Passeios aleatórios: utuações no lançamento de moedas e ruína do jogador
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- Kevin Carreiro Philippi
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1 Passeios aleatórios: utuações no lançamento de moedas e ruína do jogador Chen Yung Jen 1 e Elisabeti Kira (Orientadora 1 Universidade de São Paulo (IME-USP, Brazil chen.jen@usp.br Universidade de São Paulo (IME-USP, Brazil betikira@ime.usp.br 1. Introdução Passeios aleatórios simples fazem parte dos estudos de uma grande área chamada processos estocásticos. E a maneira mais fácil de ilustrar esses passeios é através do exemplo de lançamento de moedas. Suponha que uma pessoa lança uma moeda várias vezes. Para cada lançamento, se o resultado for cara, ela ganha R$ 1,00, caso contário, ela perde R$ 1,00. Considere que o registro do jogo é KC- CKKKKC (K=cara e C=coroa, este pode ser ilustrado gracamente, com cada K (denotando o ganho, equivalente a uma subida, tendo probabilidade p de ocorrer; e cada C (denotando a perda, representando uma descida, com probabilidade de ocorrência q = (1 p, como ilustrada na Figura 1. Esse tipo de modelo é chamado de caminho ou passeio aleatório. Figura 1. Ilustração de um passeio aletório. Apresentamos, na seção, as utuações no lançamento de moedas (caso simétrico e não-simétrico e algumas de suas propriedades importantes, tais como: princípio da reexão, lei do arco-seno, resultados relativos à primeira passagem, retorno à origem, pontos de máximo e mínimo, entre outros. E na seção 3, apresentamos o problema da ruína do jogador. As demonstrações dos resultados foram omitidos nesse resumo extendido.. Flutuações no lançamento de moedas.1 Número de caminhos e princípio da reexão Consideramos n símbolos, X 1, X,..., X n, tendo cada um deles o valor +1 ou 1 o qual ocorre com probabilidade p e q = (1 p, respectivamente. A soma parcial S k = X 1 + X + + X k representa o montante (capital ou ganho no instante k. Então (.1-1 S k S k 1 = X k = ±1, onde k = 1,,..., n S 0 = 0 S n = x Denição: Sejam n > 0 e x inteiro. Um caminho (S 1,..., S n da origem ao ponto (n, x é uma linha poligonal, tal que as abscissas dos vértices são 0, 1,..., n e cujas ordenadas (S 0, S 1,..., S n satisfazem (.1-1. Denotamos por n o comprimento do caminho. O número total de caminhos de comprimento n é igual a n. Suponha que existem s valores positivos e d negativos. Então temos n = s + d x = s d Denotamos por N n (r, x o número total de caminhos de comprimento n que tem S n = x e que passa pelo ponto r no instante k, ou seja, S k = r, com k n. (Esse é o número de caminhos de comprimento n passando por r e que termina em s. E denotamos por P n (r, x a probabilidade de S n = x e S k = r, para algum k n. O valor r ou x das notações N n (r, x e P n (r, x pode ser subtituído por, signicando que não há restrição para esse valor. Por exemplo, N n (r, é o número de caminhos de comprimento n passando por r e P n (, x é a probabilidade de um caminho de comprimento n que termina em x. Obtemos então (.1- (.1-3 N n (, x = ( n n+x = ( n n x P n (r, x = N n (r, xp (n+x/ q (n x/ 15
2 E se r está entre 0 e x, temos Obtemos também que P n (, x = P n (r, x P n (, x = ( q p x P n (, x O teorema a seguir refere-se a probabilidade de caminhos de comprimento n passando por r. Teorema: Se r 0, então P n (r, = P (S n r + ( p q r P (S n < r Agora, apresentamos o Princípio da reexão que é muito utilizado nos cálculos de vários resultados apresentados posteriormente. Lema(Princípio da reexão: Sejam A = (a, α e B = (b, β pontos com coordenadas inteiras tais que b > a 0, α > 0, β > 0. A reexão de A com relação ao eixo t é denido como sendo o ponto A = (a, α. O número de caminhos de A até B que tocam ou cruzam o eixo t é igual ao númeo de caminhos de A até B, como ilustrada na Figura. A probabilidade de que o máximo de um caminho de comprimento n é menor que ou igual a r, para r 0, é P (M n r = P (S n r ( p q r+1 P (S n < r 1 A probabilidade de que o valor máximo visitado por um caminho de comprimento n é exatamente r, para r 0, é P (M n = r = P (S n = r+ ( p q r P (S n = r 1+ (1 p q ( p q r P (S n < r 1 A probabilidade de que o valor visitado é sempre negativo, é dada por P (S 1 < 0,..., S n < 0 = qp (S n 1 0 pp (S n 1 < 1.. Primeiras passagens A probabilidade de que a primeira passagem através do ponto r ocorra no instante n é dada por P (S n = r, M n 1 = r 1 = ( r n P (S n = r..3 Pontos de mínimo Figura. Ilustração do princípio da reexão. Sabemos que N n (r, x = N n (r, r x para qualquer r e x. Desse modo, N n (r, x = N n (r, j onde x + j = r. Então, pelo Princício da Reexão, para r / [0, s], obtemos P n (r, x = ( p q r P n (, x r. Passeio aleatório simples: caso assimétrico Nesta subseção, considere que a probabilidade p de cada subida (ganho não tem a mesma probabilidade q de cada descida (perda, isto é, p q...1 Pontos de máximo Para cada caminho de compimento n, a variável aleatória M n = max{s 0,..., S n } representa o maior valor obtido (visitado. Desde que o caminho começa no S 0 = 0, o valor de M n é não-negativo. Obtemos os seguintes resultados: Para cada caminho de compimento n, a variável aleatória MIN n = min{s 0,..., S n } representa o menor valor obtido (visitado. Obtemos os seguintes resultados: A probabilidade de que o mínimo de um caminho de comprimento n é maior que ou igual a r, para r 0, é P (MIN n r = P (S n r ( p q r 1 P (S n > 1 r A probabilidade de que o valor mínimo visitado por um caminho de comprimento n é exatamente r, para r 0, é P (MIN n = r = P (S n = r+ ( p q r P (S n = 1 r+ (1 p q ( p q r P (S n > 1 r A probabilidade de que o valor visitado é sempre positiva, é dada por P (S 1 > 0,..., S n > 0 = pp (S n 1 0 qp (S n 1 > 1 16
3 .3 Passeio aleatório simples: caso simétrico Agora, considere que a probabilidade p de cada subida (ganho tem a mesma probabilidade q de cada descida (perda, isto é, p = q = 1. Um exemplo de aplicação é O teorema de eleição: Suponhamos que numa eleição o candidato A obtenha a votos e o canditato B obtenha b votos com a > b. Se ambos os candidatos têm igual chance de receber votos, então a probabilidade de que A lidere a votação durante toda a contagem é dada por a b a+b..3.1 Notação e noções básicas Como p = q = 1, então cada caminho de comprimento n tem probabilidade n de ocorrer. A notação da probabilidade de uma visita ao ponto x no instante n, P n (, x, será denotada, particularmente para o caso simétrico, simplemente por P n,x. Segue-se por (.1- que P n,x = P (S n = x = ( n n+x n Uma volta a origem ocorre no instante k, se S k = 0 e k = v (par, e terá probabilidade denotada por u v. Então temos u v = ( v v v Cuja aproximação dada pela fórmula de Stirling é u v 1 πv Dentre as voltas à origem, uma importante é a que trata da primeira volta à origem, a qual ocorre se S 1 0,..., S v 1 0 e S v = 0 A probabilidade desse evento será denotada por f v. Tomamos f 0 = 0, por denição. A relação entre u n e f n é dada por u n = f u n + f 4 u n f n u 0 A probabilidade do evento {S n > x} pode ser calculada pela aproximação normal (via Teorema Limite Central com E(X i = 0 e V ar(x i = 1, P (S n > x n 1 π x e t dt.3. Lema principal Lema: A probabilidade de que nenhuma volta à origem ocorra até o instante n (inclusive é igual a probabilidade de uma volta à origem no instante n, ou seja, P (S 1 0,..., S n 0 = P (S n = 0 = u n Obtemos outros resultados importantes, tais como: P (S 1 > 0,..., S n > 0 = u n / e P (S 1 0,..., S n 0 = u n E outra relação entre u n e f n, f n = u n u n, n = 1,,... Um simples cálculo reduz essa expressão a f n = u n /(n Última visita e lideranças prolongadas Num jogo prolongado de lançamento de moedas com p = q, a intuição nos leva a pensar que a liderança do jogo passaria de um jogador a outro com grande freqüência, ou seja, a chance do ca-minho passar (e/ou cruzar a origem é grande. Entretanto, o teorema abaixo trata de um resultado surpreendente que contradiz essa intuição. Teorema 1 (Lei do arco seno para últimas visitas: A probabilidade de que até o instante n (inclusive a última visita a origem tenha ocorrido no instante k é dada por α k,n = u k u n k, k = 0, 1,,..., n Com a fórmula de Stirling podemos obter com α k,n f(x k /n f(x = 1 π x(1 x, 0 < x < 1 que é a função arco seno. E para x xado, 0 < x < 1, e n sucientemente grande, obtemos α k,n (arcsen x/π k<xn Os resultados acima nos armam que a probabilidade de um jogador liderar todo o jogo é maior do que a probabilidade de a liderança car intercalando entre os dois. 17
4 A seguir, temos um teorema que relaciona os tempos de permanência com a lei do arco-seno. Teorema : A probabilidade que, durante o intervalo de tempo de 0 a n, o passeio permanece k unidades de tempo no lado positivo e n k no lado negativo, é igual a α k,n. Corolário: Para 0 < x < 1, a probabilidade de que o tempo de permanência do passeio no lado positivo seja menor que ou igual a nx e o tempo de permanência no lado negativo seja maior que ou igual a n(1 x converge para (arcsen x/π quando n..3.4 Mudança de sinal Teorema: A probabilidade de que até o instante n + 1 ocorram exatamente r mudanças de sinais é igual a ξ r,n+1 = P (S n+1 = r + 1, r = 0, 1,..., n.3.5 Pontos de máximo Quando o máximo do caminho é menor que r dizemos que S 0 < r,..., S n < r Lema: Seja x r. A probabilidade de que um caminho de comprimento n termine no ponto A = (n, x e tenha um máximo maior que ou igual a r é igual a P n,r x = P (S n = r x. Teorema: A probabilidade de que o máximo de um caminho de comprimento n seja igual r, r 0, coincide com o termo não-nulo P n,r ou P n,r+1, dependendo da paridade de n e r..3.6 Primeiras passagens A probabilidade de que a primeira passagem através do ponto r ocorra no instante n é dada por φ r,n = 1 (P n 1,r 1 P n 1,r+1 E usando propriedades (.1- e (.1-3, obtemos ( n φ r,n = r n n+r n Com os resultados da primeira passagem, temos Teorema: A probabilidade de que a r-ésima volta a origem ocorra no instante n é dada pela quantidade φ r,n r.. Isso signica que a r-ésima volta a origem no instante n tem a mesma probablidade de uma primeira passagem pelo ponto r no instante n r..3.7 Dualidade e posição de máximo Cada caminho está associado a uma sequência nita de X i, caso invertemos a ordem dos termos dessa sequência obteremos um novo caminho, que chamamos de caminho dual. Se os passos do passeio aleatório original são denotados por X 1, X,..., X n, então os passos do novo passeio aleatório serão denidos através das relações X 1 = X n,..., X n = X 1 Os vértices do novo passeio aleatório serão determinados pelas somas parciais S k = X X k = S n S n k O ponto extremo (n, S n do caminho será chamado de ponto terminal. Alguns fatos do caminho dual são: 1. Tempos de primeira passagem: a probabilidade de que uma primeira passagem através de um ponto positivo ocorra no instante n vale u v /, onde v = n/ ou v = (n 1/.. Máximo no ponto terminal: a probabilidade desse evento vale u v, onde v = n/ ou v = (n 1/. 3. Lei do arco seno para a primeira visita ao ponto terminal: com probabilidade α k,v = u k u v k, a primeira visita ao ponto terminal S v tem lugar no instante v k (k = 0, 1,..., v. 4. Lei do arco seno para a posição de máximo: se 0 < k < v a probabilidade de que na sequência S 0,..., S v o primeiro máximo ocorra nos instantes k = l ou k = l + 1 é dada por u l u v l /. Para k = 0 e k = v essas probabilidades são respectivamente u v e u v /..3.8 Um teorema sobre uma distribuição uniforme Teorema: Considere W k o número de caminhos de comprimento n tal que S n = 0 e que tem exatamente k passos acima do eixo. Então tem se que n u n /(n + 1 = n+1 f n+ para k = 0, 1,,..., n. Note que W k é independente de k e portanto ( n W = W 4 = = W n = /(n + 1 n 18
5 3. Ruína do jogador 3.1 Orientação geral Considere que um jogador começa um jogo com capital inicial x. Em cada aposta, ele ganha X, com probabilidade p ou perde X, com probabi-lidade q = (1 p. Seja C n, n 0, o seu capital após n jogos. Então C 0 = x e C n = x + X 1 + X + + X n Admitimos que os X k têm média nita µ. Se um jogador participa dos n primeiros jogos, seu capital esperado no tempo n é E[C n ] = x + nµ Suponha que o jogador xa os números a 0 e b x > 0 e assume o compromisso de abandonar o jogo quando seu capital atingir a ou b. Então o número T de vezes que ele joga é denida como T = min(n 0 S n a ou S n b Se um jogador participa das T primeiras partidas, seu capital esperado E[C T ] ao abandonar o jogo está relacionando com o número esperada de partida E[T ] da seguinte forma E[C T ] = x + µe[t ] Se os X k têm média µ = 0 e variância nita σ então V ar[c T ] = σ E[T ] 3. Caso simétrico Consideramos que, a cada partida, a probabilidade p de ganhar R$ 1,00 tem a mesma probabilidade q de perder R$ 1,00, isto é, X k = ±1, com p = P (X k = 1 = 1 q = P (X k = 1 = 1 Seja a x b, onde a, b e x (denidos anteriormente na subseção 3.1 são inteiros. Considere que a probabilidade de o capital nal ser a ou b é igual a 1, isto é, P (C T = a ou b = P (C T = a + P (C T = b = 1 Obtemos resultados como: A probabilidade de que o capital nal seja a é P (C T = a = b x b a A probabilidade de que o capital nal seja b é P (C T = b = x a b a O número esperado de partidas jogadas antes do jogo terminar é E[T ] = (x a(b x 3.3 Caso assimétrico Consideramos agora que p = P (X k = 1 q = P (X k = 1. Nesse caso obtemos resultados com a x b, onde a, b e x (denidos anteriormente na subseção 3.1 são inteiros, tais como: A probabilidade de que o capital nal seja a é P (C T = a = (q/px a (q/p b a 1 (q/p b a A probabilidade de que o capital nal seja b é P (C T = b = 1 (q/px a 1 (q/p b a O número esperado de partidas jogadas antes do jogo terminar é E[T ] = ( b a p q 1 (q/px a x a 1 (q/p b a p q O capital esperado ao término do jogo é E[C T ] = (b a 1 (q/px a + a 1 (q/p b a 3.4 Outros resultados Seja A um subconjunto dos inteiros. Para x / A e y / A, seja P A (x, y a probabilidade de que um caminho aleatório partindo de x alcance y em algum tempo positivo antes de alcançar A. Se x A ou y A, então P A (x, y = 0. Exemplo da aplicação à ruína do jogador: Considere que A = [a, b] e suponha que p = q. Então a probabilidade de que durante o jogo, o jogador que começando com o capital inicial x, retornar a esse mesmo capital antes de atingir a ou b, é P a,b (x, x = 1 p(b a (x a(b x Consideramos o número esperado G A (x, y de visitas a y antes de atingir A para um caminho aleatório começando em x (x / A e y / A. Seja G A (x, y = 0 se x A ou y A. Então temos que G A (x, y = P A(x,y 1 P A (y,y Se xarmos um y, y / A, o número de retornos a y, antes de atingir A, tem distribuição geométrica de parâmetro p = 1 P A (y, y. Assim o seu valor esperado é G A (y, y = P A(y,y 1 P A (y,y Exemplo: Continuando o exemplo anterior, temos que o número esperado de vezes que o jogador retorna ao seu capital inicial antes de atingir a ou b é G a,b (x, x = P a,b(x,x 1 P a,b (x,x 19
6 Referências [1] William Feller, An Introduction to Probability Theory and Its applications, John Wiley and Sons, Volume I, 3rd edition. New York, [] Paul G. Hoel; Sidney C. Port e Charles J. Stone, Introdução à Teoria de Probabilidade, Rio de Janeiro: Interciência: [3] David Callan, Pair Them Up! A Visual Approach to the Chung-Feller Theorem, The College Mathematics Journal, Vol.6, No. 3. (1995, pp [4] Jr. David Blackwell and J. L. Hodges, Elementary Path Counts. The American Mathematical Monthly, Vol.74, No. 7. (1967, pp [5] Robert I. Jewett and Kenneth A. Ross, Random Walks on Z, The College Mathematics Journal.Vol.19, No. 4. (1988, pp
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