Dados internacionais de catalogação Biblioteca Curt Nimuendajú
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1 Catalogação: Cleide de Albuquerque Moreira Bibliotecária/CRB 1100 Revisão: Elias Januário Revisão final: Karla Bento de Carvalho Projeto Gráfico/Diagramação: Fernando Selleri Silva Grafismos: Bakairi Capa: Fotos: Elias Januário Arte: Fernando Selleri Silva Dados internacionais de catalogação Biblioteca Curt Nimuendajú CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA - 3º GRAU IN- DÍGENA. Barra do Bugres: UNEMAT, v. 2, n. 1, Semestral ISSN Educação Escolar Indígena I. Universidade do Estado de Mato Grosso II. Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso III. Departamento de Documentação / FUNAI. CDU (81) : 37 UNEMAT - Universidade do Estado de Mato Grosso Campus Universitário de Barra do Bugres Projeto 3º Grau Indígena Caixa Postal nº Barra do Bugres/MT - Brasil Telefone: (65) / indigena@unemat.br SEDUC/MT - Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso Superintendência de Desenvolvimento e Formação de Professores na Educação Travessa B, S/N - Centro Político Administrativo Cuiabá/MT - Brasil Telefone: (65) FUNAI - Fundação Nacional do Índio Departamento de Educação DEDOC - Departamento de Documentação SEPS Q. 702/902 - Ed. Lex - 1º Andar Brasília/DF - Brasil Telefone: (61) / dedoc@funai.gov.br
2 ETNOCENTRISMO E A EXPERIÊNCIA DA DIVERSIDADE CULTURAL Chang Whan* O primeiro contato físico entre membros de diferentes culturas é quase sempre um momento marcante, de forte impressão. Somos geralmente tomados por um turbilhão de sentimentos, emoções e racionalizações quando nos deparamos pela primeira vez com o diferente, o desconhecido, o estranho. De início, por exemplo, somos muitas vezes tomados por aquela primeira grande força atrativa que é a curiosidade. Tão forte é este sentimento que ele quase nos paraliza. Tanto que, não sendo exclusividade única dos seres humanos, muitos animais chegam a se colocar em situações de extremo risco, arriscando-se a perder suas vidas por pura curiosidade. O momento instaura uma certa tensão, e outros sentimentos, como medo, empatia, desconfiança, admiração, rejeição, simpatia, entre outros, podem também surgir depois, não necessariamente todos, ou nesta ordem, mas certamente alternados por esforços de racionalização, como reflexão, exame, análise, comparação etc., na tentativa de compreender o novo. Encontros deste tipo são experiências fortes porque passam pela experiência de um paradoxo: Eles, os outros tipos da nossa espécie, são tão estranhamente diferentes de nós, mas... Por outro lado, nós ( nós e eles ) na realidade, somos tão parecidos... * Ms. em Antropologia da Arte, docente na etapa de Línguas, Artes e Literaturas III. 71
3 CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA O que pensar? Como agir? Devemos nos aproximar, ou nos afastar? São dúvidas que pairam no ar. Reconhecer o outro talvez seja o melhor primeiro passo. É preciso reconhecer o outro, o culturalmente diferente, pois ele existe, e está aí, à minha frente, e, neste mundo globalizado do terceiro milênio, muito provavelmente ele está aí para não mais ir embora. Reconhecer é o primeiro passo para conhecer. E é só conhecendo que podemos aprender a respeitar e a lidar com as diferenças. Se pretendemos que sejamos respeitados dentro de nossas especificidades culturais devemos então, do mesmo modo, saber respeitar as especificidades do outro, e relativizar os nossos próprios valores culturais, a nossa visão de mundo. Aprender sobre o outro significa também aprender mais sobre nós mesmos. O processo de conhecimento passa assim a ser, na realidade, um processo de crescimento, de auto-conhecimento. Aí reside a riqueza da oportunidade proporcionada pela experiência multicultural. A experiência com a alteridade, com o outro, é certamente uma experiência instigante e enriquecedora. Olhar o outro é como olhar-se no espelho, um espelho que, apesar de não refletir 1 a nossa própria imagem, mas a imagem do outro diferente, faz-nos refletir sobre a nossa própria aparência física, a nossa identidade, a nossa bagagem cultural, o nosso modo de ser, enfim, a nossa condição existencial, enquanto fazemos o mesmo sobre o outro que está à nossa frente, e neste processo compreendendo que é preciso saber relativizar a nossa própria visão de mundo. É a oportunidade de compreendermos que os nossos modos de vida não são os únicos, e tampouco podemos afirmar que sejam os mais acertados. A grande variedade de formas culturais é resultante de muitos fatores, tais como a trajetória histórica dos povos, as visões de mundo (incluindo as crenças e o ideário religioso), o meio ambiente, as soluções encontradas para os problemas, os contatos e as influências, entre tantos outros. 1 Atentemos aqui para o duplo sentido da palavra refletir: espelhar e pensar. 72
4 ETNOCENTRISMO E A EXPERIÊNCIA DA DIVERSIDADE CULTURAL Entre a variedade de sentimentos que podem sobrevir na relação com o outro cultural, muitos podem ser decorrentes de um sentimento global reconhecido como etnocentrismo. Na definição do Novo Dicionário Aurélio, etnocentrismo é a tendência para considerar a cultura de seu próprio povo como medida de todas as outras. Ter a própria cultura como referência é de certa forma natural e compreensível, uma vez que obviamente é ela a que mais conhecemos, e é com ela que enxergamos o mundo e as outras culturas. Tal perspectiva cultural se revela em muitas das formas de auto-denominação dos povos. Os chineses, por exemplo, nos primórdios de sua história referiam-se ao seu território de ocupação como Zhun Quo, que significa a nação central, nome que perdurou através dos milênios até os dias atuais. Estavam convictos de que ocupavam o centro do mundo, pois pouco sabiam ou totalmente desconheciam o resto do mundo. Hoje, os chineses sabem que seus ancestrais estavam equivocados. Onde, aliás, poderia ser o centro do mundo, se o mundo é redondo? Os Karajá se auto-denominam como Inã, que vem a significar gente de verdade, com isso subtraindo da categoria de gente verdadeira os outros exemplares da espécie humana, índios, ixyju, ou brancos, tori. Muitos outros exemplos ainda podem ser lembrados. Com o progressivo aumento do conhecimento sobre as outras culturas, a visão de mundo etnocêntrica passa a ser revista e questionada na sua lógica absolutista, sendo colocada sob novas perspectivas relativizadoras. Os nomes ficam e se perpetuam pois são fortes e têm o peso da tradição, ainda que não reflitam mais o estado de conhecimento e a compreensão que se tem do mundo. O orgulho pela própria cultura é certamente um aspecto positivo decorrente do etnocentrismo. Com esse sentimento afirmamse e valorizam-se as formas culturais próprias e reforça-se a autoestima étnica. Para as minorias pode até mesmo atuar como uma espécie de instinto de presenvação étnica, quando evocado a sobrepujar um esquisito sentimento de vergonha em face das formas cul- 73
5 CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA turais dominantes. Cresce cada vez mais a consciência de que se um povo não souber se valorizar dento de suas tradições culturais, pouco se pode esperar que outros povos o valorizem e o respeitem. Mas como a uma faca de dois gumes, é preciso estarmos atentos, pois, se o orgulho pela própria cultura é uma decorrência positiva do etnocentrismo, por outro lado esta mesma perspectiva pode também levar-nos a supor que a nossa cultura é enfim melhor que as outras, que os nossos modos de vida são os mais acertados, que as nossas crenças e religião são os mais verdadeiros, que as nossas expressões artísticas são mais bonitas, e assim formar-se um tipo de postura etnocêntrica que nos leva a desenvolver um sentimento de auto-promoção, que, por sua vez, pode nos levar ao menosprezo pelas formas culturais alheias, e ao preconceito pelo que não é semelhante. Eles são tão esquisitos... fazem isso, pensam aquilo.... Equívoco etnocêntrico novamente. Não é difícil perceber que atitudes etnocêntricas e preconceituosas como estas são geralmente devidas ao desconhecimento, ou ao pouco conhecimento, ou a um conhecimento superficial e distante do outro cultural, o semelhante, mas diferente. Se pensássemos bem e seguíssemos a hipótese de que realmente há um sistema cultural melhor que os demais, certamente todos haveriam de querer adotá-lo. O mundo seria então todo igual, unicultural, ao invés de multicultural. Seria talvez como um rio em que só houvesse um tipo de peixe. Que pobreza não seria! Temos portanto, aí, os dois lados de uma mesma moeda, a moeda do etnocentrismo: o orgulho positivo de afirmação da identidade cultural e étnica, de um lado, e o preconceito e a intolerância para com o diferente, do outro. A postura sábia e madura estará em tomar conciência desta dupla faceta para podermos sempre contar com a sabedoria e o discernimento na hora de considerarmos os nossos semelhantes. Na experiência do projeto do 3º Grau Indígena podemos distinguir três momentos basilares na proposta de formação de seus acadêmicos, quais sejam: 74
6 ETNOCENTRISMO E A EXPERIÊNCIA DA DIVERSIDADE CULTURAL 1) Da reafirmação do saber indígena, do etnoconhecimento, dos seus modos tradicionais de transmissão de conhecimento, prerrogativa garantida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996; 2) Da apresentação do saber formal institucionalizado, instância em que os acadêmicos têm a oportunidade de compartilhar dos conteúdos de formação e de informação do 3º Grau convencional; 3) Do aprendizado pragmático decorrente diretamente da experiência do convívio com a diversidade cultural, uma vez que, reconhecidamente, a base dessa educação específica e diferenciada é a interculturalidade, isto é, o diálogo com as culturas (Januário 2002:18). Sendo o preconceito cultural, como visto, um dos grandes empecilhos ao entendimento e à tolerância entre os povos, é exatamente a experiência concreta com o diferente e a diversidade proporcionada pelo Projeto do 3º Grau Indígena que representa uma grande oportunidade de aprendizado. Na convivência próxima entre etnias e culturas diferentes, o sentimento preconceituoso, fruto da ignorância e do desconhecimento, pode ser transformado em respeito e tolerância através do conhecimento e da aprendizagem. É precisamente este o diferencial a mais que o projeto proporciona a seus acadêmicos em relação ao 3º grau convencional dos grandes centros urbanos. Como bem sintetiza Silva e Grupioni, a idéia é...fazer da diferença um trunfo, explorá-la em sua riqueza, possibilitar a troca, o aprendizado recíproco (1995). A diversidade é a riqueza e a vocação da nação brasileira, e, apesar de todas as perdas culturais e étnicas já sofridas ao longo dos seus quinhentos anos de história, é ainda pela sua extraordinária riqueza cultural que o Brasil é reconhecido pelo resto do mundo. Um caldeirão cultural, para o Brasil vieram imigrantes de todas as partes do mundo, que, sentindo-se bem acolhidos, sentiram-se em casa, e trouxeram seus hábitos, seus conhecimentos, suas culturas, suas formas de vida e de arte, somando e acrescentando sempre à 75
7 CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA rica herança cultural brasileira, admirada pelo mundo todo. É portanto desta multiculturalidade que devemos nos orgulhar, defendendo-a e preservando-a. Bibliografia JANUÁRIO, Elias. Ensino Superior para Índios: Um novo paradigma na Educação. In: Cadernos de Educação Escolar Indígena. 3º Grau Indígena - n. 01, v. 01. Barra do Bugres: UNEMAT, Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, SILVA, Aracy L. e GRUPIONI, Luis D. B. Educação e Diversidade. In: Silva, Aracy L. e Grupioni, Luis D. B. A Temática Indígena na Escola. Brasilia: MEC/MARI/UNESCO,
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