É possível a exploração de potencial hidráulico em terras indígenas no Brasil?
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- Iasmin Jardim Capistrano
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1 É possível a exploração de potencial hidráulico em terras indígenas no Brasil? Miguel Sória* Estudos antropológicos indicam que a ocupação humana na América do Sul começou há aproximadamente 12 mil anos, quando por volta de mil anos antes povos oriundos da Ásia cruzaram o Estreito de Bering, localizado entre o que é hoje a Rússia e o estado norte- americano do Alaska, e adentraram pela porção ocidental daqueles territórios. Esses primeiros habitantes evoluíram de forma heterogênea, alcançando desde civilizações desenvolvidas, como os Astecas e os Maias, na América Central, e os Incas, na região dos Andes, a povos que não ultrapassaram o Paleolítico, que é o caso dos indígenas brasileiros, que desconheciam tecnologias como a roda, o espelho ou armas bem elaboradas. Com a descoberta da América, a agressiva postura de conquista dos europeus, aliada a uma abissal defasagem tecnológica entre estes e os indígenas, não só pelo emprego das naus oceânicas, mas devido principalmente ao uso de armas de fogo contra armas brancas, levou os nativos a sucumbirem, apesar de muito lutarem por seus interesses. Assim, os indígenas, que detiveram a posse das terras americanas por mais de 95% do tempo de sua existência, experimentam nos últimos 500 anos um processo de declínio de suas comunidades, de absoluta incapacidade de competição com a dita sociedade moderna. Uma cultura, científica e materialista, que sufoca outra, simplista e espiritual. Depois de um tempo, com o fito de proteger esses povos da contínua subjugação, foram- lhe assegurados direitos por lei e também a eles foram destinados territórios exclusivos para viverem de acordo com seus costumes e cultura. No Brasil, os índios possuem leis e estatutos protetivos, bem como já foram até então demarcadas 683 terras indígenas, que ocupam em torno de 1,1 milhões de km 2, equivalentes a 12,6% do território do país, estando nelas abrigados por volta de 800 mil indivíduos (ver figura). Essas áreas demarcadas, por sua vez, estão situadas em sua maior parte na Região Amazônica, sendo que, coincidentemente, grande parte do potencial hidrelétrico inexplorado do Brasil, estratégico para o futuro sustentável do país, também se encontra na hinterlândia amazônica, próximo de terras indígenas, onde algumas das usinas previstas interferem nessas terras. E há como conciliar geração de energia e os interesses das comunidades indígenas em empreendimentos que as afetem? Para tentar responder a essa e a outras importantes questões, foi realizado pelo Instituto Acende Brasil em São Paulo, nos dia 3 e 4 de outubro passado, o evento Brazil Energy Frontiers o setor elétrico e as novas fronteiras globais no qual este autor participou como ouvinte representando o CBDB, cujo temário tratou também de terras indígenas em sessão em que foram apresentados quatro trabalhos acadêmicos e no Painel 2 - Energia, comunidades locais e povos tradicionais: participação e inclusão, que foi precedido de apresentações de três especialistas. A sessão de debates do painel contou com a participação de representantes da FUNAI, do Ministério Público Federal, do Ministério de Minas e Energia, do Instituto Acende Brasil e de um antropólogo (ver informação abaixo).
2 Resumidamente, foram apontadas duas restrições legais relevantes, aparentemente não impeditivas de realização de explorações de interesse nacional em terras indígenas. A primeira delas se refere ao Artigo nº 231 da Constituição Federal de 1988, em que consta:... Art º - O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando- lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.... Interpreta- se que a oitiva constitucionalmente prevista não assegura direito de veto aos indígenas. A segunda restrição refere- se à Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais, assinada e ratificada pelo Brasil, em que consta no Artigo Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão: a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá- los diretamente; b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes.... Associado ao que consta no Artigo 16: Com reserva do disposto nos parágrafos a seguir do presente Artigo, os povos interessados não deverão ser transladados das terras que ocupam Quando, excepcionalmente, o translado e o reassentamento desses povos sejam considerados necessários, só poderão ser efetuados com o consentimento dos mesmos, concedido livremente e com pleno conhecimento de causa. Quando não for possível obter o seu consentimento, o translado e o reassentamento só poderão ser realizados após a conclusão de procedimentos adequados estabelecidos pela legislação nacional, inclusive enquetes públicas, quando for apropriado, nas quais os povos interessados tenham a possibilidade de estar efetivamente representados.... O que significa dizer que os procedimentos estabelecidos pela legislação nacional, quando forem baixados por lei, serão decisivos para que se estabeleça ou não algum tipo de exploração em terras indígenas. Segundo os pesquisadores, tanto a oitiva como a consulta pressupõem, antes de tudo, o respeito que se deve ter ao direito dos indígenas de manifestarem prévia e livremente sua opinião, com base em informações precisas e confiáveis que lhes sejam fornecidas pelos órgãos responsáveis, rumo à construção de relacionamentos que permitam a construção de posteriores acordos o modus vivendi. Nesses acordos será indispensável estabelecer as formas de repartição de benefícios proporcionados pelo empreendimento, bem como a compensação financeira, sua destinação e respectiva forma de gestão e controle. Um exemplo de construção de um acordo com essas características vem do Canadá. Lá, a empresa Hydro Québec, com a participação dos governos provincial e federal, estabeleceu em 2002 acordos de parceria com os índios da etnia Cree, pelos quais eles consentiram que fosse construído em suas terras o aproveitamento hidrelétrico Eastmain- 1- A/Sarcelle/Rupert (918 MW), desde que pudessem participar ativamente nas fases de estudos, construção e operação do empreendimento,
3 receberem compensações financeiras e muitas outras contrapartidas (ver referências sobre esse caso em fontes ). Nas discussões, foi apontado pelo representante do Ministério de Minas e Energia que o emprego das usinas- plataforma, com uso de helicópteros, por serem pouco invasivas tanto na fase de construção como na de operação, é visto pelo setor elétrico como uma inovação tecnológica que poderá facilitar o estabelecimento dos acordos. A aplicação desse conceito minimalista está prevista, por exemplo, no Projeto Tapajós, que tem usinas que afetam comunidades indígenas, cuja importância energética é vital para o futuro do país. Em conclusão, a análise da possibilidade de aproveitamentos hidrelétricos próximos de ou em terras indígenas não pode deixar de considerar o havido entrechoque cultural, de cujos resultados extremamente desfavoráveis padecem há muito os índios brasileiros e que deram origem à existência dessas reservas. Há que se ouvir, propor, negociar, com inteligência, sem soberba ou imposições. Por outro lado, as comunidades indígenas terão a oportunidade de conhecer, sem vícios de informação ou confundidos por intermediários contrários à construção de usinas, quais são os reais predicados da hidreletricidade e dos usos mú ltiplos dos reservatórios que são muitos e como deles as comunidades poderão também se beneficiar, caso tenham que renunciar a porções de seu território que eventualmente sejam inundadas. Obviamente, o tema continuará requerendo profundas reflexões de todos os envolvidos, sociedade, governo, políticos, ONGs e comunidades indígenas, de modo que se alcance a exata compreensão de sua complexidade e abrangência. Um assunto que, sem dúvida, exige a adoção de novos modelos mentais para ser adequadamente discutido. Sugerimos que aqueles se interessarem por mais informações sobre o assunto, consultem os trabalhos relacionados nas fontes abaixo indicadas.
4 Elaborado pelo autor Fontes Agreements between Hydro-Québec, the Société d énergie de la Baie James and the Crees of Québec - Summaries (2002): Diamond, Jared. Armas, germes e aço os destinos das sociedades humanas. Editora Record, Rio de Janeiro, RJ. 14ª Edição (2012). 471 p. Doria, Maria A. e Freire, Leonardo. A exploração de aproveitamentos hidrelétricos: propostas de regulamentação da participação das comunidades indígenas afetadas à luz do Princípio FPIC. Giacobbo, Daniela G.. O setor elétrico, as comunidades locais e os povos tradicionais: Possibilidade de resolução consensual dos conflitos socioambientais. Hydro-Québec's Home Page: Eastmain-1-A/Sarcelle/Rupert Project Leonhardt, Roberta D., Stump, Daniela e Castelo Branco, Carolina de A.. Status of free, prior and informed consent in private sectors and under Brazilian Law. Rocha, Caroline M. e Soler, Fabricio D.. A variável indígena no procedimento de licenciamento ambiental das hidrelétricas. Brazil Energy Frontiers 2013 Painel 2 - Energia, comunidades locais e povos tradicionais: participação e inclusão Contexto e Questões para Debate Claudio Sales (Instituto Acende Brasil) Keynote Speaker I Kirsten-Maria Schapira-Felderhoff (Organização Internacional do Trabalho - OIT) Keynote Speaker II Luiz Ros (Banco Interamericano de Desenvolvimento)
5 Painel de Debate Cassio Noronha Ingles de Sousa (Consultor Independente) Francisco Romario Wojcicki (Ministério de Minas e Energia) Mario Gisi (Ministério Público Federal) Alexandre Uhlig (Instituto Acende Brasil) * Engenheiro Civil, Diretor de Comunicações do Comitê Brasileiro de Barragens (CBDB). Outubro de 2013.
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