Infecções do Trato Urinário
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- Ágatha de Barros de Abreu
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1 Infecções do Trato Urinário Introdução O sistema urinário é formado pelos rins, ureteres, bexiga e uretra. A infecção do trato urinário (ITU) é caracterizada como uma inflamação provocada por um agente infeccioso em algum ponto do trato urinário: uretra (uretrite), bexiga (cistite) ou parênquima renal (pielonefrite). As manifestações clínicas são heterogêneas e dependem da localização do processo inflamatório e da idade do paciente, podendo variar desde quadros assintomáticos (ex: bacteriúria assintomática) até quadros mais graves, como pielonefrite, abscesso renal e sepse. É importante destacar que a pielonefrite na infância é uma causa importante de hipertensão e insuficiência renal crônica, na vida futura. Epidemiologia O período de maior prevalência de ITU é em menores de 1 ano de vida. Neste grupo etário, há um predomínio do sexo masculino (3 a 5:1). Após os 2 anos de vida, o sexo feminino passa a ser o mais frequentemente acometido (10:1). O pico de ITU no sexo feminino acontece por volta dos 2 anos (treino esfincteriano) e 5 anos. A recorrência após o primeiro episódio em meninas é alta, com taxas de 60-80% em até18 meses após a primeira ITU. Etiologia São causadas principalmente por bactérias colônicas. Nas meninas, 75-95% de todas as ITU são causadas por Escherichia coli, seguida de Klebesiella spp. e Proteus spp. Nos meninos com mais de 1 ano de idade, Proteus é causa tão comum como E. Coli, além de germes gram-positivos. Staphylococcus saprophyticus e Enterococus são comuns em ambos os sexos. Em crianças com obstrução do trato urinário, bexiga neurogênica e litíase renal, as bactérias mais comumente envolvidas são: Proteus, Pseudomonas, Enterococus, Staphylococcus aureus, Staphylococcus epidermidis e, com menor frequência, a E. coli. Na puberdade, Chlamydia trachomatis e os
2 micoplasmas genitais tornam-se mais frequentes, causando cistite ou uretrite. Nestes casos, a urinocultura pode ser falso-negativa, já que estes germes requerem meios específicos para crescerem. Patogênese À exceção do período neonatal, em que a contaminação do trato urinário ocorre por via hematogênica, as ITU, de forma geral, são resultado da ascensão de bactérias patogênicas a partir do períneo. As meninas, por apresentarem uretra mais curta e anteriorizada, são mais predispostas à ITU por esse mecanismo. Os casos de disseminação hematogênica, mais comum em meninos do que em meninas, responde por cerca de 3% dos casos de ITU. Os agentes infecciosos mais comumente envolvidos nessa via de transmissão são Staphylococcus aureus, Salmonella, Candida, Pseudomonas aeruginosa e bacilo de Koch. Normalmente, as papilas renais possuem um mecanismo anti-refluxo que evita que a urina retorne à pelve renal. Contudo, alguns componentes das papilas permitem o refluxo intra-renal. Caso a infecção fique restrita às vias urinárias baixas, temos um quadro de cistite/uretrite. Por outro lado, se houver acometimento do parênquima renal, se desenvolverá uma pielonefrite, com desencadeamento de resposta inflamatória aguda e formação de cicatrizes. Assume-se que a presença de febre define comprometimento do parênquima renal. Além desses fatores mecânicoestruturais, exitem mecanismos inerentes aos germes que promovem sua adesão à mucosa urinária, ascesão e lesão renal. A presença de uma estrutura denominada fímbria ou pili, permite que a E. coli se fixe aos receptores do uroepitélio, por exemplo. A presença do refluxo vesicoureteral (RVU) potencializa a virulência das bactérias. Fatores de risco e Manifestações Clínicas Sexo feminino, sexo masculino não circuncidados, RVU, treino esfincteriano, disfunção miccional, bexiga neurogênica, roupas apertadas, limpeza incorreta da
3 vulva após eliminações (no sentido de trás para frente) constipação oxiuríase gravidez. Manifestações clínicas As três formas básicas de ITU são pielonefrite, cistite e bacteriúria assintomática. A pielonefrite traduz envolvimento do parênquima renal e pode resultar em injúria renal, denominada cicatriz pielonefrítica. Sintomas como: febre, dor abdominal, indisposição, náuseas, vômitos e diarreia podem indicar acometimento bacteriano do trato urinário superior. A nefrite lobar aguda é uma infecção renal envolvendo mais de um lobo, representando uma complicação da pielonefrite ou um estágio precoce do desenvolvimento de um abscesso renal. O abscesso renal pode ocorrer seguido à pielonefrite ou secundário a uma bacteremia primária (S. aureus). A cistite indica envolvimento da bexiga e os sintomas incluem: disúria, polaciúria, urgência, dor suprapúbica e urina fétida. Não causa febre e não resulta em injúria renal. A bacteriúria assintomática é uma condição em que há urinocultura positiva, sem qualquer manifestação de infecção. É mais comum em meninas. A condição é benigna e não causa injúria renal, exceto na gravidez, que se não tratada, pode resultar em ITU sintomática. De acordo com a idade, os recém-nascidos e lactentes raramente apresentam sintomas clássicos de ITU. Ganho ponderal insuficiente, vômitos, irritabilidade, distermias e urina com odor fétido podem ocorrer. A ITU nesta faixa etária pode ser causa de febre de origem obscura. Nos pré-escolares e escolares, predomina sintomatologia específica na primoinfecção. A disúria assume um papel importante. Sintomas como febre, dor abdominal e calafrios sugerem pielonefrite. Polaciúria, urgência, incontinência e/ou retenção urinária podem corresponder a um quadro de cistite. Sintomas menos
4 específicos e evidentes são observados em crianças que apresentam infecção de repetição. Nos adolescentes, polaciúria e disúria são os sintomas mais comuns e, o início da atividade sexual pode vir acompanhado de surtos de ITU. Diagnóstico Podemos suspeitar de ITU com base nos sintomas e/ou achados na análise da urina (EAS, urina tipo 1 ou sumário de urina), porém a urinocultura é necessária para confirmação diagnóstica e terapia apropriada. Nas crianças com controle esfincteriano, a urina de jato médio geralmente é satisfatória. Quando a cultura mostra mais de colônias de um único patógeno ou quando há a colônias e a criança é sintomática, consideramos ITU. O antibiograma deve ser solicitado e norteará uma possível troca de antibiótico diante de uma evolução desfavorável com antibiótico iniciado de forma empírica. Em bebês, a aplicação de bolsa coletora estéril, após higiene local, é interessante porém deve ser trocada a cada 30 minutos para minimizar a contaminação bacteriana. Quando se necessita de uma acurácia maior com relação à possibilidade de infecção, é possível se obter uma amostra por sondagem uretral (cateterismo vesical) ou punção suprapúbica (método mais confiável, porém invasivo, que consiste na introdução de agulha montada com seringa 2cm acima da sínfise púbica, após higiene local, 20 a 30 graus da perpendicular, exercendo aspiração contínua sobre o êmbolo). São características sugestivas de ITU no EAS: piúria (leucócitos > 5-10/campo), hematúria (> 5 hemácias/campo), esterase, nitrito e bacteriúria presentes. Tratamento O objetivo é erradicar o processo infeccioso, prevenir recorrências e o envolvimento renal, que pode cursar com perda progressiva de sua função e hipertensão arterial. A cistite aguda deve ser prontamente tratada para evitar a possível progressão para pielonefrite.
5 Se a criança estiver com o estado geral comprometido, após a coleta da urinocultura, o tratamento deve ser iniciado imediatamente. Se os sintomas forem leves ou o diagnóstico for duvidoso, o tratamento poderá ser adiado até os resultados da urinocultura, observando-se de perto o paciente. Em casos de ITU sintomática nãocomplicada, o tratamento deve ser ambulatorial. Para tal, os medicamentos de escolha costumam ser: Amoxicilina + Clavulanato, Sulfametoxazol + Trimetoprim, Cefalexina ou Cefuroxima, por 7 a 14 dias. Já os casos de pielonefrite, sepse urinária, menores de 1 mês de vida ou comprometimento importante do estado geral, devem ser tratados sob regime de internação. Os antibióticos de escolha são: Ampicilina + Gentamicina ou Ceftriaxone, por 10 a 14 dias. Os casos de bacteriúria assintomática, sem indícios de anormalidades do trato urinário, não devem ser tratados, pela possibilidade de substituição por cepa de maior virulência. A quimioprofilaxia visa manter a urina estéril e deve ser iniciada imediatamente após o tratamento erradicador. Está indicada para todas as crianças até que tenhamos terminado a investigação por imagens; pacientes com hidronefrose ou bexiga neurogênica; ITU de repetição sem anormalidade renal; RVU até seu desaparecimento ou uropatia obstrutiva, até correção cirúrgica; pacientes com distúrbio miccional até o seu controle. As drogas mais frequentemente utilizadas são: Sulfametoxazol-Trimetoprim, Nitrofurantoína ou Cefalexina (para neonatos e lactentes até 2 meses de vida), em dose única diária (à noite). Estudos de imagem: Qualquer episódio de ITU febril exige que o paciente tenha seu sistema urinário investigado, quanto à sua anatomia e função. O momento exato e o tipo de exame de imagem a ser indicado para estes pacientes ainda é controverso. Em geral, são realizadas ultrassonografia das vias urinárias e cintilografia marcada com DMSA (ácido dimercaptossuccínico). A primeira visa localizar anomalias renais estruturais, cálculos ou hidronefrose e a segunda, é capaz de desenhar o parênquima renal e evidenciar suas possíveis falhas e cicatrizes, seja na fase aguda ou após o término do
6 tratamento. Caso seja confirmado o envolvimento renal na ITU, deve ser indicada a uretrocistografia pós-miccional, exame padrão-ouro para avaliar refluxo vesicureteral (RVU). Alguns autores preconizam que esta seja realizada ainda na fase aguda da doença, desde haja urinocultura de controle negativa. Do contrário, deve ser feita em 2 a 6 semanas após o término do tratamento do episódio agudo. Até o final da investigação, o paciente deve ser mantido com a quimioprofilaxia. Caso o RVU seja confirmado, podemos classificá-lo como: Grau I: refluxo até os ureteres Grau II: refluxo até a pelve renal Grau III: refluxo até a pelve renal, com dilatação discreta de ureter e pelve Grau IV: refluxo até a pelve renal, com dilatação maciça de ureter e pelve Grau V: refluxo até a pelve renal, com dilatação e tortuosidade maciça de ureter e pelve.
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