Ecoeficiência: visão ampliada e leitura no contexto da organização sustentável
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- Rachel Camilo Klettenberg
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1 Ecoeficiência: visão ampliada e leitura no contexto da organização sustentável João S. Furtado jsfurtado2@gmail.com & João F. Lobato joão.f.lobato@gmail.com Instituto Jatobás Ecoeficiência pode ser analisada sob o ponto de vista de produção e produto ou, de modo mais abrangente, da política de atividades ou de negócios da organização (Furtado, 2001). Essencialmente, ecoeficiência retrata as relações entre custos de produção e efeitos ou impactos ambientais causados. Por isso, ecoeficiência é reverenciada com justificada razão como demonstração de desempenho de organizações que se destacam, na produção de bens e serviços. Com freqüência, ecoeficiência é associada, relacionada ou, equivocadamente, identificada como sendo o mesmo que Produção Mais Limpa (Cleaner Production), Produção Limpa (Clean Production) e apoiada em Ecodesign ou Design para o Ambiente. Não raramente, há referencias mais ambiciosas, equivalendo ecoeficiência à sustentabilidade. Aqui, ecoeficiência é vista segundo ponto de vista amplo e abrangendo: (i) entendimento conceitual e recomendações básicas para o cálculo do coeficiente de ecoeficiência; (ii) relações com Produção Mais Limpa e Produção Limpa, Ecodesign, Avaliação e Pensamento de Ciclo-de-Vida; e (iii) leitura de ecoeficiência no contexto da OS2 Organização Sustentável Sistêmica. Conceitos, entendimentos e implicações Na maioria das vezes, ecoeficiência é tratada de maneira simplista, como a maneira de se produzir mais, gastando-se menos recursos. Em determinadas ocasiões, a demonstração da ecoeficiência é feita pelo balanço de massa. Em outras situações, menciona-se como a prática para menor geração de resíduos e de impactos ambientais, com base nas diferenças entre volumes de bens produzidos, consumos de recursos e lixo ou resíduo (waste) gerados. Todavia, estes usos não traduzem o conceito estratégico original, proposto pelo WBCSD World Business Council for Sustainable Development, em 1992 e adotado no manual para medição de ecoeficiência (Verfaillie & Bidwell, 2000). Em ambos os casos, ecoeficiência consiste de conjunto de estratégias e habilidades para entrega preço-competitiva de bens e serviços que satisfaçam as necessidades humanas e tragam qualidade de vida, enquanto reduzam, progressivamente, os impactos ecológicos e a intensidade de recursos ao longo do ciclo-de-vida, a nível pelo menos alinhado com a capacidade de carga estimada da terra (tradução livre e grifo pessoal). Chama-se a atenção para o texto grifado, que destaca os requisitos impactos e intensidade de recursos, visão de ciclo-de-vida e, muito especialmente, o alinhamento à capacidade de carga estimada da terra. Em geral, prevaleceu e continua perdurando o foco nos sete elementos, mencionados na metodologia original para o cálculo do coeficiente de ecoeficiência, incentivados, no Brasil, pelo CEBDS Conselho Empresarial Brasileiro de Desenvolvimento 1
2 Sustentável, que constitui o capítulo brasileiro do WBCSD ( a saber: 1. reduzir a intensidade de uso de materiais 2. reduzir a intensidade de energia 3. reduzir a dispersão de substâncias tóxicas 4. fortalecer a reciclagem 5. maximizar o uso de materiais renováveis 6. estender a vida útil de produtos 7. aumentar a intensidade de serviços. O cálculo do coeficiente de ecoeficiência resultante da criação de valor (bem ou serviço), dividido pelo efeito ambiental provocado pela criação do valor é tratado (se é que isso tenha objetivamente acontecido) com pouca ou nenhuma transparência. Análise de Ciclo-de-Vida constitui prática bastante restrita, onerosa e, quando feita por grandes corporações, gera resultados que são mantidos sob sigilo, por serem considerados elementos de competitividade no mercado. A alternativa do Pensamento de Ciclo-de-Vida (Life-Cycle-Thinking) também é pouco usada e considera os efeitos e impactos, positivos e negativos, econômicos, ambientais e sociais da produção e consumo de bens e serviços, sob dois aspectos prevalentes. (i) O modelo do-berço-à-cova (cradle-to-grave da extração de matérias primas ao descarte ou destinação final, após o uso) e (ii) o do-berço-ao-berço (cradleto-cradle ou earth-to-earth da extração de matéria prima ao retorno de materiais para processos produtivos). Este último é também denominado ecoefetividade, com a recomendação de que haja pelo menos 3-5 ciclos de reuso ou reaproveitamento de sobras, resíduos e produtos ao final do uso ou da vida útil do bem. Teoricamente, o cálculo do coeficiente de ecoeficiência requer: (i) qualificação, quantificação e valoração monetária dos efeitos e impactos ambientais, no ciclo-devida; (ii) alinhamento com a capacidade de carga (carrying capacity) da terra e (ii) contabilização de tais danos, impactos ou efeitos ambientais derivados da criação e uso de bens e serviços. Mas, isso não acontece nas organizações pelo menos de maneira transparente. A construção de indicadores e métricas, para expressar os efeitos ou impactos ao longo do ciclo-de-vida e atribuição de valores monetários é ação reclamada, mundialmente. Busca na Internet revela número considerável de achados ou fontes globais, setoriais e negócio-específicos. Resultados animadores não acontecem em buscas de práticas de contabilização de impactos. Todavia, os praticantes de ecoeficiência podem dispor de indicadores e de centros de custos que aparecem no manual para o cálculo da ecoeficiência. Tais indicadores se referem aos custos com consumo de energia, consumo de materiais, emissão de gases com efeito estufa, substâncias depletoras da camada de ozônio, acidificação do ar, resíduos totais e sugestões para identificação de indicadores negócio-específicos. Para contabilização, o manual contém sugestões da EPA Environmental Protection Agency, dos Estados Unidos. 2
3 A deficiência mais importante, no trabalho dos praticantes, está na apuração dos impactos ecológicos e da intensidade de recursos ao longo do ciclo-de-vida, a nível pelo menos alinhado com a capacidade de carga estimada da terra. Por isso, a determinação do coeficiente de ecoeficiência limita-se a revelar custos ambientais adicionados, resultantes de relações diretas entre o bem ou serviço e determinados indicadores ambientais de consumo ou produção de recursos ou insumos. Os resultados ficam longe de revelar o significado da ecoeficiência em relação à sustentabilidade ambiental. Apenas para fins de harmonização de linguagem, sustentabilidade ambiental é aqui entendida como a qualidade da manutenção, por tempo indeterminado, da capacidade de biorreposição dos estoques de recursos naturais que são usados ou destruídos; da capacidade natural de bioconversão dos resíduos e dos despejos de poluentes nos meios ar, água, solo e subsolo; e da qualidade dos serviços ambientais ou ecológicos. Ecoeficiência, ferramentas e arcabouço organizacional Ecoeficiência é, acima de tudo, a maneira de verificar: (a) a capacidade da organização suportar, do ponto de vista econômico e financeiro (Bottom Line), a produção e o desempenho social no ambiente de atuação e (b) o impacto adicionado pelo produto ou função do produto no ambiente (meio-ambiente), durante determinado tempo. Segundo Fiksel (1996), a ecoeficiência deve refletir a habilidade de uma organização para gerenciar suas atividades, de modo a garantir a gestão simultânea de suas finanças e da qualidade, alcançar suas metas, reduzir os impactos ambientais e conservar os recursos. Nestes termos, ecoeficiência afeta ou é afetada pelo modelo de governança, gestão e estrutura organizacional; concepção, design, tecnologia e produção de bens e serviços; relacionamentos na cadeia de valor e integração com o ambiente e sociedade. Dentre as ferramentas para implementação de ecoeficiência, Produção Mais Limpa e Produção Limpa, Análise ou Pensamento de Ciclo-de-Vida e Ecodesign são as mais citadas. Entretanto, as opções são mais amplas, abrangendo: Sistema integrado processo-produto-consumo, Avaliação de riscos, Análise de fluxo de materiais, Demanda material total, Intensidade material por unidade de serviço, Fardo ecológico, Pegada ecológica, Pegada do carbono, Pegada da água e a associação de todas a compromissos, como Fatores 2, 4 e 10. Os recursos gerenciais, para ancorar a ecoeficiência, envolvem: (i) princípios, missão e política ambiental; (ii) tecnologia de gestão (management) e do processo de manufatura; (iii) visão de sistema integrado de processo, produto e articulação com os demais agentes da cadeia (fornecedores, prestadores de serviços, distribuidores, consumidores e demais agentes interessados os stakeholders); (iv) práticas comerciais com responsabilidade socioambiental (ecomarketing); (v) esquemas de comunicação ambiental (relatórios); (vi) política e sistema de gestão ambiental, inclusive das embalagens e dos restos de produto na fase após-uso e novas ferramentas de avaliação integrada de recursos econômicos, ambientais e sociais (do- 3
4 berço-à-cova e do-berço-ao-berço). Assim sendo, as relações entre ecoeficiência e os elementos de política (no sentido de policy), administrativa e produtiva são sistêmicas. Por isso, nem sempre é fácil interpretar ou distinguir como determinado tipo de prática ou de ferramenta influi ou é influenciado por outro, no aprimoramento do coeficiente de ecoeficiência da organização. As sugestões seguintes ilustram o amplo espectro de enfoques de gestão e ecodesign para aprimoramento da ecoeficiência em processos e produtos industriais. 1. Comprometimento da gerência de negócios da organização, a partir da definição formal (escrita) da política ambiental a ser clara e efetivamente praticada em todos os níveis operacionais. É importante relembrar que ecoeficiência refere-se aos elementos econômicos e ambientais, deixando de fora os sociais, como: valores, relacionamentos, atitudes e condições higiênicas. 2. Conformidade aos princípios mandatários (obrigatórios) e voluntários (principalmente o de caráter pró-ativo) da organização. 3. Estabelecimento de, conforme as características do negócio (a) Eco-indicadores - baseados na Avaliação ou no Pensamento de Ciclo-de-Vida, especialmente em relação a produtos concorrentes e/ou ambientalmente menos favoráveis. (b) Pontos focais de referência - por exemplo: peso, volume, substâncias perigosas, consumo de água e de energia, reciclagem, reuso, reaproveitamento, destinação e descarte, embalagem, etc. (c) Marcos de referência (benchmarking) - exemplos de desempenho ambiental já detectados, especialmente (i) da concorrência ou (ii) do conceito de produtos, nas primeiras etapas do processo de criação. Esta etapa pode ser subdividida em fases ou tarefas: i. escolha do produto, representado pelo melhor competidor comercial, levando em conta: distribuição/ocorrência (local, regional, global), funcionalidade e resultados (preço, desempenho, dimensões, marketing, entre outros) ii. avaliação dos marcos de referência e definição do sistema: percepção do mercado: competidores, predecessores; exigências dos consumidores; códigos mandatários e voluntários impacto ambiental: eco-indicadores e focos, envolvendo, inclusive, fornecedores, distribuidores e consumidores, embalagem, transporte, durabilidade e outras características ecológicas. iii. validação ou comparação do produto, com base nos eco-indicadores e pontos focais de referência iv. definição de áreas para atenção: qualificativo: consumo de energia, embalagem, peso/volume; eco-indicadores, ciclo de vida desqualificativo: reciclabilidade, conteúdo perigoso 4. Criação de produto: redesign ou inovação de funcionalidade, com base na estratégia ambiental análise ambiental do mercado política ambiental da organização benchmarking ambiental 4
5 casos de sucesso análise SWOT - Strengthness, Weakness, Opportunities, Threats (fortalezas, fraquezas, oportunidades e ameaças). 5. Envolvimento dos distribuidores, coprodutores e fornecedores (a) Informação sobre o produto - substâncias alvo principais (banimento, impactos), rotulagem, pesos/volumes dos principais materiais. (b) Desenvolvimento de produto - programa de ecodesign, redução de embalagem, eliminação de substâncias banidas e perigosas, minimização de substâncias relevantes. (c) Manufatura de produto - certificação e/ou normas ou padrões ambientais, eliminação de substâncias banidas, redução de substâncias relevantes. (d) Final de vida útil - devolução garantida (take-back), desmontagem e reciclagem, exigências legais. 6. Desenvolvimento de mercado Avaliação de ambiental x SWOT Elementos relevantes: produto, preço, canais de distribuição, promoção 7. Manufatura exigências mandatárias e voluntárias: poluição (ar, água, solo, sedimentos), substâncias químicas, ruídos, resíduos (especialmente os perigosos, tóxicos, banidos ou em banimento, alvos de Tratados e Convenções); responsabilidade do produtor (poluidor pagador, devolução garantida, recompra, responsabilidade continuada, etc.), riscos industriais. exigências do ecodesign: uso e consumo de materiais, de água e de energia; prevenção de resíduos; embalagem; vida útil e serviço; peso/volume; conexão de ecodesign com Produção Limpa/Mais Limpa. 8. Informação sobre o produto Informação geral: características, manual do usuário, instruções para serviços, orientação para o uso/consumo, resultados de testes com consumidores, perguntas e respostas freqüentes, legislação pertinente. Produto: lista de partes e componentes, incluindo peso/volume e composição; procedência das partes e dados de transportes; métodos de tratamento; composição de custos. Produção: fluxo do processo; sequência de montagem; taxa de falha no processo de produção; diagrama de entradas (energia, materiais, emissões, resíduos); transporte; taxas de vendas anteriores, distribuição geográfica e meios de transporte; embalagem. Instalações: planta (site) de produção; exigências construtivas. Uso do produto: energia, suprimentos, vida útil técnica e econômica, taxas de chamadas e partes sobressalentes, transporte de peças, materiais e pessoal técnico. Pós-vida útil: método geral de descarte e destinação; informações sobre testes; reuso e reaproveitamento (desmontagem, reparo, destinação, etc.). Produção Mais Limpa (Cleaner Production) se vale, principalmente, de arrumação da casa (housekeeping), gestão supervisionada (stewardship) e do próprio ecodesign, para o concepção de novos ou melhores processos e produtos, por meio de mudança de materiais e diferentes práticas de reaproveitamento (reuso, remanufatura, reciclagem e, por último, quando esgotadas as alternativas, incineração). Produção Limpa (Clean Production) ultrapassa Produção Mais Limpa, por adicionar o Princípio da Precaução, a Responsabilidade Continuada do Produtor (Poluidor Pagador), o Direito Público de Acesso à Informação e o Controle Democrático da 5
6 Tecnologia, quanto à gestão de risco e segurança em tecnologias, processos e usos de produtos. Ecoeficiência e a OS2 Organização Sustentável Sistêmica Todas práticas mencionadas são casos de atitudes além da conformidade, cuja importância é melhor percebida por organizações que apreenderam a lidar com as conformidades e transformaram a aprendizagem em vantagens competitivas e comparativas no mercado. Não há dúvidas de que ecoeficiência diferencia as organizações em seus setores de atividades, mas, é necessário enfatizar que ecoeficiência per se não é garantia de sustentabilidade, sequer econômica e ambiental, mesmo quando usada segundo a visão ampla e como foi apresentada. Neste sentido, é oportuno destacar o modelo desenvolvido pela Basf, inicialmente para aspectos econômicos e ambientais e que foi adicionado de indicadores sociais, permitindo comparar produtos, serviços ou processos, considerando aspectos ambientais - de acordo com a norma NBR ISO14040 Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) - econômicos e sociais. Portanto, a ferramenta incorpora parâmetros utilizados pela ACV, riscos para as pessoas, uso da terra e potenciais danos à saúde humana (ao longo de toda a cadeia de produção, transporte, uso e destinação final), fazendo uma avaliação dos aspectos socioambientais e econômicos. Na prática, a ferramenta realiza uma avaliação da performance econômica e ambiental ao longo das diferentes fases do ciclo de vida de um produto, serviço ou processo. ( O modelo da Basf é diferenciado, mas, comparativo para produtos, serviços ou processos. É rota promissora, porém, ainda tem caminho a ser percorrido para a Sustentabilidade no sentido de Desenvolvimento Sustentável uma vez que isto requer a integração de resultados econômicos, ambientais e sociais, muitas vezes referidos como Resultado Final Tríplice (Triple Bottom Line). Há diversas propostas inclusive norma voluntária, certificável (BS8901British Standard) para organizar ou redesenhar gestão para a sustentabilidade em organização (com ou sem fins lucrativos) para a sustentabilidade. Muitas vezes, trata-se de posicionar Saúde, Segurança e (Meio) Ambiente (EHS Environment, Health and Safety) no centro do modelo; outras, de orientar o modelo organizacional para gestão de riscos e finanças, com forte apelo na Responsabilidade Social. A OS2 Organização Sustentável Sistêmica é concepção teórica (Furtado & Lobato, em progresso), baseada em modelo de Desenvolvimento Sustentável na ocupação de espaços criado para o Instituto Jatobás ( - Furtado & Lobato, inéditos). A OS2 é alicerçada em fundamentos econômico-financeiros tradicionais e de economia ecológica, articulados à visão ampliada de ecoeficiência e à socioeficiência, esta última não abordada neste texto. Referências Fiksel, J Design for Environment. McGraw-Hill, 513 pp Furtado, J.S Administração da eco-eficiência em empresas no Brasil: perspectivas e necessidades. ENGEMA pp. 6
7 Furtado, J.S. & Lobato, J.F. Inédito. DS e ocupação de espaços. Modelo operacional. Instituto Jatobás. São Paulo. Julho pp. Arquivo fornecido sob demanda. Verfaillie, H. A. & Bidwell, R Measuring eco-efficiency. A guide to reporting company performance, 37 pp.world Business Council for Sustainable Development Fig. 1. Posicionamento de Ecoeficiência na gestão para a sustentabilidade econômicofinanceira, econômico-ambiental e socioeconômica. 7
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