æ opinião PROJETAR DEVE SER DIVERTIDO! Yopanam Rebello

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1 æ opinião PROJETAR DEVE SER DIVERTIDO! Yopanam Rebello

2 PROJETAR DEVE SER DIVERTIDO! Yopanan Rebello a Parece que hoje em dia muitos profissionais esqueceram o que é projetar. A falsa urgência, a pressa, considerada a alma dos nossos negócios, ajudou a descaracterizar o processo de projetar. Elaborar um projeto tornou-se o simples cumprimento de uma tarefa. Diga o que você quer e eu, no mais curto prazo, farei o que você quiser. Esse é o mote atual no meio profissional, tanto de arquitetura como de engenharia. Gostaria de desenvolver meu raciocínio comparando o projeto a um jogo, não a um jogo de azar, cujo resultado depende de sorte, o que não deve ser o caso de um projeto, mas de jogos como xadrez, futebol, voleibol, queimada, e amarelinha, entre tantos outros, que todos devem ter jogado pelo menos uma vez; jogos nos quais o saber pensar e criatividade são habilidades valorizadas. Como o próprio nome diz, projetar é lançar à distância. O que, sem dúvida, já se torna por si só um jogo. No nosso caso, projetar é lançar um raciocínio na distância do tempo, é lançar uma idéia para o futuro. Para projetar é necessário seguir regras. É principalmente neste aspecto que o projeto assemelha-se a um jogo. Mas, falar em regras pode desgostar muitas pessoas: aquelas que não vêem com bons olhos a existência de regras; uma postura que denota um certo æ opinião Projetar de ser divertido! por Yopanan Rebello - Vol.II N o 2 Jun.07 Página 2 de 6

3 preconceito, já que é impossível pensar em algo que tenha consistência e que não tenha regras. O próprio caos tem regras, apenas, nem sempre, tão aparentes. Outros podem até não gostar de regras pré-estabelecidas, o que, em princípio, é muito bom; que criem, portanto, outras regras que entendam ser melhores. O que não é possível é raciocinar sem regras. O que faz muitas pessoas acharem que regras cerceiam a liberdade é a existência de regras ruins, mal pensadas, que não levam à possibilidade de criação. Existem regras boas e regras ruins. As regras boas conduzem ao belo, ao criativo; as ruins tornam a atividade feia e sem graça. Para mim o futebol inglês, o jogado aqui no Brasil, tem regras que deixam a competição mais bonita que as regras do futebol americano. Gosto das regras de educação, elas criam beleza, desgosto das regras militares, elas criam a disciplina insana, o que, no meu entender, não é nada estética. Logo, participar de uma atividade que tem regras boas não prejudica o resultado final, pelo contrário é através delas que se pode chegar a coisas novas e belas. Portanto é impossível realizar um projeto sem regras. Outra situação em que o projeto se assemelha ao jogo é nas questões de ritmo, harmonia, nas dualidades de mudança e permanência, calma e tensão. E é exatamente nestas dualidades que se criam as mudanças de direções no raciocínio. É no raciocínio divergente que se dá o processo criativo; e divergir é um ato que está ligado à diversão, outra característica importante do jogo. Por tudo isso é que o projeto não pode ser tratado como uma tarefa a ser cumprida sem uma reflexão sobre as questões/regras envolvidas, sem estratégias adequadas e sem treino, ou seja, sem o processo de tentativa e erro, que entre outras coisas boas faz aprender e, portanto, evoluir.mas para que tudo isso seja feito da maneira mais adequada há que se despender tempo. Hoje o que muitos profissionais fazem, com o nome de projeto, nada mais é que um palpite, neste caso, sem dúvida, um jogo de azar. Na base do seja o que Deus quiser. æ opinião Projetar de ser divertido! por Yopanan Rebello - Vol.II N o 2 Jun.07 Página 3 de 6

4 A informática, que deveria ser vista como a boa ferramenta que é, tem sido usada, por pessoas menos avisadas, como uma arma de destruição do processo de pensar. O uso da informática, da forma como ocorre atualmente, é um dos fatores que descaracterizam o projetar como um processo. Um processo que requer um tempo adequado e necessário para que o pensamento criativo se instale. Se o uso inadequado da informática já causas graves danos ao projeto de arquitetura, no caso do projeto de estrutura chegou-se ao nível da calamidade e do grotesco. O computador, no lugar de ser usado como uma ferramenta que permite maior rapidez naquilo que não exige necessidade de pensar, ou seja, no fazer repetitivo e tedioso dos cálculos, é usado como gerador de soluções. Poucos entendem essa máquina como ferramenta que, por ser ágil, é útil ao processo de tentativa e erro e, portanto, ao processo de aprimoramento de resultados. A pressa enlouquecida de se dar uma solução, qualquer que seja, leva a aceitar a primeira resposta como a única. Ah! Essa falsa urgência, desnecessária e irritante! Em nome da velocidade, aceita-se qualquer resposta. Uma urgência falsa, importada do ambiente da informática, que enterra cruelmente, as possibilidades humanas de prazer e busca da qualidade. A velocidade inumana da informática foi, sem qualquer crítica, desgraçadamente incorporada à vida dos seus usuários. Quem tem que ter velocidade é a máquina, não o ser humano. A velocidade humana para produzir deve estar de acordo com aquela que garanta, não só a qualidade do produto, mas também, e principalmente, a sua qualidade de vida; velocidade adequada que possa permitir ao ser humano, no devido tempo, progredir intelectualmente e poder transmitir esse ganho a seus artefatos. Dentro dessa falsa urgência, o projetar deixou de ser diversão para ser apenas negócio. O projeto visto como um simples negócio permite que, uma propaganda enganosa possa agregar valor àquilo que não tem e nunca terá. Muitos profissionais, na ânsia de se posicionar economicamente perante æ opinião Projetar de ser divertido! por Yopanan Rebello - Vol.II N o 2 Jun.07 Página 4 de 6

5 a sociedade, tratam o compromisso de projetar como simples comércio; talvez pior, quando a meta não for o dinheiro, o fazer projeto torna-se uma maneira de mostrar um certo tipo de status, tal como: eu tenho um escritório com bastante trabalho, e você? Atitude que o leva a aceitar qualquer remuneração e todo tipo de pressão nos prazos e resultados, fazendo-o executar apenas uma tarefa, cujo resultado tem grande chance de ser de má qualidade. Essa postura no jovem profissional é, sem dúvida, errada, mas até compreensível; já no caso daqueles com mais anos de estrada é uma violência. É urgente mostrar, principalmente aos jovens profissionais, que esse tarefismo é um tiro no pé. Passados os verdes anos, quando a razão pesar mais que a ação, ele poderá perceber que será tarde para rever o que se fez. Quando observo uma bela obra produzida por um Normann Foster, um Ove Arup, sempre sinto uma grande emoção. Só que depois da admiração, vem sempre uma certa depressão, uma sensação de incapacidade e de revolta. Revolta pela forma como os profissionais do dito terceiro mundo são levados ao imediatismo, ao qualquer coisa serve, pois há pressa no ar. Já em paises, ditos do primeiro mundo, um projeto leva anos para ser realizado, as equipes são compostas de centenas de profissionais, todos, muito bem remunerados. A empresa de projeto de estruturas Ove Arup, por exemplo, tem nos seus quadros, além dos profissionais imediatamente correlatos à sua área de atuação, outros, de áreas aparentemente não afins, como escultores e biólogos. Imagine como deve ser sensacional discutir um detalhe de estrutura com um escultor! No Brasil uma idéia dessa é, por enquanto, impensável, mesmo nas grandes empresas, pois antes de tudo, há que se vencer preconceitos; é necessária uma visão mais holística da realidade, atitude que se transmitida ao fazer do projeto pode levar a soluções bem mais criativas. É urgente uma revolução de idéias que, sem a pretensão de querer mudar tudo de uma hora para outra, garanta o início de um processo de revisão cultural do valor do projetar æ opinião Projetar de ser divertido! por Yopanan Rebello - Vol.II N o 2 Jun.07 Página 5 de 6

6 e do planejar. Revolução bem vinda não só na arquitetura e engenharia, mas também em outras áreas de atuação humana. Os jovens profissionais são a esperança e o meio, para que uma revolução desse tipo ocorra. Um futuro mais digno para nossas profissões depende dessa vontade de mudar. Mas como incutir essa postura nos novos profissionais? Só vislumbro uma maneira: através do processo de ensino e aprendizagem nas escolas. Com incentivo ao pensar, respeitando o tempo próprio para isso; sem a cobrança estafante das entregas urgentes. As famosas viradas noturnas a que os alunos se dedicam nas fases de entrega de trabalhos escolares são testemunhas de um processo tarefeiro. Ninguém pensa, todos cumprem tarefas. Assim educados, reproduzem esse mesmo procedimento na vida profissional. Professores argumentam que os trabalhos que eles pedem para os alunos podem ser executados dentro da sala de aula, sem necessidade de horas extras. Pode até ser que sim, mas com que grau de crítica, raciocínio e experimentação? Nosso ensino ainda está muito voltado para o cumprir o programa em detrimento ao pensar e aprender. O grande engenheiro de estruturas, Eduardo Torroja dizia: nas escolas há tanto para aprender que não sobra tempo para pensar. Talvez, você que esteja lendo este artigo tenha outras idéias para mudar essa situação miserável (em todos os sentidos) em que se colocou o divertido (criativo e alegre) jogo de projetar. Converse sobre o assunto com outros profissionais, pense em uma maneira de mudar a situação, para que os verdadeiros profissionais, e por que não, também os amadores, no melhor sentido da palavra (o que ama fazer o que faz), sejam reconhecidos e sua atividade de projetar finalmente valorizada. Sobre o autor a Yopanam Rebello Engenheiro Civil, Mestre e Doutor pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. æ opinião Projetar de ser divertido! por Yopanan Rebello - Vol.II N o 2 Jun.07 Página 6 de 6