse contexto terá êxito. Os outros, não! (Silva, 2005, p. 596) Outro presidente da Boeing, Richard W. Welch (1981 a 1985), completava: "Os riscos são maiores neste negócio do que em qualquer outro, quando comparado com os retornos que proporciona" (Silva, 2005, p. 596). No caso da empresa estudada, na década de 70, quando ela era ainda recémnascida, os grandes players já tinham muita experiência na indústria, o que significava que, caso a Embraer quisesse sobreviver nesse meio, teria de encurtar o processo de aprendizado. E foi durante suas duas primeiras décadas de existência que a empresa demonstrou ambição, quando, de certa forma, conseguiu dominar o ciclo tecnológico para a época. Há evidências de que essa ambição era algo disseminado na organização, apesar de não haver uma estrutura para isso, como um plano de ação, por exemplo, como ela tem hoje. A seqüência de desafios ditava, então, o ritmo do aprendizado. Se em 1970 esse ritmo se mostrava um tanto emergente, resolvendo-se a maioria dos problemas à medida que surgiam, em 1985 já havia sinais claros até de antecipação. Ou seja, no início da década de 1980, a empresa mostrou que já conhecia os passos que deveria dar caso desejasse chegar a um determinado patamar tecnológico, como no caso do Xingu, que serviu de ensaio para a construção de uma aeronave mais complexa como o Brasília. Os programas nos quais a Embraer entrou, além de terem trazido conhecimento técnico, também traziam aprendizado sobre o ambiente no qual ela entrava. A empresa demonstrou que foi aprendendo a monitorar via diversas iniciativas, tais como o Comitê de Orientação. Essas capacitações foram trazendo legitimidade para a empresa, de forma que, no início dos anos 80, o Bandeirante já dominava 46% do mercado de aeronaves commuter do tipo turboélice, tendo ultrapassado inclusive a concorrente Fairchild, segundo Ghemawat et al (2000). Ainda segundo o autor, a empresa brasileira veio a ser chamada de bandida pelos concorrentes. No entanto, conforme relatado no desafio de empreendedorismo, as decisões sobre que programas entrar ou movimentos de expansão não pareciam frutos de uma avaliação cuidadosa da empresa. Assim foram os casos do Xingu, por exemplo, que era uma necessidade com relação a um novo patamar a ser atingido, porém sem uma análise cuidadosa de mercado, ou o CBA-123 que antecedeu a crise. A compra da 199

216 Neiva também mostra isso. Trata-se da primeira aquisição feita pela Embraer, que na realidade foi uma imposição do Governo. A empresa até conseguiu dar um destino as instalações industriais de Botucatu com a linha de montagem dos Piper, mas já posteriormente a decisão de compra. Nessa primeira fase, é importante notar que a empresa investiu em algumas formas institucionalizadas de comunicação de padrões como, por exemplo, a revista O Bandeirante, editada logo no início da empresa, em Também investiu para se atualizar com relação as ferramentas mais indicadas para desenvolvimento de produtos, como no caso da adoção Gerber, depois do CAD e CATIA. É também interessante notar que havia a preservação dos mitos organizacionais, que se não era feita diretamente, se dava por meio dos exemplos transmitidos por eles. O pequeno número de mudanças no corpo gerencial da empresa, praticamente o mesmo nesta primeira fase, também parece ter contribuído para criar a transmissão de um padrão de comportamento perante os desafios, que se pode dizer que funcionou bem até a fase aguda da crise. Mas, no entanto, não há evidências de que havia, por exemplo, um processo definido para tratar a renovação ou a sucessão no corpo gerencial da empresa. Aparentemente, o que havia era usar a DTE como a fonte para os recursos gerenciais conforme ela ia precisando, numa solução ad hoc. Portanto, pode-se dizer que a Embraer foi desenvolvendo mecanismos para tratar a complexidade que o crescimento foi trazendo, principalmente para o desenvolvimento técnico da empresa, no entanto, não se pode afirmar que desenvolveu tais capacitações para lidar com a gestão dos recursos gerenciais Gestão da Folga Segundo Fleck (2006), a folga organizacional é constituída de todas as formas de recursos que excedam os necessários para que a organização opere com um determinado desempenho, que por sua vez podem ser tanto tangíveis como intangíveis. No entanto, é importante diferenciar a folga do desperdício. Folgas são aqueles recursos sendo usados de forma produtiva, mas que podem virar desperdício se o recurso estiver subutilizado, como por exemplo, funcionários exercendo funções abaixo de suas capacitações. No caso da Embraer é interessante notar que o nascimento da empresa se deu através de uma reserva de conhecimento existente dentro do CTA/ITA, gerado por um pequeno grupo de pesquisadores com recursos que podem se dizer limitados. No 200

217 entanto, o que foi sendo criado ali, cresceu a um ponto que não seria sustentável, caso quisesse continuar crescendo. Por isso, em grande parte a necessidade de se tornar uma empresa. Mais interessante ainda notar que a sobrevivência do departamento, que esteve ameaçada em vários momentos, foi assegurada pelo gerenciamento bem feito da folga relacional pelo principal empreendedor do PAR na época, Ozires Silva. Diante da iniciativa de Castro Neves de fechar o departamento, o então major soube usar os relacionamentos que tinha formado ao longo de sua carreira militar para proteger o departamento de uma razzia. O entrevistado # 12 mostra como Ozires agiu para preservar o departamento: No fim deu certo, mas por uma porção de artifícios, pois o Ozires tinha uma conjuntura toda contra ele na época. O superior dele era um brigadeiro que havia sido mandado pelo Eduardo Gomes para cá para enquadrar o CTA, ele achava que o CTA era rebelde. (...) (...) Chamava-se Castro Neves. Ele desligou e perseguiu alunos, foi um rolo. Era esse o chefe do Ozires. Quer dizer, o Ozires não tinha condições de chegar para o cara e propor o projeto de um avião. Não ia passar. Então, o Ozires, que é muito esperto, construiu toda uma conjuntura, fez uma jogada e acabou conseguindo até que o Eduardo Gomes assinasse. Ele convenceu o Eduardo Gomes que ele ia fazer o projeto sem custo, usando os engenheiros do ITA. Os engenheiros eram pagos, né? Quer dizer, sem custo adicional. E o cara caiu! E o Eduardo Gomes, você não podia falar em CTA para ele. Ele era inimigo do CTA, por isso que mandou o Castro Neves aqui. Ele achava que o CTA era rebelde. Porque tinha muito civil no meio. Então, se não fosse o Ozires e sua esperteza, essa indústria não existiria. (Entrevistado # 12, 2008, p. 7) A conjuntura do Ozires na época era terrível. Para começar, o chefe da Diretoria do Material na época, que deveria aprovar, era o Baloussier. Baloussier era difícil! Mais difícil ainda que o Castro Neves. O Baloussier era metido a... ele tinha feito um curso na França...ele era francófono. Ele tinha feito um curso na França de Engenharia Aeronáutica, então ele era metido a dar palpite, né... Eu lembro quando a gente era aluno ainda. A gente estava projetando com o Van Dalen, que era chefe de projeto. Nós visitamos o Parque da Aeronáutica em São Paulo e o chefe era ele naquela época. Aí nós falamos pra ele que a gente estava projetando um aviãozeco, só pra treinar o pessoal né, um aviãozinho, esses projetinhos de... aí ele disse: Ah é! E qual é o mach? Que mach o quê?! A gente estava fazendo era um teco-teco! Mas aí esse homem... antes o Ozires tinha tido uma entrevista com o Baloussier, porque o Baloussier, além de tudo era, que nem o Max era para o lado brasileiro. Ele era um homem da antiga, ele prezava muito, ele era tenente-brigadeiro, topo! E dali para baixo era tudo sub-raça. Então, uma vez, o Ozires, que era major, tinha tido um entrevista para resolver um outro assunto com o Baloussier, como chefe do Parque. Ele disse que durante toda a entrevista o Baloussier nem olhou para ele, porque ele era major. Então ele tratou com ele sem olhar. Dentro da sala ele e o Ozires, e o cara nem olhou pra ele. Então, o Ozires já sabia que jamais poderia discutir o assunto do bimotor do Max com ele, porque ele nem ia 201

218 receber, e se ele arranjasse alguma coisa ou jeito que ele falasse, pode ser que arrumasse um jeito de acabar saindo preso, ele era desse tipo. Mas aí o Ozires então jogou para o lado francófono dele. Não sei se você já ouviu falar de um Sobral? O Sobral era chefe do IPD e era amigo do Baloussier, quer dizer, ele já era coronel, então ele já podia acessar. Ele tinha alguma amizade com o Baloussier. E o Ozires era amigo do Sobral. Então, eles combinaram uma jogada do Sobral para o Baloussier receber o Max Holste. Como o Max era francês, eles jogaram com o lado francófono do Baloussier. E o Max tinha uma fama, tinha um nome aeronáutico. E o Baloussier ficou lisonjeado de receber na sala dele um construtor francês que havia construído para o governo francês. Ele tinha feito um monte de aviões para a Força Aérea Francesa. E aí, ficou todo embevecido com isso e o Ozires conseguiu fazer passar pelo Baloussier. E o Estado-Maior não podia ouvir falar em CTA por causa dos fracassos anteriores. O Convertiplano, o Beija-Flor. E também acima deles o ministro Eduardo Gomes também não podia ouvir falar em CTA. Tem até uma história do brigadeiro Montenegro. Que ele conseguiu finalmente convencer. Já estava o CTA em plena formação, os laboratórios, as estruturas, tudo já funcionando, motores. Bom, ele convenceu o Eduardo Gomes, eles eram amigos, eles tinham fundado o Correio Aéreo juntos, convenceu o Eduardo Gomes a visitar o CTA pela primeira vez, já com tudo bem adiantado aqui. Ele visitou, viu toda aquela tecnologia que não havia em outro lugar no Brasil, aí no finzinho da visita, quer dizer, depois da visita o Montenegro perguntou para um amigo do Eduardo Gomes o que ele tinha achado do ITA. Ele disse que tinha ficado indignado que os alunos do ITA não arrumavam suas camas. Porque para ele aluno do ITA era desenquadrado.tinha que ser enquadrado.tanto que tempos depois ele mandou o Castro Neves para enquadrar os alunos. Ele queria que todo mundo fizesse a ordem unida de manhã. De tudo aquilo que ele viu, o que mais o impressionou é que os alunos do ITA não arrumavam a cama de manhã. Bom, então não dá né? Esse era o acima do Ozires na época. Mas o Ozires lutou, lutou, lutou muito... O Estado-Maior era todo hostil ao CTA por causa dos fracassos anteriores, mas acontece que o Ozires, a turma dele de Pirassununga, não, do Rio. No Estado Maior tem os brigadeiros e a sub-raça ou baixo clero. O baixo clero era todo da turma do Ozires, então ele conseguiu, através dos colegas de turma, influenciar os caras de cima. Ele conseguiu que os colegas de turma influenciassem os brigadeiros, e conseguiram. Quer dizer, se não fosse o Ozires não tinha a Embraer. Ele lutou contra uma montanha de problemas, aparentemente intransponíveis. Olha, ele conseguiu derrubar um por um os obstáculos e chegar lá... (Entrevistado # 12, 2008, p. 12) Depois, já com a empresa formada, Ozires usou em outros momentos da vida da empresa do mesmo tipo de folga para conseguir transitar num Governo Federal que foi militar durante a maior parte do tempo de sua atuação como diretor-presidente da Embraer. Depois da saída de Eduardo Gomes do Ministério da Aeronáutica, as coisas ficaram mais fáceis para a empresa e para a atuação do lobby de Ozires no Governo Federal para favorecer a Embraer. E, para isso, os relacionamentos do major foram 202

219 essenciais, como no caso do brigadeiro Paulo Victor, um grande incentivador da empresa. Do ponto de vista financeiro, se não existia fartura de recursos no começo, ou seja, folga financeira, com o crescimento da legitimidade da empresa o Governo Federal foi repassando à Embraer grande quantidade de programas, principalmente militares, que eram suficientes para o desenvolvimento paralelo de projetos civis. Isto indica que a folga nos projetos militares estava gerando uma folga de conhecimento suficiente para gerar novos produtos na aviação civil. Estes, por sua vez, permitiam à empresa crescer ainda mais, aumentar sua legitimidade fora dos limites nacionais e buscar mais conhecimento no mercado externo, que era um objetivo desde o início, visto como a única forma de se tornar mais autônoma em relação ao Estado. Isto quer dizer que a Embraer soube usar de uma folga criada pelo Estado naquele momento para se capacitar, consequentemente crescer. É importante ressaltar que a maior parte dos players desta indústria no mundo usa largamente desse artifício para aplicação na aviação civil. Em alguns casos, em alguns países da Europa e os EUA, o desenvolvimento fica em outra indústria, isto é, determinadas tecnologias embarcadas não foram desenvolvidas para um determinado avião de passageiros, até porque o custo final ficaria proibitivo. Antigamente era mais fácil porque vinha através de contrato de programa de defesa, né? Como, por exemplo, o Japão. O Japão com o caça que ele fez lá como é que chama? o F-2 junto com os americanos é que permitiu o Japão, o Japão não conhecia, entrar no caso do 787 com material composto. Coisas que eles incorporaram dentro do programa do caça.o programa do B-2 é que deu o salto novo, que a Boeing, por exemplo, usou pra fazer o 777. O JSF, aliás desculpe, o JSF não tanto, mas o F-22 e o JSF é que permitiram, também, a Boeing entrar maciçamente com material composto. As tecnologias lá nos Estados Unidos vêm dos programas militares. Por exemplo, a Europa não tanto. A Europa, o povo lá tem um programa chamado de programa de tecnologia, chamado Framework Program. A Europa já está no programa número sete e começou este ano ou ano passado, sei lá eu. Nós estamos em 2008, começou no ano passado. São seis ou sete bilhões de euros, né? Um programa de seis a sete bilhões de euros em termos de cinco anos é pra encher de programa aí de... Agora, deixa eu pegar... Vou achar a folha certa aqui. Por exemplo, no controle de tráfego aéreo. Cadê? Tinha até uma figura aqui. Dentro do livro aqui. Aqui, ó: controle de tráfego aéreo. É um programa que a Europa votou em 2020 ter um sistema de controle de tráfego aéreo, de avião verde também, de green, né? Um monte de dinheiro entrando, né? (Entrevistado # 13, 2008, p. 11) Ou seja, a Embraer soube usar de uma folga que o Estado criara naquele momento para se capacitar. Soube aproveitar as oportunidades que apareceram para gerar o conhecimento para os programas futuros, o que fez com que a empresa 203

220 gerasse até certa folga de programas até a crise do fim da década de 80, o que um dos entrevistados colocou como essencial para o sucesso da empresa. Ter produtos novos e competitivos constantemente. Outra segunda coisa que a Embraer teve: era vender avião pra cliente que não era do governo, não só. E segunda, manter viva a produção de produtos novos, desenvolvimento de projetos novos lá dentro. Então, desde que começou o Bandeirante e mal acabou e a gente já estava fazendo o Ipanema. Não tinha acabado e a gente já tinha o Ipanema. Passamos pro Xingu. O Guido começou a estudar uma família de avião pressurizada. O Xingu foi uma coisa quase que imposta pelo marketing porque viu que a gente tinha chance de vender o avião. Ele queria fazer avião com trinta lugares aqui. Não tinha mercado aqui no Brasil. Nós ainda não estávamos exportando. Mas, a gente queria fazer um avião pressurizado. E fizemos. Fizemos uma família. A família do Xingu era o Araguaia, Tapajós e o Xingu. Outros aviões lá de estrutura, porte pequeno, suficiente pra ter até vinte, vinte e poucos passageiros. (Entrevistado # 3, 2008, p. 17) (...)Então, a questão de desenvolver o produto foi a mola propulsora de fazer produtos novos assim como o mercado foi uma mola propulsora para o sucesso da Embraer. (Entrevistado # 3, 2008, p. 19) A folga de programas gerava também uma atmosfera produtiva com a proposta de novos desafios com mais freqüência, o que também contribuía para que os empregados vissem mais oportunidades e trabalhassem num ambiente de aprendizado constante, que indica ter criado outra folga que foi uma mentalidade Embraer: Em todos os programas sempre tinha um desafio muito grande pro pessoal e o pessoal reagia muito bem. E isso criava um espírito. Criou um espírito, não é que criava (...) Mas criou a mentalidade da Embraer. E foi isso, basicamente (Entrevistado # 8, 2008, p. 13). Nesse sentido, pode-se ver a folga trabalhando para promover a integridade organizacional. Até mesmo a aquisição da Neiva praticamente imposta pelo Governo Federal, que poderia virar um desperdício pôde ser aproveitada para a montagem das aeronaves pequenas da Piper, graças também aos pesados impostos com os quais o Estado passou a taxar as aeronaves do segmento na década de 70. É interessante notar também que a empresa só foi capaz de absorver tais programas porque tinha folga de recursos gerenciais para isso, recursos já disponíveis na empresa antes que o movimento de expansão fosse realizado, uma condição necessária para não comprometer a qualidade/eficiência da expansão, segundo Penrose (2006). Também é importante ressaltar que se trata de uma indústria que depende de folga, principalmente porque necessita de investimento intensivo de capital durante 204

221 longos períodos, e na qual a mão-de-obra qualificada é indispensável. Portanto, a boa gestão da folga é essencial neste negócio para controlar a sazonalidade com a qual a folga é usada. Se, durante o período de desenvolvimento do projeto, a mão-de-obra está toda sendo utilizada em grau máximo, após a entrada do avião em operação a equipe de projeto tem o volume de trabalho reduzido sensivelmente. Por isso, é importante que nestes casos já existam outros projetos para que estes recursos humanos sejam utilizados. Durante grande parte do primeiro período, da fundação até a grande crise que a empresa viveu, no final da década de 80, há evidências de que a Embraer conseguiu controlar bem estes movimentos, principalmente por conta do encadeamento de projetos. Este encadeamento permitiu, inclusive, que a empresa chegasse ao auge da crise, em 1990, com o projeto do ERJ-145 bem adiantado. Mas também mostra que pode ter havido falha na gestão da folga financeira com os programas AMX e CBA-123. Nestes dois programas, que trouxeram uma grande bagagem de conhecimento à empresa, foram consumidos mais recursos do que estimado por períodos também mais longos do que o previsto. Portanto, ainda que considerando a situação macroeconômica, há indícios que tenha havido má gestão da folga nestes programas, embora isto tenha criado uma folga considerável de conhecimento. Por este motivo, considerou-se esta fase heterogênea. Se, por um lado durante boa parte da primeira fase, de 1969 a meados da década de 80 percebe-se o bom uso da folga, por outro lado, a empresa chegou em 1991, praticamente numa nova luta pela sobrevivência. No caso do CBA-123, por exemplo, os funcionários Embraer estavam fazendo o que deveria ser feito pelos argentinos, o que somado ao fato do programa Bandeirante estar no fim, o baixo sucesso do EMB-121, baixas vendas do Brasília foram transformando a folga que a empresa tinha em desperdício. Conforme relatado por mais de um entrevistado, havia um grande contingente de funcionários sem ter o que fazer dentro da empresa. Um grande fato da época que contribuiu para levar o programa à ruína foi o Mercosul. Porque os argentinos, com a fracassada Fábrica Militar de Aviões foi um fracasso, quem conhece lá como eu conheço pode dizer de cátedra foi um fracasso. Ou então com, depois denominada FAMA, fábrica, não sei o quê, Argentina de Material Aeronáutico, nada mais é que a FMA militar de aviões com outro nome, ficou de olho no que havia aqui de melhor aqui em termos tecnologia. E era tecnologia aeronáutica desenvolvida no Brasil. E aí, o erro do governante da época, se eu não me engano, era o Sarney, foi aquiescer para isso. Ah, está bom, então a Embraer vai dividir tecnologia e veio a ordem que ela vai dividir. Quando veio a ordem, a princípio um sem número de funcionários da FAMA veio 205

222 para a Embraer. E aqui eles ficavam tentando assimilar tecnologia. Conforme eu disse, e com total segurança afirmo, eles não dominavam... O que eles tinham de tecnologia perto da nossa, é a mesma coisa de comparar um com dez. Então vieram para cá, aqueles indivíduos, para assimilar tecnologia, cheio de arrotar sabenças, e posteriormente nós comprovamos que, quando eles foram fazer, que eles não sabiam fazer era coisíssima nenhuma, e tivemos que mandar para lá equipe nossa para lá, para fabricar lá, para honrar acordo, e isso aí onerou sobremaneira o projeto, para honrar acordo, e tudo se passou como se eles é que tivessem feito aquela peça. Na verdade, não foi. Eles não fizeram nada, quem fez fomos nós, que fomos para lá fazer. (Entrevistado # 7, 2008, p. 26) (...) Matando o tempo, ou fazendo coisas que não diziam nada, que não levavam a nada. Por exemplo, criando formulário, ou então fazendo tramitação de papel. Coisas de funcionário de quinta categoria, e a troco de nada. Note bem, se eu faço, digamos, um determinado trabalho aqui, isso teria que ser conduzido a um outro lugar ali. Se a pessoa que for conduzir levar, fisicamente falando, é um sujeito que vai botar dentro de uma gaveta e vai deixar lá por um determinado tempo, me atrasando a conclusão do processo, é preferível que eu mesmo vá e leve, não custa nada para eu fazer isso. Eu sou dessa opinião. Mas, nem todos lá eram dessa opinião. Inclusive alguns eficientes. Eles preferiam que existissem esses elementos, e também existia uma espécie de compromisso social da Embraer de dar emprego. Assim, grande parte do sul de Minas, e com uma percentagem expressiva dos trabalhadores do Vale do Paraíba, encontrava naquilo, na realidade, uma forma de sobreviver. O sujeito preparo, efetivamente, não tinha. Mas, alguns até tinham boa vontade. Outros tinham má vontade mesmo. De qualquer forma, para uns e outros, o emprego estava ali. O sujeito não morria de fome, entendeu? Então tinha esse cunho social que a Embraer, eu acredito, assumia. Ela pensava que tinha que dar emprego para alguém. Bom, é verdade, toda empresa que se preza tem que ter o cunho social mesmo e dar emprego para alguém. Mas, é claro, dar emprego para quem vá contribuir para a empresa. E não dar emprego para quem vai destruir a empresa.. (Entrevistado # 7, 2008, p. 28) Portanto, até a grande crise vivida, há evidências de que a Embraer soube trabalhar bem a folga gerada por ela mesmo e também soube aproveitar das folgas geradas pelo Estado. Mas após a crise, parece ter havido a transformação de várias dessas folgas em desperdício. Contudo a empresa foi capaz de, mesmo já bem fragilizada com a crise, gerar um novo programa que viria a ser a principal ferramenta para justificar sua compra em Segunda Fase ( ) O segundo período considerado para análise começa com o retorno do então fundador da empresa, Ozires Silva, ao cargo de diretor-presidente, em junho de Ozires, que havia saído em 1986 para assumir a Presidência da Petrobrás, retornou já 206

223 com a missão de preparar a empresa para a privatização, que viria a acontecer de fato em Como mostrado no histórico, a empresa foi privatizada em dezembro de 1994, quando o comando foi passado a Juarez de Siqueira Brito Wanderley, que era diretor de Produção durante o período de reestruturação, sendo posteriormente substituído, em setembro de 1995, por Maurício Botelho. A substituição teria ocorrido por interesse do Grupo Bozzano de colocar um gestor do grupo na Embraer. Botelho ficou no comando da empresa até 2007, quando foi substituído por Frederico Curado, dos quadros da empresa desde Então, esta segunda fase, que vem até os dias atuais, trata da preparação da empresa para a privatização e das respostas dadas pela empresa após seu controle ter passado para as mãos da iniciativa privada. Assim como foi feito com relação ao primeiro período, a representação gráfica abaixo mostra a classificação dada para a empresa à luz dos arquétipos de Fleck (2006). Figura 5.2: Análise da reposta aos desafios da segunda fase: 207

224 5.2.1 Desafio do Empreendedorismo a) Ambição A empresa, que sofreu um processo de enxugamento desde 1990, com seguidas demissões em massa, chegou à privatização com dois programas, que eram, na realidade, a capacidade de geração de fluxo de caixa futura e conseqüentemente o que ditou o valor da empresa para a privatização. O primeiro era a adaptação do Super Tucano para atender ao Sivam, transformando-o em ALX (Aeronave Leve de Ataque, no qual a FAB já havia demonstrado interesse); o segundo, e mais importante, era o ERJ-145. Todo o pessoal foi envolvido nestes dois projetos, enquanto a empresa entrava no Programa Nacional de Desestatização, novamente sob o comando de Ozires Silva. Neste período, desde que foi incluída no PND até a privatização propriamente dita, a empresa buscou se manter ativa e atenta ao que acontecia no mundo, e que poderia ajudá-la a erguer-se. Para tanto, a empresa entrou em 1992 na concorrência do JPATS, em parceira com a Northrop, um projeto de longo prazo no setor. Nesse mesmo ano, saiu em busca dos parceiros para construir o ERJ-145. Além disso, ainda manteve ativos alguns serviços que havia prospectado durante o período de grande crise. Ou seja, a empresa buscou alternativas para manter-se viva e assim recuperar a legitimidade e atrair o interesse de compradores para a sua privatização. Já em 1992, foram fechadas as parcerias de risco para desenvolvimento do ERJ-145, o que mostra o interesse dos então gestores de viabilizar a empresa. Neste caso, a parceria de risco dava à empresa a capacidade de reduzir a dependência de financiamentos por parte do Governo, o que começou a simbolizar a maior independência da Embraer nesta segunda fase. Com a privatização oficializada no fim de 1994, o BNDES injetou mais US$ 120 milhões para que o projeto do ERJ-145 fosse concluído. Como visto, as entregas da aeronave começaram em 1996 com sucesso, embora a principal concorrente já tivesse vendido mais de 100 aeronaves da mesma categoria, segundo Bernardes (2000). Apesar dos seguidos cortes, a empresa buscou avançar ao máximo na escala de produção da aeronave, já sob a administração de Maurício Botelho, já que o mercado deu sinais claros de que a decisão pelo jato regional havia sido acertada, evidenciado pelo ritmo de vendas acelerado na época. A ambição de seus gestores 208

225 por aumentar as vendas e a capacidade produtiva fica clara nas palavras do entrevistado # 3. O Fred (atual presidente da firma, Frederico Curado) vendendo avião pra caramba, chegou para a produção - eram de novo o Satoshi, e o Luiz Cláudio era diretor de Produção - "Quantos aviões vocês conseguem fabricar por mês? Qual é a cadência máxima?". Pediram dois dias pra estudar, para ver e chegaram em oito, chegaram em dez. Não ia passar de dez nunca. Nunca tinham conseguido fazer isso com outro avião, a não ser com os Piper. Aí, eles voltaram lá e falaram assim: "Olha, nós resolvemos e chegamos à seguinte conclusão: nós vamos fabricar tantos aviões quanto vocês conseguirem vender". Isto é que é resposta, do cara certo! É isso é que faz a companhia, pô! Não ter medo de desafio. Nós vamos fazer, nós sabemos que somos capazes e vamos fazer. E a gente foi falar. Falamos com os parceiros. A Gamesa agüentou e a Embraer não agüentou fazer empenagem para vinte. Nós chegamos a fazer quase vinte por mês. Nós pegamos e fizemos a segunda linha de empenagem aqui. A Embraer tinha linha lá e aqui. Então, sabiam o que estavam falando. (Entrevistado # 3, 2008, p. 26) Além disso, a empresa apresentou o Super Tucano para o programa de treinamento do Canadá em 1995 (acordo fechado em 1998), o que mostrava a disposição da empresa de brigar num território em que acabara de arranjar um grande inimigo, a canadense Bombardier, com a entrada em operação do ERJ-145. No mesmo ano, também fechou parceria com a Sikorsky, introduziu o programa CATIA como o software para desenvolvimento dos projetos futuros, começou as entregas dos Tucanos comprados pela Grécia no ano anterior e fechou a venda de um lote de ALX à FAB. A empresa, mesmo ainda no processo de reestruturação, conseguia fazer movimentos de expansão, apesar de ter começado a deixar de lado parte das prestações de serviços que havia buscado durante a crise. Expansões principalmente na construção de ativos, como aumento e melhoria dos processos produtivos. Tendo chegado a apenas funcionários em 1992, a Embraer continuou buscando crescimento. Para isso, muito contribuíram as vendas em grandes lotes para as operadoras norte-americanas. Operadoras como American Eagle e Continental Express fizeram encomendas que passaram das centenas, e ainda criaram a demanda por modelos derivados do ERJ-145, tais como as versões menores, ERJ- 140 e ERJ-135, prontamente atendidas pela Embraer. O sucesso das vendas fez a empresa sair de um prejuízo de US$ 310 milhões em 1994, segundo Ghemawat et al (2000), para um lucro de US$ 114 milhões em 1998, quatro anos após sua privatização. A área militar também contribuiu em parte com esse sucesso com os programas de vigilância e reconhecimento, que usaram o 209

226 ERJ-145 como base. Esses aviões, além de terem sido vendidos para o programa Sivam (vigilância da Amazônia), também foram adquiridos pelo governo grego. Passada a fase de reestruturação pós-privatização, a empresa elaborou, segundo Bernardes (2000), o seu primeiro plano estratégico e medidas de desempenho, além ter adotado a organização matricial por projetos e criado a área de inteligência de mercado. Daí em diante entrou em grande fase de expansão, inclusive recontratando muitos dos demitidos durante a crise. Em 1998, já era a maior empresa de aviação regional do mundo. O caixa gerado principalmente com a família ERJ-145 permitiu que, já em 1999, a empresa lançasse o projeto de mais uma nova família de aviões de 70 a 118 lugares para atender a fatia da aviação regional, que crescia na época mais do que a de vôos longos. Não por coincidência, o grupo europeu de empresas aeroespaciais formado pela EADS, Dassault, Thales e Snecma passou a integrar sua estrutura societária, com 20% das ações com direito a voto, o que trazia mais pulmão para o desenvolvimento da aeronave todo feita com o software Catia, adotado em Visando a melhoria das ferramentas de desenvolvimento da nova família de jatos, a empresa construiu um centro de realidade virtual que encurtava o tempo de desenvolvimento do projeto em quase dois anos, criou a ELEB, e no ano seguinte fechou a parceria com a russa TsAGI. Ao mesmo tempo, entrou no programa ISS, lançou o Legacy e abriu escritórios na China e em Cingapura. Na China montou também um depósito de peças a fim de agilizar o serviço pós-venda. Além disso, aqui no Brasil, começou a expansão da unidade de Botucatu, posta à venda em 1997, e começou a construção da unidade de Gavião Peixoto, onde se localiza a maior pista de pouso do Brasil. Finalmente, comprou a antiga fábrica da Engesa no distrito de Eugênio de Melo, a aproximadamente 15 km da sede em São José dos Campos. Os atentados terroristas nos Estados Unidos reduziram um pouco o ritmo de expansão da empresa, que foi obrigada a fazer demissões. Mas, no ano seguinte, a situação foi revertida e a empresa retomou as iniciativas de expansão, inclusive com investimento direto no exterior. Fechou a parceria com a AVIC II chinesa para construção de uma fábrica na China, destinada à produção da família ERJ-145, e começou a expandir seus centros de serviço no mundo, começando com a construção de uma unidade de serviços em Nashville, Tennessee. A expansão dos centros de serviço estava de acordo com o planejamento da empresa de aumentar a participação da aviação executiva no seu portfólio. Desta forma, incluiu a compra da OGMA portuguesa, uma das poucas aquisições na história 210

227 da empresa que sempre privilegiou o crescimento orgânico. Além disso, em 2006, montou mais três centros de serviço nos EUA. No ano seguinte, montou um similar em Le Bourget, na França. Vem sistematicamente aumentando os centros de serviço com o objetivo de chegar a sete centros particulares e 38 autorizados pelo mundo ao fim de A expansão se justifica pela quantidade de lançamentos voltados para a aviação executiva. Em 2005, lançou os programas Phenom 100 e 300, em 2006 apresentou o Lineage 1000, em 2008 os MSJ e MLJ, Legacy 450 e 500, além do suporte necessário ao sucesso do Legacy 600. Mais ainda: fechou uma joint-venture com a canadense CAE Flight Training, a fim de entrar num novo negócio de treinamento para pilotos e equipes de solo de clientes da Embraer proprietários de aeronaves Phenom 100 e Phenom 300. Mais recentemente, a empresa concentrou suas atenções aos programas militares, como a participação no projeto LINK-BR2 e o projeto do cargueiro C-390, por entender que são cruciais para o desenvolvimento de tecnologias para as outras áreas de atuação da empresa, como deixa evidente a declaração de Rzesinski (2008): Chamo a atenção para os programas de defesa. Os programas de defesa são absolutamente importantes nessa inclusão do desenvolvimento tecnológico. Então, há evidências suficientes para afirmar que a empresa mantém um plano ambicioso de crescimento, principalmente aquele que Penrose (2006) classifica como a busca por rentabilidade e crescimento, usando nesta segunda fase também a estratégia de aquisição de empresas que detenham capacitações de que ela necessitará no processo de crescimento. Um bom exemplo é a OGMA, com grande capacitação na aviação militar, e que pode ser fundamental à Embraer caso sigam adiante os programas C-390 e FX. Há evidências também de expansões com preferência pela abordagem de crescimento e aumento de rentabilidade no longo prazo, salvo alguns movimentos de prestação de serviços para outras empresas no setor no início da década de 90, que visavam ganhos de mais curto prazo, mas vistos como solução diante da grande crise vivida. b) Versatilidade No início da segunda fase considerada, a Embraer estava lutando para sair da crise do fim da década de 80, começo da de 90 e foi através de várias modificações feitas no projeto original do jato ERJ, principalmente o aproveitamento ao máximo de 211

228 partes e tecnologias dos programas antecessores, que o preço da aeronave ficou 20% inferior ao principal concorrente canadense, segundo Bernardes (2000). Conseguiu então oferecer um novo produto, completamente diferente do que a empresa vinha fazendo, utilizando recursos produtivos já existentes e sob uma nova forma de gestão de parcerias, que ainda foi um sucesso de vendas. O sucesso do produto fez com que surgisse a demanda por versões diferentes sob a mesma base, principalmente para o atendimento de pedidos de clientes. Com baixos investimentos adicionais, foi possível desenvolver o ERJ-140 e o ERJ-135, aeronaves com um grau de comunalidade maior que 90% com o projeto original. Este último, com até 37 assentos, tornou-se uma versão pouco atraente, devido ao encarecimento do combustível, que elevava demasiadamente o custo por assento. Mas, em compensação, serviu de base, em 2000, para o jato executivo Legacy, que é outro grande sucesso da empresa. Um exemplo de adaptação em cima dessa base foi o pedido de um cliente norte americano que precisava da aeronave um pouco menor, já que o salário dos pilotos variava com o número de passageiros transportados, demonstrando que a empresa tem a capacidade de buscar a satisfação do cliente. A Embraer também soube aproveitar a plataforma ERJ-145 para servir de base para os programas de vigilância e reconhecimento do Sivam, criando aeronaves que posteriormente foram também compradas pela Grécia e chegaram a ser cogitados pelo Departamento de Defesa dos EUA. Ou seja, conseguiu-se extrair uma gama enorme de produtos a partir de um mesmo desenvolvimento. Enquanto isso, o projeto original do Tucano também ganhou uma série de evoluções que foram transformando o produto, permitiram a construção do Super Tucano e posteriormente do ALX, que ainda hoje é considerado para uma possível concorrência da Força Aérea Americana, conforme relatado por Curado (2007). Recebemos um RFI (Request for Inforrnation - Pedido de Informação), estamos respondendo a este documento. Não posso comentar nada a respeito de prazo ou quantidade, mas certamente seria fantástico colocar o Super Tucano nos Estados Unidos e ingressar no seleto clube de fornecedores das Forças Armadas norteamericanas. Quase chegamos lá com o programa ACS, mas houve uma mudança na decisão do Exército e da Marinha. (Alencar, 2007, p. 66) Até 1998, pode-se dizer que a empresa ainda estava se reestruturando e já se tornara a maior fabricante de aviões regionais do mundo. Voltara a contratar e, no ano seguinte, deu início ao programa de uma nova família, maior e mais complexa. 212

229 Da mesma forma, como fora feito com o ERJ-145, a família EMB-170/190 também trazia um grau de comunalidade superior a 90% entre seus produtos, porém oferecendo versões de 70 a 118 passageiros, o que permitia o uso de muitos recursos em comum para uma diferença considerável na oferta de assentos. A empresa também usou de parcerias de risco para tornar o projeto viável, porém tomando mais cuidado com as questões logísticas e com o número de parceiros, neste caso bem menor do que no projeto do ERJ-145. Dois artifícios simples adotados pela empresa contribuíram para a maior aceitação da aeronave: a fuselagem chamada de double-bubble, diferente da fuselagem circular tradicional, o que aumentava consideravelmente o espaço interno tanto para os ombros como para a cabeça dos passageiros; e a configuração de dois assentos por fileira, já que as pesquisas indicavam que os passageiros têm rejeição ao assento do meio em aeronaves com três poltronas por fila. Algo inédito até então, que demonstrou o senso de oportunidade da empresa, reforçado pelo relato abaixo: (...) nós somos de ter vontade, aproveitar a oportunidade na hora certa. Fazer as coisas quando precisam ser feitas.tem que estar preparado e ter oportunidade, usar a oportunidade. Mas tem uma terceira coisa, que é muito importante: ter sorte. Quem é que ia imaginar que a Saab, que era a nossa maior concorrente, ia fazer o produto errado? Quando nós fizemos o 170, tínhamos nós, tinha a Bombardier e tinha a Dornier. Os três fazendo um avião igual. A Bombardier desistiu do avião dela nem sei bem por quê. Porque vendeu tanto CRJ que achou que não precisava mais. Olha a idiotice! O quarto fator, pra mim, que eu não falei, que era ter sorte no anterior. O quarto fator é ter produto novo constantemente. Isto vale pra tudo: pra indústria automobilística, vale pra tudo. A Dornier faliu por mau gerenciamento. Atrasou, atrasou, atrasou, faliu. Bom, nós ficamos sozinhos no mercado. Agora, vem a Mitsubishi, entrou a Rússia e vai entrar a China. Vai entrar, mas muito tarde. Nós estamos dez anos na frente, pô! Então, nós já estamos entrando em outra. Por exemplo, entrando para área executiva. Então, essas quatro coisas são importantes. O sucesso da Embraer sem ter desenvolvimento de produtos é zero. Uma empresa aeronáutica hoje que não desenvolve... A Boeing ficou um tempo sem desenvolver avião e ficou... É que vendeu tanto 737, mesmo com prejuízo. (Entrevistado # 3, 2008, p. 27) A plataforma EMB-170/190 também já vem se mostrando tão versátil quanto a da família ERJ predecessora. O Lineage é a versão executiva do EMB-190, e o cargueiro C-390 também usará grande parte dos componentes da família EMB, caso vá adiante. Além dos programas civis, a empresa entrou no programa espacial ISS, por entender que a tecnologia espacial é uma grande fonte de tecnologias e conhecimento que pode ser compatibilizado com a indústria aeronáutica. 213

230 Em 2002, a parceria com a AVIC II chinesa que, sem dúvida, pode ser vista como um processo de expansão, só pôde ser aproveitada porque a Embraer tinha um produto já experimentado, com um ferramental já amadurecido para inaugurar a fábrica naquele país. E, por último, há de se destacar o aumento considerável na oferta de aeronaves executivas, com cinco novos aviões em aproximadamente três anos, cobrindo quase todas as categorias do segmento, inclusive a dos Very Light Jets, com grande quantidade de concorrentes. Como conseqüência, a aviação executiva traz a reboque, obrigatoriamente, a expansão na oferta de serviços, área que a Embraer vem buscando aumentar gradativamente, seja de forma orgânica ou por aquisição, e com o lançamento do programa Executive Care em O que se vê, então, neste período da empresa já privatizada, é que ela conseguiu manter uma oferta consistente de produtos, demonstrando versatilidade, aproveitando ao máximo as bases de cada projeto para oferecer novos serviços, principalmente depois do crescimento promovido pelas famílias ERJ e E-jets. É interessante notar que só recentemente a empresa voltou a dar mais importância ao setor de serviços, que havia recebido mais atenção na fase mais grave da crise e que foi, de certa forma, deixado em segundo plano após o sucesso do ERJ, bem como a área militar, que respondia por menos de 10% da receita em Gráfico Distribuição da Receita por Segmento (1999) Fonte: Embraer (1999) Isto mostra que, após a privatização, a empresa focou na aviação comercial para dar continuidade ao processo de crescimento, que reduzira com as sucessivas crises vividas no final da década de 80, começo da de 90. Em parte se explica pela redução dos programas militares no mundo todo com o fim da Cortina de Ferro e, logo 214

231 depois, com o freio imposto pela Guerra do Golfo, que trouxe uma onda de pessimismo e de insegurança no mercado aéreo mundial, segundo Silva (2005). Mais recentemente, a empresa parece demonstrar a intenção de dividir suas operações nos diversos segmentos, distribuindo melhor as receitas por segmento. Por isso, o foco dado na aviação executiva, que em parte puxa a área de serviços, e, mais recentemente, o estabelecimento da meta de ter 36% da receita no mercado militar até Um plano ambicioso, considerando-se que em 2006 este mercado respondeu por menos de 7% do total, conforme a figura abaixo. Gráfico 5.3 Composição da Receita Fonte: Embraer (2007) É importante também notar que nesta segunda fase, há uma mudança considerável no modelo de crescimento da empresa. Antes era basicamente um crescimento orgânico e após a privatização a Embraer vem buscando sucessivamente novos caminhos, como aquisições, joint-ventures, fusões, que aceleraram seu crescimento, trouxeram novos aprendizados e permitiram novos usos para recursos já existentes. Portanto, existem evidências que, ao longo da segunda fase, a Embraer buscou novos caminhos para crescimento, tais como, a joint-venture com a AVIC II, que permitiu que ela usasse uma plataforma já experimentada como a do ERJ e assim entrasse num mercado importante. A aquisição da OGMA, que além de um centro de manutenção na Europa também traz conhecimento na área de Defesa, considerada 215

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